Direito Civil

Domada Megera, mas nem tanto

Resumo: Na comédia, onde um pai tenta casar, primeiramente, a filha de temperamento difícil, o que nos faz avaliar ao longo do tempo a trajetória da emancipação da mulher na formação social da família. E, também, aponta que ainda precisamos superar muitos preconceitos para galgar a concreta isonomia de tratamento entre os gêneros na família e na sociedade.

Palavras-Chave: Patriarcalismo. Código Civil de 1916. Código Civil de 2002. Condição jurídica da mulher. Poder Familiar. Isonomia entre homem e mulher. Constituição Federal brasileira de 1988.

Abstract: In comedy, where a father tries to marry, first, his daughter with a difficult temperament, which makes us evaluate over time the trajectory of women’s emancipation in the social formation of the family. And, also, it points out that we still need to overcome many prejudices to reach the concrete isonomy of treatment between genders in the family and in society.

Keywords: Patriarchalism. Civil Code of 1916. Civil Code of 2002. Legal status of women. Family Power. Isonomy between men and women. Brazilian Federal Constitution of 1988.

A domada megera de William Shakespeare no faz melhor compreender o vasto rol de mulheres voluntariosas e temperamentais. A Megera Domada recebeu muitas versões e releituras. Uma dessas releituras foi produzida pela novela “O Cravo e a Rosa”[1] escrita por Walcyr Carrasco e, a trama foi mesmo baseada na peça teatral de William Shakespeare, mostrando uma Katherina feminista e atuante pela igualdade entre os sexos, ela acaba por se

render ao amor.

A novela, por ora reprisada a tarde, passa nos anos de 1920, quando a mulher começava a trabalhar fora de casa. E, a nova mulher passa usar também nova indumentária, as saias sobem, as cintas descem, livram-se dos espartilhos e corta o cabelo à la garçonne e, ainda, usa brilhantina.

Essa mulher exagera na maquiagem e nos acessórios, passa a conduzir o automóvel, fumar e frequentar piscinas mistas. É verdade que a Primeira Guerra Mundial[2] propiciou para que novas oportunidades de emprego surgissem e, novas liberdades foram possíveis para as mulheres, bem como o acesso às profissões e ao salário.

O nome original da peça é “The Taming of the Shrew”, onde Baptista era um rico comerciante de Pádua e tem duas belas filhas, uma que se chamava Catarina[3], a filha mais velha e, de difícil temperamento e Bianca, que era o justo oposto, sendo dócil e cordata. Realmente, existem muitos pretendentes desejando desposar Bianca, e, todos temem e fogem de Catarina.

O Baptista, como pai, quer apenas dar a filha mais nova em casamento, depois de casar sua primogênita. Tanto que oferece um valioso dote pelo casamento de Catarina. De sorte que os pretendentes de Bianca procuram encontrar um noivo para Catarina. Quando surgiu um brutamontes, chamado Petruchio, que se candidata a casar com a megera.

Aliás, verificando que Catarina, apesar de seu difícil temperamento tinha qualidades, pois era honesta, ele procura seu pai, Baptista, pedindo a mão de sua filha mais velha em casamento. É evidente que Catarina se esmera em muitas grosserias para afugentar Petruchio, que nem se abala.

Ele resiste à toda indolência da noiva e, em resposta, submete-a a todo tipo de humilhação, inclusive como de parecer bêbado e maltrapilho no dia do casamento.

Enfim, as rudezas contumazes de Petruchio tornam desprezíveis e ineficazes os maus modos de Catarina. Na casa dos recém-casados, Catarina e Petruchio tudo é muito difícil para a mulher. Petruchio jamais está satisfeito e, tolhe cada vez mais Catarina.

Petruchio sugere, então, uma visita do casal à casa do sogro desde que esta concorde com tudo o que ele disser, mesmo quando fosse um completo absurdo.

Catarina demonstrando submissão, assente. A caminho da casa do sogro, ela é obrigada a reconhecer, apenas para demonstrar obediência ao marido, chegando a afirmar que o sol é a lua. Catarina e Petruchio vão à casa de Baptista para as bodas de Bianca.

