Direito Internacional

A Grande Ilusão, de Norman Angell

A obra de Norman Angell, A Grande Ilusão, é publicada originalmente em 1910: data antecedente da iminente 1ª Grande Guerra. Ao decorrer das
páginas, Angell descreve as tensões presentes principalmente entre Inglaterra e Alemanha e contrapõe as expectativas militaristas com sua opinião,
leia-se: “a guerra não é impossível, mas é inútil”.

Eu sou partidária de Angell nesse sentido. Apesar de muitos autores posteriormente o terem tachado de idealista dado também porque a guerra
de fato ocorreu, não é pequena sua contribuição para o estudo das relações internacionais e defesa da paz.

A crença europeia do pré-guerra defendia ferozmente que todos os países vizinhos ao seu estariam dispostos a atacá-lo e presumidamente
tivessem o propósito de fazê-lo. A prosperidade de uma nação dependeria de sua poder político e este, como ligado à competição entre as nações, estaria
reservados àquelas que dispusessem de força militar preponderante, enquanto as mais fracas deveriam sucumbir, a exemplo do que acontece nas demais
esferas da luta pela vida.

Norman afirma categoricamente sua aversão a essa ideologia iniciando sua argumentação constatando que a humanidade já superou a ideia que
indústria e comércio de um povo estão ligados a expansão de fronteiras políticas e territoriais, até mesmo que as fronteiras políticas e econômicas de
um país não precisam coincidir. A riqueza do mundo economicamente civilizado baseia-se no crédito e nos contratos, os quais resultam uma
interdependência econômica decorrente da crescente divisão do trabalho e da facilidade das comunicações.

Uma metrópole não conseguiria converter sua colônia, ou seja, extirpar a língua, as leis ou a cultura dela. É impossível adentrar em suas
posses morais e intelectuais, mesmo sob a mais completa sujeição militar.

Na contramaré dos ensinamentos de Angell vemos evocar-se a lei do conflito. A sobrevivência dos mais capazes e a vida como a conhecemos
hoje é marcada pela luta. Admite-se como certo que o poderio da Inglaterra foi condição suprema de seus triunfos industriais passados. Diante de uma
situação como essa, impõe-se a sensação de que a motivação ordinária do pacifista perde toda a força, e por uma razão bem simples: ele é o primeiro a
aceitar a premissa indicada, a saber, que o vencedor da luta pela supremacia política adquire uma vantagem material sobre o vencido. A guerra favorece
os interesses do vencedor, mesmo quando imorais. E também não se pode dizer que essa filosofia da força é tão brutal, iníqua e impiedosa como sugere o
seu enunciado oral. O regime industrial e comercial abunda em crueldades tão bárbaras quanto à guerra – até piores, pois mais lentas e refinadas. Cada
um de nós percebe que neste mundo o conflito de interesses é inevitável.

Temos visto fracassar tão tristemente a propaganda da paz, uma vez que entre devorar ou ser devorado, não pode subsistir qualquer dúvida.

Um dos axiomas da política europeia aceitos na época da 1ª Guerra de forma unânime, a saber: a estabilidade financeira e industrial de cada
nação, sua segurança no campo comercial – em suma, sua prosperidade e bem-estar – dependem da aptidão para defender-se contra os ataques dos outros
países, os quais estão prontos, sempre que possível, a tentar uma agressão, para aumentar seu poder e, portanto, o seu bem-estar e sua prosperidade, às
custas dos fracos e vencidos.

Defendo Angell e argumento em sua linha afirmando que é física e economicamente impossível a um país apossar-se do comércio exterior de
outro empregando meios militares. A ideia de que é possível eliminar a competição dos rivais conquistando-os é uma das manifestações da curiosa ilusão
em que o autor fundamente o equívoco que fala a obra.

A riqueza, o bem-estar e a prosperidade das nações não dependem de modo algum do seu poder político. Se assim fosse, os pequenos países não
teriam seus títulos de crédito tão seguros e valorizados e não teriam, em termos per capita, o comércio tão forte ou maior em relação aos
grandes. A única conduta possível para o conquistador é deixar a riqueza de um território em mãos dos seus habitantes; por conseguinte, há uma ilusão
de ótica, uma falácia lógica, na ideia alimentada na Europa de que uma nação aumenta a sua riqueza ao expandir seu território, porque, ao anexar-se uma
província ou um Estado, anexam-se também seus habitantes, que são os únicos e verdadeiros proprietários da riqueza correspondente, e o conquistador
nada ganha.

O comércio contemporâneo é fluído e sem fronteiras. Não se apreende riqueza ao apoderar-se de outro país. Só haveria possibilidade de se
fazer isso aniquilando a população, o que é impraticável. E, se fosse possível exterminar a população, o exterminador estaria destruindo e seu próprio
mercado, real ou potencial, o que, do ponto de vista comercial, corresponderia a um suicídio.

Os únicos fatores que o capitalista leva em conta são a segurança e o proveito; ao medi-los e calculá-los, conclui de que os valores das
nações indefesas são mais seguros do que os dos países que possuem armamentos colossais. Por que chega a essa conclusão? Simplesmente porque o seu
conhecimento das finanças – aplicado, neste caso, independentemente de qualquer vinculação ou implicação política – ensina que, em nossos dias, a
riqueza não precisa ser defendida porque não pode ser confiscada.

Parafraseando Norman Angell, proponho-me a levar a suas últimas consequências o argumento que pretendo demonstrar. Esse argumento não é o
de que os fatos indicados comprovam que os armamentos ou sua ausência sejam o fator único ou determinante da riqueza nacional. O que se argumenta é que
a segurança das riquezas depende de outros fatores que não os armamentos; que a falta de poder político não constitui obstáculo ou garantia com relação
à prosperidade; e que a simples extensão do território administrado não tem relação com a riqueza dos habitantes desse território.

Em concluindo, o autor insiste que esses fatos, quase não reconhecidos, podem ser utilizados para solucionar as dificuldades trazidas pela
corrida armamentista, por caminhos ainda não tentados, mediante uma mudança da opinião pública, em virtude da qual desapareçam os motivos da agressão,
e, uma vez reduzidos os riscos de ataque, diminuam proporcionalmente as necessidades de defesa. Mostra, por fim, que a reforma política pertence ao
domínio da prática, indicando os métodos pelos quais ela poderia ser realizada.

Gisele Witte

Acadêmica de Direito da UFSC

Estagiária no Tribunal de Justiça de Santa Catarina

Como citar e referenciar este artigo:
WITTE, Gisele. A Grande Ilusão, de Norman Angell. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/resenhas/direito-internacional-resenhas/a-grande-ilusao-de-norman-angell/ Acesso em: 28 mar. 2024