Direito Ambiental

A tutela do meio ambiente através da Ação Civil Pública

Ana Letícia Cordeiro Marques Vieira

Ana Rebeca dos Santos da Silva

Sumário: 1 Conceito e espécies. 2 Previsão Constitucional do Meio Ambiente. 3 Princípios do Meio Ambiente. 4 Dano Ambiental. 5 Ação Civil Pública. 6 Legitimidade Ativa e Passiva da Ação Civil Pública. 7 A Ação Civil Pública Ambiental. 8 Eficácia da Ação Civil Pública na atualidade.

Resumo: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, por essa razão, é necessário que haja um instrumento processual eficaz de tutela ao meio ambiente: a ação civil pública. O presente artigo tem por escopo demonstrar a importância da ação civil pública como meio de proteção ao meio ambiente, bem como abordar conceito e princípios do meio ambiente, analisar sua previsão constitucional, tratar do dano ambiental e sua reparação por meio desta ação judicial, conceituando-a, falando de algumas implicações da ação civil pública ambiental e explanando acerca da sua eficácia na atualidade.

Palavras – Chave: Ação Civil Pública; meio ambiente; dano ambiental; eficácia.

INTRODUÇÃO

O meio ambiente compreende todas as coisas vivas e não-vivas do planeta, constituindo um enorme complexo no qual os seres humanos estão inseridos. Não se demoraria, portanto, a surgir casos jurídicos, litígios, preocupações, controvérsias e ações judiciais envolvendo este bem de uso comum do povo.

Os primeiros casos jurídicos, por sua vez, que trouxeram a temática ambiental surgiram por volta dos anos 1940 a 1960, quando, após os períodos da Revolução Industrial e das duas grandes Guerras Mundiais, a humanidade passou, enfim, a preocupar-se com a proteção do meio ambiente e, consequentemente, com a proteção da qualidade de vida das futuras gerações.

No Brasil, após várias legislações criadas regulando a tutela ao meio ambiente, é promulgada, então, em 24 de julho de 1985, a Lei nº 7.347/85, disciplinando a Ação Civil Pública, instrumento de tutela eficaz ao Meio Ambiente, e também ao consumidor, e a bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

O presente artigo tem por finalidade demonstrar a importância da ação civil pública como meio de proteção ao meio ambiente, bem como abordar conceito e princípios do meio ambiente, analisar sua previsão constitucional, tratar do dano ambiental e sua reparação por meio desta ação judicial, conceituando-a, falando de algumas implicações a ação civil pública ambiental em especial e explanando um pouco da sua eficácia na atualidade por meio de julgados e entendimento de tribunais.

1 Conceito e espécies de Meio Ambiente

De acordo com o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), o “conjunto de condições, leis, influências, e interações de ordem física, química, biológica, social, cultural e urbanística, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”[1] corresponde ao chamado meio ambiente.

É perceptível que ele, comumente, é associado à natureza, englobando a fauna e a flora, porém, essa conotação naturalística é apenas uma das espécies do gênero meio ambiente. Soma-se, assim, ao meio ambiente natural, o meio ambiente artificial, o meio ambiente cultural e o meio ambiente do trabalho.

Há ainda quem considere o patrimônio genético como mais uma espécie de meio ambiente, com base no art. 225, § 1º, II da Constituição Federal, pelo qual incube ao poder público “preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético”.

O meio ambiente natural, ou físico, é aquele composto por recursos naturais, quais sejam: a água, o solo, o ar atmosférico, a fauna e a flora. O meio ambiente artificial, por sua vez, é aquele composto dos espaços construídos pelo homem, espaços urbanos, como praças, avenidas, casas entre outros. Já o meio ambiente cultural é tudo aquilo tombado ou registrado como patrimônio cultural, a exemplo de uma receita de um prato culinário típico de determinada região que tenha sido posto em registro, ou mesmo um prédio histórico, uma dança, ou um bairro. Por fim, o meio ambiente do trabalho é aquele onde são desenvolvidas as atividades humanas laborais, ou seja, o ambiente de trabalho.