Na ocasião, Petruchio e outros maridos decidem apostar qual das mulheres presente na festa é a mais obediente e cordata. Todos mandam chamar suas respectivas esposas.

Teria Petruchio definitivamente “domado a megera”, ou apenas Catarina como é inteligente e habilidosa teria domado seu marido, com palavras de submissão[4] eivadas de ironia e sarcasmo? Enfim, a família está inserida numa ordem social. E, dentro da família igualmente vige uma ordem.

Na casa de Baptista, a ordem havia sido perdida, pois a comerciante explicitamente privilegiava a filha mais nova, Bianca, em detrimento da Catarina.

Tal explícita predileção, tirava Catarina do sério, levando-a a ter comportamento antissocial e agressivo. Eis, que se instaura o desequilíbrio na ordem familiar. Na época do bardo, o homem era chefe do núcleo familiar. Afinal, o poder se estabelece pela tradição, força ou pela inteligência?

O marido era considerado o chefe, administrador e o representante da sociedade conjugal. Tanto que o Código Civil brasileiro de 1916[5] refletia tal posicionamento. E, em seu artigo 233 apontava que o homem era o chefe da sociedade conjugal e, a ele cabia todas as decisões da família[6].

A mulher casada, no passado, segundo ainda o artigo 6º, inciso II do CC/1916, era considerada relativamente incapaz. Diferentemente, do artigo 4º do vigente Código Civil brasileiro de 2002[7], in litteris:

     “São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV – os pródigos”.

Naquela época, a família se identificava pelo nome do varão, sendo que a mulher era obrigada a adotar os apelidos do marido. E, o casamento era indissolúvel. Só havia o desquite[8], significando que “não estavam quites”, em débito para com a sociedade, pois deu-se o rompimento da sociedade conjugal.

O principal marco para superar a hegemonia masculina foi dado em 1962, quando da edição da Lei 6.121, denominado Estatuto da Mulher Casada[9] que devolveu a plena capacidade civil à mulher que passou à condição de colaboradora na administração da sociedade conjugal. Mesmo tendo sido deixado para a mulher, a guarda[10] dos filhos menores, sua posição ainda era subalterna.

Sendo dispensada a necessidade de autorização marital para trabalhar e instituindo o que se denominou de bens reservados, que era o patrimônio adquirido pela esposa como resultante do seu trabalho. Tais bens não respondiam por dívidas do marido, ainda que presumivelmente contraídas em prol da família.

No atual texto constitucional brasileiro vigente, deu-se a maior reforma no Direito de Família. Destaca com maestria a doutrinadora Maria Berenice Dias, in litteris: “Três eixos nortearam uma grande reviravolta nos aspectos jurídicos da família. Ainda que o princípio da igualdade já viesse consagrado desde a Constituição Federal de 1937, além da igualdade de todos perante a lei (art. 5ª), pela primeira vez foi enfatizada a igualdade entre homens e mulheres, em direitos e obrigações (inc. I do art. 5º). De forma até repetitiva é afirmado que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (§ 5º do art. 226). Mas a Constituição foi além. Já no preâmbulo assegura o direito à igualdade e estabelece como objetivo fundamental do Estado promover o bem de todos, sem preconceito de sexo (inc. IV do art. 2º). A isonomia também foi imposta entre os filhos, eis proibida quaisquer designações discriminatórias[11] relativas à filiação. Havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, todos têm os mesmos direitos e qualificações (§ 6º do art. 227)”. (In: DIAS, Maria Berenice. A mulher no Código Civil. Disponível em:  http://berenicedias.com.br/uploads/18__a_mulher_no_c%F3digo_civil.pdf Acesso em 17.12.2021).

A primeira forma de legislação Brasileira foram as Ordenações Filipinas, que vigoraram no Brasil até o ano de 1916. Nestas, o marido tinha o direito de aplicar castigos físicos[12] a sua companheira, chegando ao ponto de tirar-lhe a vida se sobre esta pairasse o simples boato de mulher adúltera. Salienta-se que para que o marido matasse sua esposa não se fazia mister a prova do adultério, mas apenas a fama.

