Direito Ambiental

A (in)sustentabilidade da dimensão urbanística de São Luís

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Abrahão Alexandre Barros de Lima[1]

Gabriel Araújo Monteles[2]

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo a tessitura de explanações atinentes à sustentabilidade ambiental e sua relação com a dimensão urbanística abordando, dentro de suas especificidades, a cisão teórico-prática, tendo como plano de fundo a cidade de São Luís. O intento a que se destina a abordagem apresentada é discutir, criticamente, a incoerência entre o plano diretor municipal, estruturado sob leis vigentes, e a perspectiva do desenvolvimento sustentável, considerando a omissão que se constata a partir de breve análise empírica. A metodologia utilizada foi revisão bibliográfica

Palavras-chave: Desenvolvimento. Sustentabilidade. Dimensão urbanística. São Luís.

ABSTRACT

This article presents as goal the structure of explanations relating to environmental sustainability and its relation to the urban dimension approaching, within their peculiarities, theoretical and practical division, with the background of the city of São Luís. This paper intents to discuss critically the inconsistency between the municipal director plan, structured under existing laws, and the perspective of sustainable development, considering the omission which appears from brief empirical analysis. The methodology used was bibliographical review.

Keywords: Development. Sustainability. Urbanistic Dimension. São Luis.

Considerações Iniciais

O ambiente sadio e ecologicamente estável é um direito inerente, subjetivamente, a todos e todas, e cuja garantia é de notório protagonismo estatal. Dentro desse rol se situa, ainda, o direito à preservação do meio ambiente, cuja atividade deve ser ostensivamente desenvolvida não só pelo aparato estatal, mas, também, sob uma perspectiva que envolva a iniciativa privada conforme, aliás, em muito se observa na contemporaneidade.

Vislumbra-se, enquanto condição indispensável para o desenvolvimento sustentável, práticas que promovam a preservação ambiental, sobretudo por meio da adoção de um viés pautado na garantia de recursos ambientais saudáveis às gerações futuras, elemento este caracterizador da justiça intrageracional que, por seu turno, funda-se sob uma concepção de que a geração presente mantém, com as gerações passadas e, também, com as gerações futuras, uma relação obrigacional, alicerçada na preservação ambiental que garanta o usufruto dos recursos pelas gerações futuras.

Diante dessa perspectiva é que se engloba nos sobreditos aspectos a dimensão urbanística da cidade de São Luís, demonstrando aspectos deficitários e demais incoerências urbanísticas empiricamente verificadas e propondo alternativas provenientes, em sua maior parcela, da implementação e efetividade de políticas públicas, sejam elas vigentes ou vindouras.

O presente artigo, por meio de revisão bibliográfica, objetiva discutir, de maneira crítica e expositiva, o distanciamento que existe entre as políticas ambientais vigentes e a realidade de São Luís, enquanto cidade inserida no panorama de necessidade de adequação aos modelos atuais de desenvolvimento sustentável e o apego a um modelo urbanístico que denota pouca preocupação com o ser humano e seus direitos fundamentais.

1 O desenvolvimento sustentável inserido no contexto urbanístico: as novas tendências e o conceito de cidade para pessoas

Contemporaneamente, são bastante debatidos e valorizados os conceitos de cidades vivas, seguras, sustentáveis e saudáveis. A cidade viva exprime uma ideia de interação social, na medida em que se trata de um ambiente que demanda vida urbana dotada de variedades que proporcionem às pessoas ambientes salubres, onde possa ocorrer tal interação. A perspectiva de cidade segura reitera a vivacidade do primeiro conceito, uma vez que deve ser garantia segurança de tráfego, e de vivência, num panorama geral, a toda e qualquer pessoa que habita um espaço físico urbano, uma cidade. A fim de ser alcançado tal modelo, é necessário que sejam observadas as demandas de um adequado planejamento urbano, na medida em que este envolve uma infinidade de fatores que devem ser considerados, a fim de que haja devida coerência quanto a um relevante aspecto inerente à conjuntura de um ambiente saudável: sua dimensão humana. Neste contexto, deve-se ponderar que

As cidades devem pressionar os urbanistas e os arquitetos a reforçarem as áreas de pedestres como uma política urbana integrada para desenvolver cidades vivas, seguras, sustentáveis e saudáveis. Igualmente urgente é reforçar a função social do espaço da cidade como local de encontro que contribui para os objetivos da sustentabilidade social e para uma sociedade democrática e aberta. (GEHL, 2010, p.18)

Os conceitos de cidade sustentável e cidade saudável podem-se considerar atrelados, uma vez que ambos têm relação especialmente direta no que diz respeito ao bem estar do ser humano, enquanto indivíduo pertencente a determinado ambiente. Nesse sentido, dar-se-á relevância ao conceito de cidade sustentável, na medida em que, falar em sustentabilidade, tanto no sentido geral quanto em sua perspectiva tangente ao processo de urbanização, significa considerar fatores como excessiva emissão de gases poluentes no ambiente, decorrente do uso de automóveis, incidência da atividade industrial, fornecimento de condições básicas como energia, água e sistema de tratamento do esgoto.

