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A sujeição do contrato administrativo à arbitragem como expressão de liberdade e eficiência.

Parece-me que tenho a meu favor a teoria, pois qualquer que seja o assunto em discussão, quer religioso, filosófico, político, econômico, quer se trate de prosperidade, moralidade, igualdade, direito, justiça, progresso, trabalho, cooperação, propriedade, comércio, capital, salários, impostos, população, finanças ou governo, em qualquer parte do horizonte científico em que eu coloque o ponto de partida de minhas investigações, invariavelmente chego ao seguinte: a solução do problema social está na liberdade. (Frédéric Bastiat)

 

RESUMO

Este trabalho pretende demonstrar que, em prol do desenvolvimento, a arbitragem é a tutela jurisdicional mais adequada para tratar de contratos administrativos. O estudo resguarda o entendimento de que o desenvolvimento do homem está essencialmente condicionado à sua liberdade, caracterizada como própria da natureza humana e em processo de evolução. Investiga-se o relacionamento entre a liberdade dos indivíduos, a propriedade e a eficiência dos contratos, forte nos conceitos transmitidos pela Escola Austríaca de Economia. Em seguida, resgatam-se as razões que legitimaram a origem e as funções do Estado, bem como a sua submissão ao Direito. Reflete-se sobre a jurisdição estatal a partir de uma análise econômica do Direito, envolvendo conceitos de justiça e eficiência. Conhecidas as dificuldades do Poder Judiciário brasileiro em exercer eficientemente a sua jurisdição, examinam-se os impactos sobre o desenvolvimento brasileiro. Aprecia-se detalhadamente o instituto da arbitragem como legítima forma de expressão de liberdade e os benefícios conduzidos pela sua aplicação. Examina-se o Estado contemporâneo e o compartilhamento da responsabilidade sobre a execução das funções públicas, por intermédio dos contratos administrativos. Após, verifica-se a disponibilidade dos interesses da Administração Pública vinculados a estes contratos e a possibilidade de sujeição à arbitragem. Justificam-se, então, sob a ótica econômica, os motivos que levam os contratos administrativos a se distinguirem como de menor eficiência e por que a busca por eficiência nestes contratos é benéfica ao interesse público. Por fim, examina-se a eficiência fornecida pela sujeição dos contratos administrativos à arbitragem e o experimento desta prática em outros países.

  

SUMÁRIO

2.1 A evolução da liberdade: aspectos biológicos, históricos e econômicos  8

2.2 A natureza da propriedade e a Razão de Estado. 15

2.3 O pacto pela restrição de liberdades. 22

3.1 O Estado busca produzir Justiça de forma Eficiente  25

3.2 A resolução de conflitos pela arbitragem como expressão de liberdade  30

3.3 O Estado contemporâneo contrata e pode se submeter ao juízo arbitral 36

4.1 O Contrato Administrativo é menos eficiente por natureza  42

4.2 A eficiência produzida pela inserção da cláusula compromissória. 46

4.3 Estudo comparado: arbitragem em contratos administrativos no Peru e no Chile  53

REFERÊNCIAS  59

 


1          INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como mote a hipótese de que, em respeito à liberdade e em prol do desenvolvimento, aos negócios jurídicos celebrados entre a Administração Pública e particulares, a adoção da arbitragem como método de resolução de conflitos futuros é a alternativa mais eficiente para se alcançar a justiça. Para a sua investigação, é empregado o método dedutivo de raciocínio, valendo-se de um apanhado de estudos jurídicos, econômicos, estatísticos e sociobiológicos.

Inicialmente, busca-se explorar o entendimento de que a liberdade individual é direito proveniente da natureza humana, conquistado ao longo do desenvolvimento das sociedades e em contínuo processo de evolução e fortalecimento. Passada esta etapa, analisa-se o instituto da propriedade de bens como necessária ao exercício da liberdade e ao desenvolvimento. Aqui, são descobertos os conceitos econômicos que sustentam o presente estudo, cravados na Escola Austríaca de Economia. Trata-se, então, de recordar a origem e as razões que levaram o homem a se organizar em forma de Estado e a legitimidade de suas atribuições, enquanto construção social. Logo após, dedica-se à análise da função jurisdicional estatal e levanta-se o panorama atual dos sistemas judiciários e a busca pela produção eficiente de justiça. Delineiam-se algumas dificuldades do Poder Judiciário em responder aos anseios da sociedade contemporânea, principalmente no que tocam às relações econômicas. Passa-se, então, a uma análise econômica do Direito, em que se relacionam os conceitos de eficiência e justiça.

O estudo estende-se por um particular exame do instituto da arbitragem, sob a perspectiva de que este se caracteriza como uma manifestação legítima de liberdade e empiricamente demonstra alto grau de eficiência. Observa-se o contexto contemporâneo do Estado, que governa mediante contratos com particulares, abordando-se o contrato administrativo, a disponibilidade de bens e a conduta do Estado como agente econômico. Analisam-se economicamente os contratos administrativos e confronta-se a arbitragem com a moderna atividade contratual estatal, para verificar a possibilidade de neutralizar parte das ineficiências, que oneram desnecessariamente o erário. Por fim, comparativamente, expõem-se a aplicação do sistema arbitral aos contratos administrativos firmados no Peru e no Chile.

2          ASPECTOS EVOLUTIVOS DA LIBERDADE

2.1       A evolução da liberdade: aspectos biológicos, históricos e econômicos

Grande parte dos modernos teóricos evolucionistas fundamenta o desenvolvimento da espécie humana na liberdade, não intencional e não consciente, que goza cada um dos genes integrantes do ser para agir conforme o que considera ser o mais perfeito à sua própria sobrevivência. Entende-se, assim, que a unidade que serve de fundamento para a chamada “seleção natural” não é o grupo de indivíduos, nem mesmo o próprio indivíduo, mas, em última análise, o seu gene, a “unidade de hereditariedade”. Ao longo das épocas, o conjunto de ações independentes dos genes constituintes dos seres, da nossa espécie e das precedentes, fez com que se desenvolvesse o atual sistema do corpo humano, como uma complexa “máquina de sobrevivência” (DAWKINS, 1979). Pode-se supor que a busca incessante dos genes é encontrar uma maneira menos dispendiosa para prolongar a sua vida, procurar satisfazer esta necessidade de uma maneira cada vez mais simples. Sobre o tema, o evolucionista Richard Dawkins (1979, p. 18), em o “Gene Egoísta”, comenta sobre a participação e a responsabilidade do gene para a eficiência do corpo humano:

A importância evolutiva do fato de que os genes controlam o desenvolvimento embrionário é o seguinte: significa que os genes são pelo menos parcialmente responsáveis pela sua própria sobrevivência no futuro, pois esta depende da eficiência dos corpos nos quais eles vivem e os quais eles ajudaram a construir. 

Em decorrência desta absoluta liberdade, desta atuação dos genes sem sujeição a condicionantes, a teoria evolucionista contemporânea considera que o indivíduo comporta-se como uma “máquina egoísta, programada para fazer o que for melhor para seus genes como um todo.” (DAWKINS, 1973, p. 46). Apesar deste “egoísmo individual”, não raramente a melhor maneira de agir é conjugada a outros indivíduos. Isso significa que a melhor estratégia de ação de um indivíduo, principalmente em um ambiente repleto de outros indivíduos, depende do que estes outros estão fazendo e pode ser em forma de cooperação com estes.

Sob tal premissa biológica, de que cada indivíduo busca maximizar a eficiência na satisfação de suas necessidades, trata-se de analisar quais efeitos o respeito coletivo à liberdade individual[1] produz para o desenvolvimento[2] da sociedade, a partir dos conceitos econômicos elaborados pela Escola Austríaca de Economia.

A análise da sociedade por meio de perspectivas biológicas e econômicas é realizada com frequência pelo homem, tendo sido utilizada, inclusive e infelizmente, por meio de conceitos distorcidos, para fins nada condizentes com os aqui defendidos ou mesmo para desenvolvimento da sociedade. Cabe alertar, neste ponto, que esta reflexão sociobiológica em nenhum aspecto se relaciona com o denominado “darwinismo social”, que buscava justificar as desigualdades materiais e as classes sociais sob o ponto de vista evolucionista, como exemplos de seleção natural. Como explica o sociólogo Antonio David Cattani (2009, p. 19), a sociobiologia nega “a existência de capacidades ou incapacidades por parte de grupos sociais em funções genotípicas.”. Ou ainda, como exemplifica a geneticista Maria Célia Bertolini (2009, p. 18), “pode haver maior diferenciação entre dois africanos do sul do Saara do que um africano e um europeu.”. Em síntese, defende-se que não se justificam padrões de poder com base em fundamentos naturais, forte no que argumenta Antônio David Cattani (2009, p. 18):

A subordinação dos seres sentenciados como inferiores ou o genocídio de grupos específicos são referenciados por argumentos falsamente biológicos. A seleção dos melhores se revela como puro preconceito e a intolerância se materializa objetivamente na segregação, na depuração ou no extermínio dos considerados menos aptos.

Apesar destes equívocos históricos cometidos pelo homem, a compreensão de sua origem e da maneira com que se relacionam o atendimento às necessidades do homem inevitavelmente transpassa o caminho das ciências biológicas e econômicas[3] . Para o psicólogo e evolucionista canadense Steven Pinker (2003), a moderna teoria da evolução encontra semelhanças na teoria do contrato social, pois também leva em consideração as complexas adaptações e estratégias de comportamento a partir do benefício para o indivíduo, e não dos benefícios para a comunidade, espécie ou ecossistema. Conforme o autor, uma organização social evolui quando os benefícios em longo prazo para os indivíduos que a compõe são maiores que os custos imediatos. Assim, considera-se a existência de altruísmo recíproco no comportamento humano como uma espécie de contrato social em termos biológicos, que encontram na cooperação uma maneira de melhor atingir os seus interesses individuais.

A liberdade, por este contexto, pode ser compreendida como característica inerente à natureza humana, que traz benefícios comuns a todos os homens e a todos pertence, tendo parte de seu fundamento teórico no próprio estudo do desenvolvimento da espécie.

Destaque-se que o direito à liberdade, além de ser, por muitos, entendido como um direito natural, também é consagrado na categoria dos direitos humanos, em esfera internacional[4] e, pela Constituição Federal (BRASIL, 1988), como um direito fundamental. A fundamentalidade da liberdade é associada à própria dignidade do homem, o que é percebido percebido pela redação de Ingo Wolfgang Sarlet (2011, p. 102): “[…]a liberdade e, por conseqüência, o reconhecimento e a garantia de direitos de liberdade constituem uma das principais (se não a principal) exigências do princípio da dignidade da pessoa humana.”.

A respeito das benesses proporcionadas pelos indivíduos unitariamente considerados em contraposição a políticas de mitigação dessas liberdades, apresenta-se a reflexão de Milton Friedman (1984, p. 13), em que estão assentadas as bases de seu estudo que culminou no recebimento do Prêmio Alfred Nobel de Ciências Econômicas no ano de 1976, especificamente sobre a influência o respeito à multiplicidade e variedade dos indivíduos:

Os grandes avanços da civilização – quer na arquitetura ou na pintura, quer na ciência ou na literatura, quer na indústria ou na agricultura – nunca vieram de governos centralizados.

Newton e Leibniz; Einstein e Bohr; Shakespeare, Milton e Pasternak; Whitney, McCornick, Edison e Ford; Jane Adams, Florence Nightgale e Albert Schweitzer; nenhum deles abriu novas fronteiras para o conhecimento ou a compreensão humana, na literatura, na técnica, no cuidado com o sofrimento humano, em reposta a diretivas governamentais. Seus feitos constituíram o produto de seu gênio individual, de um ponto de vista minoritário corajosamente mantido, de um clima social que permitia a variedade e a diversidade.

O pensamento é complementado pelo também vencedor do Prêmio Alfred Nobel de Ciências Econômicas, ano de 1974, Friedrich Hayek (1983, p.93),

A ilimitada diversidade da sua natureza – a ampla variedade de capacidade e potencialidade individuais – é um dos aspectos mais característicos da espécie humana. A evolução tornou o homem a mais diversificada de todas as criaturas.

Na sociedade contemporânea, a fim de preservação da liberdade de todos os integrantes da sociedade, entende-se que o limite da privativa autonomia de decisão do indivíduo se inicia a partir daquilo que interfere na mesma autonomia de outrem. Como resultado, portanto, a igualdade entre os homens reside na justa medida de suas liberdades, ou seja, até o momento e desde que a autonomia de um homem não intervenha na de outro. Visto que a liberdade deve ser garantida, por corolário de sua naturalidade ou mesmo de legitimidade cultural, a única maneira de se encorajar os bons instintos e de se atalhar os maus conforme os juízos particulares prevalecentes em determinado período reside em uma sociedade que respeita as liberdades individuais. Pois o contrário, a coerção autoritária, a centralização das decisões fere este direito fundamental do homem e, em decorrência, a própria dignidade da pessoa humana, não se constituindo, portanto, em razão legítima para a constituição de um Estado. Milton Friedman (1984, p. 177) afirma que:

A essência da filosofia liberal é a crença na dignidade do indivíduo, em sua liberdade de usar ao máximo suas capacidades e oportunidades de acordo com suas próprias escolhas, sujeito somente à obrigação de não interferir com a liberdade de outros indivíduos fazerem o mesmo.

O extrato do que se aduz aqui pode ser sintetizado a partir do que entende o filósofo e evolucionista Daniel Dennett (2003), segundo o qual, assim como tudo o que existe na biosfera, a liberdade do homem teve que evoluir e continua em processo de evolução, devendo ser preservada e protegida para o futuro. Ressalte-se a notória correlação entre os índices de desenvolvimento humano (IDH) e o nível de liberdade dos indivíduos que compõe determinada sociedade[5] .

A despeito das numerosas explicações filosóficas, biológicas ou econômicas sobre as causas que levaram o homem a viver sob a organização de um Estado de Direito, não menos verdadeira é a sintética explicação histórica que segue, onde se apresenta também uma reconstrução sobre o desenvolvimento no atendimento às necessidades humanas, assegurando aos indivíduos parcelas de liberdade cada vez maiores.

Há cerca de cinco mil anos, a evolução tecnológica permitiu que parte dos homens deixasse de se ocupar com a obtenção do atendimento a uma de suas necessidades mais elementares, a alimentação, tornando-se, assim, livre para realizar outras atividades. Assim, o aumento da produtividade alimentícia, como efeito direto da lei econômica de oferta e demanda, resumidamente, propiciou um sistema de trocas e a especialização do trabalho. Principalmente a partir daquela desocupação, a aplicação específica do conhecimento permitiu, e até hoje permite, o aumento da produtividade e a satisfação em todas os aspectos relacionados às necessidades do homem. Ao longo do tempo, foram surgindo os centros comerciais, de forma a facilitar o acesso às inovações, onde o relacionamento e a transferência de experiências entre os homens se intensificaram. Sobre a libertação do homem de sua necessidade de buscar alimento, ao descrever a Grécia por volta de 3000 a.c., Geoffrey Blainey (2008, p. 35) narra que:

Talvez 90 de cada 100 pessoas de uma região ainda estivessem voltadas para o cultivo de alimentos, para a caça e para tarefas afins, mas as outras dez assumiam uma grande variedade de profissões. Os novos especialistas moravam em vilarejos, e os maiores desses vilarejos tornaram-se cidades; as cidades teriam sido inviáveis sem o desenvolvimento da lavoura.

Em belo ensaio sobre a evolução do homem, Matt Ridley (2010, p.106, tradução nossa) discorre sobre o tema:

A mecanização da agricultura permitiu, e foi possibilitada, por uma invasão de pessoas que deixaram a terra em busca de fortuna na cidade, todos livres para fazer outras coisas que não a busca por comida. Embora alguns tenham vindo à cidade por esperança e ambição, e alguns por desespero e medo, quase todos o fizeram pelo mesmo objetivo: participar no comércio. As cidades existem para o comércio. São lugares onde as pessoas vem para dividir seu trabalho, para se especializar e realizar trocas. As cidades crescem quando o comércio se expande – a população de Hong Kong cresceu trinta vezes no século XX – e diminuem quando o comércio declina – em Roma, onde havia um milhão de habitantes em 100 aC, passou a ter menos de 20.000 no início da Idade Média.