No ano de 1916, passou a viger o Código Civil Brasileiro. Neste, a mulher continuava em situação de extrema desigualdade em relação ao marido. Era considerada relativamente incapaz ao lado dos filhos menores de idade, dos pródigos e dos silvícolas. Sujeitava-se ao domínio do pai e, após, ao domínio do marido.

Não podia, sem a autorização do marido, ser tutora, curadora, litigar em juízo cível ou comercial, salvo em alguns casos previstos em lei. Também não lhe era permitido exercer profissão, contrair obrigações ou aceitar mandato. Ao homem era dado o pátrio poder[13] e, consequentemente o direito de administração legal dos bens dos filhos sendo inerente ao pátrio poder o direito de uso fruto destes bens. A mulher era mera coadjuvante do marido.

Voltemos, à trama da peça teatral. Catarina e Petruchio entenderam a lição. Apesar de tantas grosserias de Cataria, Petruchio não a agride, o que seria tolerável naquele tempo. Prefere, submetê-la a uma sequência de humilhações, a fim de que entenda quem está no controle e no comando da família.

Enfim, Catarina acalma seu temperamento e, finalmente, entende como funciona a ordem familiar[14]. E, ainda aprende manejar as regras sociais e jurídicas dentro do jogo social. Cataria, com a obediência formal, está pronta para se impor. Então, a ordem foi finalmente estabelecida.

A ironia de Catarina é reforçada pelo fato de haver uma peça teatral dentro de outra peça. E, a rigor, tudo começa com o funileiro Cristóvão Sly, que se embriaga violentamente. Um fidalgo vendo a situação, resolve fazer uma brincadeira com o funileiro para seu castelo e quando ele acorda contam-lhe que ele era um nobre, que perdera a memória por quinze anos e, para entretê-lo encenam a peça “Megera Domada”.

Assim, brinca-se com a realidade e iniciamos um aprendizado lúdico e proveitoso. Temos uma peça dentro de outra peça.

A linguagem humana é mesmo uma fera que somente poucos conseguem dominar. Esta se esforça continuamente, para sair da gaiola, e, se não for domada, restará selvagem e lhe trará arrependimento. Se alguém te criticar ou apontar algum defeito sem intenção de lhe ajudar, apenas não diga nada.

Petruchio como todo homem, deseja ter a ilusão que manda e controla sua mulher, os filhos e empregados. Nos filhos também pode mandar, até certa idade, porque um dia atingem a maturidade e começam a se independer[15]. Só que os filhos que se rebelam explicitamente podem acabar até deserdados, enquanto outros tentam dialogar e até fingem concordar[16].

O mesmo se dá com a esposa, deve-se tentar sempre construir o diálogo pautado no respeito humano e, uma personagem Ludovica nos ensina na peça que podem ser resolvidas as divergências por meio da diplomacia[17], ela consegue finalmente convencer Catarina a ser uma pessoa melhor, coisa que ninguém tinha conseguido fazer até aquele momento, isto é, as palavras possuem maior valor e influência do que os atos.

Referências

BARBOSA, Águida Arruda et al. Direito de família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Tradução e Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Difusão Europeia do Livro, 1967.

CARRASCO, Walcyr; LAJOLO, Marisa; SHAKESPEARE, W. A megera domada. Teatro e prosa. 2ª edição. Série Clássicos universais. São Paulo: Moderna, 1997.

CORDEIRO, Marília Nadir de Albuquerque. A evolução do pátrio poder- poder familiar. Disponível em:  https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46470/a-evolucao-do-patrio-poder-poder-familiar Acesso em 17.12.2021.

DIAS, Maria Berenice. A mulher no Código Civil. Disponível em:  http://berenicedias.com.br/uploads/18__a_mulher_no_c%F3digo_civil.pdf Acesso em 17.12.2021).

