Teoria Política

Teoria das Formas de Governo – Norberto Bobbio – ver.3

INTRODUÇÃO

“(…)
podemos definir legitimidade como sendo um atributo do Estado, que consiste na
presença, em uma parcela significativa da população, de um grau de consenso
capaz de assegurar a obediência sem a necessidade de ocorrer ao uso da força, a
não ser em casos esporádicos. È por esta razão que todo poder busca alcançar
consenso, de maneira que seja reconhecido como legítimo, transformando a
obediência em adesão. A crença na Legitimidade é, pois, o elemento integrador na
relação de poder que se verifica no âmbito do Estado (…)”.[1]

“Enquanto
uma teoria sobre um aspecto qualquer da natureza é apenas uma teoria, a teoria
relativa a um aspecto da realidade histórica e social é quase sempre também uma
ideologia.” O livro “A teoria das formas de governo”, de Norberto Bobbio é
fundamentado nesse tipo de pensamento, o qual prescreve os tipos de governo
(democracia, aristocracia e monarquia) como uma forma de modificar e
estabelecer a sociedade de acordo com os interesses pregados por cada uma das
diferentes ideologias, a serem comentadas a seguir.

Capítulo
II – Platão

Na obra “A República” de Platão (428-347 a.C.) ocorre a descrição
da república ideal, que tem por objetivo a realização da justiça entendida como
atribuição a cada um da obrigação que lhe cabe, de acordo com as próprias
aptidões. Consiste a composição harmônica e ordenada de três categorias de
homens: os governantes-filósofos, os guerreiros e os que se dedicam aos
trabalhos produtivos.

Todos os Estados reais são corrompidos. Enquanto
o Estado perfeito é um só, os imperfeitos são muitos, pois “a forma da virtude
é uma só, mas o vício tem uma variedade infinita”. Segundo Platão, essa forma
ideal seria liderada por um Rei-filósofo, que possuiria a ciência do bom
governo. Seguem-se as tipologias das formas de governo de “A República”,
incluindo só as más, não estando, portanto, nenhuma delas ajustada à
constituição ideal.

Para Platão, inclusive, só se sucedem historicamente
formas más – uma pior do que a outra. A constituição boa, contudo, não entra
nessa sucessão; existe, por si, como modelo, não importa se no começo ou no fim
da série. Com isso, podemos perceber uma concepção histórica pessimista por
parte do autor, que analisa a história não como progresso definido, mas como um
fato consumado e estragado – um regresso do mal para o pior.

Como primeiro tipo de governo a ser visto temos
a timocracia,
constituindo-se numa forma onde os guerreiros seriam mais glorificados que os
sábios, sendo isso considerado como fato de corrupção, portanto degenerado,
apesar de menos prejudicial do que as outras. O pecado de uma corrente
ideológica governista seria o excesso; nesse caso, a ambição e o desejo de
honrarias – a ânsia pelo poder.

Desagregando-se a timocracia, temos o que lhe
sucede na ordem das formas – a oligarquia.
Nesse caso, convém fazer menção à teoria orgânica da sociedade, isto é, da
terra que concebe a sociedade (ou o Estado) como um verdadeiro organismo. A
transição para o modo oligárquico seria, assim, de cunho passional, como se
essa transformação fosse condicionada por influência da natureza ou de outrem,
principalmente no que diz respeito à mudança para um caráter intermediário
entre o aspecto racional e o emocional. A oligarquia ficaria estabelecida
através da discórdia entre os dirigentes, avidez, avareza e ostentação
depuradora de bens, levando à inveja e à revolta dos pobres – convívio com as
más companhias, o que levaria à transformação.

Já a democracia proclama a liberdade como o seu maior bem, além da igualdade entre os homens. Porém,
esse tratamento igualitário a que ficaria submetido o povo poderia acabar por
ludibriar a massa, tão evidentes são as desigualdades em nosso mundo. Além
disso, esse desejo imoderado de liberdade acabaria se transformando em licença,
criando pouco caso das hierarquias sociais e das relações básicas de respeito
entre os homens. Seria, portanto, a democracia seria “a pior das melhores
formas e a melhor das piores”, ficando neutra na classificação, ou até mesmo
posta como uma parte positiva e outra negativa.

Com a corrupção em franco desenvolvimento,
chegaríamos, então, ao Estado
tirano
, onde as medidas absolutas e autoritárias, determinariam à
transformação do puro arbítrio em violência gratuita. O tirano não conseguiria
evitar o derramamento de sangue dos cidadãos, lançando mão até mesmo de falsas
acusações que viessem a justificar e seu espírito violento.

Podemos entender, segundo a óptica de Platão,
que não há alternância, mas uma decadência contínua, gradual, que vai
involuindo a cada passagem de governo, onde transita o poder e onde digladiam
os demônios da humanidade; logo, o motivo que explica a mudança deve ser
procurado, sobretudo, na corrupção do princípio que inspira tanto os governos –
a discórdia e violência entre os homens.

Capítulo
III – Aristóteles

“A constituição é a estrutura que dá ordem à
cidade, determinando o funcionamento de todos os cargos públicos, sobretudo da
autoridade soberana.” (1278b). Essa é a tradução do termo politeia, usado por Bobbio para
designar “forma de governo”, que por sua vez pode ser chamada de “ordenação das
magistraturas”, a lei fundamental de um Estado, que estabelece seus órgãos, as
relativas funções, relações recíprocas, etc.

Neste capítulo, temos as escritas de Aristóteles
referentes a essas diferentes constituições. A ordem hierárquica aceita por ele
não parece diferir da que Platão sustentou em “O Político”, já que o critério
adotado é o mesmo: a forma pior é a degeneração da forma melhor. Com base
nisso, a ordem hierárquica das seis formas é a seguinte: monarquia, aristocracia, politia,
democracia, oligarquia e tirania.

Monarquia significa propriamente “governo de um
só”, mas na tipologia aristotélica quer dizer “governo bom de um só”, ao qual
corresponde, como governo mau, a tirania. Do mesmo modo, oligarquia, que
significa propriamente o “governo de poucos”, corresponde a “governo mau de
poucos”, a que está relacionada à aristocracia, como forma boa de governo. O
termo “oligarquia” conservou de fato, nos séculos seguintes, seu significado
pejorativo original: ainda hoje se costuma falar de oligarquias no sentido
negativo, para designar grupos de poder restritos que governam sem apoio
popular. Quanto à aristocracia, que significa propriamente “governo dos
melhores”, é o único dos três termos designando as formas boas que tem por si
mesmo um significado positivo: no curso do tempo manteve significação menos
negativa do que a oligarquia, mas perdeu o significado original de “governo dos
melhores” (na linguagem política moderna, entendemos, via de regra, por
governos aristocráticos, os que se baseiam em grupos restritos, nos quais o
poder é transmitido por via hereditária). A maior novidade e estranheza
terminológica é o uso de “politia” para indicar a constituição caracterizada
pelo governo de muitos, e bom.

Apesar de fazer uma divisão hierárquica idêntica
à de Platão, o critério usado por Aristóteles para separar as formas boas das
más é diferenciado: o interesse comum ou o interesse pessoal irão determinar a
classificação das formas. As formas boas são aquelas em que os governantes
visam ao interesse comum; más são aquelas em que os governantes têm em vista o
interesse próprio. Seria por isso, então, que as populações se reuniriam em cidades,
ou seja, em comunidades políticas, procurando um “viver bem”. Quando os
governantes se aproveitam do poder que receberam ou conquistaram para perseguir
interesses particulares, a comunidade assume uma forma política corrompida com
relação à forma pura.


