Direito de Família

Violência doméstica contra crianças e adolescentes: uma constante silenciosa que afeta as famílias

GABRIELA OLIVEIRA MOREIRA

RESUMO

A infância é a primeira fase do desenvolvimentohumano, e por isso nesse período é necessário cuidados especiais dentro e fora do ambiente familiar. No entanto, crianças e adolescentes tem sido vítimas da violência doméstica, sofrem agressões físicas e psicológicas, e diante de tamanha gravidade do problema, essa situação passou a ser considerada uma questão de saúde pública. Os maus tratos sofridos pelo público infanto-juvenil não é algo recente, visto que desde as organizações sociais mais remotas havia desrespeito em relação aos menores, já que eram considerados propriedade de seus pais, pensamento que se configura até os dias atuais. A violência doméstica contra crianças e adolescentes afeta famílias de características variadas, não estando presente apenas em classe A ou B. A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente asseguram aos menores direitos e atribuem aos adultos seus deveres para que exista convivência pacífica entre todas as faixas etárias. Portanto, é necessário que a sociedade em geral fique atenta ao que acontece com o público infantil, visto que garantir a eles crescer em um ambiente saudável é dever de todos.

Palavras-chaves: violência, infância, desenvolvimento

1 INTRODUÇÃO

A sociedade contemporânea passou por inúmeras transformações para que alcançasse o estágio em que se encontra. Todas essas mudanças ocorreram na esfera social, política, econômica, tecnológica e científica. Entretanto, no que se refere ao âmbito social ainda não foi possível extinguir algumas mazelas como a violência, pois esta acompanhou todo o processo evolutivo da humanidade e ainda gera constante desconforto social.

Dessa maneira, a violência pode ser a forma que o indivíduo encontra de realizar suas vontades por meio de outro indivíduo e, para isso é necessária a imposição da força sobre aquele que não possui condições físicas ou psicológicas para impedir tal ação. Logo, percebe-se que crianças, jovens e mulheres são consideradas as vítimas mais vulneráveis da violência por serem consideradas sinônimo de fragilidade.

Nesse contexto, o presente artigo vem retratar da violência cometida contra crianças e adolescentes no ambiente doméstico, lugar em que se percebe um elevado número de casos relacionados com a criança e o adolescente. Isso porque, é no ambiente de convívio familiar que o público infanto-juvenil possui relações afetivas mais sólidas e, é também por esse motivo que há uma exposição ao risco da violência maior. Tal situação passou a ser considerado um problema de saúde pública por acarretar lesões físicas, causar mortes e afetar o psicológico do indivíduo.

A violência doméstica pode ser do tipo psicológica, física, sexual ou a negligência, pois todas estas colocam em risco a vida da criança e, consequentemente, comprometem o seu desenvolvimento. Portanto, este trabalho irá fazer uma abordagem a cerca dessas formas de violência que atingem inúmeros lares e que interrompem a vida de diversas crianças e adolescentes.

Dessa forma, serão abordados mecanismos de combate à violência doméstica, tal como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual estabelece os direitos e deveres dos menores e também dos adultos. Mas também, deixa-se clara a necessidade da participação social, visto que a sociedade tem papel fundamental de estar atenta aos problemas que a cercam e, assim denunciar e proteger essas vítimas. Além do mais, é dever da família empenhar-se para proporcionar um ambiente de proteção e segurança aos menores, priorizar a afetividade entre os membros da família e, assim, construir um indivíduo que se relacione bem com aqueles que o cercam.

2 INFÂNCIA: PRIORIDADE OU INDIFERENÇA?

A infância é a fase da vida que vai desde o nascimento até a adolescência. Nessa fase a criança cria a perspectiva do mundo em que vive, aprende, cria os mais profundos laços afetivos e tem direito a viver em um ambiente agradável, tendo contato à educação de qualidade, saúde, pode se expressar livremente, ter lazer e ser criança, como está no Estatuto da Criança e do Adolescente:

“Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos da Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990, a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescentes aquela entre 12 e 18 anos de idade.” (Estatuto da Criança e do Adolescente)

“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.” (Estatuto da Criança e do Adolescente)

Porém, muitas crianças têm essa fase da vida interrompida por problemas relacionados à má estrutura familiar, desigualdade social, pobreza, abuso sexual, exploração de trabalho, falta de zelo, de oportunidades e políticas públicas que visem à qualidade de vida das mesmas.

