Direito Constitucional

Mandado de injunção: A decisão e os seus efeitos

Thomás Luz Raimundo Brito[1]

1. Introdução

O Mandado de Injunção está previsto no art. 5º, LXXI, da Constituição Federal, o qual dispõe: “Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.

A decisão e os efeitos do Mandado de Injunção consistem em tema inspirador de grande divergência doutrinária e jurisprudencial. O notável dissenso dá-se, pois, o writ em comento é novel no ordenamento jurídico pátrio e não encontra identidade em instrumentos previstos na legislação estrangeira. Barroso (2006, p. 260) aponta que, em virtude de o tema ensejar amplo debate, sobre ele já “correram rios de tinta”.

No presente artigo, discorreremos, sobre as correntes doutrinárias relacionadas à decisão e aos efeitos do mandado de injunção, analisaremos o tema à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e apresentaremos nossa conclusão.

2. Correntes doutrinárias, sobre a decisão e os efeitos do Mandado de Injunção

O Ministro Néri da Silveira (apud MORAES, 2006, p. 159), na sessão Plenária do Supremo Tribunal Federal, realizada em 16 de março de 1995, resumiu, com clareza, as posições existentes. Vale transcrever parte da manifestação do Eminente Ministro:

“Há, como sabemos, na Corte, no julgamento dos Mandados de Injunção, três correntes: a majoritária, que se formou a partir do Mandado de Injunção n° 107, que entenda deva o Supremo Tribunal Federal, em reconhecendo a existência da mora do Congresso Nacional, comunicar a existência dessa omissão para que o Poder Legislativo elabore a lei. Outra corrente, minoritária, reconhecendo também a mora do Congresso Nacional, decide, desde logo, o pedido do requerente do Mandado de Injunção e provê sobre o exercício do direito constitucionalmente previsto. Por último, registro minha posição, que é isolada: partilho do entendimento de que o Congresso Nacional é que deve elaborar a lei, mas também tenho presente que a Constituição, por via do Mandado de Injunção, quer assegurar aos cidadãos o exercício de direitos e liberdades, contemplados na Carta Política, mas dependentes de regulamentação. Adoto posição que considero intermediária: entendo que se deva, também, em primeiro, lugar, comunicar ao Congresso Nacional a omissão inconstitucional, para que ele, exercitando sua competência, faça a lei indispensável ao exercício do direito constitucionalmente assegurado aos cidadãos. Compreendo, entretanto, que, se o Congresso Nacional não fizer a lei, em certo prazo que se estabeleceria na decisão, o Supremo pode tomar conhecimento da reclamação da parte, quanto ao prosseguimento da omissão, e, a seguir, dispor a respeito do direito in concreto […].”

Com base na síntese realizada pelo Ministro Néri da Silveira, as posições jurídicas, relacionadas aos efeitos do Mandado de Injunção, podem ser divididas em dois grandes grupos: concretista e não concretista.

Segundo o pensamento concretista, por meio de uma decisão constitutiva, o órgão judiciário viabiliza o exercício do direito até que o Poder Legislativo elabore a norma faltante.

Moraes (2006, p. 160) divide a posição concretista em duas espécies: concretista geral e concretista individual, conforme a abrangência do decisum.

A corrente concretista geral é aquela que confere efeito erga omnes à decisão viabilizadora do exercício do direito assegurado pela Constituição, extrapolando, assim, o âmbito das partes que compõem o processo.

Por seu turno, a corrente concretista individual estende os efeitos da decisão, apenas, àqueles que figuram no processo. De acordo com o escólio de Moraes (2006, p. 160), o Supremo subdivide a corrente concretista individual em: direta e intermediária.

A corrente concretista individual direta, ao acolher o pedido formulado no Mandado de Injunção, implementa, de plano, a possibilidade de exercer o direito previsto e inviabilizado pela ausência da norma correspondente, atribuindo efetividade ao texto constitucional.

A diferença, em relação à corrente concretista individual intermediária, é que esta, antes de conferir efetividade à norma e permitir o exercício do direito, defere prazo para que o Poder Legislativo promova a regulamentação correspondente.

