MPF/MG

MPF recomenda que órgãos disponibilizem todos os documentos da época da ditadura

Recomendações foram encaminhadas à Secretaria de Estado de Defesa Social, ao Comando Militar do Leste, à Polícia Federal, ao TJMG e ao Arquivo Público Mineiro

25/10/2012

Belo Horizonte. A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PDRC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), recomendou à Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS), à Superintendência Regional da Polícia Federal, ao Comando Militar do Leste e ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG)a transferência para o Arquivo Público Mineiro de todos os documentos relacionados ao período da ditadura militar, que vigorou no país entre os anos de 1964 e 1985.

Segundo o MPF, o objetivo da recomendação é garantir a revelação da verdade sobre as ações conduzidas pelo Estado durante o regime autoritário.

A procuradora regional dos Direitos do Cidadão, Silmara Goulart, ressalta que “a Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidades (ONU) reconhece como direito inalienável dos povos conhecer a verdade a respeito dos acontecimentos ocorridos no passado, em especial no que se refere às circunstâncias e aos motivos que levaram à ocorrência de crimes abomináveis como os praticados na ditadura militar”.

“A própria instalação da Comissão Nacional da Verdade demonstra que o país está voltado a resgatar fatos importantes de sua história recente que não podem e não devem ser relegados ao esquecimento. Nosso objetivo, com as recomendações, é obter a colaboração de órgãos e instituições que possuem documentos importantes daquele período, mas ainda não tiveram a preocupação de resgatá-los como provas de fatos históricos”, explica a procuradora da República.

Parte do acervo – Em 1998, Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais constatou a existência de vários arquivos públicos pertencentes ao extinto DOPS em poder do Instituto de Identificação da Polícia Civil de Minas Gerais. No entanto, o Estado acabou transferindo para o Arquivo Público apenas parte do acervo, contrariando o disposto na Lei estadual 10.360/1990. “Dos 541 rolos de microfilme, apenas 98 foram enviados ao Arquivo Público. É preciso resgatar e preservar esse material o quanto antes, além de outros que eventualmente estejam em poder da SEDS”, afirma Silmara Goulart.

À Secretaria de Estado de Defesa Social, o MPF recomendou a transferência para o Arquivo Público Mineiro de todos os arquivos e documentos relacionados às atividades da extinta Secretaria de Segurança Pública durante os anos do regime militar, bem como os documentos e microfilmes relacionados às atividades dos órgãos estaduais de repressão que estavam ou ainda estão sob a guarda do Instituto de Identificação de Minas Gerais ou das Polícias Civil e Militar.

O MPF lembra que, segundo depoimentos de ex-presos políticos, além do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), vários outros órgãos e entidades da administração estadual, em especial a Delegacia de Furtos e Roubos e a 10ª e a 11ª Delegacias da Polícia Civil de Belo Horizonte, o Batalhão de Guardas da Polícia Militar de Minas Gerais e as equipes de buscas da PMMG e da Polícia Civil lotadas no Destacamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI/BH), atuaram diretamente em ações de polícia política, perseguição, prisão, tortura e morte de militantes. Todos esses órgãos são subordinados à SEDS.

O acesso à documentação desse órgãos, inclusive os de ordem administrativa e aqueles considerados de polícia comum, é fundamental para garantir o direito à memória e à verdade.

“Nesta terça-feira (23/10), o governo estadual firmou convênio com a Comissão Nacional da Verdade para digitalizar e disponibilizar na internet os procedimentos administrativos em poder do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (CONEDH). No entanto, esses arquivos não esgotam toda a documentação capaz de revelar a verdade sobre os fatos históricos ligados ao regime militar, até porque ainda não se sabe o paradeiro de parte do material identificado pela CPI da Assembleia Legislativa”, afirma a procuradora.

Depoimentos de ex-presos revelam que, no âmbito federal, o Exército e a própria Polícia Federal também participaram da“execução de ações de repressão política, interrogatórios, custódia de presos políticos e colaboração com órgãos do Sistema Nacional de Informações (SNI)”.