Infelizmente, pelo fato da criança ser vista como propriedade dos pais ela perde aquilo que de fato deveria ser garantido a ela: os seus direitos. Torna-se vítima dos mais variados tipos de violência, desde as psicológicas às físicas. Dentre elas, a violência doméstica assume papel de destaque, pois é no ambiente familiar que a criança e o adolescente sofrem com maior frequência agressões, visto que esse ambiente deveria lhes proporcionar acolhimento, afetividade, segurança e proteção.

Nesse contexto, muitos pais e responsáveis consideram que agressão e educação estão relacionadas, e utilizam desse pensamento para bater e cometer violência contra seus filhos e familiares como meio de impor autoridade e respeito. Além disso, descontentamentos pessoais e profissionais desencadeiam comportamentos agressivos, e as crianças por serem mais vulneráveis acabam por se tornar suas principais vítimas. A falta de planejamento familiar, utilização de drogas e álcool, estresse e o conceito de que os acontecimentos do seu ambiente familiar diz respeito apenas àqueles que a compõe agravam as práticas brutais.

Os fatos anteriormente citados não devem ser utilizados como argumento ou justificativa para a realização de atos desumanos contra os menores, haja vista que de acordo com o Art. 227, da Constituição Federal, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

“É dever de todo cidadão estar atento ao que no âmbito publico e privado está permeado a infância das crianças brasileiras, denunciando as práticas criminosas aos órgãos competentes, e assim evitando o aumento da disseminação da violência social, independentemente da classe social a qual pertença à criança. Dessa forma, talvez seja possível repudiar a percepção que muitos introjetaram de que bater em um homem adulto é um ato de agressividade, bater em uma mulher é um ato de covardia, bater em um animal é uma atitude maldosa, mas bater em uma criança é uma forma de educá-la.” (SAUAIA, 2010)

Dessa forma, percebe-se que o problema da violência doméstica se faz presente em toda a esfera social, tendo agressores nas mais variadas classes sociais, em distintas faixas etárias e gênero. Tal mazela diz respeito não só àqueles que cometem e são vítimas, mas a sociedade como um todo. Não denunciar é contribuir para a permanência dessa situação, pois a infância deve ser respeitada e se fazer omisso diante de um caso de agressão, exploração, maus tratos, entre outros é fazer parte também dessa brutalidade.

2.2 BREVE HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

É sabido que a violência faz parte das relações sociais desde a Antiguidade, pois esta esteve presente de diversas formas e em todas as classes. Tal fator pode ser considerado como uma relação de poder e que de acordo com a autora Kátia Maria Maia Ferreira, essa relação não faz parte da natureza humana e sim de uma herança cultural que perpassa todas as camadas sociais de uma forma profunda que acaba por ser concebida pelo senso comum como natural, haja vista que essa relação ocorre devido à existência do mais forte dominando o mais fraco (FERREIRA, 2002).

De acordo com Maria Cecília de S. Minayo é possível apresentar uma classificação bastante geral da violência e que permite não reduzi-la ao mundo da delinquência. Tal classificação é exposta a seguir:

“Violência Estrutural entende-se como aquela que oferece um marco à violência do comportamento e se aplica tanto às estruturas organizadas e institucionalizadas da família como aos sistemas econômicos, culturais e políticos que conduzem à opressão de grupos, classes, nações e indivíduos, aos quais são negadas conquistas da sociedade, tornando-os mais vulneráveis que outros ao sofrimento e à morte. Violência de Resistência constitui-se das diferentes formas de resposta dos grupos, classes, nações e indivíduos oprimidos à violência estrutural. Esta categoria de pensamento e ação geralmente não é “naturalizada”; pelo contrário, é objeto de contestação e repressão por partes dos detentores do poder político, econômico e/ou cultural. Violência de Delinquência é aquela que se revela nas ações fora da lei socialmente reconhecidas. A análise deste tipo de ação necessita passar pela compreensão da violência estrutural que não só confronta os indivíduos uns com os outros, mas também os corrompe e impulsiona aos delitos.” (MINAYO, 1994)