_____________. (2010) A Mulher no Código Civil. Disponível em:  http://www.mariaberenice.com.br/pt/a-mulher-nocodigocivil.cont . Acesso em: 17.12.2021.

___________. Manual de Direito das Famílias. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2002.

LEITE, Carlos William. 69 doses de Shakespeare. Disponível em:  https://www.revistabula.com/3611-69-doses-de-shakespeare/ Acesso em 17.12.2021.

LIMA, Ricardo. Guarda compartilhada: tudo o que você precisa saber. Disponível em:  https://jus.com.br/artigos/73581/guarda-compartilhada-tudo-o-que-voce-precisa-saber Acesso em 17.12.2021.

SANTANA, Inês Helena Batista de; RIOS, Luís Felipe; MENEZES, Jaileila de Araújo. Genealogia do Desquite no Brasil. Disponível em:  http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2017000200012&lng=pt&nrm=iso Acesso em 17.12.2021.

SANTOS, José Camacho. O novo Código Civil brasileiro em suas coordenadas axiológicas: do liberalismo a socialidade. Disponível em:  https://jus.com.br/artigos/3344/o-novo-codigo-civil-brasileiro-em-suas-coordenadas-axiologicas/2 Acesso em 17.12.2021.

SEIXAS, Rafael Rodrigo dos Santos; DE CASTRO, Laura Miranda. O sexismo na obra: “A Megera Domada” de William Shakespeare. Disponível em:  https://edoc.ufam.edu.br/retrieve/9236b1be-42e8-42cb-8599-34c623866d96/TCC-Letras-2011-Arquivo.001.pdf Acesso em 17.12.2021.

SHAKESPEARE, W. A megera domada. Tradução de Millôr Fernandes. ebook Kindle. São Paulo: L&PM Pocket, 1998.



[1] No Brasil, três telenovelas foram baseadas nessa peça: A Indomável da TV Excelsior (1965), O Machão (1974 – 1975) da TV Tupi e O Cravo e a Rosa (2000 – 2001) da TV Globo e Topíssima (2019), atualmente exibida pela RecordTV. Além destas, a 18ª temporada de Malhação também teve uma de suas tramas inspiradas em “A Megera Domada”, com os personagens Pedro e Karina, e a irmã dela, Bianca. O texto também foi adaptado para os palcos da Broadway, no musical Kiss Me, Kate. No cinema, foi adaptada por Sam Taylor em 1929, com Mary Pickford e Douglas Fairbanks como casal principal, além da versão de Franco Zefirelli de 1967, com Elizabeth Taylor e Richard Burton nos papéis principais, além do filme 10 Coisas que eu Odeio em Você de 1999, que deu origem a uma série de TV, baseada na peça.

[2] As mulheres estiveram no centro do esforço de guerra durante o primeiro conflito mundial em todas as nações beligerantes, um envolvimento que ajudou em sua emancipação, em diferentes ritmos de acordo com o país. Desde 7 de agosto de 1914, o presidente do conselho francês René Viviani, que esperava uma guerra curta, convocou as camponesas para substituírem “no campo de trabalho os que estão no campo de batalha”. Era a época da colheita e era vital que não fosse perdida. Em toda a Europa, as mulheres também substituíram à frente dos trabalhos os homens que haviam partido, até então exclusivamente para rapazes, convertendo-se em condutoras de bondes, garçonetes em cafés, funcionárias dos correios, distribuidoras de carvão, empregadas de banco, ou professoras nas escolas masculinas. Segundo o historiador Benjamin Ziemann, em 1916, 44% das granjas bávaras eram comandadas por mulheres.

[3] No contexto renascentista, a Megera (Catarina) era a mulher de gênio forte e língua afiada, alguém à frente do seu tempo por questionar as atitudes dos homens e se colocar claramente contra certas imposições sociais. (…) A figura da mulher como Megera era um símbolo comum na sociedade em que Shakespeare viveu (…) – aí apareceram as bruxas, as condenações à fogueira e cada vez mais a mulher era posta como uma persona de pouca ou menor importância. In:  https://istoe.com.br/a-primeira-guerra-mundial-trouxe-uma-grande-mudanca-para-as-mulheres/ Acesso em 17.12.2021.