Com efeito, a complexidade dos bens e serviços elaborados pelo homem está, desde a época, paulatinamente crescendo. Por conseguinte, o homem se desenvolve: a cada oportunidade, se liberta de suas necessidades mais básicas, pois empreende, por intermédio de um meio mais eficiente elaborado pela criatividade humana, um esforço menor para satisfazê-las. O homem naturalmente se aproxima de seu bem-estar máximo ao buscar empregar menos esforços para obter os mesmos resultados. Como disse Rodrigo Constantino (2009, p.18): “É o conhecimento progressivo do nexo causal das coisas com o bem-estar humano que leva a humanidade do estágio primitivo e de miséria extrema para ao desenvolvimento e riqueza.”.

Em teoria, o surgimento do Estado se explica pela exigência de se organizar a vida compartilhada para salvaguardar interesses particulares, o respeito às diferenças[6] e pela percepção de que, na vida em sociedade, alguns interesses são comuns a todos. O completo reconhecimento da liberdade e, por corolário, da igualdade entre os homens somente foi consignado por toda a humanidade no século XX, quando a escravidão foi, ao menos formalmente, abolida em todos os países. A Mauritânia foi o ultimo país a banir a escravidão, em 1981.

Apesar disso, até o surgimento das normas que submetem limites ao Estado, o que ocorreu principalmente a partir das constituições positivadas após as revoluções Francesa e Americana, e, mais precisamente, pelo progressivo reconhecimento dos direitos fundamentais do indivíduo, foi muito comum a submissão dos indivíduos às vontades daqueles representantes dos poderes constituídos, exercitadas por um ou alguns indivíduos, que mediante práticas de poder guiavam e ditavam a vida cotidiana.

Apesar da original concepção, na prática, aponta-se ainda um obstáculo infame para os nobres objetivos do Estado de Direito contemporâneo: a dificuldade em determinar aos membros da administração estatal que se façam respeitar os interesses comuns a todos, em vez de se utilizarem dessa posição em benefício próprio ou de apenas alguns indivíduos. Pode-se afirmar a existência desta cultura no Brasil, intitulada por “patrimonialismo”, como contextualiza Erni Siebel (1993, p. 59):

O confronto entre a ética e a política revela, de maneira mais objetiva, o arcaísmo de uma estrutura de poder, produtora e permissiva de um tipo de moralidade, que, como já dissemos, é incompatível com um código de moral pertinente ao amadurecimento da Sociedade Civil. Referimo-nos ao caráter patrimonial de organização do poder, caráter este que perpassa de alto a baixo as instituições brasileiras, particularmente as públicas.

Segundo John Locke (1978), para se compreender o poder político e derivá-lo corretamente de sua origem, deve-se considerar o modo que o homem se encontra na natureza, um estado de perfeita liberdade para regular as próprias ações e de dispor de suas posses do modo que julgar acertado, dentro dos limites naturais. Levando-se em consideração que originalmente, de forma hipotética, o homem encontra-se em perfeita liberdade entre seus iguais, ou seja, absolutamente nada na natureza define a imposição de um homem sobre outro ou concede esse direito a alguém, o respeito à liberdade alheia é direito a ser preservado, para se prolongar e perdurar no tempo. Assim sendo, nada mais sensato do que reconhecer que o direito à liberdade dos indivíduos que compõem a sociedade é fundamento que deve ser acatado por todos aqueles que administram o Estado. Ainda no século XIX, Frédéric Bastiat (1991, p. 10), em obra intitulada “A Lei”, bem definiu quais os interesses coletivos que devem ser resguardados normativamente:

O direito coletivo tem, pois, seu princípio, sua razão de ser, sua legitimidade, no direito individual. E a força comum, racionalmente, não pode ter outra finalidade, outra missão que não a de proteger as forças isoladas que ela substitui.

O relacionamento entre o Estado, por intermédio de seus agentes públicos, e os particulares é restrito ao que foi a ele investido pelos próprios indivíduos que compõe a sociedade. Os agentes públicos agem, portanto, na exata medida das competências que lhes foram outorgadas pelos particulares, em busca dos objetivos atinentes ao interesse coletivo. O que estiver além destas concessões delegadas de atribuições carece de legitimidade. Carlos Ari Sundfeld (1998, p.100) explica:

As relações jurídicas de direito público são, destarte, vínculos entre um sujeito que exerce o poder político, mas não o titulariza (o agente público), e um sujeito que titulariza o poder (em conjunto com os demais indivíduos), mas não o exerce; ao contrário, suporta. Este último, porém, suporta o poder até certo limite: o dos direitos que lhe são conferidos pela ordem jurídica.

O risco consiste exatamente nesta sobreposição dos interesses, na ação estatal para além daquilo que lhe compete que, em regra, significa a diminuição do gozo das liberdades individuais. É o que alerta com ênfase o filósofo espanhol José Ortega y Gasset (2003, p. 58):

Este é o maior perigo que hoje ameaça a civilização: a estatificação da vida, o intervencionismo do Estado, a absorção de toda espontaneidade social pelo Estado; quer dizer, a anulação da espontaneidade histórica, que em definitivo sustenta, nutre e impele os destinos humanos.

A amplitude conceitual do termo “liberdade”[7] faz necessário uma redução ao seu núcleo essencial para um acordo semântico, o que se pode considerar neste estudo como a possibilidade e capacidade do homem em eleger tudo aquilo que julga acertado no limite do que lhe diz respeito. Impreterível reconhecer que a liberdade do indivíduo não o exime das consequências por suas escolhas, pelo contrário, é o que determina que seja ele responsável pelas suas ações. Neste sentido, Friedrich Hayek (1983, p.76) indica:

Liberdade não apenas significa que o indivíduo tem a oportunidade e, ao mesmo tempo, a responsabilidade de escolher; também significa que deve arcar com as consequências de suas ações, pelas quais será louvado ou criticado. Liberdade e responsabilidade são inseparáveis.

Seguidamente, pelo mesmo autor (1983, p. 82),

A atribuição de responsabilidade, assim, pressupõe que os indivíduos sejam capazes de ação racional e visa a dar-lhes condições de agir mais racionalmente. Pressupõe que tenham uma capacidade mínima de aprender e prever, de saber quais serão as consequências de suas ações.

Em síntese, conclui-se inicialmente que o resguardo à liberdade, qualidade intrínseca ao próprio ser, inclusive naquilo em que inexiste conotação econômica, constitui direito do próprio homem, com fundamentos de natureza biológica e de eficiência econômica. Além de que, historicamente, a liberdade contribuiu para o desenvolvimento da sociedade e, por corolário, da melhor satisfação das necessidades do homem. Esta ilação é indispensável para o que será analisado adiante neste trabalho, haja vista a arbitragem, enquanto instituto competente para fornecer jurisdição a conflitos com autonomia perante a jurisdição estatal, se apresentar como decorrente de uma legítima expressão da liberdade dos particulares.

2.2       A natureza da propriedade e a Razão de Estado.

Outra importante característica natural do homem é a sua contínua assimilação, disposição, fruição e utilização de bens. Isso significa que a liberdade do homem, que inicialmente o assegura o domínio sobre si e a autodeterminação de suas vontades, o permite também expandir esta soberania à atribuição e aplicação de suas capacidades a tudo aquilo que possa exercer interação, que seja perceptível por qualquer dos sentidos.

A singularidade para o reconhecimento do direito à propriedade reside em ser esta uma necessidade natural e contínua do homem e, portanto, culturalmente considerada um direito fundamental à vida. Sobre o tema, Frédéric Bastiat (1991, p. 8) traz breve e lúcida explicação:

O homem não pode viver e desfrutar da vida, a não ser pela assimilação e apropriação perpétua, isto é, por meio da incessante aplicação de suas faculdades às coisas, por meio do trabalho. Daí emana a propriedade.

Materializa-se o instituto da propriedade quando alguém conserva em poder próprio, de modo exclusivo e absoluto, uma coisa, seja material ou imaterial, que passa a ser considerada um bem e possuirá o seu valor de acordo com o seu juízo sobre sua utilidade e escassez[8] . Este conceito está em consonância com o que se entende por “utilidade marginal” de um bem, teoria de Carl Menger (1983), considerado o fundador da Escola Austríaca de Economia, segundo a qual, o valor dos bens está relacionado à sua utilidade e escassez. Em outras palavras, o valor de um bem reside na importância dada à percepção do indivíduo de que o atendimento de suas necessidades depende da disposição daquele bem específico[9]. Rodrigo Constantino (2009, p. 17-18), ao comentar o legado da doutrina austríaca, resume:

Aquilo que tem nexo causal com a satisfação de nossas necessidades humanas pode ser denominado utilidade, podendo ser definido como bem na medida em que reconhecemos o nexo causal e temos a possibilidade e capacidade de utilizar tal coisa para, efetivamente, satisfazer tais finalidades. […]

A condição para a coisa ser um bem é haver nexo causal entre a coisa e o atendimento da necessidade humana. O nexo pode ser direto ou indireto, imediato ou futuro.

Assim, se um bem possui grande utilidade e é escasso, terá um grande valor econômico atribuído. Mas se, por exemplo, for um bem praticamente ilimitado, como o ar respirado, apesar de sua grande utilidade, não terá valor econômico. Em termos econômicos, o bem passa a ter valor econômico quando a sua demanda excede a disponibilidade. Dessa maneira, o valor de um bem não é algo intrínseco a ele, mas depende de um juízo dos homens (CONSTANTINO, 2009). É o que indica Henry Hazlitt (2011, p. 49) ao comentar a variabilidade do sistema de preços no mercado (2011, p. 49):

Os preços são determinados pela oferta e pela procura, e a procura é determinada pela intensidade das necessidades do povo, e pelo que este tem para oferecer em troca. É verdade que a oferta é, em parte, determinada pelo custo de produção. O que um artigo custou no passado, para ser produzido, não pode determinar-lhe o valor. Dependerá este da atual relação entre a oferta e a procura.

Sob o aspecto histórico, ao longo das épocas, a multiplicidade de homens, cada qual com seus próprios juízos de valores e demandas por bens úteis, somada à especialização do trabalho humano e a possibilidade de permutarem bens, fez surgir e se desenvolver um complexo sistema de trocas de bens e serviços, comumente denominado “mercado”. A abundância de possibilidades de trocas e a incorporação da moeda, como medida subjetiva ao valor de um bem, desenrolaram a possibilidade de se planejarem as trocas futuras, as quais ocorrem por meio de um contrato, ou seja, um acordo de transferência de interesses entre as partes.

Neste sentido, entende-se que o homem mantém sob sua propriedade tudo aquilo que julga possuir valor suficiente para que seja conveniente reter, pois acredita que livrar-se dos esforços para reter este bem não agregará maior valor, no sentido correlato entre utilidade e escassez, do que mantê-lo. A observância dessa dedução encerra a conclusão de que, desde que sua liberdade seja respeitada, o homem somente tomará parte em uma permuta de bens quando, em seu julgamento, aquilo que se oferece possui valor menor do que o que se recebe. É o que observa Rodrigo Constantino (2009, p. 19):

Sem ser obrigado por ninguém a trocar, o indivíduo, quando realiza uma troca, sempre irá julgá-la vantajosa sob a ótica de seus valores pessoais. As consequências políticas do reconhecimento desse princípio são extraordinárias.

O contrato é o método hodierno elaborado para planejar e organizar as trocas de propriedades realizadas pelo homem, de forma a ordenar as suas vontades e necessidades conforme as próprias previsões sobre os efeitos que tempo imputará aos seus bens e às suas necessidades. Muito embora o desenvolvimento não esteja somente vinculado a interesses que possam ser disponibilizados, no que concerne a bens econômicos, o atendimento das necessidades do homem ocorre de maneira menos custosa quanto mais eficiente for o contrato em que exista a vinculação desse interesse.

Quando duas partes firmam um contrato, elas concordam pela mútua satisfação de interesses e consideram que esta é a melhor forma, consciente e disponível, para atender àquela necessidade, presente ou futura, livrando-se para perseguir nova e mais complexa necessidade. Assim, desde que as expectativas deste negócio se concretizem, o sucesso do contrato significa desenvolvimento, já que as partes estarão em melhor situação, em maior nível de bem-estar do que se este não existisse.

Em se planejando o futuro, que por natureza é incerto, quanto mais precisamente se puderem prever os efeitos do tempo sobre os interesses vinculados ao contrato, mais eficiente ele será, pois se permitirá a redução máxima de esforços desnecessários e, por conseguinte, maior será a utilidade no atendimento das necessidades. Partindo-se do pressuposto de quem os contratantes efetivamente compreendem e consignam a sua livre vontade no contrato, entende-se também que quanto mais eficiente, mais justo será tal contrato. Isso porque haverá uma rude diminuição dos riscos envolvidos e, por corolário, dos custos empregados para garanti-los.

A efetivação de riscos contratuais implica injustiça, pois uma das partes invariavelmente sairá em desvantagem. Ocorre que, se por um lado, uma parte assumiu um determinado custo para assegurar a sua incolumidade perante um evento em que há risco de ocorrer, este custo empregado não foi o da integralidade do evento, pelo que a outra parte, então, uma vez concretizado tal evento, arcará com a diferença entre o custo que recebeu a título de seguro do risco e a sua efetivação.

Dessa forma, quando riscos são reduzidos, a eficiência do contrato se eleva, bem como a justiça em relação àquilo que foi proposto, pois a equação econômico-financeira aprovada inicialmente pelos contratantes se manterá no decorrer da sua vigência. A importância deste conceito é percebida, de forma contemporânea, na incessante busca pela máxima eficiência dos contratos, pela diminuição dos custos relacionados aos riscos ligados a ação do tempo e possíveis controvérsias de interesses. Por exemplo, é cada vez mais comum o estabelecimento dos chamados “contratos evolutivos”, com cláusulas hardship, que permitem a negociação futura das diferenças havidas, caracterizando-se como modalidade maleável de contrato pautado pela boa-fé das partes, conforme explica Judith Martins-Costa (2010, p. 13) ao tratar desse novo modelo contratual:

Ao longo dos milênios, vem o engenho humano encontrando fórmulas e métodos que permitam obstar, em alguma medida, os efeitos deletérios do tempo sobre a vida do contrato, adaptando-o à realidade superveniente ao momento de sua conclusão.

A liberdade econômica não significa, todavia, que a autonomia de vontades das partes para a constituição de um contrato seja absoluta, pois regras gerais são culturalmente admitidas, desde que tenham eficácia erga omnes. Em especial no que concerne a este estudo, há que se respeitar, portanto, uma plêiade de regras de direito público, que visam a assegurar o interesse público, para o estabelecimento de contratos administrativos. Sobre a existência de regras regais aplicáveis aos contratos, ressalte-se o que aduz Friedrich Hayek (1983, p. 278):

Liberdade de contrato, como a liberdade em todas as outras áreas, significa realmente que a legitimidade de um ato depende apenas de normas gerais e não de uma aprovação específica por parte da autoridade. Quer dizer que a validade e a exigência de cumprimento de um contrato devem depender só das normas gerais, aplicáveis igualmente a todos e conhecidas, pelas quais todos os outros direitos legais são determinados, e não da aprovação de seu conteúdo por órgão do governo.

Antes de aprofundar o estudo dos institutos jurídicos que descrevem o âmago deste estudo, traz-se uma breve reflexão sobre a possibilidade de se desenvolver eficientemente a sociedade valendo-se de restrições impostas, pelo Estado de Direito contemporâneo, à liberdade econômica dos indivíduos.

Inicialmente, cabe rechaçar a ideia de que, se a liberdade econômica não for restringida, haverá a cessão da decisão sobre o que deve ser produzido, passando-se do povo (ou dos governantes) aos agentes de produção de bens econômicos, o que se caracterizaria como uma restrição injustificada de liberdades. Conforme a exposição de Ludwig von Mises (2010), a lógica do mercado consiste em atender de forma mais eficiente os anseios do indivíduo (consumidor), que é soberano em seu julgamento. Seguir em direção à liberdade econômica, portanto, nada mais significa do que ceder autonomia volitiva aos cidadãos, detentores de todo o poder que emana do Estado. Disse o economista (MISES, 2010, p. 20):

Assim sendo, o empresário só poderá ser bem-sucedido e realizar um lucro se for capaz de produzir melhor e mais barato, vale dizer, com um menor dispêndio de material e mão de obra, os artigos mais urgentemente desejados pelos consumidores. Portanto, são os consumidores e não os empresários que determinam o que deve ser produzido. Numa economia de mercado o consumidor é o soberano. É ele que manda, e o empresário tem que se empenhar, no seu próprio interesse, em atender seus desejos da melhor maneira possível.