Nesse contexto, pode-se considerar que a violência é uma mazela que atinge além das relações sociais, o comportamento psicológico e, sobremaneira, o desenvolvimento humano e sua saúde. Assim, esta problemática passou a ser considerada por inúmeros autores como um problema de saúde pública e que de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), em um de seus últimos documentos sobre o tema (Opas 1993, apud Minayo 1994).

“A violência, pelo número de vítimas e a magnitude de sequelas orgânicas e emocionais que produz, adquiriu um caráter endêmico e se converteu num problema de saúde pública em vários países”. “O setor de saúde constitui a encruzilhada para onde confluem todos os corolários da violência, pela pressão que exercem suas vítimas sobre os serviços de urgência, atenção especializada, de reabilitação psicológica e de assistência social.” (Opas, 1993:1).

Logo, a violência contra crianças e adolescentes caminha paralelamente a todas as outras formas de violência, uma vez que existem inúmeros relatos de casos de agressão física, sexual ou psicológica, maus tratos e abandono. Tais agressões, em muitos casos eram tratadas como “normais”, já que a criança era tratada como um ser que devia obediência aos pais, e assim estes se sentiam livres para punirem os indisciplinados, ou seja, recorriam a uma espécie de sanção.

Com base em Guerra e Azevedo (2001, apud RODRIGUES) o primeiro estudo científico descrevendo a violência contra crianças foi realizado em 1860 pelo Dr. Ambroise Tardieu, médico legista francês. Neste estudo foram relatados casos de 32 crianças que sofreram maus tratos, dentre eles 18 com óbito. Das 32 crianças, metade eram menores de cinco anos de idade. Esse levantamento chega a ser assustador pelo fato de que é na primeira infância, de 0 a 6 anos de idade, que a criança começa a ter sua personalidade formada. Nesse momento ela ainda é muito frágil e precisa confiar em alguém que está ao seu redor, porém, é também nesse momento que elas têm se deparado com os maiores conflitos internos, já que seus agressores são justamente aqueles que possuem um vínculo afetivo forte. Portanto, essas crianças acabam crescendo com o seu psicológico extremamente mutilado em decorrência dessas agressões.

Dessa forma, percebe-se que as crianças e adolescentes são demasiadamente vulneráveis a todas as formas de violência, pois o adulto tende a tratá-los como propriedade sua. Então, acreditam que podem “educar” a sua maneira, não importando se essa educação ocorre por meio do diálogo ou da agressão, o único fator levado em consideração é o pleno respeito e até mesmo a imposição do medo. A partir daí, deixa-se uma porta aberta para que aumente a criminalidade, a prostituição, o trabalho infantil, enfim, a repetição de um ciclo, o qual começa com a violência vivida na infância e que passou a fazer parte de sua personalidade.

Crimes contra crianças e adolescentes estão presentes há muito tempo, em diferentes sociedades. Na Grécia, as crianças que nasciam com alguma deficiência eram sacrificadas, o que ocorre até os dias atuais em algumas comunidades indígenas. Durante a escravidão, crianças filhas de escravos também tinham sua infância interrompida, tendo que trabalhar em condições insalubres, além de enfrentar preconceito por serem negros e sofrerem abuso sexual. A Revolução Industrial também foi cenário de terríveis abusos da mão de obra infantil, já que esta era utilizada em grande escala, colocando assim tais crianças em situação de extremo risco, visto que não tinham capacidade de se defenderem dos perigos que as máquinas e os próprios humanos poderiam causar a elas. A desvalorização das crianças é um problema tão antigo que até na própria Bíblia há relatos sobre esse tema.

