Direito Civil - Família/Sucessões

Direito de Família – Parte I

INTRODUÇÃO

 

CAPÍTULO ÚNICO – Direito de Família

 

  1. Noção de direito de família

 

O direito de família é o ramo mais intimamente ligado à própria vida, pois as pessoas provêm de um organismo familiar e a ele conservam-se vinculadas durante a sua existência. A família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, sendo uma instituição necessária e sagrada amplamente protegida.

 

Latu sensu, a palavra família abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue, bem como as unidas por afinidade e pela adoção. Já para os fins sucessórios, o conceito de família limita-se aos parentes consangüíneos. A lei, por sua vez, refere-se à família como um núcleo mais restrito, constituídos pelos pais e sua prole. Identificam-se na sociedade conjugal estabelecida pelo casamento três ordens de vínculos: (a) o conjugal; (b) o de parentesco; e (c) o de afinidade (estabelecido entre um cônjuge e os parentes do outro)

 

O direito de família regula as relações entre os seus diversos membros e as conseqüências que delas resultam para as pessoas e bens. Seu objeto é, pois, o complexo de disposições, pessoais e patrimoniais, que se origina do entrelaçamento das múltiplas relações estabelecidas entre os componentes da entidade familiar.

 

 

  1. Conteúdo do direito de família.

 

Os direitos de família são os que nascem do fato de uma pessoa pertencer a determinada família, na qualidade de cônjuge, pai, filho, etc. Contrapõem-se aos direitos patrimoniais, por não terem valor pecuniário. Distinguem-se dos obrigacionais, pois caracterizam-se pelo fim ético e social. Contudo, podem esses direitos ter conteúdo patrimonial (ex.: alimentos). Mas isso acontece apenas indiretamente, em casos em que apenas aparentemente assumem a fisionomia de direito real ou obrigacional. onrig

 

Tal direito regula ora as relações entre as pessoas da mesma família; ora disciplina as relações patrimoniais que se desenvolvem no seio da família; ora, finalmente, assume a direção das relações assistenciais, e novamente têm em vista os cônjuges entre si, os filhos perante os pais, o tutelado em face do tutor, o interdito diante de seu curador. Relações pessoais, patrimoniais e assistenciais são, por tanto, os três setores em que o direito de família atua.

 

No Código, destacam-se os institutos do casamento, da filiação, do poder familiar, da tutela, da curatela, dos alimentos e da união estável. O casamento, pelos seus efeitos, é o mais importante, pois embora existam relações fora do casamento, essas ocupam plano secundário. O casamento é o centro, de onde irradiam as normas básicas do direito de família.

 

Os institutos de proteção e assistência desdobram-se em tutela dos menores que se sujeitam à autoridade de pessoas que não são os seus genitores, e curatela, que, embora não se relacione com o instituto da filiação, é regulada no direito de família pela semelhança com o sistema assistencial de menores.

 

 

  1. Princípios do direito de família

 

(a)     Princípio do respeito à dignidade da pessoa humana: garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente.

(b)    Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros: os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher

(c)     Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos: os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias.

(d)    Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar: o planejamento familiar é livre decisão do casal, fundado nos princípio da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável.

(e)     Princípio da comunhão plena de vida baseada na afeição entre os cônjuges ou convenientes: tem relação com o aspecto espiritual do casamento e com o companheirismo que nele deve existir.

(f)      Princípio da liberdade de constituir uma comunhão de vida familiar: sem qualquer intervenção estatal ou particular. Tal princípio abrange também a livre decisão do casal no planejamento familiar, intervindo o Estado apenas para propiciar recursos educacionais e científicos ao exercício desse direito.

 

 

  1. Natureza jurídica do direito de família.

 

No direito de família há um acentuado predomínio das normas imperativas (cogentes), ou seja, normas que são inderrogáveis pela vontade dos particulares. Embora em alguns outros casos a lei conceda liberdade de escolha e decisão aos familiares, a disponibilidade é relativa, limitada.