Frise-se que o marco teórico econômico deste estudo repudia o que se pode denominar por “capitalismo de privilégios”, em que o Estado se apresenta como instrumento para o exercício de poder econômico de parcelas do mercado, quadro muito frequente na contemporaneidade, em que há uma ininterrupta disputa de influências para a confecção das leis.

Ao conceber o consumidor como soberano, o autor se refere a um mercado com liberdades plenas, sem restrições ilegítimas ou privilégios concedidos pelo Estado a seus aliados. Trata-se de um mercado livre de interferências, em que o apetite pela tem como efeito a contínua criação de novas formas de resolver as necessidades do homem. Ludwig von Mises (2010, p.21) denominava esta economia livre de mercado como “a democracia dos consumidores”, uma vez que são eles quem determinam, diariamente, a cada compra realizada, quais são as suas preferências e, em consequência, o que deve ser produzido, quais as necessidades a serem satisfeitas.

Enfatize-se, assim, que, em última análise, a situação legitimadora do ordenamento jurídico é a garantia dos direitos individuais inerentes à própria qualidade do ser, finalidade autêntica pela a qual o modelo de Estado deve ser erigido. Neste norte, colacionam-se excertos de clássicas obras em que tal paradigma é sustentado.

O economista francês Frédéric Bastiat (1991, p.4), ainda no século XIX, comentou: “A vida, a liberdade e a propriedade não existem pelo simples fato de os homens terem feito leis. Ao contrário, foi pelo fato de a vida, a liberdade e a propriedade existirem antes que os homens foram levados a fazer as leis.”. Tal preocupação também permeia Milton Friedman (1984, p. 12-13), receoso de que as leis subvertam os objetivos pelos quais foram criadas e causem justamente o que se quer evitar, nos seguintes dizeres:

[O] que devemos fazer para impedir que o governo, que criamos, se torne um Frankenstein e venha destruir justamente a liberdade para cuja proteção nós o estabelecemos?

Destaque-se que a busca pelo melhor modelo de desenvolvimento social foi o bojo da maioria dos debates acadêmicos, científicos e políticos dos últimos séculos.
Durante este contínuo processo de investigação sobre modelos e princípios básicos para o desenvolvimento humano, contudo, alguns indivíduos subestimaram a complexidade das necessidades humanas, acreditando que o juízo de alguns homens pode substituir beneficamente o discernimento de todos, individualmente tomados, em se tratando de direitos e interesses de toda a coletividade. Já advertia José Ortega y Gasset (2003, p. 59):

Quando a massa sente uma desventura, ou simplesmente algum forte apetite, é uma grande tentação para ela essa permanente e segura possibilidade de conseguir tudo – sem esforço, luta, dúvida nem risco – apenas ao premir a mola e fazer funcionar a portentosa máquina. A massa diz a si mesma: “o Estado sou eu”, o que é um perfeito erro.

A mesma preocupação é encontrada em obra clássoca de Alexis de Tocqueville (2011, p. 28), em que descreve a sua estadia na ainda novíssima democracia americana:

Se o poder que dirige as sociedades encontrasse à sua disposição os meios de governo, e juntasse ao direito de tudo comandar a faculdade e o hábito de tudo executar por si mesmo; se, depois de ter estabelecido os princípios gerais do governo, penetrasse nos detalhes da aplicação, e, depois de ter regulamentado os grandes interesses do país, pudesse descer até ao limite dos interesses individuais, a liberdade seria em breve banida do Novo Mundo.

Também sobre o tema, segundo o economista Klaus Mathis (2009), as intervenções legislativas limitadoras de liberdades frequentemente falham em alcançar os efeitos desejados e geralmente trazem à tona efeitos laterais que não eram previstos. Uma das razões seria a de que os defensores não focalizam as consequências futuras, atendo-se apenas aos objetivos diretos de determinada ação. Esta preocupação também é compartilhada pelo economista Henry Hazlitt (2011, p.2), que explica a origem de algumas falácias comuns nas ciências econômicas e políticas:

É a persistente tendência de os homens verem somente os efeitos imediatos de determinada política ou seus efeitos apenas num grupo especial, deixando de averiguar quais os efeitos dessa política a longo prazo, não só sobre esse determinado grupo, como sobre todos os demais. É a falácia de menosprezar consequências secundárias.

Ludwig von Mises (2010, p. 22) concebe o particular bem-sucedido em suas atividades empresariais como “aquele que consegue antever os futuros desejos dos consumidores, melhor do que os seus competidores.”. Em analogia, a Razão de Estado resume-se nesta difícil e complexa assertiva: o governante bem-sucedido é aquele que consegue antever e facilitar o atendimento às futuras necessidades da população mais eficientemente do que ela própria o faria.

Sobre o assunto, em crítica marcante, Milton Friedman (1984, p.13) aduz:

O governo não poderá jamais imitar a variedade e a diversidade da ação humana. A qualquer momento, por meio da imposição de padrões uniformes de habitação, nutrição ou vestuário, o governo poderá sem dúvida alguma melhorar o nível de vida de muitos indivíduos; por meio da imposição de padrões uniformes de organização escolar, construção de estradas ou assistência sanitária, o governo central poderá sem dúvida alguma melhorar o nível de desempenho em inúmeras áreas locais, e, talvez, na maior parte das comunidades. Mas, durante o processo, o governo substituirá progresso por estagnação e colocará a mediocridade uniforme em lugar da variedade essencial para a experimentação que pode trazer os atrasados do amanhã por cima da média de hoje.

O que se quer indicar com estes apontamentos são os melhores sinais de que, em razão da própria natureza humana e de sua correlata atividade econômica, quanto maior for o respeito às liberdades particulares, também será o nível de eficiência dos contratos e, por corolário, mais consistente será o desenvolvimento dos interesses perseguidos pela coletividade.

2.3       O pacto pela restrição de liberdades.

A igualdade e a liberdade são conceitos inegavelmente entrelaçados. É a liberdade particular do homem, por exemplo, que assenta o constitucional e republicano direito de igualdade perante o ordenamento jurídico. Quando um privilégio é concedido e, portanto, há o desfazimento da igualdade formal, tem-se como efeito a restrição da autonomia e do gozo de um direito de outrem. Por isso, toda vez que a igualdade é desfeita, há implicações negativas sobre a liberdade. Também assim, quando um direito pertencente a determinado indivíduo é reduzido, também o é a sua liberdade.

A restrição a liberdades individuais, todavia, nem sempre é considerada nociva pela sociedade hodierna. Existem situações em que os privilégios são estimulados para diminuir desvantagens específicas ou para recompensar os resultados percebidos por determinado indivíduo em momento anterior. Nessas políticas são empregados conceitos de justiça distributiva, conforme critérios estabelecidos, na busca por uma igualdade material. O seu fundamento está em se obter, através deste estímulo estatal, uma igualdade material que permita o atingimento e o desfruto da liberdade do indivíduo, o que se argumenta que não poderia ocorrer acaso não houvesse esta prestação material.

À primeira vista, pode parecer que esta concessão de privilégios a alguns grupos por meio da justiça distributiva invade a seara das liberdades individuais de forma injustificada. Por razões que não serão aqui aprofundadas, seja por encontrar neste modo de organização uma maneira mais eficiente de se desenvolver, como defende parte dos estudiosos, ou porque os detentores de poderes políticos e econômicos encontraram nesta forma o modelo para satisfazerem as suas próprias necessidades e impedem o surgimento de um modelo mais amplo de liberdade e desenvolvimento, tese defendida por outra linha, ocorre que o homem optou por reduzir algumas liberdades individuais em prol da sua coletividade.

Há consenso em relação à constatação de que o reconhecimento e o respeito à sua própria liberdade impuseram limites sociais ao homem, por exemplo, para situações em que é difícil reconhecer se constituem mera liberalidade individual ou imposição autoritária de um homem sobre outro. É por isso que a liberdade individual não é absoluta, não podendo o homem dispor de bens fundamentais à vida, como a sua vontade e, mais recentemente, a sua própria dignidade.

Basicamente, pode-se atribuir parte do fenômeno de restrição de certas liberdades individuais aos costumes do homem civilizado, que encerram na compaixão pelo próximo um sentimento comum. Os sentimentos de compaixão e de justiça plena fazem parte do bem-estar perseguido pelo coletivo social moderno, ou seja, pela soma do que cada indivíduo persegue. Um dos valores guardados pelos indivíduos da sociedade moderna é o reconhecimento da dignidade dos seus iguais.

Por exemplo, ao indivíduo não é permitido vender a sua escravidão a outro por um período determinado. Em uma análise econômica deste fenômeno, a compreensão atravessa a tese de que grande parte das pessoas comuns sacrificaria parte de suas propriedades, em variados graus, movidas pela compaixão, doando-as ao homem que estaria oferecendo a sua liberdade por dinheiro, para diminuir a sua necessidade por recursos financeiros e evitar que tal contrato, que fere a dignidade de um indivíduo, fosse efetivado, ao torná-lo desvantajoso pela menor utilidade da hipotética contraprestação.

Ocorre que limites como este foram consuetudinariamente impostos sobre a disponibilidade dos bens fundamentais à vida humana e, ao longo dos anos, foram aos poucos incorporados pelo catálogo de direitos fundamentais assegurados. As necessidades dos partícipes da sociedade moderna resguardam valores culturais e morais que justificaram a intervenção governamental, enquanto representação da coletividade, para inibir que as desigualdades existentes entre os indivíduos da sociedade ensejem situações contrárias à razão, ao bom senso do que se considera para a preservação dos próprios direitos fundamentais, dentre eles, o reconhecimento da respeitabilidade de sua própria natureza, expressa na forma clássica de “dignidade da pessoa humana”. Para melhor esclarecer, cabe colacionar excerto do filósofo e economista americano Murray Newton Rothbard (2010, p. 203):

Especificamente, uma pessoa não pode alienar sua vontade, mais particularmente seu controle sobre sua própria mente e corpo. Todo homem tem o controle sobre sua própria vontade e pessoa, e ele está, poderíamos assim dizer, “preso” a esta propriedade inerente e inalienável. Uma vez que sua vontade e seu controle sobre sua própria pessoa são inalienáveis, então seus direitos de controlar esta pessoa e vontade também o são. Esta é a base para a famosa posição da Declaração da Independência Americana de que os direitos naturais do homem são inalienáveis; ou seja, eles não podem ser entregues, mesmo se a pessoa desejar.

Os bens fundamentais à vida humana são considerados pela doutrina como “bens indisponíveis”, sendo aqueles que possuem um valor extraordinário, ou seja, que ultrapassam os limites da própria liberdade de seu titular e, por isso, são considerados direitos inalienáveis. Assim, justificam-se as regras de proteção que causam a inalienabilidade do bem por parte do indivíduo que lhe é o titular, limitando-se a sua liberdade de agir individualmente.

Como forma de organizar o respeito aos direitos do homem, as civilizações contemporâneas são administradas sob o amparo de ordenamentos jurídicos que atribuem diversas funções vinculadas às necessidades de seus indivíduos a uma Administração Pública. Assim, um dos poderes que o ente público assume é o de monopolizar a jurisdição sobre conflitos envolvendo bens não disponíveis[10] . O jurista Carlos Alberto Carmona (1998, p. 48) conceitua a disponibilidade dos bens da seguinte forma:

Diz-se que um direito é disponível quando ele pode ser ou não exercido livremente pelo seu titular, sem que haja norma cogente impondo o cumprimento do preceito, sob pena de nulidade ou anulabilidade do ato praticado com usa infringência. Assim, são disponíveis (do latim disponere, dispor, pôr em vários lugares, regular) aqueles bens que podem ser livremente alienados ou negociados, por encontrarem-se desembaraçados, tendo o alienante pela capacidade jurídica para tanto.

Há de se entender, assim, que socialmente estes direitos tem uma especial importância e, por isso, são empenhados esforços para preservá-los, fundado no interesse coletivo em sua indisponibilidade. Ao longo da história, o raciocínio aqui realizado foi o substrato teórico que legitimou a intervenção estatal na esfera das liberdades individuais.

 

3          RELAÇÃO ENTRE JURISDIÇÃO, JUSTIÇA E EFICIÊNCIA

 

3.1       O Estado busca produzir Justiça de forma Eficiente

Levando-se em conta a limitada presciência do homem acerca dos eventos futuros e incertos, é comum que os interesses previstos, positivados e acordados percam tais características ao longo do tempo, originando-se conflitos de interesses, que podem vir a se tornar um litígio. Entende-se o litígio como decorrente de uma ocasião em que o nível de suportabilidade da divergência é suficientemente extravasado para que seja disputado.

Essas disputas são regradas pelo Estado de Direito, em função apaziguadora e, no Brasil, descendem das regras de direito legislado, principalmente, do que foi positivado pelo Império Romano, desde a Lei das Doze Tábuas (449 a.C.) até o Corpus Iuris Civilis (530 d.c). Ajusta-se, portanto, que uma legítima e tradicional função do governo de um Estado é administrar o sistema judiciário da sociedade. Atualmente e há muito tempo, o governo possui o dever de fornecer solução aos litígios existentes em seu território. Para o que será tratado neste estudo, no entanto, ressalte-se que a utilização do serviço jurisdicional público é livre faculdade do integrante da sociedade, que pode recorrer a particulares para tanto, nos limites da lei, desde que o conflito não verse sobre bens indisponíveis, hipótese em que a única opção para a solução do conflito será a submissão à justiça estatal.

De forma sintética, a finalidade essencial para os estudos da ciência jurídica é procura por um sistema eficiente e justo de solução de controvérsias. Sobre o assunto, Adílson Abreu Dallari (1996, p. 5) indica que

Diante da absoluta impossibilidade de erradicação de conflitos, o direito positivo tem cuidado de estabelecer mecanismos cada vez mais aperfeiçoados para a composição de conflitos, procurando atingir a paz e a segurança jurídica, por meios que apresentem, simultaneamente, os requisitos da celeridade e da efetiva realização da justiça.

Desde há muito tempo são realizadas críticas aos defeitos dos sistemas judiciários, nas mais variadas formas[11] . Assim, mundo afora, reformas judiciais foram e são impostas para experimentar o aperfeiçoamento dos métodos de solução de litígios. Apesar da lentidão com que estas reformas são executadas, diversos instrumentos sociais foram empregados para tentar garantir justiça aos litigantes, como o fornecimento de subsídios que dão gratuidade àqueles menos favorecidos economicamente, a expansão de comarcas e de profissionais especializados, até as recentes reformas processuais e de sistematização de jurisprudência.

Apesar de não se realizar neste estudo uma incursão mais profunda sobre aspectos históricos, fato é que, malgrado os esforços empreendidos para garantir o acesso à justiça no Brasil, o sistema judiciário conserva uma parcela significativa de dificuldades para prover justiça de forma eficiente, comumente tendo a herculana tarefa de arrastar amontoados de processos ao longo de anos até se chegar a uma sentença transitada em julgado.

Vejam-se os resultados de pesquisa de campo conduzida por Armando Castelar Pinheiro (2003) no ano de 2000, em entrevistas a 741 magistrados, de todas as esferas do Poder Judiciário, que trouxe resultados intimidadores sobre a eficiência do Poder Judiciário. Segundo o autor, 93,9% dos magistrados brasileiros entrevistados consideram que o número insuficiente de magistrados é fator “muito importante” (80,3%) ou “importante” (13,6%) para explicar a morosidade do sistema judicial. Sobre a opinião dos empresários brasileiros, o autor traz a estatística de que 91% deles avaliaram como ruim ou péssimo os serviços do Poder Judiciário no que concernem à agilidade.