Dessa forma, é fundamental que uma cidade, um projeto de urbanização que vise o bem estar das pessoas, se baseie em perspectivas sustentáveis, em que pese o oferecimento de condições ambientais adequadas tanto à geração presente, quanto às gerações futuras. No que tange ao fator “sustentabilidade”, é de grande importância considerar que

entendemos o desenvolvimento sustentável como um conceito formado por dois imperativos éticos de justiça; um conceito, portanto, de dupla justiça.Tais justiças seriam a justiça intrageracional e a justiça intergeracional. – uma justiça dentro da geração presente (intra) e para com as gerações futuras (inter). Esse imperativo ético de dupla justiça foi estabelecido no conceito original de desenvolvimento sustentável apresentado pelo Relatório Brundtland em 1987, que afirmou o desenvolvimento sustentável como aquele que “atende as necessidades dopresente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem as suaspróprias necessidades”.(MONTEIRO, 2013).

Diante de tais fatos, torna-se indispensável analisar os defeitos urbanísticos presentes em São Luís, capital do Estado do Maranhão, em relação ao cenário que, em verdade, se apresenta à população, potencialmente divergente daquilo que atende à uma saudável perspectiva de desenvolvimento urbano sustentável, a despeito da vigência de uma plano diretor municipal.

2 O Brasil enquanto legislador de políticas sustentáveis

Diante da necessidade de promoção de uma dimensão urbanística que envolva uma perspectiva ecologicamente sustentável, é que há relevância de políticas públicas, no sentido da implementação de métodos que, mais que soluções paliativas, ofereçam efetivas formas de dissipar as deficiências constatadas num plano urbanístico que se pretenda ecologicamente sustentável.

As políticas públicas constatadas na contemporaneidade atingem o Brasil inteiro e, por óbvio, o Estado do Maranhão que, por conseguinte, engloba a cidade de São Luís.      

No âmbito federal, tem-se o Programa Nacional de Educação Ambiental, cujas inclinações orbitam sob o intento de integrar as dimensões ambiental, social, ética, cultural, econômica, espacial e política, relativas à ideia de sustentabilidade, para promover o desenvolvimento do País atingir resultados como uma melhor qualidade de vida para cidadãos e cidadãos nacionais.

Tal sistemática pauta-se em três pilares que envolvem suas ações: educação ambiental, participação e controle social. Essas diretrizes giram em torno da disponibilização de informações à sociedade, para que aquela participe ativa e efetivamente no processo de implementação e fiscalização de políticas ambientais voltadas ao estímulo da manutenção do desenvolvimento sustentável que figure como alicerce de uma sociedade saudável e bem estruturada. Os aspectos anteriormente citados, é importante notar, guardam íntima relação com a noção de educação ambiental que, por seu turno,

nasce como um processo educativo que conduz a um saber ambiental materializado nos valores éticos e nas regras políticas de convívio social e de mercado, que implica a questão distributiva entre benefícios e prejuízos da apropriação e do uso da natureza. Ela deve, portanto, ser direcionada para a cidadania ativa considerando seu sentido de pertencimento e corresponsabilidade que, por meio da ação coletiva e organizada, busca a compreensão e a superação das causas estruturais e conjunturais dos problemas ambientais. (SORRENTINO et al., 2005, p. 289).

Em que pese à presença de políticas públicas que prezem pela sustentabilidade no âmbito urbanístico, especificamente na cidade de São Luís pode-se verificar o “Programa Cidades Sustentáveis”. Embora se trate de um programa de adesão nacional, é conveniente abordar os avanços da sobredita capital maranhense com a implementação dessa iniciativa, que tem realização da “Rede social brasileira de cidades justas e sustentáveis” e atua sob o escopo de criar a transição do atual cenário socioambiental para um desenvolvimento sustentável, que integre as dimensões social, ambiental e ética, baseado em uma economia que seja includente, verde e responsável.