 

Em razão da importância social, predominam no direito de família as normas de ordem pública, impondo antes deveres do que direitos. Daí por que se observa uma intervenção crescente do Estado no campo do direito de família, visando-lhe conceder maior proteção e propiciar melhores condições de vida às gerações novas. Mas essa ligação não retira o caráter privado, pois está disciplinado num dos mais importantes setores do direito civil, e não envolve diretamente uma relação entre o Estado e o cidadão.

 

Esses direitos têm natureza personalíssima: são irrenunciáveis e intransmissíveis por herança

 

 

  1. Família e casamento.

 

Com a CF/88, o conceito de família foi alargado, passando a integrá-lo as relações monoparentais. Isso acabou afastando da idéia de família o pressuposto casamento. Para a sua configuração, deixou-se de exigir a necessidade de existência de um par, o que, consequentemente, subtraiu de sua finalidade a proliferação. Foi reconhecida como família a união estável.

 

 

  1. Evolução histórica do direito de família.

 

No direito romano a família era organizada sob a autoridade do pater famílias, o qual exercia sobre os filhos, até, o direito de vida e de morte. A família era simultaneamente uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional. Com o tempo foi-se restringindo progressivamente a autoridade do pater, dando-se maior autonomia à mulher e aos filhos. Durante a Idade Média as relações de família regiam-se exclusivamente pelo direito canônico, sendo o casamento religioso o único conhecido.

 

A família brasileira sofreu influência romana, da família canônica e família germânica. Só recentemente o direito de família passou a seguir rumos próprios, com as adaptações à nossa realidade, perdendo aquele caráter canonista e dogmático intocável e predominando a natureza contratualista, numa certa equivalência quanto à liberdade de ser mantido ou desconstituído o casamento.

 

 

  1. O direito de família na Constituição de 1988 e no Código Civil de 2002.

 

A CF/88 absorveu as novas transformação e adotou uma nova ordem de valores, privilegiando a dignidade da pessoa humana, realizando verdadeira revolução no Direito de Família, a partir de três eixos básicos:

(1) art. 226 – entidade familiar é plural e não mais singular, tendo várias formas de constituição;

(2) art. 227, §6º – alteração do sistema de filiação, de sorte a proibir as designações discriminatórias;

(3) art. 5º, inciso I e art. 226, §5º – princípio da igualdade entre homens e mulheres.

 

A CF abriu ainda outro horizontes ao instituto jurídico da família, dedicando especial atenção ao planejamento familiar e à assistência direta à família. Estabeleceu também que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integra, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

 

Essas mudanças culminaram com o CC de 2002, com a convocação dos pais a uma paternidade responsável e a assunção de uma realidade familiar concreta, onde os vínculos de afeto se sobrepõem à verdade biológica. Prioriza-se a família socioafetiva, a não-discriminação de filhos, a co-responsabilidade dos pais quanto ao exercício do poder familiar, e se reconhece o núcleo monoparental como entidade familiar. O novo diploma amplia, ainda, o conceito de família, com a regulamentação da união estável como entidade familiar, reafirma a igualdade entre os filhos, dentre outras várias alterações.

 

 

DO DIREITO PESSOAL

 

Título I – DO CASAMENTO

 

CAPÍTULO I – Disposições Gerais.

 

  1. Conceito.

 

O casamento, como todas as instituições sociais, varia com o tempo e povos. Para PONTES DE MIRANDA, resumidamente, casamento é o contrato de direito de família que regula a união entre marido e mulher.

 

GONÇALVES adere ao conceito de JOSÉ DE OLIVEIRA: casamento é o negócio jurídico de Direito de Família por meio do qual um homem e uma mulher se vinculam através de uma relação típica, que é a relação matrimonial, que é relação personalíssima e permanente, que traduz a ampla e duradoura comunhão de vida.

 

 

  1. Natureza jurídica.

 

Não há consenso, na doutrinam a respeito da natureza jurídica do casamento.

(a)     Concepção clássica: considera o casamento civil um contrato.