Sobre o tema, o depoimento da ministra do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon (2010, p.10):

Os mecanismos processuais de controle de conflitos, passando pela justiça estatal, pelo Poder Judiciário, o Estado e o juiz, não conseguem, de forma eficiente, cumprir todas as etapas a que se propõem: absorção de tensões, dirimirem conflitos, administrar disputas e neutralizar a violência. Esses são os grandes feitos, esses são os grandes objetivos da Justiça, e a justiça estatal, o Estado-juiz não está conseguindo solucionar.

Uma análise empírica da realidade, que vem a corroborar com o marco teórico deste estudo, indica que as dificuldades enfrentadas pelo Poder Judiciário prejudicam veementemente a atividade econômica brasileira e, por consequência, o desenvolvimento da sociedade. Sabe-se que um bom sistema judiciário reduz os custos contratuais de transação, incentivando os agentes econômicos a expandirem seus negócios além das grandes metrópoles, levando não somente as oportunidades a novos lugares, mas também cooperando para a difusão do conhecimento. Os investimentos e o progresso tecnológico são estimulados por uma justiça eficiente, que protege a propriedade e os direitos contratuais, reduz a instabilidade política econômica e coíbe a expropriação pelo Estado. A falta de eficiência, por adicionar custos desnecessários aos contratos, desencoraja investimentos e a circulação do capital disponível[12] , estreita a abrangência das atividades econômicas, desestimula a especialização do trabalho e o cumprimento dos contratos, obstaculiza a exploração de economias de escala e distorce o sistema de preços (PINHEIRO, 2001).

Sob a presunção de que as partes contratuais buscam tirar o máximo de vantagens do negócio celebrado, por conta de características naturais ao homem, muitas vezes os limites da moralidade e da legalidade são excedidos[13] , sendo necessário o resguardo das regras normativas e dos costumes por uma jurisdição eficiente. Por conseguinte, a insegurança jurídica estimula o descumprimento dos contratos e a privação de investimentos, efeitos que refletem diretamente no sistema de preços e acarretam injustiças. Uma vez que o Estado moderno tem profundas relações com o mercado, quem também sofre com esta distorção é o próprio erário, o que, em última análise, é parte integrante do interesse público, tema que será cuidadosamente abordado mais adiante.

A situação brasileira, no entanto, não é isolada no cenário internacional, podendo-se afirmar que existe um esforço generalizado para se encontrar as melhores respostas para a criação de um sistema de justiça eficaz, dentre as quais, a utilização de formas alternativas de resolução de conflitos, principalmente em forma de conciliação, mediação e arbitragem. Neil Andrews (2009, p. 31-32), ao discorrer sobre o sistema judiciário inglês, justifica o aumento da frequência da utilização destas formas alternativas de resolução de conflitos:

Uma das explicações é de origem econômica. O público em geral, mesmo as grandes empresas e departamentos do governo, não quer gastar grandes quantias em questões litigiosas. Conflitos comerciais e outros litígios complexos exigem representação legal por advogados qualificados. Mesmo o preparo para um possível litígio pode consumir grandes quantias. Esse sentimento de insatisfação entre os potenciais litigantes tem crescido nos últimos anos.

[…]

Existem também fatores não econômicos que afetam a decisão de uma das partes no sentido de tentar fazer um acordo, de se submeter a uma mediação ou de optar pela arbitragem. A parte também poderá querer evitar a incerteza, a demora e a publicidade envolvidas nos processos litigiosos.

Considerando-se este sucinto panorama fático relacionado com as dificuldades encontradas pela sociedade em edificar um eficiente sistema de resolução de controvérsias, é oportuna a reflexão sobre qual justiça se está buscando. Para tanto, indeclinável se mostra a abordagem sobre os conceitos de eficiência e de justiça. Observar-se-á o tema não somente por aspectos jurídicos, mas também econômicos, conforme a linha de investigação adotada por este trabalho, em parte exposta nos capítulos anteriores.

Trata-se aqui da denominada Análise Econômica do Direito, considerada por Luciano Benetti Timm e Manoel Gustavo Neubarth Trindade (2009, p.157) como uma lente potente para o caso brasileiro, conforme:

A Análise Econômica do Direito consiste em utilizar métodos próprios da Economia para solução de problemas jurídicos. Segundo essa perspectiva de análise, as pessoas são racionais e agem tendo em vista seus interesses (cálculo de custo benefício). As regras legais funcionam como “preços”, aos quais os agentes respondem dentro do cálculo antes referido. […] Naturalmente que por “preço” entende-se algo além do mero custo monetário. Existem custos que podem ser medidos, e.g., em prestígio, honra, lealdade e reputação.

Em perseguição à resposta que nomeia a sua tese de doutoramento “Eficiência em vez de Justiça?”, Klaus Mathis (2009) ressalta que a “quantidade de justiça” cada pessoa está preparada para sacrificar em troca de eficiência é questão subjetiva que depende de valores individuais. Entretanto, a “quantidade de justiça” que deve ser sacrificada para atingir determinado de eficiência pode ser determinada empiricamente. Não se quer aqui defender que a justiça seja sacrificada em benefício da eficiência, algo que não se justifica, mas tão-somente expor, como dita o autor, que a justiça e a eficiência não se excluem, mas convivem em um complexo relacionamento. Conclui o autor que para fins de políticas distributivas, a eficiência econômica de uma sociedade possui extensa influência, uma vez que só é possível distribuir o que é adquirido. Sendo assim, considera historicamente irônico, sob o ponto de vista ideológico, perceber que os objetivos sociais do Estado só podem ser assegurados mediante o crescimento econômico, ou seja, é preciso que a eficiência da atividade econômica cresça para atingir fins sociais. Disso se deduz que a importância do tema independe da ideologia adotada.

Klaus Mathis (2009) lembra o entendimento preponderante da escola de Chicago entre as décadas de 1970 e 1990, chamado “Law and Economics”, que teve como vanguardista o jurista Richard Posner e exerceu profunda influência sobre a forma de se aplicar o direito nos Estados Unidos. Segunda esta teoria, o moderno sistema judiciário deveria estar dividido em duas seções: a primeira, a tratar da economia de mercado, tendo como meta a eficiência, entendida como a maximização da riqueza, e a segunda, que discutiria leis sociais e impostos, estaria pautada nos princípios da justiça distributiva. Contudo, o autor entende que esta teoria não merece apego, pois defende ser tarefa do legislador e da jurisprudência o acerto da medida no balanceamento entre os conflitos de direito em qualquer que seja a área. Além disso, pondera que seria necessário considerar outros objetivos da justiça, como, por exemplo, a dignidade da pessoa humana e a segurança jurídica, além de apenas objetivar a eficiência e a justiça distributiva.

Bruno Meyherhof Salama (2010) analisa meticulosamente a trajetória intelectual de Richard Posner em “A História do Declínio e Queda do Eficientismo na Obra de Richard Posner”. Segundo Salama, destaque deve ser dado à teoria levantada pela obra do jurista americano denominada “Economic Analisys of Law”, de 1973, em que se entende a eficiência como a maximização da riqueza, sendo que esta seria o principal fundamento ético do direito. Por esta teoria, desde que se julgue em prol da eficiência, estará sendo conferido um julgamento justo. Tal entendimento influenciou fortemente o pensamento jurídico americano, todavia, após décadas de críticas, o próprio Posner reconheceu as falhas teóricas do sistema e reviu a sua opinião, abandonando publicamente tais preceitos em 1990. Para o autor, um dos responsáveis pela derrocada teórica foi Ronald Dworkin, um de seus principais críticos, que questionava o fato de que a justiça seria constituída de valores e a eficiência não poderia ser considerada como tal. Ainda analisando a obra de Posner, Klaus Mathis (2009) conclui que está provado ser a justiça um requisito para a eficiência, ressaltando, também, a importância que o princípio da segurança jurídica possui na busca da eficiência. Neste sentido, defende a utilização de argumentos econômicos para a solução de conflitos patrimoniais. Apesar disso, não percebe na eficiência um fim, mas o meio para se alcançar os objetivos perseguidos pelo homem e, por conseguinte, pelo Estado.

Até mesmo autores mais liberais rechaçam a ideia de que a maximização da riqueza pode ser o objetivo da lei, sob pena de se referendar um modelo utilitarista do Direito, como aduz o jurista Stephan Kinsella (2010, p. 18):

Por exemplo, poderia ser argumentado que a utilidade líquida é aumentada redistribuindo metade da riqueza do 1% mais rico da sociedade para os 10% mais pobres. Mas mesmo se roubar parte da propriedade de A e dar para B aumenta o bem estar de B mais do que diminui o de A (como se tal comparação pudesse ser de alguma forma feita), isso não estabelece que o roubo da propriedade de A seja justo. A maximização da riqueza não é o alvo da lei; ao invés, o alvo é a justiça – dar a cada um o que lhe é devido.

Uma grande falha em se considerar apenas fatores econômicos como fundamentos de direito é que existe considerável parcela de liberdades individuais que não possuem valores econômicos, como, por exemplo, a liberdade de expressão, sexual ou religiosa. Em suma, apesar destas críticas, entende-se que a eficiência não pode ser considerada como o fim perseguido, mas guarda íntimo vínculo ao conceito de justiça, principalmente quando relacionado com bens perceptíveis economicamente, ressalvando-se, apenas, que em muitas ocasiões não deve ser a única variável a norteá-la.

3.2       A resolução de conflitos pela arbitragem como expressão de liberdade

Em nosso país, como forma de garantir o acesso à justiça, o Poder Judiciário não pode se esquivar de apreciar “lesão ou ameaça a direito”, preceito insculpido no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Não obstante, o que ainda pode soar espantoso para grande parte da população brasileira, a função de julgar não resta monopolizada pelo Estado. Não existe impedimento legal para que particulares resolvam os seus conflitos de interesse servindo-se de outras vias que não o processo patrocinado pelo Estado. O preceito constitucional remete a uma proibição voltada ao próprio ente estatal e não àqueles que precisam resolver um litígio, sendo, portanto, inteiramente lícito resolver pendências jurídicas de forma particular, desde que versem sobre bens disponíveis. (CARMONA, 1998). Afinal de contas, conforme entende Neil Andrews (2010, p. 235), a negociação privada pela resolução de interesses é “uma manifestação de ‘duas liberdades’: a liberdade contratual e a liberdade dos litigantes para delimitar seus pedidos e defesas e praticar atos de disposição, nos termos combinados.”.

Uma maneira frequente e, como se verá, eficiente de se realizar este julgamento particular é por meio da arbitragem[14] . Em 1956, o processualista uruguaio Dante Barrios de Angelis já classificava a arbitragem como um meio de resolução de conflitos de interesse jurídicos com autoridade de coisa julgada. Carlos Alberto Carmona (1998, p. 27) detalha o instituto, com o seguinte conceito:

A arbitragem é uma técnica para a solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nesta convenção sem intervenção do Estado, sendo a decisão destinada assumir eficácia de sentença judicial.

Em território brasileiro, o instituto da arbitragem esteve disciplinado, pela primeira vez, na compilação jurídica denominada como Ordenações Filipinas, em 1603. Em texto de valor histórico ímpar, a norma previa a possibilidade de se apelar da sentença arbitral para os juízes ordinários e, mesmo que as partes renunciassem contratualmente ao direito de assim fazê-lo, esta cláusula não teria efeito. Veja-se a transcrição desta disposição, Livro III, Título XVII, páginas 589 e 579, onde se lê:

Posto que as partes comprometam em algum Juiz, ou Juizes arbitros, e se obriguem no compromisso star por sua determinação e sentença, e que della não possam appellar, nem aggravar, e que o contrario fizer pague a outra pessoa parte certa pena, e ainda que no compromisso se diga, que paga a pena, ou não paga, fique sempre a sentença dos arbitros firme e valiosa; poderá a parte, que se sentir agravada, sem embargo de tudo isso, appellar de sua sentença para os superiores, sem pagar aa dita pena; e se os arbitros lhe denegarem a appellação, façam-lha dar os Juizes ordinários (1). Porém, se os Juizes da appellação confirmarem a sentença dos arbitros, de que fôr appellado, pagará o appellante ao vencedor a pena conteuda no compromisso, que não se póde escusar de a pagar, pois prometeu não vir contra a sentença, e he achado que injustamente della appellou. (2). E posto que as partes renunciem o benefício desta Lei, tal renunciação será de nenhum effeito.[15]

A partir de sua análise histórica, podemos reconhecer as raízes que fizeram da arbitragem um instituto predominantemente observado e regulamentado pela atividade governamental[16] . Somente a partir do advento da lei nº 9.307/96 é que a arbitragem brasileira pode se desprender da supervisão estatal, com a extinção da obrigatoriedade de homologação da sentença arbitral. Esta medida foi claramente progressista em termos de liberdade, caracterizando-se como o rompimento do respaldo estatal sobre a autonomia decisiva jurídica particular no direito brasileiro. É preciso dizer, o homem costumeiramente se utiliza da arbitragem, em conceito amplo, para solucionar seus conflitos de interesses, sendo habitual a presença da boa-fé e a aplicação de prescrições consensuais[17]. Fácil notar, pois são meras formalidades que diferenciam o juízo arbitral de um pai sobre um conflito entre irmãos, para um árbitro esportivo que decide sobre a sanção para uma infração técnica ou para um árbitro comercial que julga se determinada empresa agiu com boa-fé ao não comparecer à reunião de renegociação em um contrato de grande valor.

Dante Barrios de Angelis (1956) trazia a classificação do instituto por “arbitragem jurídica” e “arbitragem por composição amigável”. A primeira caracterizada pela predominância da formalidade e da resolução por normas de direito substancial; a segunda, aquela não sujeita a formas, em que o critério para a resolução seria a equidade.

Assim sendo, apesar de expressamente resguardados de violações os bons costumes e a ordem pública[18] , a sentença arbitral não precisa se pautar em normas jurídicas positivadas, como ocorre quando a opção é pelo julgamento equitativo.

O conceito de equidade, segundo o autor, possui duas maneiras de ser sintetizado. Subjetivamente, seria o conceito que cada pessoa tem de justiça, resultado de sua experiência particular, que se manifesta ao pronunciar-se sobre um caso concreto. Objetivamente, seria sinônimo de justiça, em sua ideia pura e abstrata, aquele que um grupo social possui em determinado momento histórico. A sua aplicação permitiria certa suavização do direito, uma vez que a norma legal, segundo o autor, abrange a generalidade dos casos, tendo o juízo por equidade o poder de evitar a injustiça de sua aplicação no caso concreto, diminuindo o rigor de sua aplicação.

Carlos Alberto Carmona (1998) indica as três classificações para equidade costumeiramente trazidas pela doutrina: formativa, supletiva e substitutiva. A formativa seria aquela que preenche lacunas normativas mediante ordem expressa do legislador; a supletiva, utilizada quando a legislação limita-se a prever a hipóteses sem determinar exatamente as consequências, deixando a cargo do intérprete; a substitutiva, por sua vez, quando o intérprete pode afastar a incidência de lei, adequando a justiça ao caso concreto.

A arbitragem é instituto dinâmico e aberto, que dispõe de suficiente maleabilidade para guarnecer a variedade e as imprevisibilidades dos contratos contemporâneos. Permite que as partes estabeleçam as regras do jogo, que sejam livres para negociar e transigir sobre os próprios interesses, protegidas de entraves obsoletos que restrinjam a criatividade ou que engessem as suas disponibilidades. O instituto promete resolver o seguinte impasse: de um lado, a lentidão estatal em atender as demandas judicias da sociedade, em oposto, um complexo e transfronteiriço sistema de circulação de bens que necessita de jurisdição. Assim, a arbitragem descortina uma série de qualidades por muitas vezes abandonadas em sede do tradicional processo de resolução de conflitos, em que partes antagonistas duelam pelo triunfo no tribunal.

A cláusula compromissória, disposta no artigo 8º da Lei de Arbitragem, é o acordo pelo qual as partes vinculam os futuros litígios que eventualmente surjam. Esta condição é independente, mesmo que o contrato seja extinto ou discutido sobre sua legalidade, ela remanesce e vincula a sua submissão à arbitragem (BARRAL, 2000). O professor peruano Mario Castillo Freyre (2009) traz os dois critérios tradicionalmente utilizados para delimitar as matérias suscetíveis à arbitragem: a livre disposição conforme regra o direito e o critério patrimonial. Sobre as matérias que podem ser objeto de arbitragem, Carlos Alberto Carmona (1998, p. 48) assevera que:

[S]ão arbitráveis, portanto, as causas que tratem de matérias a respeito das quais o Estado não crie reserva específica por conta do resguardo dos interesses fundamentais da coletividade, e desde que as partes possam livremente dispor acerca do bem sobre o que controvertem.