Existem várias formas de monarquia, das quais
cada uma se faz governar de modo diferente. Como exemplo, temos a monarquia dos
povos bárbaros, que pode ser dividida em tirânica e despótica. Os tiranos,
cujos súditos são povos livres, governam cidadãos descontentes, sem serem
aceitos por eles. Há também povos naturalmente escravos (os “povos servis” das
grandes monarquias asiáticas), que suportam sem dificuldade o poder despótico,
pois nasceram para obedecer (Aristóteles é a favor da escravidão, e assim a
justifica).

A politia é uma mistura de oligarquia e
democracia. Acontece que, sendo ela uma forma boa, como pode ser constituída na
fusão de duas formas más? Além disso, para Aristóteles, existe um outro tipo de
análise: nem a oligarquia é o governo de poucos e nem a democracia é o governo
do povo. O critério adotado por ele para distinguir uma da outra não é o
numérico, mas sim as diferenças entre ricos e pobres; portanto, essa distinção
seria feita baseada em aspectos qualitativos, e não mais quantitativos.

Desse modo, Aristóteles buscou um equilíbrio
entre as duas formas, conciliando os aspectos positivos das duas e descartando
as eventuais falhas. Por exemplo: a promulgação de lei que penalize os ricos
que não participem das atividades públicas e dê um prêmio aos pobres
participantes, já que não se concedem abonos à classe menos favorecida nesse
sentido; diminuir o limite mínimo de renda para participar de eleições (imposto
pelo regime dos ricos), elevando o admitido regime dos pobres.

Está claro então, para Aristóteles, que a melhor
comunidade política é a que se baseia nos interesses da classe média. Para ele,
um dos critérios que nos permite distinguir o bom governo dos maus é a
estabilidade, sendo, então, a mistura democracia-oligarquia uma forma positiva,
já que se encontra menos sujeita às mutações rápidas provocadas pelos conflitos
sociais existentes no mundo.

Capítulo
IV – Políbio

Ao contrário dos dois primeiros autores (Platão
e Aristóteles), Políbio (que viveu no século II a.C.) não é um filósofo, mas um
historiador. Grego de nascimento, foi deportado para Roma depois da conquista
da Grécia. Depois de narrar os episódios da batalha de Cannes (216 a.C.), Políbio se detém,
no livro IV, para fazer uma exposição pormenorizada da constituição romana, redigindo
um pequeno tratado de direito público romano, no qual descreveu as várias
funções públicas (os cônsules, o senado, os tributos, a organização militar,
etc.). Segundo ele, “deve-se considerar a constituição de um povo como a causa
primordial do êxito ou do insucesso de todas as ações” (VI, 2), justifica-se,
pois, o sucesso político do povo romano.

Sobre as constituições em geral, Políbio expõe
sobretudo três teses:

1) Existem
fundamentalmente seis formas de governo – três boas e três más. Essa seria uma
teoria tradicional, na qual representa o uso sistemático da teoria das formas
de governo;

2) As seis
formas se sucedem umas às outras, constituindo assim um ciclo. Desse
modo, é fixado num esquema completo, embora rígido, a teoria dos ciclos (ou,
para adotar a terminologia dos gregos, da “anaciclose”), lançando mão, então,
da historiografia;

3) Além das
seis, existiria uma sétima forma – exemplificada pela constituição romana. Seria
a melhor de todas enquanto síntese das três formas boas. Fica formulada, assim,
a teoria do governo misto.

Nessas diferentes teses fixa-se,
portanto, a sistemática clássica das formas de governo, que é dada pela
sucessão predeterminada e recorrente das diversas constituições, das quais o
autor grego exprime a preferência por uma em detrimento das outras – a
constituição mista.

Políbio encara as diferentes teorias a respeito
das formas de governo de uma maneira crítica: dizia ele que para que um governo
se estabelecesse, não lhe bastava legalidade, mas também a legitimidade. Os
governos deveriam ser aceitos, regulamentados e legitimados. Logo, podemos
notar que os critérios velados são dois: de um lado, a contraposição entre o
governo baseado na força e o governo fundamentado no consenso; de outra a
contra posição análoga – mas não idêntica – entre governo ilegal (arbitrário) e
legal; é um critério que não corresponde ao aristotélico (diferença entre
interesse público e privado), mas reproduz o de Platão.

As etapas do processo histórico são: monarquia,
tirania, aristocracia, oligarquia, democracia e oclocracia.
O ciclo
polibiano se desenvolve através da alternância de constituições boas e más;
contudo, a constituição boa que segue é inferior àquela que a procede, e a má é
pior do que a má que a precede. A linha decrescente é, portanto, uma
alternância de momentos bons e maus, embora tenda para baixo. Ao fim do
primeiro ciclo, o curso das constituições retorna ao ponto de partida. Da
oclocracia se volta, com um salto, diretamente ao reino: da forma pior à
melhor.

Segundo ele, esse seria o rodízio das
instituições, uma lei natural, segundo a qual as formas políticas não podem
deixar de sofrer os processos de transformação, decaindo e retornando sempre ao
ponto de partida.

A tese principal da teoria polibiana das
constituições é sem dúvida a do governo misto. Segundo Políbio, todas as formas
simples tendem ao fracasso, justamente pelo fato de serem simples e por
defenderem apenas uma corrente de pensamentos e exageros. O governo misto viria
então para, como mecanismo de controle recíproco dos poderes, cuidar para que
nenhuma das partes exceda sua competência e ultrapasse sua medida, mantendo-se
o equilíbrio da sociedade.

Reúnem-se todas as características dos melhores
sistemas políticos, de modo que nenhuma delas, adquirindo força maior do que a
necessária, se desviasse no sentido dos seus males congênitos mas, ao
contrário, de forma que cada uma neutralizasse as outras; equilibravam-se os
diversos poderes, nenhum deles se tornava excessivo e o sistema político
permanecia prolongadamente em perfeito equilíbrio – exemplos claros da primazia
do “meio-termo”.

Capítulo
V – Intervalo

Entende-se
por intervalo noções dedicadas à Idade Média e ao início do cristianismo. Abordam-se
nesse capítulo alguns problemas maiores relativos à diferença entre Estado e
Justiça, por parte de alguns teóricos famosos desse período histórico.

O grande tema da política medieval é a dicotomia
Estado-Igreja. Muitos dos pensadores dessa época tinham uma concepção negativa
do Estado, pois achavam que a formação correta de um indivíduo deveria ser
baseada nos princípios eclesiásticos, como fica justificado nesse trecho de
Isidoro de Sevilha:

“Pela
vontade de Deus, a pena de servidão foi imposta à humanidade devido ao pecado
do primeiro homem; quando ele percebe que a liberdade não convém a todos os
homens, misericordiosamente lhes impõe a escravidão. E, embora todos os fiéis
possam ser redimidos do pecado original pelo batismo, Deus, na sua eqüidade,
fez diferente a vida dos homens, ‘determinando que alguns fossem servos, outros
senhores’, de modo que o arbítrio que têm os servos de agir mal fosse limitado
pelo poder dos que dominam. Com efeito, se ninguém temesse, quem poderia
impedir alguém de cometer o mal? Por isso são eleitos príncipes e reis, para
que ‘com o terror’ livrem seus súditos do mal, obrigando-os , pelas leis, a
viver retamente” (Setentiae, III, 47). Assim, atribuiu-se ao Estado a função
essencial de remediar a natureza má do homem, vendo-o sobretudo como uma dura
necessidade, considerando-o particularmente no seu aspecto repressivo
(simbolizado pela espada); controlar o desencadeamento das paixões que
tornariam impossível qualquer tipo de convivência pacífica. Logo, quem provê a
salvação do homem não é o Estado, mas a Igreja.