2 Previsão constitucional do Meio Ambiente

A Constituição brasileira de 1988 traz em seu bojo dois artigos que tratam da dimensão ambiental: o artigo 170 e o artigo 225, este expressa de modo mais esclarecedor a questão, prevendo em seu caput: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Entende-se, assim, que está constitucionalmente assegurado o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, um direito fundamental – logo, imprescritível, inalienável, irrenunciável, universal, relativo e marcado por historicidade. Além de ser é um direito de terceira dimensão, visto que é “coletivo, transindividual, com aplicabilidade imediata, vez que sua incidência independe de regulamentação”.[2]

O artigo 225 também prevê que o meio ambiente é um bem de uso comum do povo, o que significa dizer que nenhuma pessoa pode ser privada completamente do acesso a ele; o que pode ocorrer são apenas restrições do uso, a exemplo da cobrança pelo uso da água que já é feita em diversas localidades, mesmo sendo ela bem de uso comum.

Cabe salientar, que o bem de uso comum do povo é gerido pelo Poder Público. Neste sentido, Paulo Machado entende que o Poder Público “passa a figurar não como proprietário de bens ambientais – das águas e da fauna – mas como um gestor ou gerente que administra os bens que não são dele e, por isso, deve explicar convincentemente sua gestão.” [3]

A partir das expressões “essencial à sadia qualidade de vida” e “dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, contidas, também, no caput do artigo em comento, remete-se ao conceito de desenvolvimento sustentável adotado pelo Relatório Brundtland de 1987, segundo o qual o desenvolvimento sustentável é “aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem as suas próprias necessidades”.[4]

Conforme preleciona Paulo Machado, adota-se no caput do art. 225 uma visão antropocêntrica, o que é ratificado pelo Princípio I da Declaração do Rio, de 1992: “Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável”. O estimado autor também afirma que já nos parágrafos do artigo 225, equilibra-se esta visão na qual o homem está no centro – antropocentrismo – com a visão biocêntrica, harmonizando, portanto, os seres humanos e a biota.[5]

Ademais, ao longo dos incisos e parágrafos do art. 225 da Constituição Federal, pode-se depreender que eles visam à tutela, tanto pelo Poder Público quanto pela coletividade, do meio ambiente, exigindo que haja a preservação da biodiversidade, a identificação das áreas protegidas, a exigência de estudos e impacto ambiental, a educação ambiental, a responsabilização pelos danos ambientais entre outras implicações pertinentes.

O artigo 170, inciso VI, do mesmo diploma supramencionado, por sua vez, dispõe que: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”.

Conforme disposto neste inciso em especial, a defesa do meio ambiente é princípio da ordem econômica, visto que esta alia o desenvolvimento social e econômico à proteção ambiental. Isso, mais uma vez, remete-se à ideia de desenvolvimento sustentável, o qual busca, justamente, assegurar o desenvolvimento socioeconômico sem deixar de preservar o meio ambiente. Além disso, o artigo em questão também trata da necessidade da indenização ou penalização que deve ocorrer de acordo com o impacto/degradação causados.

3 Princípios do Meio Ambiente

Primeiramente, cumpre ressaltar a importância dos princípios para compreensão da autonomia do Direito Ambiental, bem como para a interpretação do sistema legislativo ambiental de modo coerente, harmônico e proporcional. Nesse sentido, Celso Bandeira de Melo sintetiza de modo esclarecedor a dinâmica de um princípio:

“[…] é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”.[6]

Conforme exposto, essa tarefa de norteamento conferida a um princípio se dá pelo seu caráter de proteção a interesse e direitos considerados de suma relevância para uma sociedade. Dentro do foco em estudo, o Princípio da Supremacia do Interesse Público na Proteção do Meio Ambiente em Relação aos Interesses Privados reflete com primazia a necessidade da prevalência do interesse público frente aos direitos individuais, tendo em vista que, é de conhecimento geral a essencialidade de um meio ambiente equilibrado para existência da vida terrestre e exercício pleno de direitos.

Quando se trata de Interesse Público é imprescindível ressaltar que este é indisponível no que tange à proteção ambiental. Essa ideia de indisponibilidade está atrelada à preocupação com o bem estar das gerações futuras. Neste diapasão, chama-se atenção ao termo “fideicomisso ecológico”, que tem por conceito a existência de um patrimônio universal comum (meio ambiente), o qual precisa ser repassado incessantemente às gerações vindouras. Ademais, é importante notar que, por pertencer por ser pertencente a todos, o meio ambiente é igualmente insuscetível de apropriação, tanto pelo Estado, quanto por particulares.

