Direito Penal

Direito Penal – Parte Geral VIII

Otávio Goulart Minatto *

1. Efeitos da condenação

 

Princípios: É a imposição de uma pena, seja ela privativa de liberdade, restritiva de direito, multa, etc.

 

Secundários: São os efeitos que repercutem na esfera penal.

a)       Induz a reincidência;

b)       Impede o sursis e o revoga, quando já foi dado;

c)       Revoga o livramento condicional;

d)       Eleva o prazo da prescrição da pretensão executória e a interrompe quando está caracterizada a reincidência;

e)       Revoga a reabilitação;

f)         Inscreve o nome do condenado no rol dos culpados (CPP, art. 393, inciso II).

 

Efeitos extrapenais genéricos: São decorrentes de qualquer tipo de condenação. Logo, são efeitos automáticos, que nem precisam estar subscritos na sentença.

a)       Tomar certa a obrigação de reparar o dano causado pelo crime: Após ser proferida, a sentença condenatória torna-se título executivo no juízo civil, ou seja, o dever do condenado de restituir o dano não pode ser mais discutido, cabendo apenas averiguar o quantum reparatório. Mesmo que ocorra a extinção da punibilidade por qualquer motivo que seja, o título executivo no juízo civil é preservado e deverá ser cumprido;

b)       Confisco pela União dos instrumentos do crime, desde que seu uso, porte, detenção, alienação ou fabrico constituam fato ilícito: Este é decorrente da condenação, ou seja, caso a punibilidade seja extinta, não haverá mais em que se falar de confisco de instrumento. O confisco presume a determinação pela autoridade policial da apreensão dos instrumentos (CPP, art. 6º);

Obs: A Lei n. 11.343/2006 expandiu o direito de confisco nos casos de trafico de drogas. Podem ser confiscadas agora tanto as drogas comercializadas como o dinheiro advindo de tal comércio, os bens comprados de forma ilícita e qualquer instrumento utilizado na prática deste crime. Estes instrumentos serão confiscados mesmo que seu porte individual não constitua fato ilícito, o que a regra geral do CP impede. Contudo, o STJ já se pronunciou sobre a necessidade de uma interpretação restritiva à amplitude de confisco permitido. O art. 243 da CF prevê que o material confiscado do tráfico de drogas seja convertido em benefício de instituições especializadas na recuperação de viciados.

c)       Confisco pela União do produto e do proveito do crime: O produto (aquilo adquirido imediatamente com a infração, como um relógio no furto) deve ser restituído à vítima, Somente caso não haja manifestação sobre a propriedade do produto, é que a União pode confiscá-lo. Já o proveito (aquisição mediata na infração, como o dinheiro da venda de um relógio no furto) é confiscado pela União de qualquer maneira, cabendo à vítima a restituição através da indenização no juízo civil;

d)       Suspensão dos direitos políticos, enquanto durar a execução da pena: O art. 15, inciso III, da CF, prevê a privação dos direitos políticos do condenado, até o de votar, enquanto a pena não for extinta. Não interessa o tipo de pena, nem o regime. O sursis e o livramento não acabam com tal efeito, pois não significam a extinção da pena.

Obs: O Código de Trânsito criou um efeito extrapenal automático para os crimes tipificados nele, não importando a espécie. É a perda da habilitação ou permissão, que poderá ser recuperada somente após a submissão de novo exame de aprovação. A prescrição da pretensão punitiva não extingue tal efeito automático (CTB, art. 160).

 

Efeitos extrapenais específicos: Decorrente de determinados tipos penais, tendo efeito único. Devem ser expressamente declarados na sentença.

a)       Perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: Ocorre nos crimes cometidos pelo abuso de poder, como a tortura e a discriminação de qualquer tipo ou pela violação de dever para com a Administração pública. Para que ocorra esse efeito a pena deve ser superior a um ano, quando o delito tem relação com o cargo exercido ou superior a quatro anos quando for de qualquer natureza;

b)       Incapacidade para exercício o pátrio poder, tutela ou curatela: Acontece nos crimes dolosos sujeitos a pena de reclusão que tenham como vítima o filho, tutelado ou curatelado do agente.

Obs: A capacidade para exercer tais direitos não pode ser recuperada, nem com a reabilitação do agente.

c)       Inabilitação para dirigir veículo: Nos casos de crimes dolosos com a utilização de veículo como instrumento.

 

1. Concurso de crimes

 

Conceito: É a ocorrência de mais de um delito, por uma ou mais ações. É uma pluralidade de fatos.