Segundo Lutero, em seu texto Sobre a autoridade secular , estão
sujeitos às leis os que praticam o mal e os que nem têm condição cristã nem
pertencem ao reino de Deus. A esses o Senhor impôs outro regulamento,
submetendo-os com a espada, de modo a não poderem exercer sua maldade.

Mantendo essa corrente de pensamentos cristãos,
temos Santo Agostinho, que dizia: “que são os reinos senão bandos de ladrões? E
que são os bandos de ladrões senão pequenos reinos? Além disso, é sabido o seu
pensamento pela “predestinação”, na qual o homem reconheceria a sua submissão
em relação a Deus, em detrimento do Estado.

Para encontrar outra concepção negativa do
Estado comparável a dos primeiros pensamentos cristãos, será necessário chegar
a Marx. Para ele, a solução está na dissolução do Estado, isto é, na sociedade
que não se baseia nas leis de força, a qual poderá ser instaurada quando
desaparecerem as divisões de classe; divisões estas que vieram à tona graças à
divisão das tarefas no trabalho. Dentro de uma concepção negativa do Estado,
não pode haver a afirmação de um momento positivo, quer dizer, de uma entidade
que se contraponha, dominando-o e por fim destroçando-o. Para os cristãos, esse
momento positivo é a Igreja; para Marx, é a sociedade sem classes; para uns a
forma do verdadeiro antiestado, para outras o não-Estado.

Já para Platão, a solução do Estado negativo não
é nem o antiestado nem o não-Estado, mas sim o Estado Ideal, uma sublimação: o
superestado, a sociedade organizada de modo tal que a desigualdade entre os
membros da comunidade estatal (que fundamenta o Estado como puro domínio) seja
fixada de uma vez por todos, e perpetuada; em outras palavras, não se trata de
eliminar a divisão da sociedade em classes, mas sim de eternizá-la.

De todos os grandes temas políticos que compõe o
legado do pensamento clássico, a tirania é talvez o que foi tratado mais
particularmente no limiar do pensamento moderno; Às vésperas de Maquiavel –
aquele que conquista o poder de fato e o mantém.

Capítulo
VI – Maquiavel

A novidade da classificação de Maquiavel em
comparação com a tipologia clássica está no fato de que, agora, as formas de
governo passam de três a duas: PRINCIPADOS E REPÚBLICAS. O principado
corresponde ao reino; a república, tanto à aristocracia quanto à democracia. Logo,
ou o poder reside na vontade de um só – é o caso do principado – ou numa
vontade coletiva, que se manifesta em colegiado ou assembléia – e temos a
república, em suas várias formas; daí, tira-se que um Estado bem ordenado só pode
ter uma ou outra constituição. Segue um trecho da obra Exposição sobre a forma do Estado de
Florença a Instâncias do Papa Leão:
“Quanto a impugnar o Estado de Cosmo, e
à afirmativa de que nenhum Estado pode ser estável se não é um genuíno
principado ou uma verdadeira república, porque todos os governos intermediários
são defeituosos, a razão é claríssima: o principado só tem um caminho para a
sua dissolução, que é descer até a república; e a república só tem um meio de
dissolver-se: subir até o principado. Já os Estados intermediários têm dois
caminhos: um no sentido do principado e outro no sentido da república – de onde
nasce sua instabilidade”. Essa tese é conforme o pensamento maquiaveliano,
apesar de que esta parece contradizer a teoria do Estado misto, da qual
Maquiavel, admirador da república romana, é defensor. Essa condição de
contrariedade, no entanto, ganha respaldo no argumento de que nem todas as
combinações entre as diferentes formas de governo são boas, abrindo margem,
assim, para a existência de formas puras e boas de governo – principados e
repúblicas, nesse caso.

Inicialmente, faz-se a classificação quanto aos
principados. A primeira distinção introduzida no livro é entre principados
hereditários, nas quais o poder é transmitido com base numa lei constitucional
de sucessão, e principados novos, onde o poder é conquistado por quem ainda não
era um “príncipe”. No que concerne aos principados hereditários, os reinos têm
sido governados de duas formas: por um príncipe e seus assistentes – que na
verdade são seus servos – e há príncipes que governam com a intermediação da
nobreza, ou seja, o poder do soberano não é absoluto , ficando dividido com os
barões. Quanto aos novos principados, Maquiavel distingue quatro espécies, de
acordo com as diferentes maneiras de como o poder pode ser conquistado: a) pela
virtù – coragem, valor,
capacidade, eficácia política; b) pela “fortuna” – sorte, acaso, influências
das circunstâncias. Para Maquiavel, aquilo que se consegue realizar baseia-se
em ambos os fatores, em partes iguais; contudo, segundo o autor, a diferença é
que os primeiros são mais duradouros, sendo os segundos menos estáveis, visto
que se dão pelas circunstâncias; c) per
sclera
– violência, correspondendo à figura do tirano clássico, mas para Maquiavel
é um príncipe como os demais, visto que os novos príncipes que conquistam o
poder são celebrados como fundadores de Estados e grandes protagonistas do
desenvolvimento histórico. Mesmo nesse caso de soberania clássica tomada na
violência, o julgamento de Maquiavel não é de ordem moral. O critério para
distinguir a boa política da má é seu êxito. Uma proposição desse tipo é um
exemplo evidente do famigerado princípio maquiavélico de que “o fim justifica
os meios”. Assim, o fim de um príncipe é manter o poder, independentemente se
dentro ou fora da categoria de “celerado”, pois a qualificação da bondade de um
príncipe não é feita com base nos meios que emprega, mas levando em conta
apenas os resultados que obtém.

Em sua obra “O Príncipe”, Maquiavel manifesta
estreitas relações com o pensamento do historiador romano Políbio,
principalmente a respeito da tipologia clássica das seis formas de governo, a
teoria dos ciclos e a do governo misto.

Quanto à sucessão das constituições, sabemos, da
tese polibiana, que toda a constituição boa degenera na sua correspondente má. O
ponto negativo dessas transformações é que elas ocorrem muito rapidamente, ou
seja, sua instabilidade política.

Já quanto à teoria dos ciclos – anaciclose -,
Maquiavel diverge um pouco do pensamento de Políbio, pois ele duvida que, tendo
chegado ao ponto mais baixo da sua decadência, um Estado tenha ainda força
própria para retornar ao ponto de partida. Estando desgastado, o Estado
tornar-se-ia presa fácil de um vizinho mais forte. Deste modo, não ocorre o
retorno às origens no âmbito do mesmo Estado, mas sim uma transferência de
domínio.

Um pensamento maquiaveliano a respeito dos
historiadores é que estes, devido aos longos estudos da vida humana e de suas
naturezas, são capazes de prever o futuro e até mesmo de planejar novas ações,
uma vez que as paixões e vícios do ser humano não se alteram com o passar do
tempo.

Quanto ao governo misto, as idéias
maquiavelianas empatam com as polibianas: a fusão das duas formas – resultante
das diferentes realidades entre patrícios e plebeus na república romana, nesse
caso – não só garante a durabilidade da constituição como a liberdade interna
dos cidadãos. Assim, por meio desta compreensão da função benéfica do contraste
entre os dois princípios antagônicos, o governo misto deixa de ser um mero
mecanismo institucional para tornar-se reflexo de uma sociedade determinada: é
a solução política de um problema – o confronto de interesses – que surge na
sociedade civil.