Outro princípio de profunda relevância é o da intervenção estatal obrigatória na defesa do meio ambiente, o mesmo encontra-se disposto no item 17 da Declaração de Estocolmo de 1972 e no art. 227, caput, da Constituição Federal e é consequência da natureza indisponível do meio ambiente, conforme o supramencionado. Como dever do Estado, a defesa do meio ambiente, bem como a ação dos órgãos e agentes estatais passa a ser, consequentemente, obrigatória. Assim, exigir do Poder Público o exercício efetivo das competências ambientais que lhe foram outorgadas é um direito constitucionalmente assegurado.

Acerca do papel do poder público dispõe ÉDIS MILARÉ (2005, p. 188), ao comentar o artigo 225 da CRFB:

“… Não mais tem o Poder Público uma mera faculdade, mas está atado por verdadeiro dever. Quanto à possibilidade de ação positiva de defesa e preservação, sua atuação transforma-se de discricionária em vinculada. Sai da esfera da conveniência e oportunidade para se ingressar num campo estritamente delimitado, o da imposição, onde só cabe um único e nada mais que único comportamento: defender e proteger o meio ambiente”.[7]

Apesar da obrigatoriedade intervenção do Estado, nada obsta à administração do meio ambiente com a participação efetiva e direta da sociedade. Tal participação é tão primordial que constitui um dos princípios do meio ambiente, qual seja o da Participação Popular na Proteção do Meio Ambiente previsto expressamente no Princípio nº 10 da Declaração do Rio de 92.

Dentre os mecanismos de participação popular na proteção da qualidade ambiental, destacam-se a iniciativa popular nos procedimentos legislativos; a participação na formulação e na execução de políticas ambientais; e a utilização de instrumentos processuais que permitem a obtenção da prestação jurisdicional na área ambiental, em especial, a Ação Publica Civil Ambiental, a qual será analisada em momento oportuno.

Dentro da ideia central de que a proteção ambiental não é um movimento isolado devendo estar inserida em todas as esferas de desenvolvimento global, surge o Princípio da Garantia do Desenvolvimento Econômico e Social Ecologicamente Sustentado. Tal princípio equipara a defesa ambiental a outros aspectos de desenvolvimento econômico e social. Neste ínterim, cumpre destacar o conceito tríade de desenvolvimento sustentável, o qual interliga desenvolvimento econômico; desenvolvimento social (ou inclusão social) e preservação ambiental.

É de conhecimento público que recorridas vezes atos lesivos ao meio ambiente não tem recebido a devida punição em decorrência de uma tolerância por parte da Administração. Todavia, a Responsabilização das Condutas e Atividades Lesivas ao Meio Ambiente é um princípio que rege o direito ambiental e deve ser amplamente reconhecido nas esferas civil, penal e administrativa, a depender do caso.

Além dos princípios supramencionados, existem outros que merecem ser citados, quais sejam: o Princípio da Função Social e Ambiental da Propriedade – o proprietário deve observar a coletividade no exercício de seu direito de propriedade; o Princípio da Avaliação Prévia dos Impactos Ambientais das Atividades de Qualquer Natureza – o meio ambiente deve ser levado em consideração antes da realização de atividades que possam ter impacto ambiental; o Princípio da Prevenção de Danos e Degradações Ambientais – agressões ao meio ambiente são, no geral, de difícil ou impossível reparação.

4 Dano Ambiental

Álvaro Luiz Valery Mirra, em sua obra “Ação Civil Pública e reparação do dano ao meio ambiente”, traz o conceito de dano ambiental como ofensa ao bem maior indisponível, nas palavras do autor dano ambiental é:

“[…] toda degradação do meio ambiente, incluindo os aspectos naturais, culturais e artificiais que permitem e condicionam a vida, visto como bem unitário imaterial coletivo e indivisível, e dos bens ambientais e seus elementos corpóreos e incorpóreos que o compõem, caracterizadora da violação do direito difuso fundamental de todos à sadia qualidade de vida em um ambiente são e ecologicamente equilibrado” [8]

Isto posto, é possível ressaltar a amplitude do termo dano ambiental, já que este acaba por afetar todo um conjunto de relações e interdependências que possibilitam a vida. Para o renomado autor Édis Milaré, dano ambiental é “a lesão aos recursos ambientais, com a consequente degradação-alteração adversa ou – in pejus – do equilíbrio ecológico e da qualidade ambiental”.[9]

Apesar do caráter coletivo das consequências da degradação ambiental, pode-se falar, eventualmente, em dano ricochete e compreensão de interesses pessoais. Dessa forma, os responsáveis possuirão um dever de reparação frente ao prejuízo sofrido – patrimonial, bem como ao meio ambiente e a terceiros – extra patrimonial.