 

Sistemas:

a)       Cúmulo material: As penas dos crimes separados são somadas. É aplicado nos casos de concurso material (CP, art. 69), no concurso formal imperfeito e concurso de pena de multa (CP, art. 72);

b)       Exasperação da pena: É aplicada a pena do crime mais grave, acrescida de uma determinada porcentagem. Ocorre nos concursos formais perfeitos e nos crimes continuados.

 

Sistema de aplicação da pena de multa no concurso de crimes:

a)       Concurso formal imperfeito e material: Não ocorre a exasperação da pena de multa, mas sim a simples somatória das multas aplicadas a cada crime isoladamente (art. 72, do CP);

b)       Crime continuado: Há muita discussão quanto a esse ponto. Alguns autores afirmam que deve ser usado o art. 72, porque o crime continuado trata-se de um concurso de crimes. Porém, a jurisprudência dominante diz que deve ser aplicada a exasperação da pena (art. 71), já que, para efeitos de aplicação da pena, o crime continuado é considerado como se fosse um só.

 

1.1. Concurso material ou real

 

Conceito: Pode tanto ser condutas totalmente diferentes, como iguais, ocorridas na mesma ocasião ou não, desde que sejam cometidas pelo mesmo agente.

Obs: O concurso pode ser homogêneo, quando os resultados causados são idênticos, ou heterogêneo, quando os resultados são diversos.

 

Aplicação de penas: O juiz define, isoladamente, a pena para cada delito e, após, soma-as, constando na própria sentença.

Obs: Em alguns casos, pode ocorrer soma de pena privativa de liberdade com restritiva de direito, quando é concedida a suspensão condicional da pena.

Obs2: Quando há soma de duas penas restritivas de direito, ambas podem ser cumpridas simultaneamente quando for possível, caso contrário, uma será cumprida após a outra.

 

Juiz competente para a aplicação da regra do concurso material: Se houver conexão entre os delitos, o próprio juiz sentenciante será o responsável. Caso não haja, fica de competência do juiz de execução (LEP, art. 119, CP)

 

1.2. Concurso formal ou ideal

 

Conceito: É quando o agente, com apenas uma conduta, realiza mais de um crime.

 

Requisitos do concurso formal:

a)       Que a conduta seja única: Por conduta, entende-se ação ou omissão dirigida a uma finalidade. Por única, entende-se tanto uma ação ou omissão isolada, como uma série que possuam núcleo em comum. Ex: Pular um muro, atravessar um quintal, subir uma parede e entrar numa janela caracterizam uma mesma conduta, que é a de entrar em casa alheia;

b)       Que dessa conduta surjam dois ou mais fatos típicos: É quando a pessoa atinge mais de um bem jurídico tutelado com a mesma conduta. Ex: O agente atira em seu desafeto e acerta tanto este quanto um terceiro. As vidas dessas duas pessoas são dois bens distintos tutelados.

 

Espécies:

a)       Homogêneo: Os resultados são idênticos, ou seja, o dano causado aos diferentes bens jurídicos é o mesmo em todos os casos. Ex: Lesões corporais em várias pessoas causadas por atropelamento de automóvel;

b)       Heterogêneo: Os resultados causados são diversos. Ex: Ao atropelar duas pessoas, uma apenas se fere, enquanto a outra morre;

c)       Concurso formal perfeito: É o causado por apenas um impulso, um único desígnio. Ex: Um atropelamento com várias vítimas;

d)       Concurso formal imperfeito: É quando o agente visa todos os resultados possíveis com sua conduta, ou aceita o risco de provoca-los. Ex: O agente que incendeia um prédio assumindo o risco de matar todos que estão dentro.

Obs: O concurso formal imperfeito só pode acontecer nos crimes dolosos.

 

Aplicação da pena:

a)       No concurso formal perfeito: É aplicada a pena do crime mais grave, acrescido de 1/6 à metade, dependendo da quantidade de crimes cometidos;

Obs: No concurso homogêneo, aplica-se a pena de qualquer um dos crimes, já que todos têm o mesmo peso.

b)       No concurso formal imperfeito: As penas dos crimes isolados são somadas.

 

Concurso material benéfico: Se a pena resultante da somatória de um concurso formal for maior do que a que seria caso o concurso fosse material, a pena aplicada é a que seria no concurso material, pois é inadmissível que o agente que praticou apenas uma conduta seja mais penalizado do que aquele que cometeu várias.

