Direito Ambiental

Breves considerações sobre a poluição sonora

Sabe-se que a sociedade hodierna carrega características predominantemente urbanas. No ano de 1940, conforme estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a população urbana brasileira representava 31,3% dos brasileiros; em 2010, ultrapassou 84%.

Esses novos tempos, vividos em territórios centralizados, aglomerados, resultaram em novos ambientes, originaram novas soluções e, infelizmente, também, lançaram à sociedade novos problemas. 

Neste contexto, ao mesmo tempo em que da urbanização derivou o progresso econômico e, por conseguinte, o aumento da qualidade de vida, também mereceu a atenção da população e do legislador brasileiro uma nova modalidade de poluição, típica do meio urbano, qual seja, aquela que perturba e deprecia a audição.

Os ruídos excessivos em áreas urbanas encontram manifesta repulsa social, haja vista perturbarem o conforto e a saúde dos habitantes. Muito por isso, é cada vez mais recorrente a abertura de inquéritos civis públicos, em decorrência de representações populares ao Ministério Público – inúmeras vezes manifestadas em extensos abaixo-assinados -, que visam a averiguar ocorrências de poluição sonora.

Esta modalidade de poluição é classificada como crime pela Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), amoldando-se à hipótese do artigo 54, cuja tipificação inclui a produção de poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana.

Se por um lado a tipificação criminal tem por objetivo assegurar o sossego da comunidade, por outro, o exercício intolerante deste direito pode dificultar, ou até mesmo inibir, atividades econômicas legítimas, como aquelas pertencentes à zona industrial ou aos serviços de entretenimento. Daí resulta tamanha importância de se descobrir uma solução que dê alento às atividades econômicas e, ao mesmo tempo, assegure aos cidadãos um ambiente confortável para se viver.

Esta é a importância de se estabelecerem padrões adequados de ruídos conforme a localização geográfica do agente sonoro, em conciliação de interesses. Foi essa a solução albergada pelo ordenamento brasileiro.

É sabido que o poder de polícia, inerente às atividades da administração pública, autoriza que se embarguem as atividades do particular que estiver em desacordo com os limites estabelecidos. Todavia, diante destas circunstâncias, deve ser estimulada a cautela administrativa, pois os danos causados por uma suspensão precipitada das atividades de uma sociedade empresarial podem ser irreparáveis e, assim, injustos, desproporcionais.

Ressalte-se que uma vez em posse do devido licenciamento para as suas atividades, a reprimenda administrativa deve observar sempre o prévio processo administrativo, respeitando-se o contraditório e, preferencialmente, a conciliação de interesses, para que seja oportunizada a adaptação à legislação por parte do agente sonoro.

Vale ressaltar que, em respeito ao Estado de Direito, seja na esfera administrativa ou judicial, a violação ao limite de conforto acústico deve ser demonstrada por laudo técnico, não bastando o mero depoimento ou testemunho. Além disso, o laudo técnico deve seguir os parâmetros da normativa NBR-10.151, estabelecida pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), que trata dos limites e da avaliação de ruídos em áreas habitadas – inclusive no âmbito rural.

Somente a partir de indícios técnicos desta violação é que se permite presumir o dano à saúde humana e, portanto, a necessidade de se suspender a sonorização. Antes disso, somente em casos excepcionais, em flagrante e unívoco desrespeito legal, é que o agente sonoro pode ser embaraçado.

Em muitas ocasiões a harmonia de interesses é alcançada por meio de ajustamento da conduta, formalizado perante o Ministério Público e materializado pela instalação de isolamento acústico. A despeito disso, alerte-se que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina aplica o entendimento, apoiado em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual o firmamento do Termo de Ajuste de Conduta não tem o condão de afastar a instauração de ação penal. 

De mais a mais, revestir-se de um espírito conciliador aparenta ser uma maneira bastante adequada para se enfrentar este moderno problema urbano. Para tanto, por fim, em vista de assegurar o interesse público, sublinhe-se a importância de se oportunizar, àquele agente que desrespeita ou desrespeitou os limites sonoros, em detrimento à suspensão das suas atividades, a sua adequação.

 

Gustavo Henrique Carvalho Schiefler

Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, onde desenvolveu pesquisa na área de Direito Administrativo. Bacharel em Direito pela UFSC. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Direito Administrativo Democrático da Universidade de São Paulo – NEPAD/USP. Secretário-adjunto da Comissão de Licitações e Contratos da OAB/SC. Professor de cursos de capacitação em licitação pública e contrato administrativo. Consultor em sistemas de Direito e Tecnologia. Autor de artigos científicos publicados em revistas especializadas.

Como citar e referenciar este artigo:
SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Breves considerações sobre a poluição sonora. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2013. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-ambiental-artigos/breves-consideracoes-sobre-a-poluicao-sonora/ Acesso em: 28 mar. 2024