(b)    Concepção institucionalista: prevalece no casamento o caráter institucional (conjunto de regras determinadas pelo Estado, de forma que as partes têm apenas a faculdade de aderir), pois casamento é uma instituição social, no sentido de que reflete uma situação jurídica cujos parâmetros se acham preestabelecidos pelo legislador.

(c)     Concepção mista (doutrina majoritária): considera o casamento ato complexo, ao mesmo tempo contrato e instituição. Trata-se de um contrato especial (de direito de família), pois não gira somente em torno de interesses econômicos, mas elevados valores morais e pessoais. Portanto, é inegável sua natureza contratual; mas, como complexo de normas que governam os cônjuges durante a união conjugal, predomina o caráter institucional.

 

 

  1. Caracteres do casamento.

 

(a)     É ato eminentemente solene: é repleto de formalidades, que visam dar maior segurança a tal ato (ex.: processo de habilitação e publicação dos editais, cerimônia e registro em livro próprio).

(b)    As normas que o regulamentam são de ordem pública: não podem ser derrogadas por particulares.

(c)     Estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.

(d)    Representa união permanente: dividem-se, nesse ponto, os sistemas jurídicos; predominam atualmente os que consagram a sua dissolubilidade (divórcio).

(e)     Exige diversidade de sexos: homem e mulher.

(f)      Não comporta termo ou condição: constitui, assim, negócio jurídico puro e simples.

(g)    Permite liberalidade de escolha do nubente: liberdade nupcial é um princípio fundamental.

 

 

  1. Finalidade do casamento.

 

São múltiplas as finalidades do casamento e variam conforme a visão filosófica, sociológica, jurídica ou religiosa como são encaradas. Exemplos:

(a)     Concepção canônica: procriação e educação da prole e mútua assistência e satisfação sexual.

(b)    Concepção individualista: satisfação sexual

à Sem dúvida, a principal finalidade do casamento é estabelecer uma comunhão plena de vida, impulsionada pelo amor e afeição existente entre o casal e baseada na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges e na mútua assistência.

 

 

CAPÍTULO II – Do Processo de Habilitação para o Casamento.

 

  1. Da capacidade para o casamento.

 

As formalidades preliminares dizem respeito ao processo de habilitação, que se desenvolve perante o Registro Civil. Destina-se este a constatar a capacidade para o casamento, a inexistência de impedimentos matrimoniais e a dar publicidade à pretensão dos nubentes.

 

A incapacidade (impedimento absoluto) significa a inaptidão do indivíduo para casar com quem quer que seja, como sucede no caso do menor de 16 anos, que apenas excepcionalmente pode casar. Já o impedimento (impedimento relativo) se funda na idéia de falta de legitimação, trazida da seara do direito processual para o direito civil (inaptidão para o casamento) (ex.: parentesco – descendente e ascendente).

           

 

            Requisitos gerais e específicos.

 

No capítulo concernente à capacidade para o casamento, o CC só exige que homem e da mulher tenham 16 anos de idade e exibam autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil (art. 1.517), permitindo o suprimento do consentimento quando a denegação foi injusta (art. 1.519) e autorizando, excepcionalmente, o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (16 anos) (art. 1520). Com a celebração do casamento cessa a incapacidade dos nubentes (desfeito o vínculo patrimonial dos nubentes, mantém-se a capacidade civil).

 

            Suprimento judicial de idade.

 

Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.

(a) Prática de crime contra os costumes: aqueles crimes que o casamento é causa de extinção da punibilidade (estupro, corrupção de menores etc.). Vale lembrar que tal suprimento não dispensa o consentimento dos pais.

(b) Gravidez: objetiva-se proteger a prole vindoura.

 

            Suprimento judicial do consentimento dos representantes legais.

 

Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.

Art. 1.519. A denegação do consentimento, quando injusta, pode ser suprida pelo juiz.

