Processo Civil

Arrematação inexistente – nulidade da execução

A experiência revela que tem havido em regiões deste país, em procedimentos executórios, uma vocação não só para se afastar da incidência da lei, mas também para manutenção de tal atitude por órgãos oficiais competentes, no caso de submissão de imóveis a leilão judicial.

Tem-se visto casos em que atos processuais civis são levados a efeito à míngua de observação da lei, como, v.g, no caso de suposta formalização de “auto de arrematação” em procedimento execucional.

De fato, tem-se deparado com casos relativos a autos de arrematação, ora sem assinatura do juiz e, amiúde com presença do leiloeiro por si e absurdamente pelo arrematante.

E essas eivas implicam nulidade inconvalescível, por ser congênita.

A arrematação nasce assim, defeituosa, incorrigível a partir da origem, não havendo qualquer espécie de artifício persuasivo capaz de convencer do contrário.

Por essas razões o ato judicial defeituoso no nascedouro, frente ao princípio de que a marcha processual não recua, não tem como ser emendado no próprio instrumento depois do transcurso de dias ou meses, sem afrontar a FÉ PÚBLICA (NCPC, art. 901).

Doutra parte, prova de decorrência de “prejuízo” não seria exigível para reconhecimento da nulidade no caso, porque, com a prática de ato enfermiço, ou natimorto, o resultado que se alcança afinal, é a supressão, a extinção do direito de propriedade do executado, com menoscabo à ordem jurídica do país.

No Brasil, lembra-se, para reconhecimento de violação de garantias constitucional e processual, em lugar nenhum vigora o princípio francês “ne pas de nullité sans grief”, que embasa a tese da nulidade absoluta dependente da prova do prejuízo, sobretudo no caso em discussão, em que o prejuízo é ostensivo e presumido.

Os julgamentos no Brasil não se lastreiam em tal assertiva do velho Direito francês, por falta de tratado internacional prevendo semelhante excrescência e pela observância ao “princípio da territorialidade”

“O princípio da territorialidade, portanto, é aquele segundo o qual os tribunais de um país devem aplicar sempre, sejam quais forem as circunstâncias do caso sub judice, as leis vigentes nesse país, e isso porque é de presumir que o conjunto das leis vigentes (ordenamento jurídico) nesse país é bom e justo; e é este sistema que melhor poderá garantir o acerto das decisões judiciais, pois ‘a possibilidade de erro judiciário redobra logo que o Juiz deixe de pisar o chão firme dos princípios e instituições do direito pátrio” (Direito Internaciol Privado, JOSÉ EDUARDO ROCHA FROTA, in JusBrasil.com.br, jan/2006).

Resultado: prejuízo inequívoco, manifesto.

Não padece dúvida de que a hipótese em tela acaba conduzindo o ato à “grilagem de terra”, mascarada como alienação judicial, a exigir sérias providências para seu pronto desfazimento.

Bem esse, como se vê, por vezes arrematado exatamente por órgão judicial LEGALMENTE IMPEDIDO (NCPC, art. 890, V).

NULIDADE DA ARREMATAÇÃO

“A nulidade da execução pode ser alegada a todo tempo; sua argüição não requer segurança do Juízo, nem exige apresentação de embargos à execução.” (Ac. TRF – 2ª Região – AGV. 86837.2001.02.01.041894-5, in JusBrasil).

O leiloeiro, AUXILIAR DE JUSTIÇA no caso em evidência, por força do ?múnus público? de que é investido, é impedido de ocupar a posição de comprador em ?leilão judicial? de que participa, face os princípios da austeridade e da transparência exigidas na prática dos atos dessa natureza.

Está impedido também de agir como procurador de terceiros nos autos.

Por razões lógicas, e por força da presunção de prática de atos pelo juízo com AUSTERIDADE, a fim de se constatar a honestidade, a honra que devem presidir os atos da instituição respectiva, ato como esse, formalmente incompleto, e praticado pelo leiloeiro arrematando imóvel em leilão judicial no lugar do hipotético arrematante investe contra a ordem moral e a essência do sistema jurídico, ainda que com subterfúgio de uma procuração invisível ou não, como se vê expresso nos arts. 903 do CPC, que exige assinatura do juiz, e 890 – V do mesmo CPC, que determina:

“Art. 890 – Pode oferecer lance quem estiver na livre administração de seus bens, COM EXCEÇÃO:

“[…] V – dos leiloeiros e seus prepostos, quanto aos bens de cuja venda estejam encarregados.”

A mais prestigiada doutrina pretoriana brasileira sobre o tema, destacada por ROSA MARIA NERY e NELSON NERY JÚNIOR, in Código de Processo Civil Comentado, S.Paulo, Editora RT, 19ª ed., pg. 1.886, explicita:

“V:5. Leiloeiros e Prepostos – O leiloeiro é, por analogia, auxiliar da justiça, visto que auxilia o Judiciário na consecução das alienações judiciais. Além disso, por razões éticas, não caberia que a eles fosse permitida aquisição, já que trata-se do tipo de pessoa com mais facilidade para manipular o leilão, já que este está sob seu comando

Servidor da Justiça. ‘Não podem arrematar bens vendidos em hasta pública os serventuários da justiça que funcionam no processo, como também os que servem no juízo da execução, para evitar suspeita quanto à lisura e idoneidade dos encarregados da função jurisdicional(TJGO – RT 706/134). Essa disposição foi transferida do CPC/73 art. 690 para o CPC/73 690 – A. Vide NCPC art. 890

O Prof. RODRIGO MELO DO NASCIMENTO, in A Assinatura de Atos Processuais em Meio Eletrônico explicita:

“Com o advento do processo eletrônico, surgiu a necessidade da assinatura segura de atos processuais praticados eletronicamente. Para a garantia da integridade e autenticidade dos atos processuais, a assinatura eletrônica deve ser realizada mediante a adoção de certificado digital vinculado à ICP-Brasil, sendo certo que outras modalidades de assinatura, como aquelas de login e senha, não oferecem a necessária segurança para prática desses atos. No presente artigo, aborda-se a assinatura de atos processuais praticados em meio eletrônico em seus aspectos jurídico e técnico, com especial ênfase à certificação digital, sem a qual o ato processual reputa-se inexistente.”

E, no caso ora em discussão, como já se viu, não haveria oportunidade à validez de tentativa de regularização pelo juízo, do auto de arrematação através de “rubrica” do magistrado, porque a desoras, pois, conforme se vê do art. 901 do Novo Código de Processo Civil, que fixa encargo de a arrematação constar de auto que será “lavrado de imediato”, de molde a deixar claro que deve o mesmo nascer regular, sem violação dos requisitos sufragados no art. 903 e seus incisos e parágrafos.

Em conclusão, como já alegado, “ut” se vê do CPC, art. 903, havendo assinaturas de todos com competência e atribuição, o ato resulta perfeito e acabado.

Doutra parte, lembra-se que no caso teoreticamente “sub examine” não teria havido aposição de assinatura do instrumento pelo juiz que presidia ao processo por ocasião da sua lavratura, de molde a fazer também com que a arrematação não tenha existido juridicamente, a reclamar decretamento da invalidez do praceamento.

Eulâmpio Rodrigues Filho

Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia

Doutor e Pós-Doutor em Direito

Como citar e referenciar este artigo:
FILHO, Eulâmpio Rodrigues. Arrematação inexistente – nulidade da execução. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2022. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/arrematacao-inexistente-nulidade-da-execucao-2/ Acesso em: 25 abr. 2024