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STF – RE – 226.835-6 – RS

Supremo Tribunal Federal

Coordenadoria de Analise de Jurisprudência

D.J. 10.03.2000

EMENTÁRIO N° 1 9 8 2 – 3

14/12/1999                                                                                PRIMEIRA TURMA

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO  N. 226.835-6  RIO GRANDE DO SUL

 

 RELATOR: MIN. ILMAR GALVÃO

RECORRENTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ADVOGADOS: PGE-RS – CARLOS HENRIQUE KAIPPER E OUTROS

RECORRIDA: ROSEMARI PEREIRA DIAS

ADVOGADOS: ÁLVARO OTÁVIO RIBEIRO DA SILVA E OUTROS

EMENTA: DIREITO À SAÚDE. ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE PERMITIU A INTERNAÇÃO HOSPITALAR NA MODALIDADE “DIFERENÇA DE CLASSE”, EM RAZÃO DAS CONDIÇÕES PESSOAIS DO DOENTE, QUE NECESSITAVA DE QUARTO PRIVATIVO. PAGAMENTO POR ELE DA DIFERENÇA DE CUSTO DOS SERVIÇOS. RESOLUÇÃO N° 283/91 DO EXTINTO INAMPS.

O art. 196 da Constituição Federal estabelece como dever do Estado a prestação de assistência à saúde e garante o acesso universal e igualitário do cidadão aos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação.

O direito à saúde, como está assegurado na Carta, não deve sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas, no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele. O acórdão recorrido, ao afastar a limitação da citada Resolução n° 283/91 do INAMPS, que veda a complementariedade a qualquer titulo, atentou para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, o de assistência à saúde. Refoge ao âmbito do apelo excepcional o exame da legalidade da citada resolução.

Inocorrência de quebra da isonomia: não se estabeleceu tratamento desigual entre pessoas numa mesma situação, mas apenas facultou-se atendimento diferenciado em situação diferenciada, sem ampliar direito previsto na Carta e sem nenhum ônus extra para o sistema público.

Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em não conhecer do recurso extraordinário.

Brasília, 14 de dezembro de 1999.

SYDNEY SANCHES – PRESIDENTE

ILMAR GALVÃO – RELATOR

 

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – (Relator): Trata-se de mandado de segurança impetrado pela recorrida com vistas a ver garantido o direito de internação hospitalar na modalidade diferença de classe, visto que acometida de leucemia mielóide aguda necessita de isolamento protetor em quarto privativo, com o pagamento da diferença dos custos dos serviços que o SUS não tutela.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul concedeu a segurança, podendo-se destacar da ementa do acórdão (fl. 61):

“ADMINISTRATIVO. SUS. O cidadão tem direito à saúde por normas constitucionais e infraconstitucionais entendendo-se como tal o dever do Estado de preservar condições de higiene e de prestar assistência médica hospitalar. O “tratamento diferenciado” não lesa as normas legais e não importa em transgressão. Na medida em que o SUS visa à descentralização, os atos de autoridade estadual são sujeitos à Justiça Estadual. MS conhecido e concedido.”

Donde o presente recurso extraordinário, com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, em que o recorrente alega haverem sido violados os arts. 109, incs. I e VIII; 5o, caput, e inc. I; 194, caput, parágrafo único, inc. I; 195, § 5o; e 196, todos da Carta Federal.

Defende a competência da Justiça Federal para julgar a demanda, tendo em vista que o ato contra o qual a recorrida se insurgiu   foi a Resolução n° 283/91 do extinto INAMPS, que proíbe a internação com diferença de classe, não dispondo a autoridade estadual de legitimidade passiva.

Afirma que, ao se permitir internação com diferença de classe, o aresto criou distinção inconstitucional ao acesso à universalidade da seguridade social e das ações objetivando a cobertura e o atendimento necessários à promoção, proteção e recuperação da saúde e criou um beneficio novo sem a correspondente fonte de custeio.

O recurso foi admitido pelo despacho de fls. 113/116.

O especial foi desprovido pelo Superior Tribunal de Justiça.

Manifestando-se nos autos a Procuradoria-Geral da República, em parecer do Dr. João Batista de Almeida, opinou pelo não-conhecimento.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – (Relator): Registre-se, preliminarmente, que as questões constitucionais alusivas aos arts. 194, caput, parágrafo único, I; e 195, § 5o, da Constituição, não foram objeto de debate no acórdão recorrido, contra o qual não se opôs embargos declaratórios, fazendo incidir, no caso, o óbice das Súmulas 282 e 356.

Quanto à alegada incompetência da Justiça Estadual para julgar o mandado de segurança, por insurgir-se, efetivamente, contra a Resolução n° 283/91, emanada do extinto INAMPS, reproduzo a manifestação da douta Procuradoria-Geral da República (fls. 139/140):

“Por outro lado, acrescente-se, a latere, no que se refere à alegação de litisconsórcio passivo necessário da União Federal, a ensejar a incompetência absoluta na justiça estadual, que inexiste na hipótese repercussão direta na esfera federal dos efeitos do decisum hostilizado a manifestar interesse da União na qualidade de autora, ré, assistente ou opoente (art. 109, I, da CF/88). Ou seja, não há unitariedade da relação de direito material litigiosa, visto que a direção do SUS é única e descentralizada em cada esfera de governo (art. 198, I, da CF/88), cabendo tal mister, no âmbito dos Estados, às respectivas Secretarias de Saúde ou órgão equivalente.

Deste modo, in casu, à vista desta descentralização, é o recorrente o único obrigado direto, inobstante a edição da Resolução n° 283/91 emanar do extinto INAMPS, autarquia federal, e o financiamento do sistema único advir de recursos de todas as esferas governamentais.