Em sede de direitos disponíveis, a jurisdição privada e a jurisdição estatal são alternativas, mas não se excluem. Dante Barrios de Angelis (1956), após analisar a natureza das normas de arbitragem sob a influência da teoria de Carnelutti, conclui que somente no sentido técnico pode se falar em jurisdição privada dos árbitros, mas que a jurisdição exercida pelo juízo arbitral é uma função pública. Explica o jurista que a subordinação ao direito público se encontra no conjunto de disposições que estabelecem e regulamentam a “simbiose funcional” entre os órgãos arbitrais e judiciais. A referida lição pode ser compreendia, no Brasil de hoje, ao constatarmos que, apesar da liberdade inerente ao juízo arbitral, há limitações trazidas por legislação federal que limitam a autonomia formal e material do processo arbitral, sendo descabida, portanto, a afirmação de que se trata de usurpar função pública. Além disso, é de se destacar que a coercibilidade das decisões arbitrais ainda estão sujeitas ao juízo estatal, ou seja, o cumprimento das decisões não pode ser imposto pelo juízo arbitral, pois não é competente para exercer a força necessária para tanto.

De bom grado, já não existe espaço para insinuações como a de que a jurisdição estatal seria a única solução legítima ou eficaz para tutelar os direitos privados. A propósito, nada justifica a antiga proposição de ser eivada de inconstitucionalidade a arbitragem, ainda mais quando observado o que ocorre na prática: a efetivação dos princípios constitucionais, principalmente o da liberdade e da eficiência na justiça[19] .

A observação da realidade sedimentou a opinião de que a arbitragem assinala uma eminente maneira de se trazer eficiência à justiça. Muito embora não existirem significantes motivos econômicos para o Poder Judiciário competir para angariar as causas dos cidadãos, para as entidades arbitrais certamente existem, pois concorrem tanto em face de outras semelhantes, como do próprio ente público. Os efeitos trazidos pela liberdade econômica, neste sentido, obrigam as entidades arbitrais a oferecer serviços os mais vantajosos possíveis, uma vez que a ineficiência em oferecer vantagens às partes acarreta a sua decadência. Nesta hipótese, questões prejudiciais à justiça, como a parcialidade nos julgamentos, por exemplo, fundam reputações que certamente frustram as perspectivas futuras de uma câmara arbitral. Além de evitar questões moralmente reprováveis, a liberdade econômica põe fim à ineficiência de entidades arbitrais ou a entidades arbitrais ineficientes. Neste sentido, hipotetiza sobre uma justiça privada nos Estados Unidos o economista Robert P. Murphy (2009, p.1):

Outra objeção comum é que os ricos poderiam comprar as decisões judiciais em um sistema de tribunais privados. Novamente, isso negligencia a desenfreada corrupção que ocorre nos tribunais governamentais. Pelo menos no mercado aberto, futuros contestantes podem evitar juízes acusados de aceitar propina no passado. Contrariamente, nos tribunais estatais o único recurso contra um juiz corrupto é ter a esperança de que os eleitores irão se lembrar — e se importar — e não irão reelegê-los, ou que os políticos nomeiem algum outro.

Percebe-se assim, que a voluntariedade do indivíduo em assumir o compromisso arbitral e em definir sob qual juízo arbitral submeter-se ditam as ordens do mercado e garantem a sua imparcialidade, na melhor forma do que Ludwig von Mises (2010) denominou por “democracia de consumidores”, já exposta anteriormente.

Apesar das desamarras advindas pela Lei nº 9.307/06, o Poder Público continua a observar o procedimento arbitral e interferir em sua competência na medida em que abusos são cometidos. Basta verificar a relação de hipóteses de nulidade da sentença arbitral contidas no artigo 32 da referida lei, bem como a restrição imposta no artigo 2º, ao aduzir que as regras aplicadas na arbitragem não devem violar os bons costumes e a ordem pública[20] . Embora a liberdade de jurisdição privada não seja plena, o legislador tratou de assegurar a faculdade das partes em fazer seleção de quais normas jurídicas devem ser aplicadas ao negócio jurídico.

Carlos Alberto Carmona (1998, p. 27) enfatiza que:

Em sede de arbitragem, porém, muitos problemas são resolvidos com a expressa escolha da lei aplicável pelas próprias partes, de tal sorte que o árbitro não terá que recorrer às regras de conflitos de leis para estabelecer a norma que regerá o caso concreto.

Um importante aspecto da Lei de Arbitragem brasileira é o de que aos árbitros é assegurado o princípio da competência sobre a competência, ou o que denomina a doutrina alemã de kompetenz-kompetenz (BARRAL, 2000). Isso significa que ao juízo arbitral compete analisar sobre a sua própria competência, assim como a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem. Caso o tribunal arbitral seja considerado (por si mesmo) incompetente, as partes serão remetidas ao Poder Judiciário. Neste aspecto, cabe salientar que está ressalvado o direito de se pleitear posteriormente, ao Poder Judiciário, a nulidade da sentença arbitral, se atendida alguma das hipóteses previstas em lei. Dessa forma, entende-se que não se subtrai do indivíduo a liberdade de levar ao Estado questionamento sobre lesão aos seus direitos, desde que não seja direito previamente assentado ser somente resolvido via juízo arbitral.

A escolha pela arbitragem, que seja isso ressaltado, não se firma inteiramente em aspectos econômicos, mas também no próprio direito de exercer liberdade por intermédio da jurisdição particular, o que é atualmente desconhecido por grande parte dos brasileiros e subutilizado em nossa sociedade. Sobre o tema, Welber Barral (2000, p. 62) assevera: “equivaler arbitragem à decorrência do liberalismo econômico é negligenciar a tendência da sociedade em se auto-regular, em detrimento da ação regulatória do Estado”. Para o autor e como aqui levantado, apesar de o liberalismo econômico promover a utilização da arbitragem, não é o seu único fator condicionante.

3.3       O Estado contemporâneo contrata e pode se submeter ao juízo arbitral

Na condução evolutiva da liberdade, em parâmetros contemporâneos, está a metamorfose de um Estado autoritário em um Estado contratual, fenômeno estimulado no Brasil após o advento da Constituição Republicana de 1988. Esta mudança de concepção foi fortemente influenciada pelas crises no orçamento público, que levaram países em desenvolvimento, que investiam em estruturas estatais, mergulharem em dívidas e empréstimos internacionais para cobrir a onerosidade de sua ineficiência. Com o intento de satisfazer o interesse público e desempenhar as funções ordenadas por lei, portanto, a Administração Pública hodierna materializa parte de suas atividades sob a forma de negócios jurídicos celebrados com particulares. Sobre a questão, Joel de Menezes Niebuhr (2008, p. 398) destaca:

Já não é de hoje que, em virtude da complexidade das relações de produção e do avanço inconteste de novas tecnologias, geradoras, por consequência, de novas comodidades e soluções, a Administração Pública se vê crescentemente forçada a adquirir bens e a receber serviços e outras utilidades de seu interesse junto a terceiros.

Esta diferente forma de se organizar a gestão pública, em que a gestão pública aproxima-se de práticas típicas do mercado, é denominada “governança” pública (MENEGASSO, SALM, 2006). Maria Ester Menegasso e José Francisco Salm (2006) ao descreverem o que os estudiosos em Administração Pública entendem como modelo de gestão pública alternativa ao antigo modelo estatista, identificam práticas da gestão privada de negócios, como a adoção de mecanismos de mercado para superar as deficiências burocráticas, a busca pela produtividade, o aspecto de consumidor ao usuário dos serviços públicos, a descentralização dos serviços e a gestão por resultados.

Em tempos modernos, o governo atua no mercado como agente econômico, recorrendo a parceiros não estatais para executar parte de suas funções públicas. Esta terceirização dos serviços públicos abriga, por exemplo, a coleta de lixo, o abastecimento de água e energia, a construção e manutenção de complexos de serviços hospitalares e educacionais, ou até mesmo a organização dos meios de transporte coletivos.

Uma vantagem evidente é a descentralização das atividades prestadas, e consequente participação maior de indivíduos que decidem os rumos do Estado, bem como a submissão das atividades ao regime de mercado, o que é considerado por este estudo como a forma eficiente de desenvolvimento. Além destas, a mudança de espírito da gestão política, que já se mostrou como intimidatória e autoritária, agora necessariamente deve se apresentar como conciliadora de interesses e confiável. Segundo Dinorá Adelai Musetti Groti (2006, p. 2),

O momento consenso-negociação entre poder público e particulares, mesmo informal, ganha relevo no processo de identificação e definição de interesses públicos e privados, tutelados pela Administração. O estabelecimento dos primeiros deixa de ser monopólio do Estado, para prolongar-se num espaço do público não-estatal, acarretando com isso uma proliferação dos chamados entes intermediários. Há um refluxo da imperatividade e uma ascensão da consensualidade; há uma redução da imposição unilateral e autoritária de decisões para valorizar a participação dos administrados quanto à formação da conduta administrativa. A Administração passa a assumir o papel de mediação para dirimir e compor os conflitos de interesses entre várias partes ou entre estase a Administração. Disto decorre uma nova maneira de agir focada sobreo ato como atividade aberta à colaboração dos indivíduos.

A despeito do juízo valorativo sobre a utilidade ou a legitimidade do Estado como agente econômico participante das relações do mercado, é na forma de “contrato administrativo” que o Estado instrumentaliza os seus compromissos. Com essa medida, pretende a Administração Pública obter bens e serviços junto aos particulares, transferindo-lhe, muitas vezes, atribuições consideradas pelo ordenamento jurídico como serviços públicos. Gustavo Justino de Oliveira (2008, p. 25) explica a moderna expressão “governar por contrato”, segundo a qual “evocaria a necessidade de o Estado estabelecer vínculos mais robustos e permanentes com a sociedade, como meio para melhor consecução de suas ações.”.Veja-se que a atuação do governo em parceria com particulares é consentida até mesmo pelos economistas que fundaram as modernas teorias liberais, como se depreende deste trecho escrito por Milton Friedman (1984, p. 13):

[…] o governo pode, algumas vezes, nos levar a fazer em conjunto o que seria mais difícil ou dispendioso fazer separadamente. Entretanto, qualquer ação do governo nesse sentido representa um perigo. Nós não devemos nem podemos evitar usar o governo nesse sentido. Mas é preciso que exista uma boa e clara quantidade de vantagens, antes que o façamos. É contando principalmente com a cooperação voluntária e a empresa privada, tanto nas atividades econômicas quanto em outras, que podemos constituir o setor privado em limite para o poder de governo e uma proteção efetiva à nossa liberdade de palavra, de religião e de pensamento.

A atuação da Administração Pública no mercado não é como a de qualquer outro agente econômico, sendo revestida de caráter especial, pois são destinadas prerrogativas que a permitem ter o controle da relação jurídica estabelecida, trazendo regramentos do direito público aos contratos celebrados, deixando-a em posição vantajosa. Neste sentido, aduz Joel de Menezes Niebuhr (2008, p. 398):

Logo, a atividade da Administração Pública é marcada pela unilateralidade, por privilégios que lhe são concedidos em favor da imposição do público ao individual, o que revela relações jurídicas desequilibradas, bem diferentes das que são típicas dos ramos do Direito Privado. Em apertada síntese, cabe dizer que a Administração Pública é armada de poder, isto é, da capacidade de fazer valer os seus desígnios em face dos interesses de cunho individual, independentemente do consentimento dos seus titulares.

Os problemas começam a surgir quando a Administração Pública extrapola as suas prerrogativas e, por exemplo, tira proveito da manifesta ineficiência do Poder Judiciário em coibir práticas administrativas abusivas e contrárias aos princípios da Administração Pública nas relações contratuais mantidas com particulares. A pesquisa de campo realizada por Armando Castelar Pinheiro (2003) revela, neste ponto, a impressionante opinião dos magistrados brasileiros. Para 74,5% dos magistrados entrevistados, a União, de forma “muito frequente”, recorre à Justiça não para defender direitos, mas sim para retardar o cumprimento de suas obrigações. Apenas 5,1% dos magistrados consideram que isso ocorre com “pouca frequência” ou “nunca ou quase nunca ocorre”. Veja-se que este quadro, baseado na experiência dos magistrados, está em conformidade com as alegações levantadas por este estudo. O percentual de magistrados que não percebem esta ocorrência é basicamente o mesmo para os níveis estaduais e municipais (5,0% para os Estados e 8,0% para os municípios).

De forma reiterada, a mídia divulga casos de falhas técnicas e direcionamentos de licitações, inadimplemento, descumprimentos contratuais, entre outras práticas claramente excessivas. A artificialidade trazida ao mercado onera em demasia o erário, uma vez que, em conformidade com as leis econômicas, o particular se utiliza da sua única maneira possível para equilibrar a balança de interesses, qual seja aumentando descomunalmente os valores cobrados pela contraprestação da Administração Pública. Sobre o tema, assinala de maneira ímpar Joel de Menezes Niebuhr (2008, p. 404):

Os contratados, na grande maioria das situações, são forçados a cederem às arbitrariedades da Administração Pública, mormente em razão da ausência quase absoluta no ordenamento jurídico nacional de instrumentos de controle e de garantia minimamente eficazes. Na prática, se os contratados opõem-se aos rompantes da Administração Pública, esta lhes suspendem os pagamentos devidos, levando-os às portas da ruína.

Os contratados, para receberem o que lhes é devido, devem propor medidas judiciais, que no Brasil se estendem por anos, às vezes por décadas. Ao final, depois da peleja, os contratados submetem-se ao regime dos precatórios, disciplinados pelo artigo 100 da Constituição Federal, desrespeitado de modo desavergonhado por quase a totalidade dos governantes de Estado e dos prefeitos municipais. Evidentemente, esse quadro kafkiano conta com a omissão de expressiva parcela do Judiciário e dos órgãos de controle.

De revelada injustiça, o interesse da coletividade, neste caso especificado pelo erário, não pode sofrer pelo proveito desnecessário, muitas vezes ilegal, de particulares. Lamentavelmente, a prática de se tirar vantagem sobre o erário está presente de maneira bastante enraizada na sociedade brasileira. Logicamente, sob um ponto de vista econômico e determinista, como as punições para os transgressores brasileiros são ínfimas, é baixo o risco em se quebrar as leis morais, administrativas, civis e penais vigentes e, por conseguinte, tais eventos são recorrentes em nosso cotidiano.

Neste ponto, chega-se à questão que motivou este estudo: seria a arbitragem instituto capaz de neutralizar esta distorção artificial de valores e da maneira com que são realizadas as trocas de bens e serviços entre particulares e o Estado? Pois bem, como já exposto, em nosso ordenamento jurídico é prerrogativa governamental o monopólio a apreciação jurídica sobre “bens indisponíveis”. Ante tal exclusividade, muito se discutiu sobre a possibilidade de a própria Administração Pública se submeter a juízos arbitrais, uma vez que não havia consenso se todo interesse da Administração pública deveria ser considerado como interesse público primário, o que acarretaria em sua indisponibilidade. Esta discussão atualmente encontra-se superada, conforme instrui, em nossa ideia, Eliana Calmon (2010, p. 12):

A Constituição de 1988 prega a igualdade. É um dos princípios, e o Poder Administrativo, o Poder Público começa a ter a posição de se comportar em pé de igualdade, principalmente quando ele está contratando como particular. E é aí que nós temos a grande ideia de que não há possibilidade de se manter esse distanciamento a ponto de se dizer que todo direito administrativo é indisponível. Eu não posso confundir interesses públicos, e esses são realmente indisponíveis, com interesses da Administração Pública, que é diferente. E todas as vezes que em um contrato a Administração está firmando regras de contratos com o particular, nesse momento ele se coloca não a serviço do interesse público, a não se de uma forma secundária, porque de imediato estamos ali diante do interesse da Administração Pública. E a ideia é que, todas as vezes onde não está presente este direito público primário, de interesse público, é possível a utilização da mediação. Esses direitos disponíveis para a Administração Pública situam-se na esfera principalmente dos contratos administrativos.