Além disso, está em trâmite, no Estado do Maranhão, a execução da “Política Estadual de Educação Ambiental”, que visa promover a gestão democrática que, conforme explicitado anteriormente, vige no conteúdo da Lei 10.257, integrando a sociedade e o poder público em planos de ações que se inclinem sob o intento de evitar incidência de desmatamento, queimadas e, ainda sob o desenvolvimento de escolas sustentáveis.

Atrelada a essa perspectiva está a Constituição da República Federativa Brasileira, de 1988 que, em seu art.225, expõe o cerne do desenvolvimento sustentável, ao positivar que

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).

Nesse diapasão, é fundamental, ainda, que se incorporem os ditames da Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece Diretrizes da Política Urbana e, nos dois primeiros incisos do seu art.2º, dispõe que

Art. 2oA política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;

II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (SÃO LUÍS, 2001);

2.1 As políticas públicas editadas pelo município de São Luís objetivando desenvolvimento urbanístico sustentável            

A cidade de São Luís, de acordo com a legislação vigente e as propostas feitas pelo Instituto da Cidade, Pesquisa e Planejamento Urbano e Rural, vem sendo alcançada por tal raciocínio desde a edição de seu Plano Diretor vigente (SÃO LUÍS. Lei nº4669, 2006), o qual aponta como objetivos o desenvolvimento sustentável e melhorias incisivas na urbanidade de modo a alcançar o desenvolvimento equânime levando em consideração a relação mantida entre a urbe, seus espaços e as pessoas nela residentes. Observa-se que o texto legal se aproxima bastante do conceito ideal de cidade para pessoas e, como forma de ilustrar, têm-se o artigo 54 da referida lei que trata sobre as disposições gerais do transporte público de passageiros na ilha de São Luís; o artigo 55, inciso III, que apregoa planos de ciclovias, bicicletários e vias de pedestres que é complementado pelo artigo 58 que fala da localização de tais ciclovias e também dos respectivos locais para a guarda das bicicletas; o artigo 74 que dispõe acerca da proposta de reabilitação urbana de locais que estejam abalados de maneira social e econômica; e o artigo 84 que disserta sobre a política de meio ambiente e a maneira como isso poderá possibilitar fomentar o desenvolvimento econômico e a justiça social. (SÃO LUÍS. Lei nº4669, 2006)

Somam-se ao Plano Diretor outras iniciativas que trazem em seu bojo a harmonização entre gestão metropolitana, sustentabilidade e a sociedade local como, por exemplo, as editadas pelo Instituto da Cidade, Pesquisa e Planejamento Urbano Rural (INCID) – responsável pela análise e monitoramento dos problemas do desenvolvimento urbanístico do município, atuando de maneira conjunta com a Secretaria de Desenvolvimento – das quais se destaca o anteprojeto de zoneamento, parcelamento, uso e ocupação do solo da cidade de São Luís (SÃO LUÍS, 2015), o qual, de acordo com seu artigo 2º, inciso V, objetiva:

“o planejamento territorial do desenvolvimento da Cidade, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre a vida humana e o meio ambiente.” (SÃO LUÍS, 2015)

É salutar, também, destacar ações efetivas por parte da prefeitura, das quais se destaca o corrente “São Luís, Cidade Jardim” que consiste em oito eixos: Jardim da Minha Empresa, Jardim da Minha Escola, Portais da Minha Cidade, Jardim da Minha Casa, Jardim da Minha Rua, Jardim da Minha Praia, Minha Calçada e Minha Árvore, e atua na revitalização de praças públicas e arborização de canteiros centrais de avenidas, com o objetivo de plantar um milhão de árvores. (SÃO LUÍS, 2016)

Concomitante a isso, ainda, é salutar explicitar a disposição dos conceitos de desenvolvimento sustentável e sustentabilidade socioambiental, que notoriamente norteiam os atos de pretensa regulação da Lei Municipal Nº4669, e evidenciam-se nos incisos III e IV, atinentes ao art.2º da carta legal, verbis

Art.2º. Para efeito desta Lei, ficam estabelecidas as seguintes definições:

(…)

III – DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL é o desenvolvimento local equilibrado e que interage tanto no âmbito social e econômico, como no ambiental, embasado nos valores culturais e no fortalecimento político-institucional, orientado à melhoria contínua da qualidade de vida das gerações presentes e futuras;