 

Hipóteses conflitantes entre crime único e concurso formal:

a)       Assalto a várias pessoas, com subtração patrimonial de apenas uma: O crime é único, pois só houve uma subtração;

b)       Ameaça a uma só pessoa, que detém consigo bens próprios e de terceiros: A jurisprudência vem entendendo que este crime é único;

c)       Em um só contexto, o sujeito subtrai bens de várias pessoas, ameaçando-as ou submetendo-as à violência, como num assalto a banco. É caso de concurso formal.

 

Concurso formal e prescrição: A prescrição ocorrerá em relação ao tempo de pena de cada crime, mesmo que a contribuição deste no tempo de pena no caso seja apenas percentual.

 

1.3. Crime continuado

 

Conceito: É quando o agente, numa pluralidade de ação ou omissão, comete diversos crimes que, por terem semelhança no modo de execução, nas condições e outros fatores, são tidos como continuação um do outro. É um benefício ao réu, pois seus vários crimes são reduzidos em um só.

 

Espécies:

a)       Crime continuado comum: É o praticado sem violência ou grave ameaça (CP, art. 71, caput);

b)       Crime continuado específico: É o praticado com violência ou grave ameaça (CP, art. 71, parágrafo único).

 

Aplicação da pena:

a)       Crime continuado comum: Utiliza-se a pena do crime mais grave, agravada de uma parcela da pena entre 1/6 à 2/3, conforme a quantidade de crimes praticados;

b)       Crime continuado específico: Dá-se da mesma forma que o crime comum, podendo a pena, porém, ser aumentada até o seu triplo;

Obs: A porcentagem de aumento incide sobre a pena final a ser cumprida, e não sobre a pena base do sistema trifásico.

 

Concurso material benéfico: Assim como ocorre com o concurso formal, caso a pena do crime continuado torne-se maior do que a somatória dos crimes isoladamente, aplica-se esta, que é mais benéfica ao réu.

 

Quando há concurso formal homogêneo como componente do crime continuado: Nesses casos aplica-se somente o acréscimo decorrente da continuidade do crime, sem se levar em conta o concurso formal, para assim evitar um bis in idem. Ex: O agente rouba duas pessoas na mesma ocasião (concurso formal) e num intervalo de dias, rouba outra pessoa (crime continuado). Incidirão os dois agravantes.

 

Momento de unificação da pena: Caso todos os delitos integrem o mesmo processo, a unificação será dada pelo juiz sentenciante. Caso contrário, será pelo juízo da execução.

 

Natureza jurídica: O crime continuado é uma ficção jurídica. Ele é uma pluralidade de delitos que, por vontade do legislador, são resumidos num único crime para efeitos de sanção penal. Essa pluralidade pode ser percebida na medida em que cada delito é observado isoladamente para efeitos de prescrição.

 

Requisitos:

a)       Pluralidade de crimes da mesma espécie;

b)       Condições objetivas semelhantes;

c)       Unidade de designo.

Obs: É muito controverso o ponto sobre a necessidade de ter unidade de designo. Alguns autores entendem que ela não é necessária, pois o art. 71, do CP, não faz nenhuma menção quanto a isso. Porém, grande parte doutrinária vê que a unidade de designo é fundamental para distinguir o crime continuado de uma habitualidade criminal. O agente deve aproveitar-se das mesmas oportunidades para ficar claro o interesse de prosseguir com o mesmo delito. A jurisprudência, entretanto, esta não é constante. Ex: Um banqueiro que todo dia desvia uma quantidade de dinheiro pratica crime continuado. Já um assaltante que todo dia rouba um banco pratica uma série de crimes autônomos.

 

Crimes da mesma espécie: São da mesma espécie os crimes capitulados no mesmo artigo. Dessa forma, crimes de diferentes artigos não podem constituir crime continuado. Ex: Estupro e atentado violento ao pudor não estão no mesmo artigo, logo, não podem configurar como crime continuado.

Obs: Há uma corrente que entende que mesma espécie pode significar espécies semelhantes, Assim, crimes de diferentes artigos, poderiam formar crime continuado quando ofendessem o mesmo bem jurídico de maneira parecida. Porém, esta não é a visão dominante da jurisprudência.