Tratando especificamente de cada uma das possibilidades, constata-se que dano ambiental individual é aquele experimentado pelo particular, em decorrência de um dano reflexo, fruto da atividade danosa do poluidor que, não se excluirá o claro dano ao meio ambiente, que tem por consequência um cunho coletivo. Mas, nesse caso em especial, a conduta causa lesão a terceiros.

“A pessoa vitimada pelo dano ambiental reflexo pode buscar a reparação do dano por intermédio de uma ação indenizatória de cunho individual, com fundamento nas disposições do direito de vizinhança”. Assim, tendo em vista que a reparação de danos causados ao meio ambiente é abarcada pela responsabilidade objetiva a mesma se estenderá ao dano ambiental ricochete. [10]

No que tange às modalidades de reparação ao dano ecológico, há duas modalidades que merecem especial destaque: a imposição ao poluidor e ao predador e a obrigação de recuperar e ou indenizar os danos causados. Segundo Milaré, existe uma modalidade ideal de reparação, sendo esta efetivada de forma preferencial ainda que mais onerosa, que é restauração natural do bem agredido, ou seja, ocorre a cessação da atividade lesiva e repõe-se a situação ao estado anterior, ou adota-se uma medida compensatória equivalente ao dano.[11]

Quanto à segunda modalidade, a reparação por intermédio de indenização se aplicará de modo subsidiário quando se chegar à infeliz constatação de que a restauração in natura não é mais viável, tanto por inviabilidade técnica ou fática. Por tal motivo, esta modalidade de reparação é considerada uma forma indireta de reparação do dano ao meio ambiente equilibrado.

5 Ação Civil Pública

Com o surgimento de uma nova realidade social e jurídica e afastamento do caráter eminentemente individualista das tutelas jurisdicionais, nasce a Ação Civil Pública (ACP) como um instrumento processual direcionado à defesa de interesses difusos e metaindividuais. Tal instrumento é conferido ao Ministério Público para a realização do controle popular sobre os atos dos poderes públicos, em suma busca-se tanto a reparação do dano quanto a sanção correspondente.

Lato sensu, a ação civil pública é adequada para impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e por infrações de ordem econômica, por tal motivo é acertado afirmar que a ação em análise tutela direitos difusos. Nesse diapasão, afirma Édis Milaré: “não é direito subjetivo, mas direito atribuído a órgãos públicos e privados para a tutela de interesses não individuais stricto sensu”[12]

Conforme dito, pode-se chegar à conclusão de que o amparo da ação civil pública concerne não exclusivamente a um indivíduo, mas a toda a coletividade, na tutela de interesses meta ou transindividuais, os quais desdobram-se em direitos difusos e coletivos.

A Ação Civil Pública, assim como a Ação Popular e o Mandado de Segurança são instrumentos especiais modernos que visam romper o “engessamento” de técnicas clássicas pertinentes ao processo civil. A Ação Civil Pública, por sua vez, é um remédio especial que possui peculiaridades sendo ágil e admitindo legitimidade extraordinária e substituição processual, além da produção dos efeitos da coisa julgada erga omnes (para todos).

É interessante apontar que, apesar dos efeitos da sentença de uma Ação Civil Pública possuírem efeitos erga omnes, esta não pode ser utilizada para declarar uma lei inconstitucional, por mais que a lei seja a causa da mácula do direito requerido. A explicação é simples: desta forma estar-se-ia diante de uma espécie de controle de constitucionalidade.

Quanto ao rol taxativo do campo de atuação da ACP, este garante maior segurança jurídica. O projeto inicial abarcava todos os direitos difusos e coletivos, porém, com o veto presidencial sob o fundamento de não haver posicionamento doutrinário e jurisprudencial nesse sentido, tornou forçoso a criação do rol hoje previsto legalmente.