Em última análise, em se tratando de negociação de interesses entre a Administração Pública e particulares, considerar que o conteúdo dos contratos administrativos como de interesse público primário significaria considerar que o fim perseguido pelo ente público é a mera maximização econômica[21] . O interesse público não pode restar caracterizado de outra maneira a não ser como a soma dos interesses de todos os indivíduos que compõe determinada sociedade. Em consonância com o que é defendido, Joel de Menezes Niebuhr (2008, p. 397) adverte:

[…] tudo quanto se faz em nome do interesse público, é feito, na verdade e em última análise, em nome do interesse individual. […] Por corolário, a consecução do interesse público é necessária pra a preservação dos interesses individuais, que com ele devem ser conformes.

Quando assim compreendido, esclarecedora se torna a ideia de que nem sempre o interesse da Administração Pública é o interesse público primário e que, portanto, por ser alternativa de maior eficiência, deve ser louvada e incentivada a opção da Administração Pública pelo instituto da arbitragem. Nesta toada, já ensinava, nos idos de 1996, o emérito Dr. Adilson Abreu Dallari (1996, p. 8-9):

Em primeiro lugar, cabe ressaltar que ao optar pela arbitragem o contratante público não está transigindo com o interesse público nem abrindo mão de instrumentos de defesa de interesses públicos. Está, sim, escolhendo uma forma mais expedita, ou um meio mais hábil, para a defesa do interesse público. Assim como o juiz, no procedimento judicial, deve ser imparcial, também o árbitro deve decidir com imparcialidade. O interesse público não se confunde com o mero interesse da Administração ou da Fazenda Pública; o interesse público está na correta aplicação da lei, e se confunde com a realização concreta da Justiça. Inúmeras vezes, para defender o interesse público, é preciso decidir contra a Administração Pública.

Também sobre esta especificidade do tema, Eliana Calmon (2010, p.13):

Ao optar pela arbitragem, o administrador público não mais está transigindo com interesse público ou abrindo mão dos interesses dos instrumentos de defesa do Estado. Está apenas optando por um meio de defesa. Um meio de defesa absolutamente legal e absolutamente consentâneo com a ordem jurídica.

A intervenção estatal na esfera da autonomia das vontades do indivíduo, conforme se depreende do que foi até aqui abordado, é uma excepcionalidade. O texto legislativo que faz menção a quem pode se utilizar da arbitragem é claro, diz o artigo 1º da lei 9.307/96 (BRASIL, 1996): “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”. As entidades da Administração Pública estão formalmente constituídas sob a forma de pessoa jurídica, restando, portanto, rechaçada qualquer desconfiança sobre a sua capacidade para se utilizar do juízo arbitral. Ademais, cabe lembrar que a Lei nº 8.987/95 (BRASIL, 1995), aditada pela Lei nº 11.196/05[22] , dissipou qualquer resquício de desconfiança sobre o tema, uma vez que trouxe ao próprio corpo normativo a menção expressa sobre a possibilidade de estabelecer mecanismos extrajudiciários para resolução de disputas decorrentes de contratos de concessão.

O momento histórico consolidante para a atual percepção de possibilidade da submissão do Estado brasileiro a juízos arbitrais foi o famoso julgamento do “Caso Lage” pelo Supremo Tribunal Federal, em 14 de novembro de 1973, que discorreu sobre a validade do juízo arbitral que definiu uma indenização devida pela União aos proprietários pela incorporação pública da Organização Lage e do espólio de Henrique Lage. (STF, 1973)

Esta perspectiva privada de tratar os conflitos da Administração Pública deve ser reconhecida como possuinte da maleabilidade necessária ao Estado para se adaptar às regras naturais do mercado. Carlos Alberto Carmona (1998, p. 52-53), neste aspecto, esclarece:

Quando o Estado atua fora de sua condição de entidade pública, praticando atos de natureza privada – onde poderia ser substituído por um particular na relação jurídica negocial -, não se pode pretender aplicáveis as normas próprias dos contratos administrativos, ancoradas no direito público. […] Em conclusão, quando o Estado pratica atos de gestão, desveste-se da supremacia que caracteriza sua atividade típica (exercício de autoridade, onde a Administração pratica atos impondo aos administrados seu obrigatório atendimento), igualando-se aos particulares […]

Para se alcançar de forma mais eficiente os interesses buscados entre os negócios firmados pelo Estado e o particular, a posição de igualdade entre a administração pública e o particular deve ser fomentada. Agir de outra forma significa continuar a macular os futuros contratos e desmotivar parceiros que sequer se tem conhecimento da existência. Os efeitos que o fator “risco” produz sobre o planejamento de futuros negócios não podem ser ignorados. Afinal de contas, além de sumariamente conceber posição privilegiada ao Estado, impor à outra parte condições que poderiam ser negociadas significa trazer a efeito a única maneira que o particular possui para se defender deste desproporcional desequilíbrio: o aumento do preço de sua oferta. Acaba-se por inverter o resultado do que foi planejado pela Administração, uma vez que se assume desnecessariamente, com recursos públicos, um ônus, qual seja: o valor do risco de se contratar com a Administração Pública.

 

4          A SUJEIÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO À ARBITRAGEM

 

4.1       O Contrato Administrativo é menos eficiente por natureza

Para o bem ou para o mal, é preciso reconhecer que o contrato administrativo brasileiro é uma forma de contrato naturalmente menos eficiente que o contrato entre particulares. A eficiência máxima nos contratos existe quando as partes encontram-se sob a plenitude da igualdade de posições, pois somente assim podem despender seus recursos de forma igualitária e alocar os seus riscos na devida proporção das peculiaridades e da natureza destes.

De todo modo, assume-se que os contratos administrativos são carregados de valores econômicos. Como qualquer contrato, existem custos intrínsecos à sua vivência, sendo que muitos não podem ser previstos. Quanto menor a previsibilidade de um custo futuro, obrigatoriamente, para que a proposta de negócio mantenha o nível de interesse, aumenta-se o valor requisitado como contraprestação ao que é oferecido, como forma de cobrir os riscos. Quando a balança está desequilibrada, a assunção dos riscos sobre os fatos futuros possíveis, porém imprevisíveis, onerará desproporcionalmente alguma das partes em determinado momento. Será tarefa do acaso, ou será onerada a parte que dispendeu mais recursos para cobrir os temores assumidos pela outra, mas que de fato não ocorreram, ou a parte que assumiu os riscos, mas não pode assegurá-los por completo, em vista da concorrência, será onerada. Por óbvio, esta relação contratual não é saudável, o que explica a tão manifesta ausência de princípios de boa-fé e de consensualidade entre as partes em se tratando de conflitos judiciais em contratos administrativos no Brasil.

A boa-fé contratual é requisito para a eficiência, pois em termos econômicos, a cooperação é objetivo dos contratantes. O comportamento de uma parte tem profunda relação de dependência e influência sobre o comportamento da outra. Neste sentido, a Análise Econômica do Direito prestigia a denominada “Teoria dos Jogos”, conceituada por Luciano Benetti Timm e Manoel Gustavo Neubarth Trindade (2009, p. 159) da seguinte forma:

“teoria descritiva e preditiva do comportamento humano em situações de interação de ações, ou seja, de formulação de estratégias tendo em conta o outro agente, vale dizer, quando o comportamento humano de uma parte influencia no comportamento da outra […]” [23] .

Em se tratando de contratos administrativos, por existirem diversas interações entre as partes, naturalmente, também há sucessivos cálculos das vantagens de decisões que mantém dependência a decisões da outra parte, como nas tratativas de um termo aditivo, por exemplo. A estratégia de atuação, então, depende da confiança entre as partes, que, em teoria estão dispostas a trabalhar de forma cooperativa. Assim, quanto maior for o balanceamento das igualdades originárias de negociações e interesses, melhor se desempenharão os trabalhos cooperativos.

Nos contratos administrativos brasileiros, contudo, a bilateralidade e a autonomia de vontades, que são princípios básicos da contratualidade, são mitigadas. Vide, por exemplo, as regras normativas para a execução dos contratos administrativos, que concedem à Administração Pública privilégios de atuação unilateral. Neste sentido, afirma Gustavo Justino de Oliveira (2008, p. 31):

E mesmo na formação dos contratos administrativos visualiza-se um abrandamento dos efeitos oriundos dessa bilateralidade, pois uma das características de tais ajustes encontra-se no fato de representarem autênticos contratos de adesão, com a imposição, pela Administração Pública, de quase totalidade das cláusulas que comporão o quadro regulatório da relação.

A Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993), que regulamenta o processo licitatório e o contrato administrativo, em seu artigo 58, expressa as prerrogativas conferidas à Administração Pública em face do regime dos contratos administrativos, conforme:

Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

I – modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;

II – rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;

III – fiscalizar-lhes a execução;

IV – aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;

V – nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.

Sobre o assunto, Joel de Menezes Niebuhr (2008, p. 406) conclui:

Enfim, é fundamental que os contratos administrativos sejam mais equilibrados. Não que se deva extinguir as prerrogativas da Administração, dado que elas desenham o núcleo dos contratos administrativos. No entanto, elas devem ser utilizadas com mais moderação e sujeitas a controle mais efetivo, protegendo também o contratado.

A consequência melhor observável destas diferenças entre as posições das partes contratantes, como já bem dito, é o nivelamento das desigualdades pela elevação do preço exigido pelo particular para cumprir as suas obrigações contratuais, onerando a Administração Pública de forma maior que o comumente praticado no mercado. Explica-se, portanto, a razão pela qual, salvo se houver efeito de outra variável, ao se compararem dois contratos com o mesmo objeto, sendo que em um deles a Administração Pública é parte, este contrato será naturalmente mais oneroso do que o firmado por apenas particulares. Neste sentido, a conclusão de Carlos Alberto de Salles (2011, p. 137):

O reflexo mais evidente da supremacia da posição da Administração no contrato é a decorrente fragilidade da posição do particular.

O Estado, como contratante, paga o preço das prerrogativas que possui na contratação com o particular. Se a unilateralidade, na qual o contrato administrativo é concebido, pode garantir a maleabilidade à ação estatal, diante das contingências do interesse público, ela também aumenta o risco contratual, que traduzido em custos transacionais, acaba por encarecer os preços pagos pela Administração.

Ademais, a própria maneira de se deliberar na Administração Pública não preza pela eficiência. Os rigorosos controles burocráticos dos processos de tomada de decisões buscam inibir o mau uso da discricionariedade, mas também acabam por desenvolver práticas de autoproteção do agente público, como explica Carlos Ari Sundfeld (2007, p. 38):

Exemplos delas: decidir rapidamente não é importante, antes ao contrário, pois demora é prudência; pouco importa o custo do processo para o Estado, muito menos para o particular; entre deferir ou indeferir, melhor é não decidir; na dúvida, o pedido deve ser negado; devem se manifestar formalmente nos autos o máximo de agentes e órgão estatais; ao tomar decisões, não cabe ao agente verificar se a finalidade legal está sendo realizada da melhor forma, mas sim se requisitos objetivos foram atendidos; as normas devem sempre ser interpretadas contra a liberdade; o agente público não pode diminuir os custos do sujeito privado, ao contrário, deve obriga-lo a gastar para o bem público; o requerente tem o ônus de prova absoluta de que não vai pecar; nenhum risco é aceitável. Essas convenções nem constam de manuais, nem têm defensores teóricos explícitos, mas são adotadas no cotidiano administrativo e conseguem apoio judicial, pela óbvia razão de que os juízes também são agentes públicos.

Outro ponto relevante para entender por que os contratos administrativos são menos eficientes do que os contratos comuns é o fato de que, nos casos de terceirização da prestação de serviços públicos, a responsabilidade civil atribuída ao prestador em relação aos usuários do serviço é objetiva, conforme dispõe o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

Faz-se necessário esclarecer que não se está argumentando pela desnecessidade destas prerrogativas estatais constarem nos contratos administrativos, análise que não constitui objeto deste estudo, mas apenas se relacionando a explicação teórica ao que é percebido empiricamente. O que se defende neste estudo é a adoção de práticas mais eficientes para a elaboração, manutenção e resolução de contratos administrativos, que visem à redução da assunção custos desnecessários e, consequentemente, não onerem desnecessariamente o erário, que é propriedade coletiva dos indivíduos.

4.2       A eficiência produzida pela inserção da cláusula compromissória.

O instituto da arbitragem aparece como o instrumento necessário para trazer eficiência e, por conseguinte, justiça às relações contratuais entre o Estado e os particulares. Atento ao viés econômico, Bruno Meyerhof Salama (2011, p.1-2) sintetiza o que considera as duas principais razões que levam à opção pela arbitragem, conforme:

Em primeiro lugar, a arbitragem poderá reduzir os custos de transação diretamente relacionados à resolução de disputas. Em segundo lugar, a arbitragem pode favorecer o estabelecimento de um sistema de incentivos mais adequado para o cumprimento de contratos, maximizando os ganhos na relação comercial entre as partes.

Também sobre as vantagens em se optar pelo procedimento arbitral em contratos administrativos, ensina Adilson Abreu Dallari (1996, p.10):

Em resumo, a arbitragem pode ser um instrumento extremamente útil para assegurar a regularidade na execução de serviços públicos concedidos, na medida em que permite que se chegue rapidamente à composição dos conflitos, mediante decisão tomada por quem seja um “expert” no específico assunto controvertido, sem qualquer risco de sacrifício do interesse público, que ficará sempre resguardado.

Por essas reflexões, em primeiro lugar, deduz-se que alguns dos custos de um contrato estão diretamente relacionados à resolução jurídica de disputas. Neste sentido, a eficiência dos instrumentos previstos pela lei para salvaguardar os direitos do contratante é variável básica para a elaboração da proposta de negócio. É neste ponto que se resume a importância de se poder dispor com um sistema digno de edificar rapidamente a justiça.

Neste viés, o instituto da arbitragem cumpre função niveladora de posições no contrato administrativo. Via de regra, os altos e especializados investimentos firmados entre particulares e o Estado somente serão vantajosos àqueles, caso estejam seguros de que o os contratos estabelecidos serão corretamente implementados (PINHEIRO, 2001). Para que o particular não compense esta insegurança onerando o erário, é preciso um sistema de resolução de conflitos eficiente e imparcial, que faça respeitar o acordo.

O período de espera para a solução das controvérsias judiciais engessa a disponibilidade de bens do agente econômico, impedindo que estes valores sejam empregados em outros negócios. O simples impedimento de emprego dos valores, a indisponibilidade dos bens, gera custos ao indivíduo, pelo que se denomina por “custo de oportunidade”, representado por todos os valores esperados para a satisfação de necessidades através de outros projetos que jamais foram levados adiantes, pois impossibilitados por uma indisponibilidade anterior (BUCHANAN, 2011).

Assim, a agilidade promovida pelos juízos arbitrais, seja porque destituídos de rigorosas formalidades processuais, seja porque descentralizados e preparados para atender demandas ajustadas às suas expectativas, contribui para a diminuição dos custos da espera judicial. Sobre a eficiência trazida pela diminuição das formalidades processuais, cabe citar o resultado trazido pela pesquisa de Armando Castelar Pinheiro (2003), segundo o qual, para 82,3% dos magistrados entrevistados, o excesso de formalidades nos procedimentos judiciais é um importante obstáculo ao bom funcionamento do Poder Judiciário.

De outra parte, a irrecorribilidade da sentença arbitral exerce função disciplinadora, o que é completamente oposto à prática percebida pelos tribunais judiciais brasileiros[24] . Seja pela falta de precedentes claros dos tribunais superiores ou pela comum prática protelatória das partes, uma avalanche recursal impera nos tribunais brasileiros. A matéria, inclusive, é acompanhada por marcantes discussões doutrinárias e já trouxe, nos últimos anos, reformas processuais, com a inclusão de um sistema vinculativo de jurisprudência e a possibilidade de julgamentos por recursos repetitivos.