“(…)13 E os egípcios faziam servir os filhos de Israel com dureza; 14 Assim que lhes fizeram amargar a vida com dura servidão, em barro e em tijolos, e com todo o trabalho no campo; com todo o seu serviço, em que os obrigavam com dureza. 15 E o rei do Egito falou às parteiras das hebréias (das quais o nome de uma era Sifrá, e o da outra Puá), 16 E disse: Quando ajudardes a dar à luz às hebréias, e as virdes sobre os assentos, se for filho, matai-o; mas se for filha, então viva. 17 As parteiras, porém, temeram a Deus e não fizeram como o rei do Egito lhes dissera, antes conservavam os meninos com vida.18 Então o rei do Egito chamou as parteiras e disse-lhes: Por que fizestes isto, deixando os meninos com vida? 19 E as parteiras disseram a Faraó: É que as mulheres hebréias não são como as egípcias; porque são vivas, e já têm dado à luz antes que a parteira venha a elas. 20 Portanto Deus fez bem às parteiras. E o povo se aumentou, e se fortaleceu muito. 21 E aconteceu que, como as parteiras temeram a Deus, ele estabeleceu-lhes casas. 22 Então ordenou Faraó a todo o seu povo, dizendo: A todos os filhos que nascerem lançareis no rio, mas a todas as filhas guardareis com vida.” (Êxodo, 1, 13-22)

Embora o desrespeito aos menores acompanhe o desenvolvimento humano, e perdure até a atualidade, felizmente, existem mecanismos de defesa a favor destes. A partir do século XX com a discussão sobre direitos e deveres dos homens veio à tona a questão sobre os direitos da criança, visto que essas fazem parte da sociedade e, portanto, devem desfrutar também de segurança, lazer, saúde, afetividade, respeito, entre outros. Paralelo a isso surgiu nessa época com o avanço nas ciências sociais e na medicina, estudos sobre o desenvolvimento humano e percebeu-se que a criança e o adolescente diferem do adulto tanto no sentido psicológico quanto físico.

2.3 DIREITOS DA CRIANÇA: UM DEVER DE TODOS

Diante de tais estudos e observações reconheceu-se a necessidade de colocar o público infanto-juvenil no centro de defesa e proteção, e proclamou-se em 20 de novembro de 1959 a Declaração dos Direitos da Criança. Dividida em dez princípios, essa Declaração visava garantir o desenvolvimento destas de modo saudável, mostrando para a sociedade que se exigia desde então preocupação com aqueles seres mais frágeis, e que era função de todos cuidarem e respeitar cada indivíduo desde seu nascimento, com proteção, zelo, recreação, acesso a segurança, educação, alimentação de qualidade, enfim, em um ambiente pacifico e que proporcionasse a criança a ter sua fase da infância sem realizar funções desempenhadas por adultos.

No ano de 1990 foi estabelecido o Estatuto da Criança e do Adolescente, mais conhecido como ECA, substituiu o Código de Menores de 1979 que defendia apenas os direitos dos menores de 18 anos com características específicas: abandono, pobres ou infratores. Já o ECA garante a proteção a crianças e adolescentes independente de sua classe social, cor ou sexo, tendo assim caráter universal. O Estatuto abrange também direitos e deveres referentes aos adultos no que diz respeito a suas ações relacionadas ao público infantil.

“Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.” (Estatuto da Criança e Adolescente)

É válido ressaltar que o Estatuto da Criança e do Adolescente abrange de forma clara que a criança e o adolescente possuem o direito de crescer e desenvolver-se em um ambiente sadio e harmonioso, assim como prevê o artigo 7°. Isso porque, a convivência influencia de forma profunda na conduta que o adulto irá adotar para relacionar-se socialmente, pois uma criança que cresce e convive com a violência em inúmeros casos tende a torna-se um adolescente rebelde e isso reflete diretamente em sua vida adulta.

“Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.” (Estatuto da Criança e do Adolescente)

Sem dúvida o ECA traz de forma clara e objetiva a garantia dos direitos da criança e do adolescente, servindo de referência em diversos países. Embora com tamanha importância, o Estatuto por si só não é suficiente para garantir aos jovens seus direitos. É necessário que exista assistência da sociedade como um todo para realizar o que de fato é assegurado aos menores. Assim cabe perfeitamente a observação do Oficial de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Mário Volpi, em entrevista declarada ao jornal Estadão de São Paulo: “Só a declaração da lei não resolve.”.

2.4 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UM MAL SILENCIOSO E CONSTANTE

E exatamente pelo fato da lei não resolver sozinha a problemática da violência doméstica é que esta é realidade no Brasil e no mundo. Tornou-se até comum deparar-se com casos de agressões entre pais e filhos, pedofilia, crianças servindo de sustento para a família e sendo vítimas de abuso sexual, além dos inúmeros de abandono.

A violência doméstica tornou-se uma ameaça para o processo de formação da personalidade infanto-juvenil, por esse motivo é que essa problemática passou a ser também tratada como um caso de saúde pública. Os danos deixados em uma criança que sofre qualquer tipo de agressão são de alto custo, pois na maioria dos casos faz-se necessário recorrer a tratamentos que vão desde a reabilitação física até a psicológica. Além do mais, os tratamentos com psicólogos demandam tempo e cuidados especiais, pois a vítima precisa sentir-se segura para que assim possa denunciar seus agressores. A construção da personalidade de um indivíduo é gradativa, tendo em seus primeiros anos de vida a primeira impressão do mundo, momento que tem como base as experiências vividas nesse período.

Dessa forma, sua observação e apreensão acerca do mundo, bem como sua relação com os familiares e pessoas próximas influenciam de forma direta em seus comportamentos futuros. Assim como uma criança fala o que ouve, ela também pratica ações de acordo com as que ela presencia, e se o ambiente em que ela está inserida for de agressão ou constrangimento, futuramente é isso que ela tende a transmitir aos que estão ao seu redor. Portanto, o jovem agredido hoje poderá ser um potencial agressor futuramente.

O meio influencia tão fortemente no desenvolvimento humano quanto a hereditariedade, tendo assim extrema importância um ambiente propicio ao crescimento adequado dos menores. O ambiente familiar e escolar são os que desempenham papel de destaque nesse processo, visto que são os locais em que o sujeito passa a maior parte da sua infância. São nesses ambientes que ele cria os primeiros laços afetivos, e por isso está mais vulnerável a sofrer agressões e constrangimentos, o que pode permanecer em sua lembrança durante toda sua juventude e durar até a fase adulta.

Segundo o dicionário Aurélio, violência significa qualidade de violento, ato violento, ato de violentar, constrangimento físico ou moral, uso da força, coação. De acordo com a Profa. Dra. Artenira da S. e S. Sauaia “a violência contra a criança é o uso da força de alguém mais forte sobre o outro mais fraco, seja essa força física ou psicológica para impor ao próximo suas necessidades, sem que se respeite a vontade do outro”.

A violência doméstica contra crianças e adolescentes é exatamente aquela cometida no ambiente familiar, a qual pode ser praticada por parentes sanguíneos ou por indivíduos com parentesco civil, além daquelas decorrentes no meio escolar. Nessas condições ocorre uma confusão mental na criança violentada, já que esta nutre um sentimento de amor e medo, simultaneamente, pelo seu agressor.

Sauaia destaca também os tipos mais comuns de violência contra a criança, sendo elas a psicológica, física, abandono afetivo, sexual, abandono material, exploração comercial, trabalho infantil e abandono intelectual. Dentre elas, a psicológica é a mais difícil de ser identificada, visto que os que dela são vítimas possuem características variadas, podendo apresentar desde timidez a comportamentos agressivos, mas em sua maioria apresentam algo em comum: a dificuldade de se relacionar.