Capítulo
VII – Bodin

Bodin
passou para a história do pensamento político como o teórico da soberania
deve haver um poder que não tem sobre si nenhum outro; o poder soberano. Essa
soberania tratada por ele é entendida como “poder absoluto e perpétuo que é
próprio do Estado”. Quem é soberano, portanto, não deve estar sujeito ao
comando de outrem; deve poder promulgar leis para os seus súditos. O soberano
não estaria sujeito a essas mesmas leis; contudo, como todos os outros seres
humanos, o soberano está sujeito às leis que não dependem da vontade dos homens
– as leis naturais e divinas.

Outros
limites ao poder soberano são impostos pelas leis fundamentais ao Estado, como
por exemplo: a lei que, numa monarquia, estabelece a sucessão ao trono. Outro
limite é aquele imposto pelas leis que regulam as relações privadas entre os
súditos; a esse nível, então, a sociedade se divide em uma esfera pública e
outra privada.

Para
Bodin, as formas de Estado são três – as três formas clássicas: monarquia,
aristocracia e democracia.
São apenas três porque a distinção entre formas
boas e más não teriam nenhum fundamento; ou seja, a classificação dos Estados
com base em qualidades e defeitos levaria a uma casuística tão ampla que
impossibilitaria qualquer tentativa de ordenação sistemática. Posteriormente,
porém, o próprio Bodin, contradizendo-se, voltará a introduzir a distinção
tradicional entre o bom governo e o mau – como faziam os antigos – ao falar das
formas de governo.

No
que se refere à teoria do governo misto o argumento principal é o seguinte: “os
poderes real, aristocrático e popular, em conjunto, só têm um resultado: a
democracia”. Acontece que, se a soberania é indivisível – segundo Bodin, não
poderia existir entre príncipe, senhores e povo. Ocorreria a divisão do
governo, mas não a divisão do Estado. Logo, quando o poder está dividido o
Estado perde unidade, e com ela a estabilidade. Ou o Estado é uno ou na chega
nem a ser Estado.

A
mistura, consoante Bodin, seria a causa principal dessa instabilidade:
“Poder-se-ia objetar, contudo, que os Estados considerados como mistos pelos
antigos e pelos modernos duraram mais do que os outros. Se examinarmos com
cuidado sua constituição, veremos que esses Estados não são considerados
mistos, porque neles uma das partes componentes prevaleceu sobre as outras.”

Ressurge
então a idéia de que há Estados compostos, com distinção entre o título
de soberania
e o seu exercício. Em conseqüência, um Estado pode ser
monárquico-aristocrático ou monárquico-democrático, sem ser um Estado misto. Esta
é a chamada distinção entre Estado e governo.

A
inovação de que Bodin tanto se orgulha consiste na interpretação diferente de
fenômeno tão freqüente nas constituições de todos os tempos – a presença
simultânea de órgãos monocráticos e de órgãos colegiados, de colegiados
restritos e representativos da maioria do povo; isto é, de órgãos que
representam princípios constitucionais diversos: ora o monárquico, ora o
aristocrático, ora o democrático.

Segundo
Bodin, cada um dos três regimes pode assumir três formas diferentes: legítima,
despótica ou tirânica. A monarquia real ou legítima é aquela em que os súditos
obedecem às leis do rei, e o rei às leis da natureza, restando aos súditos à
liberdade natural e a propriedade dos seus bens. A monarquia despótica é aquela
em que o príncipe se assenhoreou de fato dos bens e das próprias pessoas dos
súditos, pelo direito das armas e da guerra justa, governando-os como um chefe
de família governa seus escravos. A monarquia tirânica é aquela em que o
monarca viola as leis da natureza, abusa dos cidadãos livres e dos escravos,
dispondo dos bens dos súditos como se lhe pertencessem.

No
que diz respeito ao despotismo, Bodin considera como seu elemento
característico a relação senhor-escravo. Ele se refere ao déspota como aquele
que se assenhoreou dos próprios súditos “pelo direito das armas e da
guerra justa”.

Distingue-se
a monarquia despótica da tirania, a primeira das quais é considerada superior à
segunda. Essa superioridade consiste no fato de que a monarquia despótica é
severa no exercício do poder, mas tem uma justificativa, e portanto é, em
última instância, legítima; a tirania, porém, além de severa é ilegítima.

A
diferença nas causas está refletida nos defeitos. Enquanto o despotismo é
estável, a tirania é efêmera. A razão dessa diferença é explicável na passagem
seguinte: “O motivo porque a monarquia despótica é mais duradoura do que
as outras reside no fato de que é mais respeitável, e que os súditos dependem
inteiramente – no que concerne a sua vida, liberdade e propriedade – do soberano
que os conquistou com justo título, o que reduz completamente sua ousadia.

Capítulo
IX – Vico

Assim como a teoria política de Políbio, a
teoria de Giambattista Vico é também CÍCLICA, prevalecendo-se o cunho
histórico. Suas idéias consistem numa tentativa de descobrir as leis gerais que
presidem ao desenvolvimento da história universal, permitindo compreender seu
“sentido”.

Para Vico, as três formas clássicas de governo
são: ARISTOCRACIA, DEMOCRACIA E MONARQUIA. Diz ele: “O governo aristocrático se
baseia na conservação, sob a tutela da ordem dos patrícios que a constituiu,
sendo máxima essencial da sua política a de que só a patrícios sejam atribuídos
os auspícios, os poderes, a nobreza, os conúbios, as magistraturas, comandos e
sacerdócios… Constituem condições do governo popular a paridade dos
sufrágios, a livre expressão das sentenças e o acesso igual para todos às
honrarias, sem excluir as supremas… O caráter do reino, ou monarquia, é o
domínio por um só, a quem cabe o arbítrio soberano e inteiramente livre sobre
todas as coisas.” No curso da história, logo que a humanidade deixou a fase
pré-estatal – correspondente ao “estado de natureza” dos jusnaturalistas – a
primeira forma de Estado a surgir foi a república aristocrática, seguida pela
república popular (democracia), que veio a dar na monarquia. Essa lei da
sucessão dos Estados é, para Vico, baseada na história de ROMA.

A investigação a respeito dos “tempos obscuros”,
que antecederam a história narrada e escrita, constitui a novidade profunda da
obra de Vico. A tese é a de que o estado primitivo do homem foi um “estado
bestial”. A característica desse estado, em que os homens decaídos se comportam
como animais, é a ausência de quaisquer relações sociais, a completa
inexistência de qualquer forma de vida comum, até mesmo familiar; o homem
viveria isolado, de modo totalmente associal.

Vico distingue três tipos de autoridade:
MONÁSTICA, ECONÔMICA E CIVIL.

A primeira autoridade qualifica o homem como
fazendo parte de um estado primitivo e solitário; o homem se torna soberano da
própria solidão. A humanidade, no entanto, não passou diretamente do estado
bestial para o das “repúblicas”. Entre as duas etapas, Vico postula uma fase
intermediária, que não é mais “pré-histórica”, mas que ainda não é “estatal”: a
fase das FAMÍLIAS, em que se formam as primeiras modalidades de vida
associativa. Com uma comunhão e harmonia RELIGIOSA entre os ajuntados, então,
Vico pretende demonstrar que as instituições civis, especialmente o matrimônio
nascem da consciência e implantação de culturas mais respeitosas; este seria o
“estado de natureza” proposto por Vico, que é diferente daquele tratado por
Hobbes.