IV – SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL é entendida como o equilíbrio dos fluxos socioambientais através de um modelo de desenvolvimento economicamente eficiente, ecologicamente prudente e socialmente desejável; (SÃO LUÍS, 2006)

3 A problemática da divergência entre as Leis e a realidade: a distância entre o ser e o dever ser

Na cidade de São Luís, é notório que muitas das áreas destoam, em grande parcela, da ideia de desenvolvimento sustentável, o que expõe a ineficácia do plano diretor quanto à sua efetividade, em dimensão prática. Há evidente parcialidade quanto à manutenção de ambientes socialmente desejáveis e ecologicamente ponderáveis, considerando que as áreas mais nobres contam com cuidados dos quais se podem dizer mais pormenorizados, enquanto setores menos abastados das cidades discrepam dessa lógica, fato esse que frisa não só a iminente desigualdade social, mas, sobretudo, uma desigualdade que leva à ausência de um ambiente de saudável vivência, desembocando na deficiência de um desenvolvimento ecologicamente sustentável em áreas pontuais do município em comento.

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Imagem 1 – Avenida Colares Moreira, no bairro Renascença, em São Luís. Foto: Fernando Cunha, 2015.

Embora tal perspectiva abranja relativa coerência com o conceito de cidade adequada à vivência de pessoas, não se pode esquecer que o panorama apresentado também apresenta determinados fatores que destoam consideravelmente da noção de cidade sustentável. Um deles, de extrema relevância ao meio ambiente, é a ausência de ciclovias. Ora, se um dos grandes meios de afetação do ambiente é a emissão massiva de gases poluentes, é com obviedade que se constata a necessidade do oferecimento de meios alternativos de locomoção e transporte, considerando que

O tráfego de bicicletas (…) utiliza menos recursos e afeta o meio ambiente menos do que qualquer outra forma de transporte. Os usuários fornecem a energia e esta forma de transporte é barata, quase silenciosa e não poluente. (GEHL, 2010, p. 105).

Insere-se novamente a perspectiva da sustentabilidade social. É a partir dela que se retorna à necessidade da atenuação das diferenciações entre as condições que se apresentam para parcelas mais e menos abastadas da sociedade. A noção de sustentabilidade social se alicerça no sentido de que haja um espaço democrático, onde todas as pessoas possam usufruir da mesma estrutura física, enquanto espaço urbano. É compreendendo tais aspectos que se constata sua não ocorrência no cotidiano da cidade de São Luís, na medida em que há espaços que não gozam de desenvolvimento, em sentido amplo, e tampouco da noção de desenvolvimento sustentável.

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Imagem 2 – Rua no bairro Cidade Olímpica, em São Luís. Foto: Marcial Lima, 2015.

Levando em consideração o Plano Diretor de São Luís, base normativa para instituição de uma cidade econômica, ecológica e socialmente desejável, constata-se que o planejamento urbano da cidade em comento demonstra ser conduzido à revelia das condições impostas legalmente. Tal aspecto atinge até mesmo disposições constitucionais, na medida em que

de acordo com a política de desenvolvimento urbano, estabeleceu-se (…) a garantia do bem-estar aos habitantes, determinando aos Municípios a execução desse preceito (FIORILLO, 2013)

Uma vez que se corrobora a efetividade das disposições legais supracitadas anteriormente, em que pese o panorama sustentável deficitário do planejamento urbanístico da cidade de São Luís, é que se põe em debate a existência de medidas que se façam necessárias para dirimir tais lacunas, sob o intento de promover maior bem estar social e ecológico, por meio do ideal de sustentabilidade.

Não obstante a todo o conjunto de normas legais somado a ações governamentais, a cidade de São Luís é um claro exemplo do abismo teórico-prático (MONTEIRO, 2015) inserido no contexto do desenvolvimento sustentável:

“na arena prática, o caminho seguido foi paulatinamente se distanciando daquele que se percorria no campo teórico. Fala-se muito em desenvolvimento sustentável, estampa-se o selo, aduz-se a intenção de alcançá-lo… Porém, as ações concretas, em boa parte, têm sido direcionadas para um caminho exatamente oposto ou, ao menos, não coincidente. Em outras palavras, todo o avançado discurso construído nos últimos anos tem carecido de real e honesta implementação. E a ironia reside justamente no fato de que, quanto mais se avança teoricamente, mais cresce o abismo existente entre a teoria e a prática.” (MONTEIRO, 2015).