 

Condições semelhantes:

a)       Fator espaço: Não é imprescindível para a caracterização da continuidade, ou seja, um crime continuado pode ocorrer em distintos locais de uma cidade ou entre cidades próximas;

b)       Fator tempo: Não há um período fixo para ficar constatada a continuidade. Esta se observa quando existe um certo ritmo entre as ações, seja num espaço de horas ou de dias. O que importa é que fique constatada a o caráter periódico. A jurisprudência admite um espaço de tempo máximo de 30 dias entre um delito e outro para se falar em continuidade;

c)       Modo de execução: O modus operandi deve ser o mesmo em todos os delitos para que fique comprovado que se tratava tudo de um crime só, dividindo em várias ações;

Obs: Agir sozinho e após com ajuda, ou vice-versa, impossibilita a continuidade.

Obs2: A troca de ajudante também exclui a continuidade.

Obs3: Se há mudança da arma empregada, como uma faca por uma arma, não há continuidade.

d)       Outras condições semelhantes: O CP abre uma brecha para o juiz identificar outras semelhanças que entender como necessárias no caso em específico. Uma quase unanimidade jurisprudencial é a necessidade de se constatar semelhança ocasional, ou seja, que fique provado que o réu aproveitou-se das mesmas oportunidades.

 

Crimes continuados entre delitos culposos: É possível, pois mesmo o resultado não sendo querido, a conduta é voluntária. Logo, pode haver unidade de designo na conduta assumida. Ex: Pessoa que atropela uma outra culposamente e que na fuga atropela terceira, também culposamente.

 

Consumação e tentativa: Não existem tais institutos no crime continuado, pois ele não passa de uma ficção jurídica. Assim, não há no que se falar em tentativa de continuidade ou em que momento ela foi consumada. É evidente, todavia, que tais institutos podem ser aplicados de forma isolada nos crimes que compõe a continuidade.

 

Crime continuado e aplicação da lei penal no tempo: Se, enquanto ocorre a continuidade de um crime, entra em vigor nova lei penal, esta será aplicada em toda a cadeia de crimes, mesmo que seja mais grave que a anterior. Isto porque se entende que o agente tinha condições de interromper a continuidade quando na mudança da lei. Se não o fez, é porque aceitou os novos termos da lei. Esse é o entendimento do STF que, inclusive, editou a Súmula 711 a respeito.

 

Crime continuado e início da contagem do lapso prescricional: A contagem inicia-se a partir da consumação dos crimes isolados, não importando a sua continuidade.

 

A pena no crime continuado para efeitos da prescrição: “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação” (Súmula 497 do STF).

 

1. Ação penal

 

Conceito: É o direito que cada cidadão, até o Estado-Administrador, tem de pedir ao Estado-Juiz que aplique o direito penal objetivo a um caso concreto.

 

Características:

a)       Direito autônomo, não se envolvendo com o direito que se pretende tutelar;

b)       Direito abstrato, independente do resultado final do processo;

c)       Direito subjetivo, já que o Estado-Juiz é exigido pelo próprio titular;

d)       Direito público, pois a natureza da atividade jurisprudencial é pública.

 

Espécie de ação penal no direito brasileiro:

a)       Ação penal privada: É aquela que só pode ser movida pelo interesse familiar. São os casos dos crimes que atingem o interesse particular da pessoa, sem reflexos na esfera pública. Por isso, dependem da vontade do particular em ter seu interesse restituído de alguma forma;

b)       Ação penal pública condicionada: É a movida pelo MP, porém vinculado à vontade do particular. São os casos que envolvem crimes que atingem o particular com reflexos mediatos na esfera pública. Pelo aspecto público, essas ações são feitas pelo MP e por atingirem o privado, ficam condicionadas à intimidade do particular. Estão definidos no art. 100, § 1°, do CP e no art. 24, do CPP;

c)       Ação pública incondicionada: É a movida pelo MP, livre de qualquer vínculo permissivo. Acontece nos crimes que ofendem a ordem pública, danificando a estrutura social, ou seja, o interesse de todos. É a regra geral do art. 100 do CP.

 

Condições da ação penal: São os requisitos que permitem o pleiteio do direito de ação. Podem ser tanto gerais, que são as condições para qualquer tipo de ação, tanto civil quanto penal; quanto exclusivas, que são as que só se aplicam nas ações penais em certos casos específicos.