Inúmeros são os casos noticiados pela mídia de mães que abandonam seus filhos, descartam-nos no lixo como se fossem objetos, padrastos abusam sexualmente de seus enteados, pais alcoólatras que agridem seus familiares, além de maus tratos cometidos por professores da educação infantil. Tais atos tornaram-se tão corriqueiros de maneira que a sociedade tem permanecido indiferente diante dessas barbáries.

Em contrapartida, não se pode negar que alguns casos apresentam repercussão nacional, tal como o assassinato da menina Isabella de Oliveira Nardoni, cinco anos, que foi arremessada do sexto andar de um prédio localizado na Zona Norte de São Paulo pelo pai Alexandre Nardoni e a madrasta Ana Carolina Jatobá. Este é um exemplo claro da violência contra crianças que ocorre em ambientes de convívio familiar e que ao invés de proporcionar a estas proteção e segurança, acabam transformando-se em um local de perigo.

Embora este caso tenha causado grande revolta na sociedade, infelizmente, ele é apenas um dentre inúmeros que acontecem no dia-a-dia e não são denunciados. Acredita-se que os problemas relacionados à família devem se restringir apenas aos familiares, o que configura um imenso erro, pois zelar pela integridade de uma criança é dever da sociedade como um todo, como as autoras Azevedo e Guerra abordam de forma objetiva.

 “Todo ato ou omissão, praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que – sendo capaz de causar danos físico, sexual e/ou psicológicos à vítima – implica de um lado, numa transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que crianças e adolescente tem de ser tratados como sujeito e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.” (AZEVEDO E GUERRA, 1995)

Como já citado anteriormente, não se pode esperar que o Estatuto da Criança e do Adolescente consiga sozinho resolver o problema que as crianças enfrentam relacionados aos mais diversos tipos de violência. O ECA é apenas um artifício criado para tentar melhorar a relação entre o menor e o adulto, mas para que essa relação de fato seja pacífica é necessário respeito ao indivíduo, independente de sua faixa etária. Cabe, portanto, a sociedade ficar atenta ao que ocorre na esfera pública e privada, visto que as sequelas deixadas na infância podem permanecer até a velhice. Na obra O massacre dos inocentes, o autor José de Souza Martins, expõe claramente esse ponto de vista.

“(…) as crianças que compareceram aos diferentes estudos aqui reunidos, na maior parte dos casos, falando elas próprias a respeito de sua situação, são na verdade os filhos da dívida externa, os filhos do Estado oligárquico-desenvolvimentista, os filhos da ditadura. Gerações inteiras foram e continuam sendo irremediavelmente comprometidas pela supressão de sua infância”. (MARTINS, 1993)

Uma das formas mais impactantes de interromper a infância é por meio da exploração da mão de obra infantil. Isso porque, há uma atribuição de responsabilidade muito grande sobre a criança, haja vista que esta é forçada a desempenhar atividades que não condizem com sua idade, o que acaba gerando consequências negativas em sua saúde, desenvolvimento corporal e psicológico.

O trabalho infantil muitas vezes é algo imposto pelos pais, pois estes por não apresentarem condições financeiras que consiga suprir as necessidades básicas, como proporcionar alimentação adequada e, acabam por obrigar seus filhos a contribuir para o sustento da família. Ao fazerem isso tiram da criança a possibilidade dela estudar, ter lazer, segurança e comprometem assim o seu futuro, pois não serão capacitados para enfrentar o mercado de trabalho, já que estão fazendo da infância um momento de antecipação da vida adulta.

A exploração do menor se faz presente tanto no ambiente urbano quanto no rural, e sua erradicação, infelizmente, é difícil, visto que a falta de denúncia é uma constante, além do pensamento que é melhor ingressar no trabalho do que ingressar no crime. Um erro, visto que essas não são as duas únicas alternativas. Uma criança deve ingressar é na escola, em parques de diversão e em locais de recreação que possam contribuir para seu aprendizado.