 

Trata-se de um remédio contra o despotismo dos pais. Pode-se citar como exemplos de denegação dos pais:

(a)     Injusta: preconceito racial ou religioso, ciúme, etc.

(b)    Justa: costumes desregrados, falta de recursos para o sustento, etc.

 

Caso o pedido de suprimento do consentimento for deferido, será expedido alvará, a ser juntado no processo de habilitação, e o casamento celebrado no regime de separação de bens.

 

 

  1. O procedimento para habilitação.

 

 Tal procedimento tem a finalidade de comprovar que os nubentes preencham os requisitos que a lei estabelece para o casamento. Destina-se a constatar a capacidade para a realização do ato, a inexistência de impedimentos matrimoniais ou de causa suspensiva e a dar publicidade, por meio de editais, à pretensão manifestada pelos noivos, convocando as pessoas que saibam de algum impedimento para que venham opô-lo.

 

Art. 1.527. Estando em ordem a documentação, o oficial extrairá o edital, que se afixará durante quinze dias nas circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes, e, obrigatoriamente, se publicará na imprensa local, se houver.

Parágrafo único. A autoridade competente, havendo urgência, poderá dispensar a publicação.

 

Requisitos essenciais: diversidade de sexo, consentimento dos nubentes e a celebração na forma da lei.

 

Documentos necessários: Art. 1.525. O requerimento de habilitação para o casamento será firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu pedido, por procurador, e deve ser instruído com os seguintes documentos:

I – certidão de nascimento ou documento equivalente;

II – autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estiverem, ou ato judicial que a supra; (Ex.: pródigo).

III – declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou não, que atestem conhecê-los e afirmem não existir impedimento que os iniba de casar;

IV – declaração do estado civil, do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos; (memorial)

V – certidão de óbito do cônjuge falecido, de sentença declaratória de nulidade ou de anulação de casamento, transitada em julgado, ou do registro da sentença de divórcio.

 

Eficácia da habilitação: Art. 1.532. A eficácia da habilitação será de noventa dias, a contar da data em que foi extraído o certificado.

 

 

CAPÍTULO III – Dos Impedimentos.

 

  1. Conceito e espécies.

 

Para que o casamento tenha existência jurídica, é necessária a presença dos elementos essenciais (pressupostos fáticos). Para que seja válido e regular, deve preencher outras condições (não só jurídicas como éticas), cuja inobservância fulmina de nulidade o ato.

 

Impedimentos: são circunstâncias ou situações de fato ou de direito, expressamente especificadas na lei, que vedam a realização do casamento. Não se deve confundir impedimento com incapacidade, pois o incapaz não pode casar com nenhuma pessoa; já o impedido apenas não está legitimado a casar com determinada pessoa.

 

Fins dos impedimentos: visam proteger a eugenia (pureza da raça) e a moral familiar (obstando a realização de casamentos entre parentes consangüíneos, por afinidade e adoção) e a monogamia.

Art. 1.521. Não podem casar:

I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

II – os afins em linha reta;

III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; (ver Decreto-Lei no. 3.200/41)

V – o adotado com o filho do adotante;

VI – as pessoas casadas;

VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

 

 

  1. Impedimentos resultantes do parentesco (consangüinidade, afinidade e adoção).

 

(a)     Consangüinidade: incisos I e IV.

 

O casamento entre consangüíneos próximos pode provocar o nascimento de filhos defeituosos. Portanto, além das razões morais, o impedimento revela preocupação de natureza eugênica.

 

O impedimento resultante do parentesco civil, existente entre adotante e adotado, é justificado pelo fato de a adoção imitar a família. Inspira-se, pois, em razões de moralidade familiar.

 

Os irmãos são parentes colaterais em 2º grau porque descendem de um tronco comum. O impedimento alcança todos os irmãos, unilaterais (uterinos – mãe; consangüíneos – pai) ou bilaterais (germanos).