[4] Simone de Beauvoir (1967, p. 363) questiona que é preciso destacar que as mulheres nunca formaram uma sociedade autônoma e fechada, elas estão incorporadas na coletividade lideradas ou governadas pelos homens, e na qual ocupam um lugar de subordinação. Podemos compreender que o casamento sempre foi mostrado com diferenças radicais para ambos os sexos. Entende-se que um é necessário ao outro, apesar dessa necessidade nunca gerar uma camada social igualitária, pois o homem é considerado socialmente um sujeito com capacidade de determinar sua própria norma de conduta por ser visto como produtor do trabalho coletivo. (BEAUVOIR, 1967, p. 166).

[5] Convém recordar que o Código Civil brasileiro vigorou de 1917 até 01 de janeiro de 2003. Foi instituído pela Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916, também conhecido como Código Beviláqua em homenagem seu principal autor. Foi composto por 1.807 artigos divididos em dois blocos principais, a parte geral e a parte especial. Até a sua entrada em vigor em 1917, reinava grande confusão no âmbito do direito privado pátrio, pois era um emaranhado caótico onde vigiam institutos do direito romano e canônico, as Ordenações Filipinas, compilação feita em 1603, durante a União Ibérica e, também inúmeras leis extravagantes, muitas das quais eram contraditórias. O comando para a elaboração de um Código Civil apareceu no art. 179, XVIII, da Constituição de 1824, que dispunha: “organizar-se-á quanto antes um Código Civil, e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça, e Equidade”. Não obstante denotar-se urgência na disposição, somente após 30 anos de jurada a Carta Imperial por dom Pedro I, foi ela efetivamente atendida: em 1855, o jurisconsulto Augusto Teixeira de Freitas, por contrato celebrado com o Império, recebeu o encargo de elaborar o projeto de um Código Civil.

[6] A sacralização da família e a preservação do casamento. Apesar de que é até possível casar por procuração, artigo 1.542 CC, mas, nem na ação de separação, e nem na de divórcio é possível dos cônjuges por mandatário. Um dos principais méritos do Código Civil de 2002 foi afastar toda terminologia discriminatória, não apenas com relação à mulher, mas, igualmente com referência à filiação e à família.

[7] O atual Código Civil está em vigor desde 11 de janeiro de 2003. É formado por 2.046 artigos. Está dividido em Parte Geral e Parte Especial. Cada parte é dividida em Livros, conforme esquematizado na tabela abaixo. Há, ainda, um Livro Complementar — Das disposições finais e transitórias – No final do código. Em resumo, o Código Civil é um importante instrumento de pesquisa e utilização pela sociedade nas suas relações jurídicas, que refletem a própria atuação da pessoa humana em todas suas nuances. Nesse particular, deve-se prestigiar a sua compreensão e aplicação no cotidiano, objetivando a obtenção de maior justiça e equidade na convivência social. No mais, cada item inserido no Código Civil, pela sua extensão e importância, deve ser objeto de análise especifica, necessária a compreensão, mesmo que parcial e preliminar, da complexidade que possuem. Por exemplo, a questão das Sucessões, dos Títulos de Crédito, da seara da Família, são temas tão vastos na sua amplitude que devem, sem sombra de dúvida, serem estudados e interpretados para a correta e justa aplicabilidade.

