Direito Eleitoral

Impasse no julgamento da lei da ficha limpa

 

 

No julgamento do Recurso Extraordinário impetrado pelo candidato Joaquim Roriz houve cinco votos pela aplicação imediata da lei nova, isto é, pela constitucionalidade de sua aplicação nas eleições deste ano, e cinco votos contrários, isto é, que a sua aplicação neste ano implica violação do disposto no art. 16 da CF que dispõe:

 

“Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até (1) um ano da data de sua vigência.”

 

Portanto, sua aplicação neste ano seria inconstitucional (inconstitucionalidade sem redução de texto).

 

Diante dessa votação 5 x 5 a imprensa passou a veicular o empate no julgamento, o que é um equívoco. Não houve empate; houve, isto sim, suspensão do processo sem proclamação do resultado. Não se sabe porquê razão foi suspenso a processo: se para colher o voto do novo Ministro após sua nomeação e posse, ou, se para decidir na forma regimental.

 

A chamada interpretação conforme com a Constituição ou a inconstitucionalidade sem redução de texto é uma das formas de proclamar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e, como tal, exige quorum qualificado, ou seja, maioria absoluta  os membros que compõem a Corte Suprema, nos precisos termos do art. 97 da CF.

 

Ora, no caso, para se ter maioria absoluta era preciso que seis ministros votassem pela aplicação da nova lei (lei da ficha limpa) apenas para a próxima eleição, o que não aconteceu. Logo, não foi considerada inconstitucional a sua aplicação nestas eleições de outubro. E se não foi declarada a inconstitucionalidade sem redução de texto, a nova lei é aplicável de imediato. Faltou apenas a proclamação nesse sentido.

 

Repita-se, não houve empate no julgamento. A tese da inconstitucionalidade não logrou o número de votos necessários, ou seja, o mínimo de seis votos.

 

Como o julgamento será retomado em breve é provável que a Corte Suprema deixe esse assunto – aplicação ou inaplicação da nova lei às eleições deste ano – pendente, julgando-se prejudicado o Recurso Extraordinário em face da desistência do Recorrente ao cargo eletivo. E assim, essa discussão será travada no bojo de um outro Recurso Extraordinário que um outro candidato vier a impetrar. Se isso vier a acontecer o clima de incerteza e insegurança perdurará para além da data da proclamação dos eleitos e sua diplomação, trazendo transtornos de toda a ordem caso a decisão seja contrária ao eleito e empossado.

 

Para saber se aplicação da lei da ficha limpa é imediata, ou condicionada ao decurso do prazo de um ano entre a data da eleição e a data da vigência da lei é preciso, antes de mais nada, definir o que se entende por processo eleitoral. Nem a Constituição, nem a lei o define.

 

Aliás, não é atribuição do legislador formular definições. Isso é tarefa da doutrina e da jurisprudência.

 

Pela definição do TSE processo eleitoral “consiste num conjunto de atos abrangendo a preparação e a realização das eleições, incluindo a apuração e a diplomação dos eleitos”. Nada tem a ver, portanto, com a inclusão de novos requisitos de inelegibilidade a serem aferidos no momento do registro da candidatura. Assim, a aplicação da nova lei, que amplia os casos de inelegibilidade, é imediata, o que não se confunde com aplicação retroativa da lei. Retroatividade haveria se aplicados os novos requisitos de inelegibilidade vigentes na data do registro da candidatura ou logo após esse registro.

 

Concluindo, não se pode discutir se a nova lei é de eficácia plena ou de eficácia limitada, sem antes discutir e definir o que se entende por “processo eleitoral”.

 

 

* Kiyoshi Harada. Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Impasse no julgamento da lei da ficha limpa. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/eleitoral/impasse-no-julgamento-da-lei-da-ficha-limpa/ Acesso em: 29 mar. 2024