 

Já tios e sobrinhos são colaterais de terceiro grau, impedidos de casar. Contudo, conforme o princípio da especialidade, o Decreto-Lei nº. 3.200/41 legitima o regime do casamento entre colaterais do terceiro grau, sujeita a algumas especificações. Mas há uma corrente que afirma que esse Decreto-Lei foi derrogado pelo CC/2002. Vale lembrar que os primos são colaterais de quarto grau.

 

(b)    Afinidade: inciso II.

 

Parentesco por afinidade é o que liga um cônjuge ou companheiro aos parentes do outro. Portanto, resulta do casamento ou união estável. Então, p.ex., o viúvo não pode casar-se com enteada, nem com a sogra, pois a afinidade em linha reta não se extingue com a dissolução do casamento que a originou.

 

(c)     Adoção: incisos III e V.

 

Trata-se de proibição de ordem moral, considerando o respeito e a confiança que devem reinar na família.

(1)     Adotado com o filho do adotante: não podem, pois são irmãos (dispositivo desnecessário).

(2)     Adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante: inciso desnecessário, pois se trata de parentes por afinidade na linha reta, já regulado no inciso II.

 

Vale lembrar que a adoção é concedida por sentença constitutiva, sendo, portanto, irretratável (perpétuo).

 

Parentesco:         (a) natural: consangüíneo (linha reta e linha colateral);

                           (b) civil: outra origem (adoção, afinidade, sócio-afetivo, etc., pois o Código deixa em aberto).

 

 

  1. Impedimento resultante do casamento anterior.

 

Não podem casar, ainda, as pessoas casadas (inciso VI). Procura-se, assim, combater a poligamia. Tal impedimento só desaparece após a dissolução do anterior vínculo matrimonial pela morte, invalidade, divórcio ou morte presumida dos ausentes.

 

Tal infração acarreta nulidade do segundo casamento, respondendo ainda o infrator pelo crime de bigamia.

 

O casamento religioso de um ou de ambos os cônjuges, que ainda não foi registrado no registro civil, não constitui impedimento para a celebração do casamento civil, uma vez que, na esfera jurídica, é inexistente.

Mesmo nulo o casamento, necessita o cônjuge, para se casar novamente, obter a declaração judicial de nulidade. Enquanto não se pronuncia a nulidade do primeiro casamento, o posterior é tido como nulo (fica suspenso). Mas é nulo o posterior se o primeiro era apenas anulável, e não passou em julgado a sentença de anulação do primeiro antes de contraído o outro.

 

 

  1. Impedimento decorrente de crime.

 

VII – Cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte: embora não haja distinção, abrange somente o homicídio doloso, como é tradição no nosso direito. Tal impedimento resulta, em juízo ético de reprovação. Portanto, trata-se de impedimento de ordem moral.

 

Exige-se a condenação do sujeito. Ainda que uma condenação seja posterior ao casamento do sobrevivente com o criminoso, retroagirão seus efeitos para a situação jurídica matrimonial já estabelecida, operando sua nulidade.

 

 

  1. Da oposição de impedimentos.

 

A oposição de impedimento é a comunicação escrita feita por pessoa legitimada, antes da celebração do casamento, ao oficial do registro civil, perante o qual se processa a habilitação, ou ao juiz que preside a solenidade, sobre a existência de um dos empecilhos mencionados na lei.

 

Pessoas legitimadas e momento da oposição dos impedimentos: “Art. 1.522. Os impedimentos podem ser opostos, até o momento da celebração do casamento, por qualquer pessoa capaz. Parágrafo único. Se o juiz, ou o oficial de registro, tiver conhecimento da existência de algum impedimento, será obrigado a declará-lo”.

 

Forma de oposição: “Art. 1.529. Tanto os impedimentos quanto as causas suspensivas serão opostos em declaração escrita e assinada, instruída com as provas do fato alegado, ou com a indicação do lugar onde possam ser obtidas”. Acrescenta o art. 1.530 que o oficial do registro civil “dará aos nubentes ou a seus representantes nota da oposição, indicando os fundamentos, as provas e o nome de quem a ofereceu”. Todavia, o mesmo artigo assegura aos nubentes o direito de “requerer prazo razoável para fazer prova contrária aos fatos alegados, e promover as ações civis e criminais contra o oponente de má-fé (§ único)”.