Segundo José Eduardo Carreira Alvim (2008), a morosidade do Poder Judiciário está profundamente vinculada à tradição brasileira e a sua cultura recursal, que facilita o reexame de decisão de um órgão inferior por um órgão superior, mesmo quando a lei expressamente veda o recurso. Neste sentindo, entende-se parte do receio que alguns agentes econômicos possui em aplicar a arbitragem: apesar de estar juridicamente garantida a sua aplicabilidade, a implacável busca recursal em juízo público pode prejudicar a celeridade do instituto. Como bem esclarece Luciano Benetti Timm e Manoel Gustavo Neubarth Trindade (2009, p. 161):

Sim, os advogados igualmente não escapam à lógica do custo-benefício. É natural supor que os advogados sejam movidos pelos incentivos econômicos envolvidos nas demandas. (…) Portanto, se o incentivo colocado no sistema processual facilitar o ajuizamento e a interposição de recursos, advogados não hesitarão (salvo restrições éticas ou reputacionais) em mover ações e recursos descabidos.

Permanecer na expectativa, à mercê da resposta de um sistema judiciário ineficaz, significa alimentar a entropia de um sistema econômico que, como já exposto, quanto mais dificuldades em se prever os resultados de uma ação, mais onerará a sua proposta contratual. Isso é inaceitável para questões de interesse público, uma vez que os recursos empreendidos provêm da soma das contribuições pertencentes aos indivíduos que compõe a sociedade e, por isso, não podem ser utilizados de maneiras ineficientes, ou seja, prejudiciais ao bem comum, por culpa consciente da Administração Pública.

Com o mesmo propósito, Joel de Menezes Niebuhr (2008, p. 406), ao enumerar medidas com o desígnio de garantir a eficiência nos contratos administrativos, confirma:

Em quarto lugar, por obséquio à morosidade do Judiciário, é inevitável que os contratos administrativos caminhem em direção a outros modos de solução de controvérsia, com ênfase na arbitragem. O tribunal arbitral pode ser o rumo para a solução rápida e eficaz, na forma da Lei nº 9.307/96, que pode ser aplicada supletivamente aos contratos administrativos como prevê o artigo 54 da Lei nº 8.666/93.

Em uma justiça morosa, os direitos de propriedade são somente parcialmente protegidos, uma vez que a compensação financeira, por juros ou por correção monetária, não compensam os “custos de oportunidade” e nem sempre acompanham os reais valores da inflação. A arbitragem é terreno neutro para a resolução de conflitos contratuais patrimoniais. O árbitro está economicamente condicionado a prezar pela aplicação eficiente da justiça ao caso concreto, conforme as regras estabelecidas por acordo entre as partes. O seu caráter voluntário, portanto, não permitem ao árbitro que elabore o seu conceito de justiça a partir de valores exteriores ao que buscam as partes. Em teoria, na maioria dos casos, o que buscam as partes contratuais é o próprio cumprimento do contrato, de forma a consolidar os interesses postos em negociação.

Esta submissão do árbitro ao que foi previamente acordado traz vantagens à arbitragem em relação ao Poder Judiciário em questão de cumprimento de contratos. Veja-se novamente a pesquisa de campo de Armando Castelar Pinheiro (2003). Conforme o estudo, para 73,1% dos magistrados entrevistados, a busca da justiça social justifica decisões que violem os contratos. Percebe-se, assim, no judiciário brasileiro, um enraizado caráter de justiça distributiva e de aplicação de valores sociais extracontratuais aos conflitos privados. Esta socialização dos contratos, pelo que se defende neste estudo, acaba por trazer consequências futuras contrárias aos interesses coletivos, pois ao fomentar a insegurança jurídica e a transgressão das premissas contratuais privadas, acarretam custos e, por consequência, influenciam o sistema de preços e trazem ineficiência aos futuros contratos, significando menor desenvolvimento da sociedade. Armando Castelar Pinheiro (2001, p.7), ao comparar a vinculação do crescimento econômico a um Poder Judiciário justo, indica:

Um sistema de resolução de conflitos caracteriza-se como justo quando a probabilidade de vitória é próxima a um para o lado certo e a zero para o lado errado. A parcialidade é claramente ruim, e difere da imprevisibilidade porque distorce o sentido da justiça de uma forma intencional e determinística. Os tribunais podem ser tendenciosos devido à corrupção, por serem politizados (favorecendo a certas classes de litigantes, como membros da elite, trabalhadores, devedores, residentes, etc.), ou por não gozarem de independência frente ao Estado, curvando-se à sua vontade quando o governo é parte na disputa.

Não bastassem os motivos procedimentais que trazem celeridade ao sistema arbitral em relação ao sistema judiciário convencional, a especialização do trabalho leva em si a qualidade da excelência específica. Sem retirar os méritos de qualquer magistrado, bastante comum é observarmos situações técnicas típicas das modernas relações contratuais serem levadas a juízo. Nestas ocasiões, em que pormenores financeiros, contábeis, físicos ou mesmo normativos são questionados, exige-se do magistrado público a sagacidade e perspicácia técnica que somente profissionais integralmente especializados e dedicados a específicas áreas do saber poderiam conservar. Dessa forma, por exemplo, nada mais sensato e menos custoso do que submeter um contrato que verse sobre questões sanitárias e ambientais a um juízo arbitral especializado nestes assuntos. De maneira exemplificativa, tome-se o depoimento de Eliana Calmon (2010, p.15), ministra do Superior Tribunal de justiça:

Eu quero dizer ainda que o Poder Judiciário fica, inclusive, enriquecido no momento em que se desobriga de uma tarefa, que, para ele, é uma tarefa hercúlea. Eu sou juíza de carreira e posso dizer quantas e quantas vezes eu julguei, eu dei uma decisão absolutamente conduzida pela mão de um perito, porque eu não tenho nenhum conhecimento sobre o assunto e eu estou sendo conduzida inteiramente pela mão dele.

Neste sentido, conforme assevera o autor Bruno Meyerhof Salama (2011, p. 3-4), “A especialização permite, assim, a redução dos erros nas decisões arbitrais. (…) A redução da probabilidade de erro na decisão reduz o risco da relação contratual, tornando o contrato mais atrativo para as partes e todo o mercado.”.

Em profunda análise comparativa entre os custos para a submissão de um litígio ao juízo arbitral e ao Poder Judiciário, Fernando Marcondes (2004, p. 41-42) revela sua conclusão:

Muito embora a arbitragem tenha esse fator extra, que é o honorário do árbitro, o processo judicial facilmente chega ao mesmo custo, senão mais, quando é chegada a fase da perícia. É que, como se sabe, o juiz de direito não é especialista em nada, exceto leis. Logo, se ele necessitar de uma análise contábil, nomeará um perito; se precisar de uma vistoria numa edificação, nomeará um perito; se considerar indispensável a análise de um médico, de um especialista em informática, de um analista financeiro, nomeará um perito. E as perícias são caras, até mesmo proibitivas, algumas vezes. Já o árbitro pode ser o próprio perito, se as partes escolherem alguém que seja especialista na área cuja discussão se dar.

Para progredir em termos de igualdade entre os contratantes e permitir que a Administração Pública, que representa os interesses coletivos, assuma contratos menos onerosos e mais eficientes, é preciso garantir ao agente público a possibilidade de optar pela inserção da cláusula compromissória nos contratos administrativos. A discricionariedade do administrador público em se tratando de contratos administrativos deve ser respeitada sempre quando estiver em consonância com aquela discricionariedade típica do empreendedor particular. Somente assim a Administração Pública se aproximará da eficiência proporcionada pela liberdade, tão nítida nas relações particulares. Sobre o tema, o cientista político Alexandre Barros (2011, p.1). afirma que:

A regra básica do sucesso empresarial é triunfar no mercado, enfrentando concorrência, tomando decisões estratégicas recebidas de clientes que consomem, ou não, os produtos e serviços de empresas. As mensagens são rápidas e eficientes.(…) O governo não é um mercado. Tem algumas regras de mercado altamente regulado, que são exercidas a intervalos mais longos – as eleições – mas que não atingem os executores das decisões, que são concursados para a vida inteira. Nenhum mercado tem capacidade de puní-los.

Ressalte-se que eventual derrota por parte da Administração Pública em tribunal arbitral nada tem que ver com a responsabilidade atribuída ao agente público sobre a opção pela cláusula arbitral, desde que este atue nos limites da boa-fé. A indistinta responsabilização dos indivíduos por seus atos, mesmo quando efeitos negativos não eram passíveis de previsão, são nocivas ao desenvolvimento. É o que expõe Friedrich Hayek (1989, p. 89):

Inculcar no indivíduo a idéia de que ele é responsável por todo e qualquer ato é tão pernicioso para seu senso de responsabilidade quanto ensinar-lhe que não será responsabilizado por nada que fizer. A liberdade exige que a responsabilidade do indivíduo se estenda apenas àquilo que ele supostamente pode prever e, especialmente, que ele seja responsável somente por suas próprias ações (ou por aquelas de pessoas sob seus cuidados), não pelas ações de outros indivíduos igualmente livres.

Discricionariedade nada mais é do que a capacidade de se atuar com liberdade dentro de um limite estabelecido por lei. Sobre o tema, Dinorá Adelai Musetti Groti (1999, p. 103) ensina:

Tem sido corrente entre os juristas a afirmação de que a discricionariedade é a margem de liberdade que remanesce ao administrador para, no caso concreto, eleger um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, todos juridicamente admissíveis, base em critérios de conveniência, oportunidade, razoabilidade, Justiça etc – tema concernente ao mérito do ato administrativo.

A melhor solução é conferir ao agente público especializado a suficiente flexibilidade para decidir se a arbitragem deve ser empregada em determinado contrato administrativo. Isso porque medidas normativas que desrespeitem esta liberdade serão contrárias aos princípios que norteiam a máxima eficiência dos contratos, uma vez que esta decisão é característica dos agentes econômicos. Somente assim, assumindo-se a postura aqui descrita, é que se poderá conferir à atividade contratual do governo o caráter competitivo típico do mercado de trocas, sendo esta a única maneira de, principalmente nas empresas públicas que se envolvem em atividade econômica, realmente imergir nas relações mercantis de forma eficiente e menos artificial.

Há que se reconhecer outro atributo conferido pela arbitragem na busca pelo nivelamento das partes contratantes e, por corolário, da eficiência nos contratos administrativos. Afinal de contas, além de todas as benesses trazidas em termos de eficiência e tecnicalidade, a inserção da cláusula compromissória tem a força de atrair aqueles particulares que entendem ser desproporcional contratar com o Estado por ser o contrato julgado por ela própria, uma vez que quem decidirá sobre os possíveis conflitos judiciais será, em certa medida, o próprio Estado, representado pelo Poder Judiciário. A desconfiança de parcialidade do julgador, mesmo que infundada, também possui reflexos valorativos na proposta do negociante. Ao comentar o assunto, José Carlos de Magalhães (2004, p. 35) reconhece a imparcialidade garantida pela arbitragem em contratos administrativos: “Trata-se de mecanismo de solução de litígios que assegura ao contratante privado foro imparcial para examinar pretensões sobre o contrato.”.

Exercício interessante consiste em submeter os atuais contratos administrativos ao “Teste de Justiça”, elaborado por John Rawls (1999). Sua teoria consiste em somente se considerar justo o que é considerado pelas partes, quando condicionadas ao que denominou como “Posição Original”. Enquanto se estiver nesta hipotética “Posição Original”, as suas próprias características enquanto parte são ocultadas, ou seja, as vantagens e desvantagens próprias da parte que representam são encobertas. Assim, John Rawls coloca as partes conflitantes sob o “Véu da Ignorância”, uma posição original de igualdade, e expõe a situação, em que as partes devem negociar num sentido igualitário de posições, definindo-se, então, quais serão os princípios de justiça que darão seguimento aos interesses postos. O autor deduz o que considera o primeiro princípio de absoluto de justiça, conforme a aplicação da teoria, segundo o qual, a sociedade deve assegurar a máxima liberdade para cada pessoa compatível com uma liberdade igual para todos os outros.

Apesar de todos os princípios éticos e morais que envolvem o exercício da função jurisdicional pública, sob o ponto de vista da imparcialidade, e admitindo-se que a Administração Pública também é formada por homens que buscam por seus interesses, as partes de um contrato administrativo, quando submetidas “Posição Original” de Rawls, encontrariam no juízo arbitral a opção mais justa, uma vez que, caso contrário, uma das partes, a Administração Pública, desempenharia duas funções sobre o contrato, além de parte contratual, também seria a responsável pelo julgamento dos conflitos decorrentes.

Tese consonante como o que é aqui exposto é a trazida, em importante estudo de campo, por Armando Castelar Pinheiro (2003). O estudo apresenta que, na opinião de 74,3% dos magistrados brasileiros entrevistados, “ocasionalmente”, “frequentemente” ou “muito frequentemente”, as decisões judiciais são baseadas mais em visões políticas do juiz do que em uma leitura rigorosa da lei. Para apenas 1,6% dos magistrados brasileiros, este fenômeno nunca ocorre. Aliás, relacionado ao tema que concerne este estudo, a pesquisa informa que, para 50,4% dos magistrados brasileiros, de maneira “algo frequente” ou “muito frequente”, as decisões sobre a Regulação de Serviços Públicos tendem a ser baseadas mais nas posições políticas do juiz do que na leitura rigorosa da lei.

Assim, é possível deduzir que, entre dois cidadãos com as mesmíssimas características intelectuais e morais, sendo um juiz público e outro árbitro privado, para julgar sobre um contrato administrativo, o último deve ser considerado o de maior imparcialidade, uma vez que não sendo membro da Administração Pública, mas ainda parte do coletivo público, com interesses particulares e públicos em padrões comuns.

4.3       Estudo comparado: arbitragem em contratos administrativos no Peru e no Chile

A conclusão sobre os benefícios da arbitragem não é novidade para o universo jurídico, nem mesmo em relação à sua aplicação em contratos administrativos. Para efeitos de comparação, é de singular importância registrar, primeiramente, a norma que rege as controvérsias surgidas nos “contratos administrativos” firmados pela República do Peru. Lá, a legislação federal ordena que os litígios devam ser obrigatoriamente submetidos à conciliação e, ou, à arbitragem, quando as pendengas contratuais forem relacionadas à execução, interpretação, resolução, inexistência, ineficácia ou invalidez, conforme se observa do artigo 53.2 da “Ley de Contrataciones y Adquisiciones del Estado” (PERU, 2007):

Artículo 53.- Solución de controversias.

[…]

53.2 Las controversias que surjan entre las partes sobre la ejecución, interpretación, resolución, inexistencia, ineficacia o invalidez del contrato, se resolverán mediante conciliación y/o arbitraje, según el acuerdo de las partes, debiendo solicitarse el inicio de estos procedimientos en cualquier momento anterior a la culminación del contrato. Este plazo es de caducidad.

Veja-se que a crítica promovida a este sistema é no sentido de que a legislação não fornece alternativa ao Estado ou ao particular em determinar onde devem ser resolvidos os conflitos, obrigando-se o método da arbitragem. Apesar do avanço em questões de eficiência econômica, imperioso reconhecer o retrocesso em termos de liberdade. Sobre o tema, Carlos Alberto Carmona (1998) considera que a arbitragem obrigatória, que já esteve presente no ordenamento jurídico brasileiro, é instituto em espontâneo desuso, que tende a ser abolido nos sistemas mais evoluídos.

A República do Chile promulgou, em janeiro de 2010, a lei nº 20.410, que redefiniu e sistematizou a “Ley de Concesiones de Obras Públicas”, nº 164 de 1991 (CHILE, 2010). Pelo seu conteúdo, percebe-se que a intenção desta lei é avançar no nivelamento de poderes do Estado frente a um contrato administrativo com características que tendem ao controle por parte da Administração Pública e trazer um marco de igualdade jurídica entre as partes.

A lei chilena de concessões de serviços públicos prevê, em seu décimo capítulo, as regras para as resoluções de controvérsias, permitindo que a concessionária e o poder público submetam o litígio à “Corte de Apelaciones de Santiago” ou à arbitragem. Caso seja utilizado o juízo arbitral, existem uma série de regras legislativas que definem o procedimento. A comissão arbitral é integrada por três profissionais, dos quais dois devem ser advogados e um deles o presidente da comissão. Os integrantes são indicados por comum acordo a partir de duas listas de peritos, a primeira delas, confeccionada pelo Supremo Tribunal, é composta por advogados, a segunda, por sua vez, é composta por profissionais designados pelo “Tribunal de Defesa da Livre Concorrência”. Estes profissionais devem ter a idoneidade certificada pelos tribunais que o elegeram para as listas e a sentença definitiva proferida pela comissão arbitral não está sujeita a recurso.