Na autoridade econômica, os pais são soberanos
em suas respectivas famílias, que constituiriam um primeiro e pequeno esboço dos
governos civis; e essa sociedade familiar abrange filhos, descendentes e
servos. Nesse sistema, ocorreria naturalmente uma diferenciação entre pais e
filhos, visando uma melhor organização do espaço político, mesmo que dentro de
uma residência. Essa fase das famílias como etapa intermediária entre o estado
bestial e o estado civil, é uma inovação introduzida por Vico.


A passagem da fase das famílias à primeira forma
de organização estatal, que é a república aristocrática, se deve à rebelião dos
ESCRAVOS: a revolta dos servos obriga os chefes de família a se unirem para se
defender e conservar seus domínios.

A autoridade civil constitui o terceiro estágio
definido por Vico, sendo que a república aristocrática é a primeira forma de
governo a compor essa entidade. A passagem da república aristocrática à popular
ocorre pelo mesmo motivo que explica a passagem da fase das famílias isoladas à
das famílias unidas na forma primitiva de república: a revolta dos que estão
sujeitos contra os que detêm o poder para sua vantagem exclusiva. Essa
república popular visa democraticamente à preservação da liberdade em
detrimento de um estado de licenciosidade.

Em seguida, temos a formação do principado, o
qual surge não contra as liberdades populares, mas para protege-las do
faccionismo, para defender o povo contra os demais e contra si mesmo. O reino
seria, em verdade, a própria república popular protegida contra seus males;
enquanto as repúblicas aristocráticas e populares são antitéticas, a monarquia
é uma constituição de governo popular – a república aristocrática sempre
pertencerá a uma categoria distinta daquela em que se situam a república
popular e a monarquia.

A tripartição das autoridades compreende todos
os cinco momentos do desenvolvimento histórico – a fase bestial, a fase das
famílias, a república aristocrática, a república popular, a monarquia -,
dividindo-as assim: fase bestial (autoridade monástica); fase das famílias
(autoridade econômica), as três formas de Estado (autoridade civil).

Com respeito à direção da história,
a visão de Vico se distingue das filosofias dos antigos por ser PROGRESSIVA – o
homem se eleva gradualmente do estado bestial até a melhor forma de governo. Esse
progresso histórico tem início com uma concepção cristã e prossegue com a visão
– primeiro humanista, depois iluminista – que seculariza a concepção cristã sem
renega-la. Sua teoria política é, portanto, CÍCLICA E PROGRESSIVA, sendo que
eventuais conflitos e antagonismos seriam momentos necessários para o avanço da
sociedade: “A providência seguramente fará com que essa estrada supere o
caminho precedente, para que o esforço e o sofrimento da repetição não sejam em
vãos.

Capítulo
X – Montesquieu

Como Vico, Montesquieu propõe também o problema
de saber se há leis gerais que presidem a formação e o desenvolvimento da
sociedade humana, de modo geral, e das sociedades. Porém, a análise de
Montesquieu tem uma perspectiva mais ampla: entram os Estados extra-europeus,
tanto que uma categoria fundamental da sua construção conceitual, o despotismo,
foi elaborada, sobretudo, para explicar a natureza dos governos que não
pertencem ao mundo europeu.

Para a elaboração de uma teoria geral da
sociedade, Montesquieu define: “No seu significado mais amplo, as leis
constituem as relações necessárias que derivam da natureza das coisas; nesse
sentido, todos os seres têm as suas próprias leis: a divindade, o mundo
material, as inteligências superiores ao homem, os animais, os seres humanos”. Logo,
o mundo não é governado por “cega fatalidade”. Para Montesquieu, existe
portanto uma razão primitiva, e as leis seriam as relações entre ela e os
vários seres, bem como as relações desses últimos entre si.

Montesquieu pretende considerar o universo do
homem como o físico considera o mundo natural. Por exemplo: a multiplicidade
das leis tem uma razão, cujas raízes podem ser encontradas, desde que se
apliquem ao universo humano métodos de estudo tão rigorosos quanto o dos
físicos, e desde que se adote o mesmo espírito de observação. Mas no primeiro
as coisas são um pouco mais complexas, porque, embora a afirmativa possa
parecer espantosa, “o mundo da inteligência está bem longe de ser tão bem
governado quanto o mundo físico”. O fato de que o homem se inclina, pela sua
própria natureza, a desobedecer às leis naturais, tem uma conseqüência que
distingue nitidamente o mundo físico do humano: para assegurar o respeito às
leis naturais, os homens foram obrigados a dar-se a outras leis – as leis
positivas, promulgadas em todas as sociedades pela autoridade a qual incumbe
manter a coesão do grupo. Por isso o estudo do universo humano é muito mais
complicado, o que pode explicar porque as ciências físicas têm progredido mais
do que as sociais.

A lei natural se limita a anunciar um princípio,
como por exemplo, aquele segundo o qual as promessas devem ser mantidas; as
leis positivas estabelecem como devem ser feitas as promessas para que sejam
válidas as sanções impostas aos que não as mantiverem. Montesquieu distingue
três espécies de leis positivas: as
que regulam as relações entre os Estados (direito das gentes), entre os
governantes e governados (direito político) e entre os governados (direito
civil).

Consoante Montesquieu, as causas da variedade
das leis são de três categorias: físicas
(ou naturais), econômico-sociais e espirituais.
Há três tipos de governo: Republicano, monárquico e despótico. O governo republicano é aquele no qual todo o povo, ou pelo menos uma parte
dele, detém o poder supremo; o monárquico é aquele em que governa uma só
pessoa, de acordo com leis fixas e estabelecidas; no governo despótico, um só
arrasta tudo e a todos com sua vontade e caprichos, sem leis ou freios. A
República aqui é divida entre democracia e aristocracia.


Para Montesquieu, a diferença fundamental com
respeito ao poder soberano é identificada no governo de um só e no governo de
mais de uma pessoa. O despotismo, por exemplo, é tratado por ele nos mesmos
termos com que vinha tradicionalmente se definindo a tirania. Montesquieu
define dois critérios quanto a isso: os sujeitos do poder soberano e o modo de
governar; utilizando simultaneamente os dois, sustenta que o Estado chinês
seria um exemplo clássico de despotismo, baseado no princípio do medo.

Em comparação com as tipologias precedentes, a
de Montesquieu apresenta uma novidade: está formulada em dois planos diversos,
o da NATUREZA dos governos e o dos PRINCÍPIOS que os orientam. O diz: “A diferença entre a natureza do governo e seu
princípio é que a natureza o faz ser o que é, e o princípio o faz agir”. As
formas de governo podem ser caracterizadas também, de acordo com Montesquieu,
pela paixão fundamental que induz os súditos a agir de conformidade com as leis
estabelecidas, permitindo assim a durabilidade de todo o ordenamento político. Essa
paixão fundamental, essa “mola”, necessária para que todo governo possa
desenvolver adequadamente suas tarefas é o “princípio”.

Os três princípios de Montesquieu são: A VIRTUDE
CÍVICA, para a república; a HONRA, para a monarquia; o MEDO, para o despotismo.

Por virtude, quer dizer não só a virtude moral,
mas a atitude que vincula intimamente o indivíduo a tudo o que participa. A
virtude republicana é justamente o amor pela república. O amor da pátria leva
aos bons costumes, e esses ao amor da pátria. A este nível, deve ser salientado
o conceito de IGUALDADE, pois serve para distinguir a república de outras formas de governo. Já o conceito de HONRA não é aplicável à
república, sendo melhormente cabível numa monarquia. A virtude republicana nos
faz agir tendo em vista o bem comum, mas a honra é uma “mola” individual que
serve contudo ao bem comum, independentemente da vontade individual, pois leva
ao cumprimento do dever.