 

Condições gerais:

a)       Possibilidade jurídica do pedido: Analisa-se se o fato narrado na peça inicial constitui crime e, para tanto, é denúncia. Analisa-se unicamente a causa petendi, ou seja, se o ato narrado merece ser repreendido, sem se adentrar no mérito do fato provado;

b)       Interesse de agir: Divide-se em necessidade e utilidade de se usar meio jurídico para resolução do problema e adequação do procedimento e do provimento. Por necessidade entende-se a obrigação ou a possibilidade de punir um ato. Ou seja, se for evidente que a punibilidade do acusado é extinta, a denúncia não caberá (art. 43, inciso II, do CP). A utilidade diz respeito se o processo tem chance de acarretar em uma punição. Se ficar comprovado, desde o início, que mesmo condenado não haverá pena por motivos que sejam, a denúncia também poderá ser feita;

c)       Legitimação para agir: É a legitimação das partes no conflito de direito. É a comprovação de que o MP, ou a parte privada (em caráter substitutivo), é o detentor do direito punitivo (sujeito ativo) em confronto com o direito de liberdade do acusado (sujeito passivo). Se não for reconhecido o direito de uma das partes, é decretado que o autor, em sua peça inicial, é carecedor de ação.

Obs: O art. 564, inciso II, do CPP, permite que o juiz declare a peça inicial carecedora de ação em qualquer hora do processo caso não tenha declarado quando na apreciação da mesma.

 

Condições específicas de procedibilidade:

a)      Representação do ofendido e requisição do Ministro da Justiça;

b)      Entrada do agente em território nacional;

c)      Autorização do Legislativo para a instauração de processo contra Presidente e Governadores, por crimes comuns;

d)      Trânsito em julgado da sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento, no crime de induzimento a erro essencial ou ocultação do impedimento.

 

1.1. Ação penal pública incondicionada

 

Titularidade: Pelo sistema acusatório de persecução penal, cabe ao MP a proposição de ação pública, seja ela condicionada ou não (CF, art. 129, inciso I);

Obs: O art. 5°, inciso LIX, da CF, prevê a possibilidade de um particular propor ação pública quando o Mp não oferece denúncia dentro do prazo legal. Essa ação é chamada de ação penal privada subsidiária.

 

Princípios:

a)       Obrigatoriedade: O MP é obrigado a oferecer denuncia sempre que todos os requisitos estão em cumprimento, não podendo recusar-se de fazer. Isso em função da clara ofensa causada ao interesse público. Por esse motivo, o art. 28, do CPP, também exige a exposição de fortes razoes, pelo MP, para que se possa pedir o arquivamento do processo. A Lei n. 9.099/95 amenizou um pouco essa obrigatoriedade, pois possibilitou a proposição da transação penal, ou seja, a suspensão condicional do processo, que acaba acarretando na extinção da punibilidade;

b)       Indisponibilidade: O MP está proibido de desistir de uma ação penal após empreita-la (art. 42, do CPP). Isto, na verdade, é a extensão do princípio da obrigatoriedade. A indisponibilidade alcança também o recurso interposto pelo MP (art. 576 do CPP);

c)       Oficialidade: É de dever público exercer todas as funções na ação penal, pois é tarefa do Estado a regulação da criminalidade. O Estado promove a ação na figura do MP, investiga na figura da polícia e julga na figura do judiciário. São exceções os casos de ação penal privada, os quais o poder do MP é subsidiado ao particular;

d)       Autoridade: É derivação do princípio da oficialidade;

e)       Oficiosidade: É o dever que os encarregados da persecução penal têm de agir de ofício, exceto nos casos em que a ação penal pública é condicionada (CP, art. 100, § 1° e art. 24, do CPP);

f)         Indivisibilidade: O MP não pode escolher qual dos indiciados ele deve processar. Pelo princípio da obrigatoriedade, todos os envolvidos devem ser processados. Este princípio aplica-se também na ação penal privada.

Obs: O STH se manifestou sobre a possibilidade do MP não processar todos os indiciados de uma só vez, optando por produzir mais provas a respeito de um dos envolvidos enquanto os outros são processados;

g)       Intranscedência: A denúncia da ação penal não pode passar da figura da pessoa que cometeu o delito.

 

1.2. Ação penal pública condicionada

 

Conceito: São as ações que, mesmo sendo públicas, são condicionadas à manifestação da vontade de um particular, seu representante ou do ministro da Justiça, dependendo o caso. Este instituto foi criado para atender os casos que, além de afetarem a esfera pública, afetam intimamente a privada. Para evitar o strepitus judicii (escândalo do processo), que pode ser mais prejudicial à vítima do que a própria impunidade do réu, é necessária a autorização da vítima. Sem ela, não se pode instaurar nem inquérito policial (CPP, art 5°,  4°). Porém, a partir da permissão da vítima, a ação passa a ser de inteira responsabilidade do MP.

Obs: Como as ações penais públicas condicionadas são exceções à regra das ações penais públicas, elas encontram-se expressamente enumeradas em lei.