 

 

 

CAPÍTULO IV – Das Causas Suspensivas.

 

  1. Introdução.

 

Causas suspensivas são determinadas circunstâncias ou situações capazes que não provocam, quando infringidas, a nulidade ou anulabilidade do matrimônio. O casamento é apenas considerado irregular, tornando, porém, obrigatório o regime da separação de bens, como sanção imposta ao infrator. Portanto, opostas as causas, após o casamento, este será válido, mar vigorará entre os cônjuges o regime da separação de bens.

 

Tais causas visam proteger interesses de terceiros, em geral da prole (herdeiros) do leito anterior (evitando a confusão de patrimônios e de sangue), do ex-cônjuge e da pessoa influenciada pelo abuso de confiança ou de autoridade exercido pelo outro (tutela e curatela).

 

A oposição das causas suspensivas deve ser feita no prazo de 15 dias da publicação dos editais, para produzir o efeito de sustar a realização do casamento.

Art. 1.523. Não devem casar:

I – o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

II – a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;

III – o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;

IV – o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.

 

Mas vale lembrar que somente será necessário comprovar ausência de prejuízo, em todos os casos mencionados no parágrafo único, se oposta a causa suspensiva por algum interessado, uma vez que não é dado ao oficial do registro ou ao celebrante do casamento declarar de ofício a causa suspensiva.

 

 

  1. Confusão de patrimônios.

 

O viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros”, pois com a partilha, definem-se os bens que comporão o quinhão dos filhos do casamento anterior, evitando a referida confusão. Além dessa, é imposta outra sanção ao cônjuge infrator no livro concernente ao direito das coisas: a incidência da hipoteca legal em favor dos filhos, sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias, antes de fazer o inventário do casal anterior (art. 1.489, II).

 

Mas a jurisprudência, sabiamente, vem afastando a invalidade do regime de comunhão de bens, se o cônjuge falecido não tiver algum filho, assim como, ainda que tenha deixado algum, se o casal não tiver bens a partilhar.

 

 

  1. Divórcio.

 

Para também evita a confusão de patrimônios, o CC estabeleceu previsão específica de causa suspensiva de casamento para o “o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal”.

 

 

  1. Confusão de sangue.

 

Também não devem casar “a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal”, ou seja, trata-se de causa suspensiva que se impõe somente à mulher, cujo objetivo é evitar dúvidas sobre a paternidade.

 

 

  1. Tutela e curatela.

 

Por fim, não devem casar “o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas”, o que visa afastar a coação moral que possa ser exercida por pessoa que tem ascendência e autoridade sobre o ânimo do incapaz. A finalidade da regra é a proteção do patrimônio do incapaz, evitando o locupletamento do representante ou de seus parentes a suas expensas.

 

 

  1. Da oposição das causas suspensivas.

 

Pessoas legitimadas: “Art. 1.524. As causas suspensivas da celebração do casamento podem ser argüidas pelos parentes em linha reta de um dos nubentes, sejam consangüíneos ou afins, e pelos colaterais em segundo grau (irmãos), sejam também consangüíneos ou afins”.

 

Momento da oposição das causas suspensivas: devem ser articuladas no curso do processo de habilitação, até o decurso do prazo de quinze dias da publicação dos proclamas.

 

Forma de oposição: é a mesma da oposição dos impedimentos, mencionada acima.

 

 

CAPÍTULO VI – Da Celebração do Casamento.

 

 

  1. Formalidades.

 

O casamento é cercado de um verdadeiro ritual, com significativa incidência de normas de ordem pública (constitui negócio jurídico solene). Tais formalidades atribuem seriedade e certeza ao ato. A celebração do casamento sem o atendimento dos rigores da lei torna inexistente o ato.