Como a virtude na república, a honra na
monarquia, no governo despótico é preciso o MEDO: nele a virtude é
desnecessária e a honra seria perigosa. Já na revolução francesa, a mola do
governo popular é ao mesmo tempo virtude e o terror.

Montesquieu admite sua ideologia monarquista na
seguinte passagem: “O governo monárquico apresenta uma grande vantagem com
relação ao despótico. Como sua natureza exige que o príncipe tenha debaixo de
si várias ordens relativas à constituição, o Estado é mais resistente, a
constituição mais inabalável, a pessoa dos governantes mais segura”. A
monarquia, então, fica instalada como uma forma de governo em que há uma faixa
de poderes intermediários entre os súditos e o soberano: os “contrapoderes”,
que impedem o abuso, pelo monarca, da sua própria autoridade. O governo
monárquico, estando sobre tutela de outros poderes intermediários, pode ser
considerado um governo MODERADO, na medida em que nenhum deles tenha condições
de atuar arbitrariamente.

Para evitar o abuso de poder, este deve ser
distribuído de modo que o poder supremo seja conseqüência de um jogo de
EQUILÍBRIO entre diversos poderes parciais, e não se concentre nas mãos de uma
só pessoa. O governo moderado de Montesquieu deriva, contudo, da dissociação do
poder soberano e da sua participação com base nas três funções fundamentais do
Estado – EXECUTIVA, LEGISLATIVA E JUDICIÁRIA. A liberdade política seria
encontrada, então, nos governos moderados e no direito de fazer tudo que as
leis permitem.

Uma nova tipologia seria a divisão dos governos
em moderados e despóticos.

Capítulo
XI – Intervalo: o Despotismo

Enquanto Aristóteles, acompanhado pela maior parte
dos escritores políticos, mesmo os modernos (como Maquiavel e Bodin), fez do
despotismo uma espécie de gênero “monarquia”, Montesquieu explica por que se
deve considerar o despotismo uma forma de governo inteiramente diversa da
monarquia.

O critério de diferenciação é, como se viu no
capítulo precedente, a “distribuição dos poderes”, que existe nas monarquias,
mas não nos regimes despóticos. Assim, podemos perceber a importância atribuída
à separação dos poderes, o que torna um governo moderado. Montesquieu descreve
o despotismo baseando-se em vários aspectos – naturais, econômicos, jurídicos,
sociais, religiosos – ao passo que os autores precedentes preocupavam-se
essencialmente com o aspecto político.

Já em Boulanger, temos que a origem de todos os
males da sociedade reside no governo da religião; o caráter total, não-controlado do poder despótico; o terror como
instrumento de domínio e a sujeição total do súdito ao soberano, enfim, o
vínculo entre regime despótico e teocracia.

Em todos os autores citados, “o despotismo
oriental” é sempre uma categoria negativa; contudo, no século XVIII houve
escritores que a empregaram com uma conotação positiva, notadamente os da
corrente fisiocrata – o despotismo iluminado, o conceito de FISIS. Sendo único
o príncipe, mais concentrado e iluminado seu poder, e maior sua capacidade de
governar em conformidade com as leis naturais que devem reger a sociedade dos
homens, melhores condições terá de fazer respeitar “a ordem natural e
essencial” das coisas. Desse conjunto de idéias nasce a nova figura do “bom
déspota”.

Dupont de Nermous declara absurda a idéia de
várias autoridades concorrendo entre si, dizendo
que se todas essas autoridades são iguais, o resultado será a anarquia. Para
ele, a autoridade soberana não deve fazer as leis, porque essas são feitas pela
Criado; as leis do soberano são atos declarativos da ordem natural, portanto,
as ordens contrárias às leis naturais “não são leis, mas atos insensatos que
não deveriam ser obrigatórios a ninguém”.

Já Paul-Pierre Le Mercier de la Revière se
pergunta qual seria a melhor forma de governo; e ele mesmo responde: “é aquela
que não permite que se possa tirar vantagem de governar mal; que obriga a quem governa a ter no bem governar seu maior interesse”. De
acordo com ele, há um despotismo legal, estabelecido natural e necessariamente
com base na evidência das leis de uma ordem essencial, e um despotismo
arbitrário, produzido pela opinião que se presta a todas as desordens, a todos
os excessos de que a ignorância o torna susceptível.

Um dos pontos fixos dos defensores do
despotismos, embora puramente legal, é a crítica da separação dos poderes, dos
chamados “contrapesos”. Para Malby, por exemplo, não se pode traçar uma
distinção entre despotismo legal e despotismo arbitrário. Segundo ele, o
defeito do despotismo seria a concentração do poder nas mãos de uma só pessoa;
contra esse despotismo só existiria um remédio: o governo misto ou moderado:
“forma-se um governo misto a fim de que ninguém se ocupe só com os próprios
interesses; para que todos os membros do Estado, obrigados a ajustar-se aos
interesses alheios, trabalhem para o bem público, a despeito de suas próprias
conveniências”.

Capítulo
XII – Hegel

No livro As lições da filosofia da história, Hegel
faz uma análise introdutória da “base geográfica da história mundial”. De
acordo com essa idéia, as atividades pastoril, agrícola e comercial, que
representam as três fases do desenvolvimento da sociedade humana, do ponto de
vista econômico, correspondem também a três regiões distintas da Terra. Com
isso, demonstra-se também que a evolução das sociedades não ocorre apenas em
momentos sucessivos do tempo e no mesmo espaço, mas sim mediante um
deslocamento de área em área. Exemplo: uma vez alcançada sua maturidade na
Europa, a civilização terá uma próxima fase na América; o novo continente seria
o futuro.

Para Hegel, as formas de governo são as mesmas
de Montesquieu – o Despotismo (oriental), a República (antiga) e a Monarquia
(moderna). Com o livro citado acima, temos uma forte defesa da CONSTITUIÇÃO,
como “uma porta pela qual o momento abstrato do Estado penetra na vida e na
realidade”. “Com razão, portanto, as constituições têm sido classificadas
universalmente nas categorias de monarquia, aristocracia e democracia. É
preciso, porém, observar, em primeiro lugar, que ‘a própria monarquia pode ser
distinguida em despotismo e em monarquia como tal”.

“As diferenças das constituições têm a ver com a
forma como se manifesta a totalidade da vida estatal. A primeira forma é aquela
em que essa totalidade ainda não evoluiu, suas esferas particulares não
alcançaram ainda autonomia; a segunda em que tais esferas, e com elas os
indivíduos, se tornam mais livres; a terceira, por fim, aquela em que estes são
autônomos, e sua atividade consiste na produção do universal.” Esta primeira
manifestação do Estado é despótica e instintiva. Mais tarde se manifesta a
particularidade: são aristocratas, esferas singulares, órgãos democráticos,
indivíduos que dominam. O fim, portanto, é o poder monárquico. Não se emprega
mais o critério “de quem” e de “como” admitido anteriormente por Montesquieu. Trata-se
de critério muito mais rico de potencialidades explicativas, porque leva em
conta a estrutura da sociedade no seu conjunto.

