Processo Civil

O novo processo e o processo de conhecimento

Pensar o direito processual hoje como ciência autônoma apenas é autorizado para fins didáticos. Como síntese de uma evolução histórica o pensamento processual busca no atual cenário interagir com as diversas áreas do direito, buscando máxime a prestação jurisdicional eficaz. A evolução de que se fala trouxe para a disciplina processualista uma nova ótica direcionada à compreensão da sistemática do direito processual; segundo essa nova visão busca-se garantir a justiça, exatamente como conceito abstrato que é, mas sempre primando pela legalidade e legitimidade dos atos.

    É dever do Estado a prestação jurisdicional, porquanto inafastável a jurisdição. Mas não basta uma prestação pura e simples; objetivando sempre o legislador que possui a carga moderna de ideais, regular a prestação jurisdicional de modo a propiciar sua máxima eficácia no caso prático. De tal modo que vemos hoje, diante dessa moderna sistemática, um novo conceito também do processo de conhecimento, onde a figura do magistrado não é mais neutra, como se cogitou tempos atrás que seria melhor. A postura do julgador hoje é uma postura ativa que busca a verdade junto com as partes, mas no limite da imparcialidade.

Assim a nova doutrina processualista hoje comunica a disciplina do direito formal com o direito material e com o direito constitucional. A comunicação entre a ciência processual e a dogmática do direito material é deveras importante, não porque se busca regras no direito material, ou porque caberia a este normatizar nesse sentido, ter-se-ia nesse caso descompasso com a atual orientação. 

O intercâmbio entre o direito processual e o direito material não se faz então por capricho ou conveniência do intérprete do direito. Descobriu-se, ou melhor, percebeu-se sua necessidade, pois para nós, não parece razoável como puderam alguns em algum momento imaginar um processo sem um direito material que o embase. 

Daí se extrai, por exemplo, conceitos relativos ao direito de ação. Primitiva classificação tinha, pois, que para todo direito há uma ação que o assegure. Percebe-se então que tal classificação não atinge o verdadeiro sentido do direito de ação, que é direito autônomo que visa assegurar direito material, segundo a referida classificação só teríamos o direito de ação se procedente o pedido relativo ao direito material, o que não é, respeitado diverso entendimento, a melhor ótica diante de tal instituto processual. 

Mas o que se busca com essa mútua relação entre o direito e o processo é assegurar que este seja sempre instrumento daquele. É esse o pensamento que se inicia com a instrumentalização do processo, que visa, há de se lembrar, garantir que o processo seja instrumento de realização do direito material. Em outras palavras, processo é meio do qual a segurança do direito é fim. Veja-se que se posicionando assim o estudante de direito visualizará necessariamente a possibilidade de intercâmbio das duas disciplinas nas mais diversas situações. 

A contar do momento em que se percebe e se aceita essa face instrumental do direito processual, adverte Bedaque, é necessário rever os institutos fundamentais do direito processual a fim de adequá-los à busca pela realização dos escopos do processo. 

Entra em cena então uma nova relação norteadora do novo pensamento processualista, a relação entre processo e o direito constitucional. Aqui, o que se busca é enfatizar as normas processuais de caráter constitucional. Isso quer dizer que o legislador constituinte se preocupou também em estabelecer premissas fundamentais da ciência processual. 

O direito processual constitucional, por exemplo, é que nos traz a melhor interpretação do direito de ação. Aí temos que examinar o direito de ação constitucional como aquele direito abstrato, incondicionado e inviolável que é o direito de peticionar ao Judiciário. 

Um parêntese deve ser feito, distinguir as duas naturezas dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais são direitos porque traduzem uma prerrogativa fundamental constitucional que deve ser assegurado e são também normas constitucionais abstratas quando interpretadas como preceitos constitucionais regulamentadores das condutas tanto do Estado como dos particulares. 

Chamadas pela doutrina essas facetas dos direitos fundamentais de dimensões dos direitos e garantias fundamentais, temos a primeira como a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais e a segunda a dimensão objetiva. A segunda é de observância obrigatória pelo Estado e a primeira é a subjetividade posta à disposição do jurisdicionado. 

No mesmo diapasão as normas constitucionais processuais visam de um lado garantir que o legislador observe sempre os preceitos fundamentais na regulamentação do direito formal quanto assegura ao indivíduo a subjetividade de lançar mão das ferramentas processuais disponíveis. Esse novo viés de interpretação e integralização do direito processual levou a concepção de um novo processo de conhecimento, o processo sincrético. 

Esse novo processo busca o máximo aproveitamento da função jurisdicional do Estado. A atividade jurisdicional não se esgota com a simples prolação de sentença definitiva como era antes; hoje o processo tem prosseguimento até a final satisfação do direito do vencedor da demanda. 

Assim a tutela jurisdicional prestada no processo de conhecimento é integral e garante a plena satisfação do direito do vencedor, pelo menos em teoria. Mesmo que não se possa dar satisfatividade ao direito por conta de o vencido não dispor de meios para fazê-lo, a prestação jurisdicional foi plena, o judiciário desempenhou exaustivamente sua função que só esbarrou em fenômeno exterior a relação processual.

Esse processo sincrético – em simples palavras, o processo que reúne numa só relação jurídico-processual as atividades cognitiva e executória do Judiciário – é deveras um avanço significativo na ciência processual e também no campo prático. Muito há por fazer, e não se pode negar que o quadro atual do Poder Judiciário, no que diz respeito a eficiência na prestação jurisdicional é em muitos aspectos preocupante, principalmente pela demora na tramitação dos processos, que ocasiona por vezes uma resposta jurisdicional inócua. 

Mas, vemos também profissionais (advogados, juízes, promotores, serventuários, etc.) engajados e encorajados a realizar uma verdadeira revolução, e que travam reais batalhas no campo das ideias, e que são sempre bem-vindas. A evolução da doutrina jurídica brasileira vem apresentando a todo o mundo grandes mentes, capazes de pensar um direito humanizado e que põe a frente da dogmática as necessidades sociais. Pensar, interpretar e edificar uma ciência jurídica com esse foco é, no mínimo, o dever de todo aquele que se dispõe a enveredar pelo caminho do Direito. 

  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

– ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 3ª. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2010.

– BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: Influência do direito material sobre o processo. 6ª. ed. São Paulo : Malheiros, 2011. 

– CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28ª. ed. São Paulo : Malheiros, 2012.

– DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. I. 6ª. ed. São Paulo : Malheiros, 2009

– MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 28ª. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2010. 

– THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. v. I. 52ª. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2011.

Autor: Luís Filipe de Oliveira Jesus

http://www.oliveiraereisadvogados.com/#!o-novo-processo-civil/ceru 

Como citar e referenciar este artigo:
JESUS, Luís Filipe de Oliveira. O novo processo e o processo de conhecimento. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2013. Disponível em: https://investidura.com.br/resenhas/processo-civil-resenhas/o-novo-processo-e-o-processo-de-conhecimento/ Acesso em: 28 mar. 2024