Juan Eduardo Figueroa Valdes (2008) discorre sobre os primeiros quinze anos desde a elaboração da lei, aplaudindo o bem sucedido sistema de concessões, que levou a cabo 48 projetos de concessão, no valor total superior a 11,5 bilhões de dólares. Dentre os resultados, cita-se a concessão de 2.500 quilômetros de rodovias, 10 aeroportos, bem como edificações públicas, presídios e barragens. Também menciona as importantes obras no setor elétrico, de infraestrutura portuária, sanitária e hospitalar, ferrovias, vias urbanas e interurbanas, em que são previstos os gastos de mais de 20 bilhões de dólares para o período entre 2008 e 2012. O autor explica, ainda sobre a forma antiga da lei, que a viabilidade técnica e econômica do sistema chileno de concessões de obras públicas se construiu sobre a base de licitações públicas competitivas e transparentes. O sistema permite a adjudicação àquele que estiver disposto a empregar a maior quantidade de recursos no empreendimento, seja a maior quantidade de capital inicial, a menor tarifa cobrada do usuário ou a menor solicitação de subsídio público. Igualmente, o sistema requer regras claras e transparentes, que incluem, entre outras medidas, um célere mecanismo de resolução de controvérsias por arbitragem, garantindo, assim, um equilíbrio adequado entre os poderes e responsabilidades da autoridade licitante e do particular. Ressalta que, desta forma, a lei garante a eliminação dos poderes exorbitantes do Estado, de modo que ele atua em pé de igualdade com o empresário, sustentado por um elaborado mecanismo de arbitragem.

Não obstante, para este estudo, a imposição da arbitragem mediante obrigação normativa não merece acolhida, uma vez que isto se caracterizaria como uma Vitória de Pirro, sacrificando-se a voluntariedade em busca de eficiência e, por conseguinte, ricocheteando na autonomia de vontade, liberdade típica e benéfica inerente à contratualidade e tendo consequências na própria manutenção da imparcialidade das instituições arbitrais. Isso também porque não é possível garantir que a arbitragem será a melhor alternativa para absolutamente todos os contratos administrativos, independente da esfera ou do local, podendo o administrador público optar pelo juízo público se assim julgar conveniente, considerado também com uma opção, conforme os benefícios que os ditames da liberdade propiciam ao desenvolvimento.

5          CONCLUSÃO

A única pessoa que pode realmente persuadir você é você mesmo. Você deve sopesar detida e cuidadosamente os problemas, considerar todos os argumentos, deixá-los efervescer e, após longo tempo, transformar suas preferências em convicções. (FRIEDMAN, 1984, p.7)

A análise sobre concepção chilena dos contratos de concessão e, acima disso, a constatação empírica de sua experiência, é grande indicação de que a submissão dos contratos administrativos à arbitragem trazem efeitos salutares ao desenvolvimento social. No verdadeiro sentido do que se defende neste estudo, assegura Selma M. Ferreira Lemes (2003, p. 15):

Conclui-se, portanto, que os contratos de concessão de serviços públicos, não apenas podem estabelecer a solução de controvérsias por arbitragem, como devem assim proceder. O Edital e o contrato de concessão ao obrigatoriamente disporem nas denominadas cláusulas essenciais sobre a negociação, conciliação, mediação e arbitragem, poderiam, por exemplo, estabelecer que as divergências referentes às compensações ou indenizações decorrentes das modificações dos serviços contratados, por razões de interesse público, atrasos imputáveis ao concedente durante o período da construção etc; enfim, as controvérsias surgidas quanto à interpretação ou aplicação do contrato e que representassem ônus ao concessionário seriam submetidas a uma Comissão de Conciliação e Arbitragem, que observaria um regulamento próprio disposto previamente pelo poder concedente, fundamentando-se nos princípios jurídicos presentes na conciliação e na arbitragem, que prevêem a igualdade de tratamento das partes, o direito ao contraditório e a independência e imparcialidade dos árbitros e conciliadores.

  

Não se está sustentando a proibição da resolução de litígios pela via tradicional ou o reconhecimento da suspeição ou do impedimento do magistrado brasileiro em apreciar os contratos administrativos. Também não está se defendendo a obrigatoriedade da utilização do instituto da arbitragem em contratos administrativos, pois a voluntariedade é caráter fundamental para as benesses da arbitragem. O que se propugna é que o instituto da arbitragem seja verdadeiramente eleito pela Administração Pública e que sejam adotadas práticas de conscientização ao gerenciamento público a respeito do manifesto benefício do instituto. Em último grau, defende-se o fomento à utilização do instituto da arbitragem em seus contratos administrativos para melhor alcançar o desenvolvimento, haja vista ser uma expressão da própria liberdade dos indivíduos que formam o Estado e, por corolário, alternativa para obter eficiência e justiça em contraposição ao descompasso do Judiciário com as necessidades contemporâneas das atividades econômicas.

Entende-se que a Administração Pública não pode se legitimar de outra maneira a não ser pelo cumprimento de sua razão de Estado, ou seja, na busca pela previsão e atendimento das necessidades dos indivíduos melhor do que eles mesmos o fariam individualmente. Na perseguição deste objetivo, qualquer desperdício de fundos coletivos para cobrir riscos adicionados desnecessariamente pela Administração Pública aos contratos administrativos deve ser evitado. A análise econômica dos contratos trouxe como conclusão o fato de que quanto mais previsível, mais eficiente será o atendimento das necessidades vinculadas aos interesses daquele negócio. Percebeu-se que a satisfação das necessidades do homem libera o caminho para o atendimento de necessidades mais complexas, sendo este o caminho natural do desenvolvimento.

Os poderes concedidos à hodierna Administração Pública pelos indivíduos que formam a sociedade, no intento de resguardar os interesses coletivos, justificaram a outorga de privilégios quando esta é parte em um contrato administrativo. Como visto, estes contratos administrativos são naturalmente menos eficientes do que os contratos comuns, pois os privilégios de uma parte adicionam riscos que se traduzem em custos para o particular. Com efeito, para equilibrar estas diferenças, o particular compensa as suas desvantagens com o aumento do preço exigido para cumprir as suas responsabilidades. Entretanto, além dos custos adicionais legítimos, ou seja, aqueles que para a defesa dos interesses coletivos devem fazer parte dos contratos administrativos, existem alguns custos adicionados que não são legítimos, pois indesejados pelo interesse coletivo. Todos os custos adicionados sem legitimidade e que, portanto, não se justificam, envolvem a intervenção jurisdicional para reestabelecer o equilíbrio econômico. Contudo, quando o Poder Judiciário não consegue acompanhar eficientemente as disputas contratuais entre o Estado e os particulares, debruça-se sobre um panorama em que o próprio sistema judiciário é utilizado como apoio para delongar as disputas e descumprir os contratos. Isso, em termos econômicos do contrato administrativo, significa que em próximos contratos, o particular, que é a parte prejudicada na maioria das vezes, aumentará novamente o valor da contraprestação exigida, onerando injustificadamente o erário.

Nesta perspectiva, pugna-se pela a adoção da arbitragem, que se mostra como legítima expressão de liberdade dos indivíduos e plenamente aplicável a contratos administrativos, como um instrumento neutralizador das diferenças inerentes às partes, que fornece justiça de forma mais eficiente, imparcial e especializada do que o Poder Judiciário, assegurando que esses contratos sejam cumpridos conforme estabelecidos. Em longo prazo, a aplicação em larga escala da arbitragem em contratos administrativos tende a diminuir as incertezas contratuais e as distorções no sistema de preços, trazendo eficiência à Administração Pública e desenvolvimento, uma vez que desonerará o erário naquilo que não lhe compete.

 

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[1] A reflexão sobre as ações humanas são analisadas, neste estudo, a partir do “individualismo metodológico”, que reside na compreensão de que todas as ações são realizadas por indivíduos em busca de um objetivo, sendo que este método rejeita o exame a partir de uma coletividade, principalmente porque cada indivíduo faz parte de várias coletividades. Portanto, para tal, a única maneira legítima de se deduzirem conclusões sobre as ações do homem é se observadas a partir da soma das ações individuais. (MISES, 1998)

[2] O conceito de desenvolvimento tratado neste estudo é remetido ao representado pelos economistas Mahbub ul Haq e Amartya Sem, criadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), adotado pela Organização das Nações Unidas desde 1993, que leva em consideração, além dos índices econômicos, parâmetros como o índice de educação e de longevidade dos cidadãos.

[3] Para Steven Pinker (2003), o próprio trabalho de Charles Darwin foi influenciado pelo de Adam Smith e muitos de seus sucessores analisaram a evolução da sociedade a partir de ferramentas típicas da economia, como a Teoria dos Jogos e técnicas de otimização.

[4] Atualmente, a liberdade é consensualmente considerada pelos povos como direito fundamental de todos os membros da família humana. A primeira frase do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, dotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, considera que: “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. Novamente, em seu primeiro artigo, dispõe: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (ONU, 1948).

[5] O tema, apesar de estimulante, não terá uma abordagem mais aprofundada do que a atual, pelo perigo de se adentrar uma seara que se desviaria do mote deste trabalho.

[6] Tratando sobre o tema, o economista Milton Friedman (1984, p. 177) explica: “Todos os homens têm o mesmo direito à liberdade. Este é um direito importante e fundamental precisamente porque os homens são diferentes, pois um indivíduo quererá fazer com sua liberdade coisas diferentes das que são feitas por outros; e tal processo pode contribuir mais do que qualquer outro para a cultura geral da sociedade em que vivem muitos homens.”.

[7] Imperioso reconhecer que não se deve pensar o conceito de liberdade individual apenas em seu âmbito econômico, pois este é apenas um aspecto deste direito. A liberdade também se manifesta por aspectos necessários ao homem, porém sem valor econômico, como a liberdade de expressão, comunicação, política, sexual, locomoção, religião, pensamento, consciência.

[8] Para efeitos de comparação com a doutrina civilista brasileira, o moderno conceito de direito à propriedade, conforme aduz Carlos Roberto Gonçalves, seria o “poder jurídico atribuído a uma pessoa de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, em sua plenitude e dentro dos limites estabelecidos na lei, bem como de reivindica-lo de quem injustamente o detenha” (2008, p. 208-209).

[9] Esta concepção não corresponde à explicação teórica clássica de que o valor do bem está sujeito à quantidade de trabalho investida, atribuída principalmente a Karl Marx, mas também admitida por Adam Smith e David Ricardo. Muito embora seja possível, por meio do trabalho, aumentar a utilidade e diminuir a escassez de um bem, além de isto nem sempre ocorrer, a necessidade deste bem varia conforme o juízo de cada indivíduo.

[10] No ordenamento pátrio, a norma que discorre sobre a restrição à liberdade de disposição dos próprios bens está gravada no artigo 11 da Lei 10.406/2002, o Código Civil brasileiro, que expõe: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.”.

[11] Na literatura, por exemplo, Charles Dickens (1999), em novela intitulada “Bleak House”, meados do século XIX, tece críticas à morosidade e ineficácia do tribunal britânico de Chancery, ao exibir as longas e penosas dificuldades enfrentadas para se obter a materialização das vontades expressas em um testamento.

[12] Como exemplifica Armando Castelar Pinheiro (2001, p. 10): “Este é caso dos spreads bancários, cujo alto valor no Brasil se deve em parte à ineficiência do judiciário. De um lado, porque o banco não pode contar com o judiciário para reaver rapidamente as garantias dadas — uma cobrança judicial de dívida pode levar 8 ou 10 anos – e tem de compensar este custo financeiro extra no spread. De outro, porque a ineficiência do judiciário faz com que os bancos sejam obrigados a manter toda uma burocracia encarregada de seguir os longos processos judiciais de cobrança de dívidas, causando um custo administrativo adicional, que também é incorporado nos spreads.”.

[13] É o que explica o geneticista Richard Dawkins (1979, p. 50):”[…]Cada indivíduo utiliza sua capacidade de previsão consciente e é capaz de ver que é de seu próprio interesse a longo prazo obedecer as regras do pacto. Mesmo nos pactos humanos há o perigo constante de que os indivíduos poderão ganhar tanto a curto prazo quebrando o pacto que a tentação de fazê-la será irresistível.”.

[14] Atualmente, já não existem dúvidas sobre a legitimidade ou sobre a qualidade do instituto da arbitragem, chegando a estar positivado de forma exemplificativa na própria Constituição Federal (BRASIL, 1988), artigo 114, parágrafo 1º, a tratar sobre a arbitragem sobre negociações coletivas frustradas na justiça trabalhista, nos seguintes termos: Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

[15] O texto integral das Ordens Filipinas é oferecido ao público pela Universidade de Coimbra, em Portugal, a partir de uma digitalização das páginas da edição de Cândido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. Disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm Acesso em: 12 mar. 2011.

[16] Há que se dizer que pode estar aí a origem para as tamanhas amarras que conservam no ideário comum o pensamento de que apenas a justiça pública possui a legitimidade para resolver os conflitos na sociedade brasileira.

[17] Nestes termos, sintetiza Welber Barral (2000, p. 12): ”[a utilização da arbitragem] pressupõe uma mudança de mentalidade, inclusive quanto ao caráter adversarial no processo, quanto à adoção de menor formalismo. Pressupõe ressucitar valores sociais (boa-fé, pontualidade, responsabilidade, confiança) que foram eclipsados pelos anos de impunidade e de inadimplência.”.

[18] Reza o artigo 2º, § 1º da Lei nº 9.307/96: “Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.”.

[19] Sobre o assunto, Welber Barral (2000, p. 63) adverte: “Pretender que a tutela estatal sobre os direitos privados é melhor, ou mais efetiva, constitui opinião ideológica, não necessariamente corroborada pela análise da eficácia da solução estatal dos litígios.”.

[20]  Dispõe a Lei 9.307/96 (BRASIL, 1996, grifo nosso):

Art. 2º (…)§ 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.

Art. 32. É nula a sentença arbitral se: I – for nulo o compromisso;   II – emanou de quem não podia ser árbitro;   III – não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;   IV – for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;   V – não decidir todo o litígio submetido à arbitragem;   VI – comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;   VII – proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e   VIII – forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.

[21] Com o perdão da obviedade, analogicamente, nem sempre o que é saudável para o saldo financeiro de um empreendimento, também o é para os objetivos dele. Por exemplo, economizar na qualidade da matéria-prima de um produto e vendê-lo pelo mesmo preço não é estratégia inconteste para o sucesso do negócio. Economizar no reconhecimento dos direitos individuais perante o Estado, especificamente o de submeter as suas controvérsias a um juízo não estatal, neste sentido, é inverter os primeiros objetivos da fundação do próprio ente estatal.

[22] Após o seu aditamento em 2005, o próprio termo “arbitragem” foi adicionado. Em seu artigo 23-A, a Lei de Concessões Públicas prevê: ”O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.”.

[23] Sobre o tema, exemplo interessante é trazido pelo famoso “Dilema do Prisioneiro”, em que se pretende desvendar o comportamento humano em situações extremas de cooperação ou traição.

[24] Veja-se, como exemplo, que em 2010, 71.610 processos foram autuados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Há de se reconhecer que o número vem diminuindo, principalmente se comparado com o recorde do ano de 2002, quando 160.453 processos foram autuados, conforme relatório estatístico (STF, 2011).

 

Referência original:

SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho Schiefler. A sujeição do contrato administrativo à arbitragem como expressão de liberdade e eficiência. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação, Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Curso de Direito, Orientação por Sérgio Urquhart de Cademartori; e Joel de Menezes Niebuhr. Florianópolis, 2011.

 

Como citar e referenciar este artigo:
SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. A sujeição do contrato administrativo à arbitragem como expressão de liberdade e eficiência.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/obras/monografias/a-sujeicao-do-contrato-administrativo-a-arbitragem-como-expressao-de-liberdade-e-eficiencia/ Acesso em: 28 mar. 2024