A partir de breve constatação empírica é flagrante observar que, gradativamente, o abismo entre as previsões legais e a realidade fática aumenta, uma vez que a realidade dos fatos diverge substancialmente do previsto nos textos legais. É o que se percebe, por exemplo, no que deveria ser um sistema de transporte público condizente às necessidades dos habitantes da Ilha é fonte de desconfortos e iminente risco; na mobilidade urbana restrita a transportes automotores em face a problemas de saneamento básico como esgotos a céu aberto despejando resíduos nas calçadas (quando estas existem); no objetivo distante de ciclovias e bicicletários, como já citado, espalhados pela cidade porque, na verdade, o que existe é a dura sina de ciclistas em avenidas e ruas ludovicenses (muitas vezes com precária pavimentação) e a competição com veículos automotores na falta de espaços adequados – a fim de não ser redundar em injustiças, há ciclovias que, no entanto, são localizadas em zonas nobres da cidade ( como é o caso da construída na Avenida Litorânea) e não atendem minimamente ao propósito de mobilidade urbana uma vez que não possibilitam o deslocamento de uma zona para outra ou mesmo o trajeto até o local de trabalho.

O que se assiste, na realidade, é o inchaço patológico da cidade de São Luís e a marcha predatória em direção ao meio ambiente e seus recursos, além da perda da linha de pensamento sustentável e a hegemonia do pensamento capitalista desenfreado. As medidas que existem de fato são ainda tímidas e muitas delas ainda acontecem de maneira esparsa, além de não proporcionadas pelo governo local, como é o exemplo do Movimento Nossa São Luís, o qual visa reunir vários setores da sociedade civil e do meio empresarial a fim de monitorar a atividade do poder público na área do desenvolvimento urbano e sustentável.

Retornando ao conceito de cidade para pessoas de Jan Gehl surgem as indagações: a quem a cidade de São Luís é destinada? É realmente possível que o modelo urbanístico de São Luís seja apto a satisfazer os direitos mínimos de seus habitantes? E o desenvolvimento sustentável em meio a tudo isso? O modelo atual e representativo do abismo teórico-prático é, sem dúvidas, inapto a atender às condições mínimas condizentes com os direitos fundamentais e, em decorrência lógica disso, de certo, não é para os homens que a cidade é destinada de fato – talvez, a teoria e a deontologia jurídica realmente definam estes como os verdadeiros destinatários, como se pode notar no Plano Diretor e nas propostas de zoneamento de São Luís. Uma hipótese é que seja pensada para atender aos anseios do capitalismo desenfreado e predatório, ou seja, apenas para satisfazer pulsões financeiras e comerciais em detrimento à nuance humanitária dos espaços. Outra hipótese é que nem seja pensada e seja fruto, realmente, de um inchaço patológico, que consiste na expansão dos limites da cidade e na criação de espaços que fogem ao alcance do poder público e se multiplicam desordenadamente sem que haja políticas públicas que sejam capazes de abranger de maneira sustentável tais logradouros.

4 Os limites da (in)sustentabilidade da realidade da cidade de São Luís: a trajetória arriscada próximo ao limiar da capacidade ambiental

Dispondo ainda acerca deste desenvolvimento anômalo da cidade de São Luís, a capital que, de acordo com o IBGE, ocupa 834,735 quilômetros quadrados, população estimada para 2015 de 1.073.837 habitantes e o Produto interno Bruto per capita estimado em 18.017,61 reais. (IBGE, 2016) Observa-se que há expansão, crescimento e alargamento da zona de fato ocupada da cidade que, no entanto, não é acompanhada de políticas públicas efetivas que garantam a sustentabilidade da urbe. O Plano Diretor é bastante completo ao citar propostas para zoneamento e conservação integrada que, em tese, proporcionariam desenvolvimento equilibrado para a cidade; no plano fático, não obstante, o que se presencia é algo bastante discrepante disso e uma das razões é que

“o meio ambiente tornou-se um negócio muito lucrativo. Instituições financeiras, grupos empresariais e até governos internacionais disponibilizam verdadeiras fábulas para a aplicação em projetos ambientais. Interessadas nessa verba, algumas organizações não governamentais de reputação questionável se tornaram fábricas de projetos audaciosos que prometem o fim do desmatamento, a salvação de espécies em extinção, a conservação da água e até a mudança da mentalidade de determinada população através da educação ambiental” (PINEDA, 2008).

A partir disso, surgem as dúvidas: até que ponto pode-se crescer e desenvolver o espaço urbano? Até que ponto essa marcha acelerada e anômala pode manter-se no contexto urbanístico-sustentável contemporâneo?