[8] O desquite foi instituído no ano de 1942, a partir do artigo 315, da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 (Código Civil de 1916). Este era uma modalidade de separação do casal e de seus bens materiais, sem romper o vínculo conjugal, o que impedia novos casamentos. Assim, o desquite rompia a sociedade conjugal, pondo fim aos deveres de coabitação e de fidelidade recíproca e ao regime de bens, mas mantinha incólume o vínculo matrimonial. Nesse contexto, o termo desquite – significando não quites, em débito para com a sociedade – remete ao rompimento conjugal em uma época em que o casamento era perpétuo e indissolúvel. A lei previa duas categorias de desquite: o desquite por mútuo consentimento, também chamado de amigável, em que, em geral, não eram reveladas as causas da separação, e o desquite litigioso, o qual se fundamentava em motivações explicitadas e “provadas”, no decorrer do processo judicial. No que concerne ao desquite litigioso, o Código Civil vigente no período determinava, no artigo 317, os motivos possíveis para se fundamentar uma ação de desquite: adultério; tentativa de morte; sevícia ou injúria grave; e abandono voluntário do lar conjugal, durante dois anos contínuos. Apenas no ano de 1977, a Lei do Divórcio (Lei n° 6.515/1977) possibilitou a revogação do princípio da indissolubilidade do vínculo matrimonial, bem como estabeleceu os parâmetros da dissolução do casamento. Vale informar que o termo “Desquite” foi substituído por “Separação Judicial” pela Lei do Divórcio.

[9] Em 1962, com o Estatuto da Mulher Casada, surgiu o primeiro marco histórico da liberação da mulher no Brasil. Quer nos parecer que o maior mérito do Estatuto foi abolir a incapacidade feminina, revogando diversas normas discriminadoras. Consagrou o princípio do livre exercício de profissão da mulher casada permitindo que esta ingressasse livremente no mercado de trabalho tornando-a economicamente produtiva, aumentando a importância da mulher nas relações de poder no interior da família. Este aumento do poder econômico feminino trouxe decisivas modificações no relacionamento pessoal entre os cônjuges. Teve o mérito de ser o início das conquistas da mulher, mas como esta foi uma mudança árdua e demorada, é claro que restaram muitas desigualdades como a permanência do homem como chefe da família; o pátrio poder que o homem continuou a exercer “com a colaboração da mulher”; o direito do marido de fixar o domicílio familiar, mas aqui o arbítrio masculino foi bastante reduzido pois à mulher era facultado o direito de socorrer-se do judiciário em caso de deliberação que a prejudicasse, manteve a obrigatoriedade do uso do patronímico do marido, e, por fim, a existência de direitos diferenciados em desfavor da mulher.

[10] Atualmente, no direito brasileiro com o advento da Lei 13.958/2014, a guarda compartilhada tornou-se a regra. Diversamente do que dispunha o Código Civil de 2002 que previa apenas a guarda compartilhada sempre que possível, mas, a guarda compartilhada doravante será aplicada quando os pais não estão de acordo sobre a guarda do filho e possuem condições de exercer os direitos e deveres maternos e paternos. Tal modelo de guarda requer efetiva cooperação de ambos os pais, que devem deixar de lado suas desavenças pessoais e enfatizar o melhor interesse dos filhos. Há duas exceções legais à guarda compartilhada, quando um dos pais declara que não deseja a guarda ou que não está apto para exercê-la.

[11] No Código Civil de 1916 os filhos eram classificados em legítimos e ilegítimos. “Legítimo era o filho biológico, nascido de pais unidos pelo matrimônio; os demais seriam ilegítimos.” (LOBO, 2004, p.48). Os filhos legítimos eram protegidos pela presunção pater is est quem nuptiae demonstrant (é o pai aquele que o matrimônio como tal indica). Tal presunção diz que os filhos nascidos na constância do casamento têm por pai o marido de sua mãe. In: LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. in Conselho da Justiça Federal. Brasília. out/dez. 2004 Disponível em:  http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/633/813 . Acesso em: 17.12.2021.

[12] Talvez seja nas Ordenações Filipinas a origem da violência doméstica que envolve abuso por parte de uma pessoa contra outra num contexto doméstico, seja no contexto do casamento ou de união de fato, seja contra crianças, adolescentes ou idosos. Quando a violência é perpetrada por um cônjuge em relação ao outro, denomina-se de violência conjugal. A Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (Viena, 1993) reconheceu formalmente a violência contra as mulheres como uma das formas de violação dos direitos humanos. Desde então, os governos dos países-membros da ONU e as organizações da sociedade civil trabalham para a eliminação desse tipo de violência, que já é reconhecido também como um grave problema de saúde pública. O Brasil é signatário de todos os tratados internacionais que objetivam reduzir e combater a violência de gênero. Ciente desse problema, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem contribuído para o aprimoramento do combate à violência contra a mulher no âmbito do Poder Judiciário. Em 2007, por meio das Jornadas Maria da Penha, o CNJ criou um espaço de promoção de debates, troca de experiências, cursos, orientações e diretrizes, voltados à aplicação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) no âmbito do Sistema de Justiça.