 

Crimes cuja ação depende de representação da vítima ou de seu representante legal:

a)       Perigo de contágio venéreo (art. 130, § 2°, do CP);

b)       Crime contra a honra de funcionário público, em razão de suas funções (art. 141, inciso II, c/c o art. 145, parágrafo único);

c)       Ameaça (art. 147, parágrafo único);

d)       Violação de correspondência (art. 151, § 4°);

e)       Correspondência comercial (art. 156, § 4°);

f)         Furto de coisa comum (art. 156, § 1°);

g)       Tomar refeição em restaurante, abjar-se em hotel ou utilizar-se de transporte sem ter recursos para o pagamento (art. 176, parágrafo único);

h)       Corrupção de preposto e violação de segredo de fábrica ou negócio (art. 196, § 1°, incisos X a XIII, c/c o § 2°);

i)         Crimes contra os costumes, quando os pais da vítima não têm condições de arcar com as despesas do processo (art. 225, § 2°).

Obs: O STF se manifestou que se o estado de miserabilidade do ofendido for cessada, a responsabilidade da ação deixa de ser do MP e passa a ser do próprio ofendido, que tem o prazo de 30 dias para dar prosseguimento ao processo sob pena de perempção (CPP, art. 60, inciso I; e CP, art. 107, inciso IV).

 

Titular do direito de representação: Toda pessoa maior de 18 anos, que não apresenta doença mental, é capaz de realizar qualquer ato jurídico, segundo o art. 5° do CC, inclusive na esfera processual. As outras pessoas, incapazes, são representadas por seus representantes legais. Casos não haja, o MP nomeará um curador especial. Nas hipóteses em que a vítima está morta ou desaparecida, estão autorizados a representa-la o cônjuge (termo aqui estendido à figura do companheiro de união estável), ascendentes, descendentes ou pelos irmãos, nessa ordem (cf. CPP, art. 24, § 1°). As pessoas jurídicas representam por si próprias na figura do sócio indicado no Estatuto, ou nos seus diretores (CPP, art. 37).

 

Prazo decadencial: “Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de 6 meses, contado do dia em que se vier saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia” (CPP, art. 38).

Obs: Em relação ao incapaz, o prazo decadencial só se inicia quando cessar a incapacidade deste, pois não pode haver a decadência de um direito que não se pode exercer.

Obs2: Nos crimes enumerados na Lei n. 5.250/67, art.41, § 1° (Lei de Imprensa), o prazo decadencial é de 3 meses, contados a partir da data do fato.

Obs3: No caso de morte ou ausência da vítima, o prazo decadencial inicia-se a partir do momento em que o cônjuge, ou quem quer que esteja representando a vítima, tome ciência da autoria do crime.

 

Forma: O STF já se manifestou que o formalismo da representação é desnecessário. Basta que apareça, de forma clara, nos autos, a concordância da vítima em propor uma ação. O boletim de ocorrência ou qualquer declaração da vítima prestada à polícia identificando o autor da infração, indicam a sua anuência para com o processo.

Obs: No caso de menor de idade, a declaração de qualquer ente que tenha simples relação de guarda já basta para constatar a representação.

Obs2: Feita a representação contra somente um indiciado, o MP já está autorizado a processar todos os envolvidos pelo princípio da indivisibilidade.

 

Destinatário da declaração de representação (art. 39, caput, do CPP):

a)      Autoridade policial: Somente se a representação estiver por escrito com firma reconhecida. Com isto, fica autorizada a instauração de inquérito policial (CPP, art. 5°, § 4°). Caso a representação não tenha firma reconhecida, ou foi feita oralmente, ela fica reduzida a termo;

b)      MP: Se a representação tiver firma reconhecida e contiver tudo que seja necessário para a propositura de ação penal, o MP tem 15 dias para oferecer denúncia. Se não contiver todos os elementos, o MP encaminhará para autoridade judicial que instaurará inquérito. Caso a representação não tenha nem firma reconhecida, ela ficará resumida a termo;

c)       Juiz: A representação declarada ao juiz acarreta nos mesmos efeitos que acarretaria se fosse declarada ao MP. A única diferença é que o juiz não irá propor ação caso haja todos os elementos na representação, mas sim irá remeter ao MP que, este sim, irá propor a ação.

d)       Irretroatibilidade: A representação não pode ser retratada caso a ação já tenha sido proposta. Se ainda não foi, cabe a retratação;

Obs: O Tribunal de Justiça de São Paulo tem aceitado a retratação, desde que seja feita dentro do  prazo decadencial. Esta é a posição da doutrina dominante, que equipara retratação à renúncia.