A recomendação encaminhada à Polícia Federal e ao Comando Militar do Leste pede a remessa de documentos, inclusive os de caráter administrativo, para o Arquivo Nacional, com cópia para o Arquivo Público Mineiro.

Levantamento – A procuradora dos Direitos do Cidadão dá outro exemplo de como a história da ditadura pode estar dispersa pelos órgãos, sem que seus atuais titulares se dêem conta. É o caso de um processo criminal sobre a morte de presos políticos (Inquérito Policial n. 0024.89.635606-0), que está arquivado na 3ª Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte.

“Tivemos notícia da existência desse processo durante as investigações instauradas pelo MPF em Belo Horizonte para apurar a morte e o desaparecimento de presos políticos. É provável que a própria Justiça Estadual desconheça sua existência. Por isso, pedimos ao presidente do TJMG a realização de um levantamento pormenorizado de todos os processos envolvendo casos de homicídios, suicídios, abuso de autoridade, lesões corporais, ocultação de cadáver e ações cíveis de indenização movidas contra o Estado de Minas Gerais referentes a fatos ocorridos durante o período de 1964 a 1985″, diz.

De acordo com a recomendação, é fato notório que, durante o governo militar, os órgãos de repressão criaram versões para ocultar as mortes de presos políticos e as torturas, forjando laudos médicos ou autos de resistência. “Por isso, é importante que todos os documentos, mesmo os que se relacionem a fatos aparentemente comuns como autos de alegados suicídios, acidentes ou outras fatalidades, sejam disponibilizados para triagem arquivística”.

O MPF fundamentou seus pedidos nos artigos 5º e 216 da Constituição Federal, na nova Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), bem como na Lei Estadual nº 10.360/1990, que determinou pertencer ao patrimônio histórico estadual, “todos os arquivos e documentos produzidos por órgãos estaduais que participaram de atividades políticas”.

Sem restrição – Outra recomendação foi encaminhada ao Arquivo Público Mineiro com o objetivo de garantir amplo acesso e divulgação às informações relacionadas à ditadura militar que estejam em poder do órgão.

O MPF teve conhecimento de que o Arquivo Público Mineiro, ao realizar o tratamento dos arquivos do extinto DOPS/MG, um dos órgãos mais atuantes na perseguição, prisões arbitrárias e torturas de presos políticos, restringiu o acesso a informações e documentos considerados de “caráter íntimo”, ficando a liberação, nesses casos, sujeita à apreciação da direção da entidade.

Para o Ministério Público Federal, “a revelação pública de informações prestadas por presos e testemunhas, durante os interrogatórios conduzidos por agentes da repressão, não pode ser considerada atentatória à intimidade, privacidade, honra e imagem, seja do depoente ou de terceiro, na medida em que foram obtidas usualmente sob tortura física ou psíquica”.

Outra conduta do Arquivo Público Mineiro questionada pelo MPF foi a cobrança de taxa para o fornecimento de cópia de documentos do Fundo DOPS/MG, mesmo quando o pedido é apenas de cópia digital.

“Com a publicação da nova Lei de Acesso à Informação, é preciso que o Arquivo Público Mineiro reveja o tratamento dado a essa documentação. Além disso, a lei garantiu a gratuidade na prestação de informações por órgãos públicos, salvo nas hipóteses de reprodução de documentos, quando poderá ser cobrado exclusivamente o valor necessário ao ressarcimento dos custos e dos materiais utilizados”, afirma a procuradora da República.

O MPF recomendou à Superintendente do Arquivo Público Mineiro que revise as restrições de acesso existentes nos arquivos e documentos do Fundo do DOPS/MG, eximindo-se de cobrar taxa por documentos em formato digital.

Assessoria de Comunicação Social
Ministério Público Federal em Minas Gerais
Tel.: (31) 2123.9008
No twitter: mpf_mg

Fonte: MPF/MG

Como citar e referenciar este artigo:
NOTÍCIAS,. MPF recomenda que órgãos disponibilizem todos os documentos da época da ditadura. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/noticias/mpfmg/mpf-recomenda-que-orgaos-disponibilizem-todos-os-documentos-da-epoca-da-ditadura/ Acesso em: 24 abr. 2024