Por outro lado, o entendimento consubstanciado na corrente não concretista imprime consequência totalmente diversa ao Mandado de Injunção, já que, reconhecida a mora inconstitucional, cabe ao Poder Judiciário, tão-somente, comunicá-la ao Poder Legislativo, sem que o direito expresso na Carta Magna seja atendido.

3. O MANDADO DE INJUNÇÃO SOB A PERSPECTIVA DO STF

A primeira vez que o Supremo Tribunal Federal se pronunciou sobre a matéria foi no julgamento da Questão de Ordem no Mandado de Injunção n° 107. O Relator do feito, que se tornou leading case, foi o Eminente Ministro Moreira Alves. Na ocasião, a Suprema Corte adotou a posição não concretista. Traz-se a cotejo a ementa do citado julgado, in verbis:

“Em face dos textos contidos na Constituição Federal relativos ao Mandado de Injunção, é ele […] ação que visa a obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração, para que adote as providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, §2º, da Carta Magna) e de que se determine, se se tratar de direito constitucional oponível contra o Estado, a suspensão dos processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não houvesse a omissão inconstitucional” (grifo nosso).

Nota-se que o entendimento inicial da Corte Maior de Justiça consistiu em expressa equiparação a ADI por omissão, tornando o writ em um instrumento sem identidade própria.

Por sorte, a evolução da interpretação, no seio do próprio Supremo, não tornou o Mandado de Injunção em instrumento inócuo. Com efeito, no julgamento do MI nº 283-5, a Corte Maior, além de declarar em mora o legislador, assinou o prazo de quarenta e cinco dias para elaboração da norma faltante.

O Supremo Tribunal ainda definiu, no julgamento acima referido, que, vencido o prazo supracitado sem a promulgação da lei federal, era reconhecida ao impetrante a faculdade “de obter, contra a União, pela forma processual adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem”. 

Ocorre que, ao proferir voto, o Ministro Relator ressalvou que o desfecho daquele julgamento não implicava em abandono à posição tradicional do Tribunal, ou seja, à posição não concretista.

Em resume, houve evolução em relação ao entendimento inicial da Suprema Corte, pois a decisão não se cingiu a conferir comunicação ao órgão legislativo competente. Contudo, a mudança foi tímida, haja vista que não alcançou a possibilidade de exercício imediato do direito obstado pela omissão legislativa.

Posteriormente, no julgamento do MI nº 232-1, verificou-se uma benéfica modificação de orientação, pois, ao apreciar pedido de entidade beneficente da assistência social, a Suprema Corte fixou prazo de seis meses para elaboração da norma faltante, sob pena de, ultrapassado o prazo, a requerente passar a gozar da imunidade pretendida.

No referido julgado, houve a aplicação da corrente concretista individual intermediária, haja vista que, findo o prazo arbitrado, a imunidade postulada seria alcançada. Houve nova evolução no entendimento inicial da Corte, porém a concretização efetiva e imediata do direito ainda não havia sido adotada, como consectário, nas ações injuncionais.

Ressalte-se que o Supremo Tribunal, somente, modificou o entendimento, pertinente à decisão e os efeitos do mandado de injunção, no ano de 2007. 

Nesse passo, ao julgar o Mandado de Injunção n° 721, o Pretório Excelso consignou que: “(…) [h]á ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada. MANDADO DE INJUNÇÃO – DECISÃO – BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. APOSENTADORIA – TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS – PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR – INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR – ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral – artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91”. (MI 721, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 30/08/2007, DJe-152 DIVULG 29-11-2007 PUBLIC 30-11-2007 DJ 30-11-2007 PP-00029 EMENT VOL-02301-01 PP-00001 RTJ VOL-00203-01 PP-00011 RDDP n. 60, 2008, p. 134-142).

Logo, restou adotada a corrente concretista individual direta, uma vez que foi garantido ao impetrante o pleno exercício do direito obstado pela omissão legislativa e os efeitos da decisão foram inter partes.