 

Os nubentes, depois de cumpridas as formalidades preliminares e munidos da certidão de habilitação passada pelo oficial do registro, devem peticionar à autoridade que presidirá o ato, requerendo a designação do “dia, hora e local” de sua celebração (art. 1.533).

(a) Local da realização da cerimônia: em geral é a sede do próprio cartório onde se processou a habilitação, mas pode ser escolhido outro, público ou particular (clubes, salões de festa, templos religiosos), “consentindo a autoridade competente”. É importante que as portas permaneçam abertas, permitindo o ingresso de qualquer pessoa no recinto, e que a solenidade se realize com toda a publicidade, a fim de possibilitar a oposição de eventuais impedimentos. O §1º, por sua vez, diz que “Quando o casamento for em edifício particular, ficará este de portas abertas durante o ato”. Mas, conforme a jurisprudência, a publicidade não constitui formalidade essencial do casamento.

(b) Dia e hora: pode o casamento ser realizado durante o dia ou à noite, e em qualquer dia, contanto que a celebração não ocorra de madrugada ou em altas horas noturnas – o que dificultaria a presença de pessoas que pretendessem oferecer impugnações.

 

Testemunhas: é imprescindível sua presença, sendo que o CC exige a presença de pelo menos duas (parentes ou não dos contraentes). Se algum dos contraentes não puder ou souber escrever, colher-se-ão as impressões digitais, e o número de testemunhas será aumentado para quatro. Também será aumentado para quatro se o casamento se realizar em edifício particular. Por fim, conforme o artigo 1.540, “Quando algum dos contraentes estiver em iminente risco de vida, não obtendo a presença da autoridade à qual incumba presidir o ato, nem a de seu substituto, poderá o casamento ser celebrado na presença de seis testemunhas, que com os nubentes não tenham parentesco em linha reta, ou, na colateral, até segundo grau”. Todas essas testemunhas participam do ato como representantes da sociedade.

 

Autoridade competente: enquanto não criados os juízos de paz mencionados na CF, é o juiz de casamentos do lugar em que se processou a habilitação, regulado pela lei de organização judiciária de cada Estado. Trata-se de função não remunerada

Art. 1.539. § 1o A falta ou impedimento da autoridade competente para presidir o casamento suprir-se-á por qualquer dos seus substitutos legais, e a do oficial do Registro Civil por outro ad hoc, nomeado pelo presidente do ato.

§ 2o O termo avulso, lavrado pelo oficial ad hoc, será registrado no respectivo registro dentro em cinco dias, perante duas testemunhas, ficando arquivado.

 

 

  1. Momento da celebração.

 

Art. 1.535. Presentes os contraentes, em pessoa ou por procurador especial, juntamente com as testemunhas e o oficial do registro, o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento, nestes termos: “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados”.

 

Trata-se do princípio da atualidade do mútuo consenso. A resposta deve ser pessoal e oral, mas admite-se a resposta escrita e por sinais (mudo), pois o importante é o consentimento inequívoco (“sim”).

 

A declaração do celebrante é essencial. Sem ela, o casamento perante o nosso direito é inexistente. Pode-se afirmar, pois, que o ato só se tem por concluído com a solene declaração do celebrante.

Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.

 

Celebrante: o juiz, depois de manifestadas as vontades dos nubentes, deve declará-los casados. Mas o celebrante não é meramente homologatório, pois tem função, até, fiscalizadora, já que deve observar a “qualidade” das vontades manifestadas.

 

 

  1. Suspensão da cerimônia.

 

Art. 1.538. A celebração do casamento será imediatamente suspensa se algum dos contraentes:

I – recusar a solene afirmação da sua vontade; II – declarar que esta não é livre e espontânea; III – manifestar-se arrependido.

Parágrafo único. O nubente que, por algum dos fatos mencionados neste artigo, der causa à suspensão do ato, não será admitido a retratar-se no mesmo dia.

 

Se apesar da recusa, a cerimônia prosseguir e o ato for concluído e registrado, o casamento será inexistente por falta de elemento essencial: o consentimento.

