Direito Constitucional

Supremo Tribunal Federal– Súmula Vinculante – Retrocesso

Antonio Sérgio Baptista*

Samir Maurício de Andrade**

 

 

Pode parecer absurdo, mas sinto-me obrigado a reconhecer que o glorioso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, por onde passaram figuras do porte de Aliomar Baleeiro, Bilac Pinto, Victor Nunes Leal e, mais recentemente, Sepúlveda Pertence, revogou cláusula pétrea e princípio grafados na Constituição Federal.

 

Refiro-me à Sumula vinculante nº 5, aprovada por unanimidade e editada na sessão do dia 07 de maio de 2008, com a seguinte redação:

 

A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.”

 

É inacreditável que a Corte Suprema, guardiã da Constituição, cometa o vilipêndio de ignorar o princípio constitucional da ampla defesa e do devido processo legal, em processos administrativos e judiciais, com a utilização de todos os meios a ela inerentes, dentre os quais se inclui a toda evidência, a defesa técnica feita por advogado que, aliás, “é indispensável à administração da justiça.”, como afirma o artigo 133 da Constituição de 1988.

 

A verdade, a incontestável verdade é que o STF, com uma só penada e em poucas palavras, revogou o inciso LV do artigo 5º, cláusula pétrea e o artigo 133 da Constituição da República Federativa do Brasil.

 

Aliás, oportuno lembrar que as sumulas, editadas com fundamento no artigo 103 – A da Constituição Federal, “têm efeito vinculante em relação aos demais órgãos do poder judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal…”.

 

Ademais, a súmula vinculante editada, REVOGA a Súmula 343, do STJ, que tem a seguinte dicção “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases de processo administrativo disciplinar” e que foi editada graças à incansável luta dos profissionais da advocacia, na defesa de todo e qualquer cidadão que, quando é atingido por atos do Estado e não possui condições técnicas para sua defesa, tem o direito de ser patrocinado por uma defesa técnica de profissional da advocacia.

 

No entanto e diferentemente, os doutos Ministros do Supremo entenderam que, no Processo Administrativo Disciplinar, a presença do advogado é uma faculdade colocada à disposição do servidor público federal nos termos do disposto no artigo 156 da Lei 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos da União).

 

Neste passo, é importante observar que o próprio Estatuto hospeda duas exceções, cujo cumprimento era obrigatório pela própria lei e que, é de pasmar, não foram contempladas na referida súmula vinculante, quais sejam: (i) quando o servidor não é encontrado e tem que ser nomeado um procurador para defendê-lo e (ii) quando o assunto objeto do processo é muito complexo e foge à compreensão do servidor. Neste caso, se ele não dispuser de recursos para contratar um advogado, caberia ao órgão público colocar um defensor a sua disposição, como está expresso na legislação.

 

A surpresa é maior quando se conclui, sem grande esforço de intelecção, que a nova Sumula vinculante foi editada para mudar o entendimento firmado pelo STJ, com a única finalidade de salvar delicada situação em que se encontrava o Governo Federal que, não tendo observado o rigor da lei, respaldado em posição do ilustre Advogado Geral da União, Doutor José Antonio Dias Toffoli que, ao defender a opinião de não obrigatoriedade dos advogados, advertiu para o risco de, a se consolidar o entendimento do STJ, servidores demitidos “voltarem a seus cargos com poupança, premiados por sua torpeza”. A decisão do STJ daria ensejo a demandas semelhantes, em que os servidores, além de sua reintegração ao cargo, poderiam reclamar salários atrasados de todo o período em que dele estiveram ausentes, disse Toffoli (www.conjur.estadao.com.br – 07 maio 2008) pois, segundo o chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, de janeiro de 2003 até hoje, 1.670 servidores federais foram demitidos sem o devido processo legal.

 

Assim, sem as ressalvas peculiares, resultantes da própria legislação extravagante e dos comandos hospedados na Constituição Federal, estamos muito próximos do Estado absoluto que, através do poder totalitário disciplinar, afasta a garantia do direito de ampla defesa e do contraditório no âmbito administrativo, que deve ser exercido através do único profissional habilitado e reconhecido constitucionalmente: o ADVOGADO.

 

Com sapiência, ilustra o D. Magistrado: “Por melhores que fossem as intenções, a tal ‘faculdade’ da defesa técnica era e é inconstitucional: artigo 5º, inciso LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; e 133 – O advogado é indispensável à administração da justiça. Do mesmo modo, aliás, de modo mais grave, porque editada pelo Tribunal que deveria exercer a guarda da Constituição, a recentíssima Súmula Vinculante nº. 5 é inconstitucional (Migalhas 1.894 – 9/5/08 – “Migalhas dos leitores – STF x STJ = – OAB”). Fica a OAB concitada a buscar o cancelamento da Súmula (artigo 130 A da CF e Lei 11417/06).” (DR. Alfredo Attié Júnior – Juiz de Direito e Doutor em Filosofia da USP, in www.migalhas.com.br – Migalhas dos leitores, Quarta-feira, 14 de maio de 2008 – Migalhas nº 1.897).

 

Portanto, todos os vícios e máculas, que poderiam ser afastados na fase administrativa, ficarão postergados para apreciação pelo Judiciário quando o tempo, como é notório, militará em favor do Estado, deixando de realizar a verdadeira justiça administrativa.

 

A classe jurídica está perplexa. Já não basta o desvario da ditadura do grampo, da república policialesca, que submete as pessoas à execração pública, que denigre a imagem de simples suspeitos, condenando-os antecipadamente, em conluio com a mídia; já não basta a tenaz perseguição do Ministério Público contra os advogados privados que militam na área do Direito Público; já não basta o substancial número de agentes públicos, prefeitos em especial que, injustamente, vem sendo processado por supostos atos de improbidade e, agora, temos o Excelso Pretório rasgando, despudoradamente, a Carta Política do Brasil.

 

Cuidado com o rumo, é preciso preservar, a todo custo, o Estado Democrático de Direito!

 

Concluo, lembrando Fernando Pessoa: Tudo, menos o ridículo.

 

 

* Advogado. Especialista em Direito Público.

 

** Advogado, ex-secretário de Administração e ex-secretário dos Negócios Jurídicos da Prefeitura de Indaiatuba e consultor de diversas prefeituras e da Antonio Sérgio Advogados Associados.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
BAPTISTA, Antonio Sérgio; ANDRADE, Samir Maurício de. Supremo Tribunal Federal– Súmula Vinculante – Retrocesso. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/sumstf/ Acesso em: 28 mar. 2024