Em resposta às dúvidas existem duas nuances distintas: ou se procede a uma saída do texto legal em direção a uma marcha pela sustentabilidade, ou seja, se procede a um ponto de virada no raciocínio corrente (MONTEIRO, 2015); ou se permanece da forma irresponsável e anômala que se pensa o espaço urbano, caminhando a largos passos para o ponto máximo que o meio ambiente pode sustentar e, enfim, o colapso ambiental uma vez que

“já estamos usando 50% a mais do que a capacidade de regeneração do planeta. Ou seja, estamos comprovadamente vivendo dentro de um ‘modelo de desenvolvimento autofágico que, ao devorar os recursos finitos do ecossistema planetário, acaba por devorar-se a si mesmo’”. (MONTEIRO, 2015)

A demanda crescente por bens e por espaços não repercute apenas na seara ambiental de maneira estanque, mas sim em um âmbito complexo como, por exemplo, o aumento da poluição atmosférica que agravará situações pré-existentes de saúde pública; a demanda por água potável irá ser potencializada, aumentando, assim, o riscos de conflitos e atritos por tal bem; o aumento do efeito e estufa e o consequente aumento de temperatura de 3°C e 6°C até 2050. (ECODEBATE, 2012)

Então, a partir deste raciocínio – de certo modo, quase radical – a que ponto chegar-se-á antes que os projetos de cunho sustentável e a forma de encarar a cidade como um organismo vivo e dinâmico sejam realmente efetivados? A ficção jurídica de um mundo ideal dentro dos parâmetros atuais não é mais cabível visto que a cidade de São Luís vive uma crise não apenas ambiental, mas sim em todo seu sistema. O fetichismo do dever ser não mais é aplicável. De acordo com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)

“a solução para minimizar o colapso ambiental passa pela implementação da economia verde, para tornar mais sustentáveis a agricultura, a indústria e a matriz energética mundial. Porém, uma economia verde nos padrões predatórios do consumismo global não vai resolver o problema.” (ECODEBATE, 2012).

Depreende-se, então, que as medidas paliativas não resolverão o problema e talvez até o agravarão. As propostas para o futuro residem em uma economia verde e um sistema sustentável de fato, os quais não sejam subordinados às pulsões de mercado e sim comprometidas com o futuro das organizações sociais, políticas e urbanísticas.

Considerações finais

A cidade de São Luís, em muito de seus aspectos, notoriamente destoa da concepção abordada, no destrinchar deste trabalho, de cidade para pessoas. Há, em verdade, manutenção de “ambientes” saudáveis e sustentáveis, e não do meio ambiente, enquanto conjuntura que a expressão conota, o que proporciona a concepção de que há preservação e desenvolvimento apenas em determinada parcela urbana, a despeito de outras áreas, relegadas ao abandono.

É sabido e evidente que há tutela jurídica inerente aos direitos que todos e todas detêm, quanto às garantias de um Estado Democrático de Direito e, estritamente em relação ao âmbito ambiental da conjuntura legal brasileira, quanto à pretensão que se implante, no plano factual, a justiça intrageracional, no sentido de que haja estímulo a prática sustentáveis. Contudo, e em contrapartida ao supracitado, é também notável a inação do Poder Público, que apresenta condutas omissivas no que concerne à preservação ambiental, sobretudo no âmbito do Plano Diretor de um município, a exemplo de São Luís.

Em vista dos enfoques amplamente apresentados, é que se demonstra a imperiosa necessidade de se interpelar criticamente a temática explanada, considerando, sobretudo, o fetichismo jurídico que eleva, exponencialmente, a escala de inação do aparato estatal no cenário contemporâneo brasileiro, incidindo, notoriamente, na escala ambiental e urbanística, estimulando posturas atreladas à inércia, que devem ser combatidas sob uma eficaz e efetiva estruturação de políticas públicas que visem à preservação ambiental, enquanto direito subjetivo assegurado constitucionalmente a todas as pessoas.

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SORRENTINO, Marcos et al. Educação ambiental como política pública.Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 31, n. 2, p.285-299, maio 2005.



[1] Discente do Curso de Direito na Universidade Estadual do Maranhão.

[2] Graduado em Direito pela Universidade Estadual do Maranhão.

Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Abrahão Alexandre Barros de; MONTELES, Gabriel Araújo. A (in)sustentabilidade da dimensão urbanística de São Luís. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-ambiental-artigos/a-insustentabilidade-da-dimensao-urbanistica-de-sao-luis/ Acesso em: 28 mar. 2024