 

No caso do parágrafo único, a retratação não será aceita ainda que o nubente provocador do incidente declare tratar-se de simples gracejo. O certo é designar-se o casamento para o dia seguinte ou para nova data, dentro do prazo de eficácia da habilitação, para permitir uma serena reflexão do nubente indeciso.

 

Além dos casos mencionados no artigo 1.538, a celebração do casamento se interromperá se os pais, tutores ou curadores revogarem a autorização concedida (art. 1.518), bem como se, no decorrer da solenidade, for devidamente oposto algum impedimento legal, sério e com sua respectiva prova.

 

 

  1. Assento do casamento no livro de registro.

 

Completando o ciclo das formalidades, que se inicia com o processo de habilitação e prossegue com a cerimônia solene, lavrar-se-á, logo depois da celebração, “assento no livro de registro” com os elementos elencados nos arts. 1.536 do CC e 173 da Lei dos Registros Públicos. Deve ainda constar, se for o caso, a autorização para casar e transcrever-se-á, integralmente, a escritura antenupcial (art. 1.537).

 

Tal assento destina-se a dar publicidade ao ato e, precipuamente, a servir de prova de sua realização e do regime de bens. A falta de tal solenidade apenas dificultará a prova do ato, mas não o tornará inválido. Entretanto, diversamente ocorre no casamento religioso com efeitos civis, em que o registro no livro próprio é condição de sua eficácia, devendo ser realizado no ofício competente.

Art. 1.536. Do casamento, logo depois de celebrado, lavrar-se-á o assento no livro de registro. No assento, assinado pelo presidente do ato, pelos cônjuges, as testemunhas, e o oficial do registro, serão exarados:

I – os prenomes, sobrenomes, datas de nascimento, profissão, domicílio e residência atual dos cônjuges; II – os prenomes, sobrenomes, datas de nascimento ou de morte, domicílio e residência atual dos pais; III – o prenome e sobrenome do cônjuge precedente e a data da dissolução do casamento anterior; IV – a data da publicação dos proclamas e da celebração do casamento;

V – a relação dos documentos apresentados ao oficial do registro; VI – o prenome, sobrenome, profissão, domicílio e residência atual das testemunhas; VII – o regime do casamento, com a declaração da data e do cartório em cujas notas foi lavrada a escritura antenupcial, quando o regime não for o da comunhão parcial, ou o obrigatoriamente estabelecido.

 

 

  1. Casamento por procuração.

 

Art. 1.542. O casamento pode celebrar-se mediante procuração, por instrumento público, com poderes especiais.

§ 1o A revogação do mandato não necessita chegar ao conhecimento do mandatário; mas, celebrado o casamento sem que o mandatário ou o outro contraente tivessem ciência da revogação, responderá o mandante por perdas e danos.

§ 2o O nubente que não estiver em iminente risco de vida poderá fazer-se representar no casamento nuncupativo.

§ 3o A eficácia do mandato não ultrapassará noventa dias.

§ 4o Só por instrumento público se poderá revogar o mandato.

 

Tal dispositivo possibilita ao contraente que esteja impossibilitado de comparecer pessoalmente perante a autoridade competente, ou que prefira adotar essa forma, nomear procurador com poderes especiais para representá-lo no ato de celebração do casamento. A permissão se justifica plenamente, quando inadiável o casamento ou inconveniente o seu retardamento, não seja possível a presença simultânea dos nubentes perante a autoridade que irá celebrar o ato.

 

No tocante à revogação, faz-se mister esclarecer que o mandato reputa-se válido até a ciência do representante. Contudo, tais noções não se aplicam à procuração ad nuptias, em razão da natureza personalíssima do casamento. O CC considera o casamento realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, anulável. Já no caso de morte do representado, considera-se o casamento posterior inexistente, pois a morte faz cessar qualquer mandato.

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
ANÔNIMO,. Direito de Família – Parte I. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/doutrina/familia/dtidefamiliapti/ Acesso em: 28 mar. 2024