Posteriormente, o Supremo Triunal Federal julgou os Mandados de Injunção n° 670, 712 e 708, que tratavam do direito de greve dos servidores públicos. Na ocasião, o Tribunal garantiu o direito de greve, com a observância da Lei 7783/89, conferindo efeito erga omnes à decisão.

Verifica-se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal, atualmente, adota as correntes concretista geral e concretista individual direta, de modo que cabe ao Poder Judiciário viabilizar o direito obstado pela omissão do legislador.

4. Conclusão

A mudança de entendimento do STF, acerca da decisão e dos efeitos da decisão concessiva da injunção, consiste em vitória alcançada, no processo de plena efetivação das normas constitucionais e dos direitos fundamentais.

É imperativo que o Mandado de Injunção nunca mais volte a ser “um sino sem balado” e não mais confira uma “vitória de pirro” ao impetrante, como no período em que a corrente não concretista prevalecia no âmbito jurisprudencial. Sublinhe-se que o Poder Judiciário deve sempre primar pela prevalência das normas constitucionais, de modo a conferir-lhes imediata concretização.

Entendemos que a concessão da injunção deve ter, em regra, efeito inter partes, ou seja, limitado aos impetrantes. Ponha-se, em relevo, por oportuno, que o Mandado de Injunção traduz-se em garantia individual ou coletiva de caráter subjetivo, uma vez que pode ser manejada por toda e qualquer pessoa. Assim sendo, o impetrante, por meio de declaração incidental da inconstitucionalidade por omissão, almeja a efetivação do direito que lhe foi constitucionalmente  assegurado.

Contudo, em certas situações, compreendemos que o efeito da decisão do Mandado de Injunção pode ultrapassar as partes componentes do feito para atingir a todos que estejam na mesma situação do impetrante do writ.

A nosso sentir, a aplicação da hipótese em comento ocorrerá quando o exercício do direito não variar de acordo com peculiaridades individuais – ou seja, quando a concessão da injunção não levar em conta aspectos de cunho estritamente pessoal do impetrante –, e/ou o julgamento com eficácia inter partes acarretar a sobrecarga de ações injuncionais posteriores, que terão o mesmo desiderato daquela que constituiu o leading case.

Por outro lado, concordamos com a sugestão apresentada pelo Ministro Menezes Direito, o qual, ao proferir voto nas ações pertinentes ao exercício do direito de greve, além de fixar o regramento para exercício do referido direito, definiu prazo para o Poder Legislativo suprir a omissão.

Ressalte-se, por oportuno, ser imperativo que o Estado, pela atuação dos três Poderes, envide esforços para resolver, de modo definitivo, a situação de inconstitucionalidade por omissão.

Gize-se que o provimento jurisdicional tem caráter provisório, visto que durará até a elaboração, pelo Poder competente, da norma faltante, de sorte que a colmatação definitiva da lacuna não pode tardar.

Saliente-se que o próprio STF já fixou prazo para elaboração, por parte do Poder Legislativo, da norma faltante. Nesse sentido, veja-se a ADI 3682/MT.

Diante de todo o exposto, entendemos que a concessão da injunção deve acarretar o imediato exercício do direito inviabilizado pela omissão legislativa e a decisão deve ter efeito inter partes. Excepcionalmente, os efeitos da decisão podem ser erga omnes.

Pensamos, ainda, que, concedida  a ordem de injunção, deve ser fixado prazo ao Poder Legislativo omisso para edição da norma legal faltante.

Referências

BARROSO, Luis Roberto, Interpretação e Aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed.São Paulo: Atlas, 2006.



[1] Promotor de Justiça (MP/BA) e Especialista em Direito do Estado pela UFBA

Como citar e referenciar este artigo:
BRITO, Thomás Luz Raimundo. Mandado de injunção: A decisão e os seus efeitos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/mandado-de-injuncao-a-decisao-e-os-seus-efeitos/ Acesso em: 30 abr. 2024