 

Não vinculação: A representação não obriga o MP a propor ação penal. Ele pode optar ainda por arquivar o inquérito ou colher mais provas.

 

Hipóteses de ação penal condicionada à requisição do Ministro da Justiça (requisição política):

a)      Crime cometido por estrangeiro contra brasileiro, fora do Brasil (art. 7°, § 3°, alínea “b”, do CP);

b)      Crimes contra a honra, cometidos contra chefe de governo estrangeiro (art. 141, inciso I, c/c o parágrafo único do art. 145);

c)      Crimes contra a honra praticados contra o presidente da República (art. 141, inciso I, c/c o art. 145, parágrafo único);

d)      Crimes cometidos contra a honra de chefe de Estado ou governo estrangeiro, ou seus representantes diplomáticos, por meio da imprensa (cf. art. 23, inciso I, c/c o art. 40, inciso I, alínea “a”, da Lei n. 5.250/67);

e)      Crimes praticados por meio da imprensa contra a honra de ministro do STF (art. 23, inciso I, da Lei n. 5.250/67);

f)        Crimes praticados por meio da imprensa contra a honra de ministro de Estado (art. 40, inciso I, alínea “a”, Lei 5.250/67);

g)      Crimes praticados por meio da imprensa contra a honra do presidente da República, presidente do Senado ou presidente da Câmara dos Deputados (art. 23, inciso I, c/c o art. 40, inciso I, alínea “a” da Lei n. 5.250/67).

 

Prazo para o oferecimento da requisição: Como o CPP é omisso nessa parte, entende-se que o ministro da Justiça pode oferecer a requisição a qualquer tempo, até que ocorra a prescrição da punibilidade.

 

Retratação: A lei não permite, em hipótese alguma, a retratação da requisição;

 

Vinculação: A requisição, assim como a representação, não obriga o MP a propor ação.

 

Destinatário da requisição: É somente o MP.

 

1.3. Ação penal privada:

 

Conceito: Ação penal privada é aquela a qual o Estado autoriza o indivíduo particular a exercer o direito de ação legitimamente. Porém, o Estado continua a manter o poder de punir, pois este só pertence a ele. O que acontece é uma legitimação extraordinária, uma outorga especial devido a política criminal.

 

Fundamento: A ação penal pode ter caráter privado para evitar o streptus judicii. Ou seja, a vítima tem o poder de decidir se quer ingressar com uma ação, ou se isso lhe é mais prejudicial que a impunidade do criminoso.

 

Titular: É o próprio ofendido ou seu representante legal (CP, art. 100, § 2°; e CPP, art. 30). Caso o ofendido seja incapaz e não possua representante legal, será nomeado um curador especial que terá o direito de fazer a queixa (art. 33 do CPP). Se houver a morte, ou a ausência do ofendido, o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, nessa ordem, recebem o poder de propor a queixa. As pessoas jurídicas são representadas pelos seus diretores ou pelas pessoas determinadas no estatuto.

 

Princípios:

a)       Oportunidade ou conveniência: Ao contrário da ação penal pública, o particular pode decidir se quer ou não propor a ação, tendo em vista o streptus judicii;

b)       Disponibilidade: É decorrente da oportunidade. O particular tem direito de prosseguir com a ação ou não, podendo desistir a qualquer altura do processo;

c)       Indivisibilidade: Caso o ofendido proponha ação penal, ele o deve fazer contra todos os envolvidos, não podendo escolher apenas algumas partes para processar. Caso não estejam incluídos todos os envolvidos, a queixa é rejeitada, pois a renúncia de processar os demais ofendidos é causa de exclusão da punibilidade que se comunica aos querelados. O assunto sobre se o MP pode aditar ou não todos os querelados na queixa é controverso. O único consenso é que o MP pode aditar os demais envolvidos se estes não o foram pelo particular por motivo de não conhecimento deste quanto ao envolvimento daqueles (art. 45, do CPP);

d)       Intranscedência: A ação penal deve abordar o querelante e o querelado, não podendo ultrapassar essas figuras.