Em idêntico sentido já decidiu essa Suprema Corte, in verbis:

“Litisconsórcio necessário – Improcedência da pretensão.

Inexiste litisconsórcio passivo necessário quando a decisão da causa não acarrete obrigação direta para o terceiro chamado à lide.

Recurso extraordinário conhecido e provido.”

(RE n ° 85.774 – MG, Relator Exmo Sr. Min. Cunha Peixoto, RTJ 84/267)

“O órgão de que emana a norma jurídica não é litisconsorte necessário da autoridade que é tida como coatora em virtude da aplicação dessa norma.”

(RE n° 98.807-SC, Relator Exmo. Sr. Min. Moreira Alves, RTJ 107/822).

Assim, é de afastar-se a alegada competência da Justiça Federal.

A Constituição Federal, em seu art. 196, revela que:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Como se verifica, a regra estabelece como dever do Estado a prestação de assistência à saúde e garante o acesso universal e igualitário do cidadão aos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação.

Com base no princípio da universalidade da saúde e no da igualdade, previsto no caput do art. 5º da Carta Magna, é que o recorrente afirma ser vedada qualquer atitude que vise a estabelecer tratamento diferenciado e privilegiado entre pessoas que acorrerem ao SUS, como aconteceu no caso, em que se permitiu tratamento diferenciado nos serviços assistenciais a quem se dispôs a remunerá-los.

O direito à saúde, como está assegurado na Constituição, não deve sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas, no sentido de reduzir, em si, o direito ou de dificultar o acesso a ele. O acórdão recorrido, ao afastar a limitação da citada Resolução nº 283/91  do INAMPS, que veda a complementariedade a qualquer título, atentou-se para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, o de assistência à saúde.

Nem há que se falar que a decisão quebrou a isonomia, pois não se estabeleceu tratamento desigual entre pessoas numa mesma situação, mas apenas se facultou atendimento diferenciado em situação diferenciada, sem ampliar o direito assegurado na Carta, pois nenhum ônus extra foi imposto para o sistema público.

A questão, pelo visto, foge ao âmbito do recurso extraordinário, pois pressupõe o exame da legislação infraconstitucional.

No caso, isso já foi feito na instância do recurso especial, que improveu o apelo nos termos da ementa seguinte (fl. 133):

“Administrativo. Serviço Único de Saúde – SUS. Internação e Tratamento Diferenciados. Constituição Federal, Artigos 6º e 196. Lei 8080/90. Resolução n° 283/91. INAMPS.

1. Estatuído o direito à saúde, elencado como dever do Estado, devem ser abertas e não fechadas ou entreabertas as veredas para o exercício desse direito e cumprimento de expressa obrigação estatal.

2. No internamento e tratamento “diferenciados” o SUS não é onerado com outras despesas, senão aquelas que são da sua responsabilidade (internação simples), certo que as diferenças são arcadas pelo segurado. Impor- se a generalidade de situações configura lesão à ordem natural e cerceia o exercício de direito ao melhor tratamento à saúde, conforme o provimento financeiro do interessado.

3. Precedentes jurisprudenciais.

4. Recurso improvido.”

Ademais, como bem ressaltou o parecer da Procuradoria-Geral da República:

“De qualquer modo, o que a Resolução n° 283/91 (fl. 14) veda. é o complemento em relação ao tipo de internação nela prevista, visando coibir abusos dos conveniados, não quanto à acomodação em classe superior.

Assim, não se está ofendendo o tratamento igualitário e a  universalidade, pois os leitos – em enfermaria – são a todos oferecidos em igualdade de condições, sendo que a diferença de classe não é propiciada pelo Estado, e sim uma opção do paciente. Este, face à gravidade da doença, dispõe-se (ou se vê obrigado diante do contexto) a assumir a diferença entre o serviço básico e a aludida acomodação superior, sem prejuízo para o sistema público e em seu evidente beneficio.

Na verdade, sendo a saúde direito de todos e dever do Estado, todo procedimento conducente a um melhor atendimento do ser humano deveria ser por ele prestigiado, e não o contrário, pois, se ao mesmo Estado cabe efetivar tais garantias, revela-se no mínimo descabido compelir o paciente ou a um atendimento de menor qualidade, ou a arcar com a integral idade dos custos de internação, quando meios há para que tal não ocorra.”

Ante o exposto, por não vislumbrar afronta à Carta da República, meu voto não conhece do recurso extraordinário.

 

PRIMEIRA TURMA

EXTRATO DE ATA

RECURSO EXTRAORDINARIO N. 226.835-6

PROCED.: RIO GRANDE DO SUL

RELATOR: MIN. ILMAR GALVÃO

RECTE.: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ADVDOS.: PGE – RS – CARLOS HENRIQUE KAIPPER E OUTROS

RECDA.: ROSEMARI PEREIRA DIAS

ADVDOS.: ÁLVARO OTÁVIO RIBEIRO DA SILVA E OUTROS

 

Decisão: A Turma não conheceu do recurso extraordinário. Unânime. Presidiu o julgamento o Ministro Sydney Sanches na ausência, ocasional, do Ministro Moreira Alves. 1ª Turma, 14.12.99.

Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Octavio Gallotti Sepúlveda Pertence e Ilmar Galvão.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Natal Batista.

Ricardo Dias Duarte

Coordenador

Como citar e referenciar este artigo:
STF,. STF – RE – 226.835-6 – RS. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2014. Disponível em: https://investidura.com.br/jurisprudencias/stf/stf-re-226835-6-rs/ Acesso em: 28 mar. 2024
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