Outra maneira de cometer violência contra a criança é por meio da negligência, já que esta caracteriza-se como a falta de cuidados, displicência e os mais variados tipos de maus tratos. Essa é uma prática que atinge inúmeros lares, pois é comum encontrar relatos de acidentes domésticos ocorridos com crianças por falta de atenção e de proteção que o responsável deveria oferecer.

Existem ainda casos de negligência que vão muito além dos descuidos físicos, já que a omissão do afeto e a negação de condições que proporcionem educação são também vistas como uma maneira de prejudicar o desempenho saudável do indivíduo. Logo, crianças que encontram dificuldades em relacionar-se com sua família e não possuem laços afetivos sólidos podem apresentar características como a dificuldade de interagir com a sociedade. Desse modo, é possível afirmar que qualquer forma de desatenção à criança é uma maneira de agredi-la, pois esta não possui condições físicas e psicológicas suficientes para sua defesa.

Não menos relevante que isso é a violência sexual, esta não se configura apenas com a realização do ato sexual, mas também ocorre por meio de carícias nos órgãos sexuais, conversas obscenas que tratam de sexo, tentativa de estrupo, dentre outras. Tais fatores expõem a criança e o adolescente ao perigo, pois estes se tornam vulneráveis à gravidez precoce, às doenças sexualmente transmissíveis, além da possibilidade de ingressarem na prostituição.

Nesse contexto, é possível observar que são diversas as formas que pode explorar uma criança, a prostituição é um exemplo e que em vários casos visa à obtenção do lucro. Isso porque, as vítimas são obrigadas a entrar numa espécie de comercialização de seu corpo e passar por todos os tipos de exploração. Em inúmeros casos de prostituição existe alguém que comando o tráfico, sobretudo, de meninas, ou mesmo aqueles que as ameaçam ou prometem dar alguma ajuda financeira.

Não há dúvida que inúmeros são os tipos de violência causada contra crianças e adolescentes, e que isso gera consequências irreparáveis na vida daqueles que sofrem dela. É

3 CONSIDERAÇÕES

O presente artigo visou apresentar que a infância, como primeira fase do desenvolvimento humano, deve ter a atenção e cuidados necessários, visto que é nesse momento que irá começar a construção da personalidade do indivíduo. A criança por ser frágil necessita de cuidados especiais, além de atenção, carinho e segurança. Deve-se então, garantir a elas tudo o que a Constituição afirma ser direito delas, e nesse processo os pais, familiares, professores, enfim, a sociedade em geral deve contribuir para a efetivação de seus benefícios.

Embora a violência seja uma constante na sociedade há muito tempo, não se deve aceitar que ela continue a acontecer, visto que para acabar com ela, embora seja difícil, é preciso primeiramente reconhecer que ela existe e que algo pode ser feito para minimizá-la. Denunciar, ficar atento ao que acontece no âmbito público e privado, reconhecer que os cuidados e a proteção às crianças e adolescentes é dever de todos é um passo importante para que a violência doméstica chegue pelo menos a um nível menos alarmante do que é atualmente. Entender que assistir em jornais casos de pais matando, espancando, atirando em rios e cestos de lixo seus filhos não é normal é de grande importância.

Portanto, evitar a violência doméstica é uma maneira de garantir à criança e ao adolescente os direitos garantidos em lei, e por outro lado, manter-se indiferente a tal mazela é contribuir para a ocorrência e permanência da mesma. Logo, é necessário agir no combate a esse mal que assola famílias e que interrompe a infância de várias crianças, além de gerar constantes conflitos nos jovens, já que estes se sentem inferiores, desprezados e até mesmo inúteis diante da sociedade. Então, a construção de uma sociedade pacífica começa na infância, a qual precisa ser preservada e garantida a todo indivíduo.

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Como citar e referenciar este artigo:
MOREIRA, Gabriela Oliveira. Violência doméstica contra crianças e adolescentes: uma constante silenciosa que afeta as famílias. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-de-familia/violencia-domestica-contra-criancas-e-adolescentes-uma-constante-silenciosa-que-afeta-as-familias/ Acesso em: 02 mai. 2024