No que tange ao objeto da Ação Civil Pública, é necessário transcrever o 3º da Lei 7.347/85: “A ação civil terá por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”. Isto posto, pode-se concluir que o pedido imediato (indica a natureza da providência solicitada) terá natureza condenatória, já que pela natureza dos interesses protegidos extrai-se a necessidade de paralisação da atividade ou a recuperação do bem ou interesse. No caso da tutela ambiental, toma-se como exemplo evitar que determinada espécie animal seja extinta.

Quando o direito não possui mais possibilidade de reparação somente resta a indenização, no que se refere a tal procedimento critica Hely Lopes Meirelles

“a imposição judicial de fazer ou não fazer é mais racional  que a condenação pecuniária, porque na maioria dos casos o interesse público é o de obstar a agressão ao meio ambiente ou obter a reparação direta e em espécie do dano do que de receber qualquer quantia em dinheiro para a sua recomposição, mesmo porque quase sempre a consumação da lesão ambiental é irreparável, como ocorre com o desmatamento de uma floresta natural, na destruição de um bem histórico, artístico ou paisagístico, assim como no envenenamento de um manancial com a mortandade da fauna aquática”.[13]

Para propositura de uma ação, em geral, é imprescindível o interesse de agir. Quando se trata de Ações Coletivas, este interesse necessita de demonstração social, provocação. Nesse diapasão, tem entendido o Supremo Tribunal Federal que o Ministério Público, sendo representante da sociedade e com a finalidade defender os interesses de pessoas (direitos individuais homogêneos), deverá, pelo menos, demonstrar o interesse destas na prestação jurisdicional.

6 Legitimidade ativa e passiva da Ação Civil Pública

A legitimidade ativa para ingressar com uma Ação Civil Pública está prevista no art. 5º da Lei nº 7.347/85 e também no art. 82 do Código de Defesa do Consumidor, no qual há um rol mais amplo, visto que contem determinados entes despossuídos de personalidade jurídica.

Os legitimados para agir são, portanto: o Ministério Público; a Defensoria Pública; a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista e órgãos da Administração Pública, ainda que sem personalidade jurídica; a associação que, concomitantemente esteja constituída há pelo menos um ano nos termos da lei civil e inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

A Legitimidade é, pois: concorrente, por ser atribuída a mais de uma pessoa; disjuntiva, visto que os legitimados podem ingressar com a ação juntos ou separadamente, o que torna o litisconsórcio facultativo; exclusiva, pois somente o substituto pode fazer parte da lide; e coletiva, por agir em defesa da coletividade.

No que tange à legitimidade passiva, também chamada de parte ré, aquela a quem o autor atribui o dever de satisfazer sua pretensão, a Lei da Ação Civil Pública não traz um rol nomeando quem pode ser réu nesta ação, nem taxativamente nem de forma exemplificada. Isso ocorre devido não haver restrição, ou seja, podem figurar como sujeitos passivos quaisquer pessoas que venham a ofender àquilo que é tutelado por este instrumento processual, ou seja, o infrator.

7 A Ação Civil Pública Ambiental

Ante a insuficiência dos meios tradicionais de ação para se tutelar um direito difuso, como o é o direito ao meio ambiente, criou-se o instituto da Ação Civil Pública. Essa insuficiência permeava desde a legitimidade para agir das ações convencionais do processo civil, visto que o Ministério Público era o único legitimado quando se tratava de ações de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, até os efeitos da sentença bem como a autoridade de coisa julgada, visto que estes sempre permaneceram inter partes, nem prejudicando nem beneficiando terceiros, conforme o artigo 472, do Código de Processo Civil.

Daí depreende-se a tamanha relevância desse instituto processual na tutela dos interesses difusos, especificamente, relativos aos danos causados ao meio ambiente, visto que estes afetam um número indeterminado de pessoas, ou seja, são danos de grandes dimensões. Além disso, é de grande importância que se tenha um instrumento que garanta a reparação do dano causado, a indenização devida, a punição e também, quando possível, a recuperação do que foi degradado.