As três formas de governo correspondem a três
tipos de sociedade: a PRIMEIRA é ainda indiferenciada e inarticulada; as
esferas particulares ainda não emergiram da indistinta unidade inicial; na
SEGUNDA começam a surgir essas esferas, contudo não chegam a ser completamente
autônomas; na TERCEIRA há unidade e diferenciação, e a unidade é perfeitamente
compatível com a liberdade das partes. Ocorreria então articulação em diversas
classes, que constituiriam as profissões de cada indivíduo, suas esferas
particulares, dedicadas a ocupações caracterizadas singularmente. Segundo
Hegel, o Estado é um todo orgânico, no qual todas as articulações são
necessárias, como num organismo – natureza ética. Também cada sociedade
possuiria a sua Constituição, não podendo haver uma outra, não dependendo esta
da “escolha”, mas que seja a única adequada, de acordo com cada realidade
diferente de espírito do povo. Ele não se cansa de atacar a ilusão iluminista
de que uma constituição pode ser perfeita por si só, podendo ser imposta aos
povos mais diversos; como se essa implementação ideológica – a constituição –
dependesse de uma livre escolha determinada pela reflexão. Seria perda de
tempo, portanto, qualquer discussão sobre a melhor forma de governo.

Quando Hegel trata sistematicamente as diversas
épocas da história universal, elas não são mais três, porém quatro – o mundo
oriental, o mundo helênico, o mundo romano e o mundo germânico. Esses
movimentos históricos são dados por ele como contínuos, não cíclicos e
rigorosamente associados ao espaço geográfico e ao mesmo tempo histórico, de
modo que não podiam repetir-se. Tanto o universalismo abstrato como o
particularismo individualista são características que contrastam com a
realidade concreta e histórica de um Estado. Daí a crua descrição do império
romano como se pode ler num parágrafo de Filosofia do Direito: “A
dissolução da totalidade termina na infelicidade universal e na morte da vida
ética, na qual as individualidades nacionais morrem na unidade do Panteon,
todos os indivíduos decaem à condição de pessoas privadas, iguais entre si sob
um direito formal; pessoas que, no entanto, só estão unidas por um arbítrio
abstrato, que chega à monstruosidade”.


A primeira era, correspondente ao mundo
oriental, para Hegel, é também a idade do Despotismo: o despotismo teocrático
da China, a aristocracia teocrática da Índia, a monarquia teocrática da Pérsia;
o caráter determinante para o regime despótico é a teocracia. Embora sendo já
um mundo histórico, o universo do despotismo oriental não apresenta um
verdadeiro desenvolvimentos histórico; não produzem progresso algum.

Hegel dedica à África algumas páginas que hoje
pareceriam repletas de blasfêmias. Para ele, o negro é o “homem no estado
bruto, bárbaro”; concepção racista e de certa forma natural para aquela época e
contexto.

Sobre o uso prescritivo da teoria das formas de
governo no pensamento de Hegel: “Assim, enquanto contém a ciência do Estado,
este tratado não deve ser mais do que a tentativa de entender e de apresentar o
Estado como coisa racional em si mesma”. Nesses termos ele se define
politicamente pela MONARQUIA CONSTITUCIONAL – é a forma de governo em que o rei
exerce poder “indiretamente”, através dos chamados “corpos intermediários”, e
na qual, consequentemente a liberdade civil está melhor protegida do que em qualquer
outra constituição; e democracia, no entanto, só seria boa em pequenos Estados.

Ele divide o “momento ético” em três momentos
parciais – da família, da “sociedade civil” e do Estado. É uma esfera
intermediária, portanto, entre a família e o Estado. Hegel quer dizer que onde
a sociedade se vem articulando pela divisão em classes, é necessário que haja
uma constituição diferente da que bastava em sociedades mais simples, isto é,
sociedades onde não se faz distinção entre a esfera do público e do privado. As
formas clássicas só se adaptam a sociedades simples; só a “monarquia
constitucional” se adapta a sociedades complexas. Essa forma de governo, aliás,
se faz parecer como reencarnação – ou forma moderna – do governo misto. “O
caráter distintivo da monarquia constitucional não reside no fato de que
governem um, poucos e muitos, em diferentes níveis, porém no fato bem mais
substancial de que os poderes fundamentais do Estado estão divididos, e são
exercidos por diversos órgãos. As diferenças puramente quantitativas são apenas
superficiais, e não indicam o conceito da coisa”.

Capítulo
XIII – Marx

Neste capítulo, Bobbio emprega a distinção entre
o uso descritivo, o histórico e o prescritivo da tipologia. Em nenhum lugar da
imensa obra de Karl Marx encontramos qualquer manifestação do seu interesse
pelo problema das tipologias das formas de governo; não produziu nenhuma obra
dedicada expressamente ao problema do Estado. Uma razão intrínseca do pouco
interesse de Marx pela tipologia das formas de governo é sua concepção
caracteristicamente negativa do Estado. Para Hegel, ao contrário, o Estado
representa um momento positivo na formação do homem civil.

Grande parte da filosofia política é uma
glorificação do Estado. Marx, ao contrário, considera o Estado como um simples
e puro “instrumento” de domínio; tem uma concepção que chamaria de “técnica”,
para contrapor a concepção “ética” prevalecente nos escritores que o
precederam, entre os quais o representante máximo é certamente o teórico do
“estado ético”.

Os dois elementos principais da concepção
negativa do Estado em Marx são: a) consideração do Estado como pura e simples
superestrutura que reflete o estado das relações sociais determinadas pela base
econômica; b) a identificação do Estado como aparelho de que se serve a classe
dominante para manter seu domínio, pura e simplesmente o interesse específico
de uma parte da sociedade; o Estado sempre se manifesta como uma forma
corrompida.


“A vida material dos indivíduos, que não depende
em absoluto da sua vontade pura, seu modo de produção e a forma de
relacionamento que os condiciona reciprocamente são ‘ a base real do Estado’, e
continuam a sê-lo em todas as fases nas quais é ainda necessária a divisão do
trabalho e a propriedade privada… Essas relações reais não são em absoluto
criadas pelo poder do Estado; na verdade, elas constituem o poder que cria o
Estado (Ideologia Alemã)”.

Marx entende por “superstição política” qualquer
concepção que, valorizando excessivamente o Estado, termina por fazer dele um
“deus terreno”, ao contrário de Hegel. Marx representa o fim dessa superstição
política: “o conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura
econômica da sociedade, ou seja, a base real sobre a qual se levanta uma
superestrutura jurídica e política, à qual correspondem formas determinadas de
consciência social” (Pela crítica
da economia política,
Prefácio).

“No sentido próprio, o poder político é o poder
de uma classe organizado para oprimir outra classe” (Manifesto do Partido Comunista, 1848).

Numa concepção negativa do Estado, este é sempre
mau – qualquer que seja a forma de governo. O que importa para Marx e para
Engels (como para Lênin) é a relação real de domínio, entre classe dominante e
classe dominada, qualquer que seja a forma institucional de que se revista. Do
ponto de vista das relações reais de domínio, não das aparentes, cada Estado é
uma forma de despotismo.


A “república” indica a forma de
governo que como tal é pura e simplesmente o aspecto externo, e “despotismo”
indica a natureza da relação real de domínio. O Estado é sempre o Estado da
classe mais poderosa; quando as classes antagônicas têm quase a mesma força, o
poder estatal pode assumir função mediadora entre as classes, adquirindo uma
certa “autonomia” – o “bonapartismo”. O ditador é também um instrumento da
classe dominante, a qual, no momento do perigo, renuncia ao próprio poder,
exercido diretamente, entregando-se nas mãos do “salvador” (a figura do
bonapartismo é lembrada muitas vezes nas interpretações do fascismo).

Com a ascensão do ditador ao poder, a burguesia
renunciaria ao poder político – mas não renuncia ao poder econômico. No Estado
bonapartista o executivo marginaliza o legislativo, apoiando-se no “espantoso
corpo parasitário” da burocracia. Todavia, essa inversão de papéis nada altera
na natureza do Estado, que é sempre um Estado de classe, exercendo poder
despótico. Muda o titular do poder político, o que não muda é a natureza
despótica do Estado. Mudando a forma de governo, muda o modo como o poder é
exercido, não a substância do poder; essa seria a essência do Estado. Na
linguagem marxista o termo mais usado para indicar o domínio de uma classe
sobre a outra não é “despotismo”, mas sim “ditadura”.