[13] A Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, fazia uso do termo “pátrio poder”, o qual só foi totalmente substituído pela expressão “poder familiar” com o artigo 3º da lei 12.010, de 3 de agosto de 2009. A família libera-se do patriarcalismo e da hegemonia do matrimônio como único meio legítimo de formação da família a partir do momento que a CF, em seu art. 226, cita como entidade familiar também aquela formada pela união estável e a família monoparental. Discute-se se seriam tais modelos exemplificativos ou enumerativos. A maioria da doutrina acredita ser este dispositivo constitucional cláusula geral de inclusão, de forma que os modelos não são numerus clausus. Supera-se, assim, o modelo autoritário de família apregoado por muito tempo pelo Código Civil de 1916 para a abertura do modelo prescrita pela Constituição de 1988.

[14] É notável a diferença entre o papel exercido pela mulher e pelo homem na sociedade antiga da renascença. A mulher sempre exercendo o papel de submissa, cumprindo assim posição inferior ao homem, enquanto o homem é aquele visto como o sujeito da subordinação da mulher, aquele que detém a autoridade maior. Caso a mulher rejeitasse essa submissão ou contrariasse os costumes da sociedade daquela época, era vista com mau julgamento pela família patriarcal, principalmente, no período elizabetano.

[15] Lei 13.010/2014 impôs limitações aos poderes que os pais tinham sobre os filhos. Portanto, o poder familiar não poderá ser mais utilizado de castigos físicos, sendo vedado qualquer tipo de punição corporal ou cruel degradante. Em discordância com a Lei encontra-se a maior parte da população em geral. Os opositores à aprovação do projeto afirmam que a nova Lei prejudicará a autoridade dos pais com os filhos. Um dos principais opositores é o Senador Magno Malta criticou o texto por julgar que ele deixa os pais vulneráveis a denúncias caluniosas ou acusações falsas quando há brigas em família. A Suécia foi à primeira nação do mundo em 1979 a incorporar no Código Penal a proibição das palmadas na educação das crianças e criaram uma geração de crianças extremamente mal-educadas. A questão é que os pais são contra o espancamento, as torturas, a tratamentos cruéis, mas uma palmada quando necessário deveria ser concedida sem que isso machuque ao menor, desde que seja de forma moderada.

[16] No banquete final, celebrando os três casamentos – os de Catarina e Petruchio, Bianca e Lucêncio e a viúva e Hortênsio – os homens decidem fazer uma aposta. Eles pretendem descobrir qual das três mulheres é a maior megera. Eles pedem a Biondello que vá buscar as três por ordem dos seus respectivos maridos. Tanto a viúva quanto Bianca rejeitam o chamado dos seus maridos, mas Catarina aparece diante deles, obediente e humilde. Ela proclama sua lealdade absoluta a Petruchio e diz que pretende viver com ele para sempre. Enquanto os três casais saem, Hortênsio e Lucêncio olham admirados para Petruchio. Ele verdadeiramente tinha conseguido domar sua megera.

[17] Ao fim da peça teatral, há o longo sermão de Catarina que expressa toda a gratidão que a esposa tem que ter pelo esposo por ele submeter sua vida ao árduo trabalho para sustentá-la, declarando que o homem é seu chefe. Ou pelo menos, ele acredita que é. Após duro duelo de forças, e as privações que acabam por fazer da megera uma mulher dócil e amável.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Domada Megera, mas nem tanto. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2021. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/domada-megera-mas-nem-tanto/ Acesso em: 16 abr. 2024