 

Espécies de ação penal privada:

a)       Exclusivamente privada, ou propriamente dita: É a que acontece com o menor de 18 anos, que deve ser representado legalmente até atingir a maioridade. A partir de então, o ofendido o passa a responder por si;

b)       Ação penal personalíssima: São aquelas que só podem ser propostas pelo próprio ofendido, excluído até o representante legal. Nesse tipo de ação, se o ofendido morre ou desaparece, a ação não pode ser continuada, sendo extinta assim que ocorrer a decadência. Se o ofendido for menor de idade, ele deverá esperar completar a maioridade para então propor a ação, sendo que esse período não será contado para efeitos de decadência. Se a incapacidade do ofendido decorrer de doença mental, a ação fica impossibilitada de ser proposta, a não ser que a incapacidade cesse. São exemplos de crimes que admitem apenas ação privada personalíssima o induzimento a erro essencial ou ocultação de impedimento, enumerados no capítulo “Dos Crimes contra o Casamento”, art. 236, parágrafo único, CP.

c)       Subsidiária da pública: É a ação pública proposta pelo particular feita quando o MP deixa de faze-lo (CF, arts. 129, inciso I, e 5°, inciso LIX). Pode ser proposta no período de 6 meses após o encerramento do prazo dado ao MP.

Obs: A ação subsidiária só pode ser feita frente a inércia do MP quanto ‘a ação, nunca quando ocorre o arquivamento da mesma.

 

Crimes de ação penal privada enumeradas no Código Penal:

a)       Calúnia, difamação e injúria (arts. 138, 139 e 140);

b)       Alteração de limites, usurpação de águas e esbulho possessórios, quando não houver violência e a propriedade for privada (art. 161, § 1°, incisos I e II);

c)       Dano, mesmo quando cometido por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima (art. 163, caput, parágrafo único e inciso IV);

d)       Introdução ou abandono de animais em propriedade alheia (art. 164, c/c o art. 167);

e)       Fraude à execução (art. 179 e parágrafo único);

f)         Violação de direito autoral (art. 184, caput);

g)       Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento para fins matrimoniais (art. 236 e seu parágrafo);

h)       Crime contra os costumes (caps. I, II e III do Título VI, da Parte Especial do CP), desde que não sejam cometidos com abuso de pátrio poder, da qualidade de padrasto, de tutela ou curatela; que da violência empregada não resulte lesão corporal grave ou morte; que possam o ofendido ou seus pais prover às despesas do processo sem privar-se dos recursos indispensáveis à sua subsistência; e desde que, no caso do estupro, o crime não seja cometido com violência real (Súmula 608 do STF);

i)         Exercício arbitrário das próprias razões, desde que praticado sem violência (art. 345, parágrafo único).

Obs: Nas leis, que não o CP, a única que determina algum crime de ação penal privada é a lei n. 5.250/67 (Lei de Imprensa), a qual enumera como sendo tal tipo de crime o cometido contra a honra por intermédio da imprensa.

 

Prazo da ação penal privada: O prazo é de 6 meses, contados a partir do dia em que o ofendido tomou conhecimento de quem foi o autor (art. 38, do CPP). Este prazo é decadencial, o que significa que segue a regra do art. 10 do CP, computando o dia do começo e excluindo o do fim e não sendo prorrogado nos feriados e finais de semana. Quando o ofendido é menor de 18 anos, o prazo decadencial inicia-se a partir do momento que ele completou a maioridade.Se o ofendido tiver morrido, a decadência é contada desde que o representante tomou ciência da autoria do crime (art. 38, parágrafo único, do CPP), a não ser se  quando o ofendido morreu, já tivesse havido a decadência. Quando a ação privada é subsidiária, o prazo inicia no encerramento da do MP. Nos casos de crime continuado, a decadência é considerada para cada crime continuado. No crime permanente, o prazo decadencial inicia-se a partir do conhecimento da autoria, mesmo se no momento ainda não tiver havido a cessão da permanência.

Obs: A instauração do inquérito não prorroga a decadência.

Obs2: Há alguns crimes específicos, os quais o prazo decadencial segue regras diversas das gerais. São eles:

a)       A queixa na Lei de Imprensa, que deve ser feito até 3 meses após o fato;

b)       Crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento: Os 6 meses são contados a partir do trânsito em julgado da sentença que anulou o casamento (CP, art. 236, parágrafo único);

c)       Crimes de ação privada contra a propriedade imaterial que deixar vestígios, sempre que for requerida a prova pericial: O prazo é de 30 dias, a partir da homologação do laudo pericial (CPP, art. 529, caput).

 

 

* Acadêmico de Direito na UFSC e Colunista do Portal Jurídico Investidurta

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Como citar e referenciar este artigo:
MINATTO, Otávio. Direito Penal – Parte Geral VIII. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/doutrina/direitopenal/dtopenalgeralviii/ Acesso em: 28 mar. 2024