De acordo com Marx, a existência das classes só
está ligada a determinada fase do desenvolvimento histórico da produção; a luta
das classes leva necessariamente à “ditadura do proletariado”, gerando-se,
então, uma sociedade sem classes.


Para Marx, as formas que assumem os Estados
burgueses são extraordinariamente variadas, e a transição para o comunismo não
pode deixar de produzir grande número e variedade de formas políticas. O Estado
é sempre uma ditadura de classe – no primeiro caso, da burguesia, no segundo,
do proletariado.

O critério adotado por Marx para dividir as várias
épocas da história é, como se sabe, o da evolução das relações de produção,
segundo a qual a humanidade teria passado da sociedade escravista para a
sociedade feudal, e desta para a burguesia, estando destinada a passar da
sociedade burguesa para a socialista.

No que concerne ao Estado e sua evolução, o
livro de Engels apresenta uma linha de evolução da história da humanidade
dividida em três fases. A princípio o homem se reúne em grupos que têm uma
organização comunitária e familiar, não conhecem a propriedade e a divisão do
trabalho. Sucede-se a etapa do Estado, que dura até hoje, e que, sob certos
aspectos, representa uma decadência em relação à fase inicial. Decadência da
qual a humanidade poderá salvar-se com um salto qualitativo, que a leve da fase
do Estado à dissolução do Estado.

São características de uma sociedade sem Estado:
a ausência de um poder coator e opressivo, a inexistência de um aparelho
administrativo, a substituição das leis pelos costumes, além de liberdade e
igualdade para todos. Porém o que temos hoje seria um Estado representativo
moderno, o qual é um instrumento para a exploração do trabalho assalariado por
parte do capital.

Dos três tipos de Estado que Marx enumera, só o
terceiro – o Estado representativo – pode ser considerado como uma forma de
governo. Os outros dois – o Estado escravista e feudal – se caracterizam não
pela forma de governo, mas pelo tipo de sociedade que refletem.

Marx extraiu dessa experiência a idéia de que o
Estado proletário representaria uma democracia direta, com a participação dos
cidadãos nos vários órgãos detentores de poder, sem representantes eleitos, em
contraste com a democracia representativa, própria do Estado burguês. Marx
tende a acentuar sobretudo o exercício direto dos vários graus de poder estatal
pelo povo, que participa das diferentes funções governamentais. Ele enumera
alguns aspectos do breve governo da Comuna de Paris: 1) a supressão do exército
permanente, substituído pelo povo em armas; 2) eleições por sufrágio universal
dos conselheiros municipais, permanentemente responsáveis e demissíveis, e a
transformação da Comuna em local de trabalho conjunto executivo e legislativo;
3) retirada das atribuições políticas da polícia, com sua transformação em
instrumento responsável pela Comuna; 4) o mesmo com relação à administração
pública, com a redução drástica dos estipêndios (ao nível dos salários
recebidos pelos operários); 5) dissolução e desapropriação de todas as igrejas,
como entidades proprietárias; 6) acesso gratuito do povo a todas as
instituições de ensino; 7) eletividade dos magistrados e juízes, que passam a
ser responsáveis e demissíveis como todos os funcionários públicos.

Segundo Marx, os temas principais da “melhor”
forma de governo podem ser assim resumidos: a) a supressão dos “corpos
separados”, como o exército e a polícia; b) transformação da administração
pública, da “burocracia”, em corpos de agentes responsáveis e demissíveis, a
serviço do poder popular; c) extensão do princípio da eletividade; d) amplo
processo de descentralização, de modo a reduzir ao mínimo o poder central do
Estado.

O que Marx propõe não é tanto a democracia
direta, no sentido próprio (isto é, a forma de democracia na qual todos
participam pessoalmente da deliberação coletiva, como acontece nos casos de referendum), mas a democracia
eletiva com revogação dos mandatos – uma forma de democracia em que os
representantes eleitos têm seu mandato limitado às instruções recebidas dos
eleitores.

Para Marx, a melhor forma de governo é aquela
que agiliza o processo de extinção do Estado; e essa forma de governo é a
chamada “transição”, e que é, do ponto de vista do domínio de classe, o período
da “ditadura do proletariado”.


Nesse livro, a análise das três diferentes
formas de governo acontece a partir de uma passagem puramente imaginária, onde
três personagens discutem qual seria a melhor forma de governo. Os diferentes
pontos de vista são proferidos de modo a defender suas idéias e finalidades em
detrimento do que vier a ser comentado pelo outro.

A discussão tem início quando Otanes propõe que
se entregue o poder ao povo, ou seja, uma democracia, onde os cargos públicos
seriam sorteados à população, os órgãos seriam fiscalizados e o governo seria
erguido na igualdade perante a lei e no controle pelo povo (todas as decisões
estariam sujeitas ao voto popular), o que pressupõe a comunhão absoluta entre
os cidadãos.

Outro personagem, Megabises, primava por um
comando oligárquico, alegando que o poder deveria ser entregue a um grupo de
homens escolhidos entre os mais capazes, sendo natural que “as melhores
decisões fossem tomadas pelos melhores”.

Em terceiro lugar, Dario manifestou-se em favor
de um governo monárquico, baseado na figura de um só homem – o melhor – , ao
qual caberia governar o povo de modo irrepreensível, funcionando como um guia
único, necessário para manter a ordem do Estado. Segundo ele, a monarquia seria
a melhor opção, haja vista que em todas as outras formas, tem-se uma tendência
natural ao individualismo, concedido pela ganância entre os homens.

A descrição de cada uma das formas de governo
trazia consigo uma prescrição de modo a convencer o seu interlocutor pelo ponto
de vista de cada personagem. Com isso, devemos admitir também que junto com as
prescrições de cada ideologia, temos um julgamento negativo das outras formas,
principalmente quanto o poder, e a quem ele seria concedido..

Com a democracia, por exemplo, esse poder seria
dado a uma massa inepta, obtusa e prepotente, caindo sobre a plebe desatinada. Quando
é o povo quem governa, é impossível não haver corrupção no trato da coisa
pública. Com isso, não seria criados somente inimizades, mas também sólidas
alianças entre os malfeitores. O princípio da igualdade, por exemplo, serviria
apenas para ocultar as tão evidentes desigualdades provocadas por esse tipo de
governo. O ponto crítico desse “poder popular”, então, não seria a discórdia
entre os bons, mas o acordo entre os maus.

Numa aristocracia, é fácil que nasçam graves
conflitos pessoais entre os detentores do poder, uma vez que cada um defenderia
o seu ponto de vista, na tentativa de se tornar o chefe. Isso criaria um
espírito de emulação entre os governantes, de onde surgem as facções, e delas
os delitos.

Já na monarquia, teríamos o governo de um só
homem, e, por natureza, uma só visão, não sendo analisado ou cobrado por
nenhuma outra instância, ou seja, naturalmente arbitrário, podendo chegar a uma
ditadura.



[1] BOBBIO, Norberto,
MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília:
Editora da Universidade de Brasília.1993.p.675

Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.

Como citar e referenciar este artigo:
GOULART, Rodrigo Acórdi. Teoria das Formas de Governo – Norberto Bobbio – ver.3. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/teoriapolitica/teoria-formas-gov-3/ Acesso em: 19 abr. 2024