A resposta à essa necessidade de tutela do meio ambiente no Brasil, de acordo com Álvaro Luiz Valery Mirra:

“[…] deu-se de forma progressiva e acompanhou, de certo modo, a própria evolução da concepção de proteção do meio ambiente no curso dos anos. Inicialmente surgiram normas destinadas à tutela de elementos isolados da natureza, como o Código Florestal, a Lei de Proteção à Fauna, o Código de Águas, o Código de Pesca. Em seguida, dentro de uma visão mais ampla e moderna, foram editadas as legislações de controle e combate à poluição da água, do ar e do solo e as relativas a parques e a áreas naturais protegidas, mais preocupadas com a preservação de ecossistemas. E, finalmente, no último estágio dessa evolução, vieram os diplomas relacionados com o meio ambiente globalmente considerado, entendido […] como conjunto de relações, interações e interdependências que se estabelecem entre todos os seres vivos […] e entre eles e o meio físico em que vivem, abrangente, também, dos bens e valores culturais.” [14]

Assim, tendo sido consagrada como fundamental a preservação da qualidade ambiental, veio, então, a denominada ação civil pública a fim de garantir o acesso à Justiça com a finalidade de proteger o meio ambiente como bem ou patrimônio pertencente à coletividade, cuja agressão, segundo o mencionado autor “engendra litígios de dimensão coletiva e difusa, de difícil composição pela utilização dos instrumentos processuais clássicos, tradicionalmente a serviço da resolução de conflitos interindividuais”. [15]

A ação civil pública ambiental é regulada pela lei 7.347/85. Os legitimados ativos para ingressar em juízo são: as associações civis, que tenham como finalidade registrada em estatuto a defesa do meio ambiente, através de ações coletivas; assim também os sindicatos; o Ministério Público, por ter como como função institucional prevista no art. 129, inciso III, da Constituição “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”; e, finalmente, os órgãos oficiais que objetivam a preservação do meio ambiente.

A legitimidade passiva, por sua vez, é qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, desde que seja responsável pelo dano ambiental ensejador da ação. Cabe observar, contudo, que a responsabilidade por danos ambientais sempre é objetiva, ou seja, independe de aferição de culpa.

8 Eficácia da Ação Civil Pública na Atualidade

Não se pode mencionar eficácia da Ação Civil Pública sem aludir à modificação do art. 16 da LACP (Lei 7.347/85) que atualmente dispõe que: “Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator; exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.”. Anteriormente, inexistia qualquer barreira que limitasse os efeitos da sentença, valendo para todos que estivessem em situação jurídica igual.

Reformado, o artigo supracitado está em consonância com o entendimento jurisprudencial que, de modo geral, reconheceu a validade da restrição territorial e, portanto, passou a limitar-se a aplicação do artigo nas balizas definidas na leia. A titulo de exemplo, segue a seguinte decisão proferida no Tribunal de Justiça de São Paulo:

Agravo de instrumento – Liquidação de sentença proferida em ação civil pública – Sentença proferida pela 12a Vara Cível do Distrito Federal/DF – Ação de liquidação ajuizada na Comarca de Itápolis – Competência do órgão prolator – Tema pacificado na Corte Especial do STJ no sentido de que a sentença prolatada em ação civil pública faz coisa julgada ‘erga omnes’ apenas dentro dos limites de competência territorial do órgão prolator, com base no art. 16 da Lei 7.347/85, alterado pela Lei 9.494/97. Preliminar de incompetência acolhida. Sentença anulada. Recurso provido, com determinação de remessa dos autos à 12a Vara Cível do Distrito Federal.”[16]

Nada obstante, na doutrina tal decisão não encontrou solo fértil. Insta transcrever as críticas do autor Francisco Antonio de Oliveira acerca da alteração realizada no artigo 16 da Lei nº 7.347/85:

“[…] um retrocesso inominável, uma vez que se pretende dar à ação civil pública o mesmo tratamento que é dado à defesa dos direitos individuais. É evidente que os interesses transindividuais não poderão ter seus efeitos circunscritos à base territorial, sob pena de neutralizar os feitos da ação civil pública, visto que, v.g., num derramamento de petróleo em Santos, com o espraiamento dos danos por todo o litoral, a ação deveria ser proposta em cada comarca, o que é um absurdo, com a possibilidade de sentenças diversas sobre o mesmo tema.” [17]

Cumpre elucidar que o critério territorial da competência delimita o exercício da jurisdição, definindo o Juízo competente para certa ação, mas não se estende os efeitos ou limites da coisa julgada.

