Hermenêutica

Primeiro refletir e depois decidir

Primeiro refletir e depois decidir

 

 

Deoclécio Galimberti *

 

 

 

A atual controvérsia no Judiciário – recalcitrância de um juiz contra decisão do ministro presidente do Excelso Pretório – recorda-nos lição do saudoso desembargador Alaor Terra. Homem simples, culto e eficiente professor, ante qualquer dúvida nas aulas da AJURIS, sempre advertia: “tá tudo no livrinho, não inventem, leiam”. É o caso vertente. Basta ler a legislação pertinente e distinguir prisão temporária de prisão cautelar. Na temporária, a prisão se dará quando imprescindível para as investigações do inquérito policial, o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade, haja indícios de crimes hediondos, ou ainda contra o sistema financeiro (Lei n. 7.960, de 21-12-1989). É a hipótese em debate. Já na cautelar, a segregação visa garantir medidas judiciais a serem tomadas posteriormente.

 

Contra o banqueiro Dantas, após longa investigação, a Polícia Federal solicitou prisão temporária. Homologada pelo juiz, o indiciado impetrou habeas corpus no Supremo Tribunal Federal. Foi sorteado relator o ministro Eros Grau. Como o STF encontra-se em férias, cabe regimentalmente ao presidente da Corte decidir sobre medidas urgentes relativas aos direitos fundamentais. Poucas horas depois de o presidente deferir o remédio heróico, o juiz decreta nova prisão, agora qualificada de cautelar, pela eventual participação em delito de corrupção ativa perpetrada contra delegados da PF e sob o fundamento de que, livre, obstaria “a regular e legítima atuação estatal visando impedir a apuração dos fatos criminosos” (…) e “para conveniência da instrução penal”, porque “solto, possivelmente, continuaria a empreender a prática das atividades delitivas”.

 

Novo habeas corpus. O presidente do STF refutou as alegações do juiz de primeiro grau e o deferiu, de vez que, depois de cessado o ato constritivo da liberdade de ir e vir do banqueiro, não ocorreu fato novo. E, ao perceber a via oblíqua de que se serviu o juiz para tornar ineficaz sua decisão anterior, fulminou seu principal argumento: “o tempo decorrido desde a deflagração da operação policial foi suficiente para que todos os elementos de prova buscados fossem recolhidos”.

 

Há protestos e moções de solidariedade dos juízes, com excessos não condizentes com a magistratura. As adesões dos colegas ao autor da reforma da decisão do STF, turvando a serena hierarquia do Poder Judiciário, foram, certamente, fruto do espírito de corpo. Contudo, se os manifestantes tivessem lido o teor do despacho do presidente do STF e as quase 200 folhas escritas pelo juiz para justificar a segunda prisão, teriam adotado a sábia lição do inesquecível mestre Alaor Terra: olhariam o “livrinho”, leriam as peças dos autos e as leis penais, refletiriam e só depois firmariam o abaixo-assinado de protesto e indignação.                                       

                                                        

 

 

* Doutor em Direito.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
GALIMBERTI, Deoclécio. Primeiro refletir e depois decidir. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/hermeneutica/primeiro-refletir-e-depois-decidir/ Acesso em: 29 mar. 2024