Ademais, o termo “eficácia” também perpassa por um critério social. José Afonso da Silva, ao posicionar-se acerca da aplicabilidade das normas constitucionais, afirma que “a eficácia social designa uma efetiva conduta acorde com a prevista pela norma; refere-se ao fato de que a norma é realmente obedecida e aplicada”.[18]

No que tange à efetiva conduta aplicada ao caso concreto, mais especificamente em favor do meio ambiente ainda há um longo caminho a ser percorrido, recorrentes tem sido os casos em que juízes optam pela declaração de improcedência da ação, deixando reputar insuficientes as provas produzidas pelas partes, deixando o meio ambiente na escassez de uma tutela jurisdicional.

CONCLUSÃO

Em decorrência dos diversos debates envolvendo meio ambiente e sua imprescindibilidade para a sobrevivência terrestre surgiu a necessidade de um desenvolvimento ecologicamente equilibrado e sustentável. Tal fenômeno desencadeou na necessidade da criação de mecanismos pra exercer a tutela dos direitos ambientais (de caráter difuso). Nesse contexto, emerge a Ação Civil Pública como forma de adaptação às novas pretensões do direito material.

Constata-se ainda que entender cada elemento de uma Ação Pública Ambiental é de suma importância para a compreensão geral e específica de tal instituto. Percorreu-se desde os conceitos primordiais de meio ambiente, dano ecológico e ações coletivas até desembocar em análise jurisprudenciais e doutrinárias da Ação Civil Pública proposta em face de danos ambientais.

A importância e conquista da Ação Civil Pública é de sobremodo significativa tornando possível tanto um direito – meio ambiente equilibrado; quanto um dever – do cidadão, da sociedade ou do próprio Estado. Tendo em vista que muitos danos possuem nexo com o poder econômico e político muitas ações não chegam a obter êxito. Nada obstante, salienta-se o caráter transformador da referida ação, posto que esta proporciona uma conscientização acerca da preservação tanto para geração atual quanto para as futuras.

Há menções no decorrer do presente artigo aos dispositivos legais que tutelam direitos ambientais, tais dispositivos representam a luta pela superação de um modelo individualista intrínseco na sociedade brasileira e abrem o leque de proteção aos direitos de cunho coletivo e difuso.

O poder Judiciário tem-se tornado um refugio para a responsabilização civil em matéria ambiental, quando o Poder Público ou até mesmo o particular falham no seu dever de guarda do meio ambiente. Meio ambiente esse que garante a sobrevivência da espécie humana, restando sem sombra dúvidas caracterizado o interesse comum.

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DE OLIVEIRA, Francisco Antonio.Da ação civil pública: instrumento de cidadania – Inconstitucionalidade da Lei 9.494, de 10.09.1996. Revista LTr, volume 61, nº 7. São Paulo: LTr, julho de 1997;



[1] RESOLUÇÃO CONAMA nº 306, de 5 de julho de 2002 Publicada no DOU no 138, de 19 de julho de 2002, Seção 1, páginas 75-76

[2] AMADO, Frederico. Direito Ambiental Esquematizado. São Paulo: Método, 2012, p. 50.

[3] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 137

[4] Nosso Futuro Comum. Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. 2 ed. Rio De Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/12906958/Relatorio-Brundtland-Nosso-Futuro-Comum-EmPortugues>

 [5] MACHADO. Op. Cit, p. 127.

[6] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p .451.

[7] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 05 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P.188.

[8] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e a reparação do dano ao meio ambiente. 2ª ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004, p. 89

[9] MILARÉ,Op. Cit. p. 427, 428.

[10] Idem, p. 814.

[11] MILARÉ, Op. Cit. p. 817.

[12] Idem, p. 241

[13] MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, ‘habeas data’ . 16ª ed.,São Paulo: Malheiros, 1995, p. 129,130.

[14] MIRRA, Op. Cit. p. 124.

[15] Idem

[16] TJ/SP – AI 0546440-51.2010.8.26.0000 – Rel. Des. Francisco Giaquinto – 20ª Câm. Dir. Privado – j. 14/02/11

[17] DE OLIVEIRA, Francisco Antonio.Da ação civil pública: instrumento de cidadania – Inconstitucionalidade da Lei 9.494, de 10.09.1996. São Paulo: 1997. p. 895

[18] SILVA. José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1998, p.65.

Como citar e referenciar este artigo:
VIEIRA, Ana Letícia Cordeiro Marques; SILVA, Ana Rebeca dos Santos da. A tutela do meio ambiente através da Ação Civil Pública. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-ambiental-artigos/a-tutela-do-meio-ambiente-atraves-da-acao-civil-publica/ Acesso em: 19 abr. 2024