Senado

‘Morte de Getúlio, em 1954, adiou o golpe em 10 anos’, diz historiador

Ricardo Westin





De acordo com o historiador Antonio Barbosa, professor da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), o suicídio de Getúlio Vargas mexeu tanto com as emoções do país que parte dos brasileiros que tinham aversão ao presidente passou a encará-lo como vítima.

— Os adversários de Getúlio, então, perderam as forças para tomar o poder. O golpe teve de ser abortado. A ditadura militar só seria imposta dez anos mais tarde — explica.

Por que Getúlio Vargas se matou? Os militares de fato dariam um golpe?

Getúlio sabia que haveria um golpe para depô-lo. Na última reunião que fez com o ministério, pouquíssimas pessoas ficaram do seu lado. Já idoso [tinha 72 anos] e experiente das lutas políticas, Getúlio sentiu que o cerco havia se fechado e preferiu o gesto dramático do suicídio. Foi, na minha avaliação, o gesto mais inteligente que poderia ter feito. Quando deu o tiro no peito, ele estava, claro, pensando em si, em sua biografia, mas também estava pensando muito no Brasil. Ele sabia que o suicídio impediria de chegar ao poder aquelas forças que lutavam contra ele, contra o trabalhismo e contra as reformas sociais que vinha implementando. Com o suicídio, as emoções afloraram pelo Brasil afora e Getúlio conseguiu reverter a oposição que já estava ganhando as ruas. O suicídio mexeu com o imaginário do país inteiro. Em toda a história do Brasil, não houve nenhum outro presidente que tenha se suicidado. O país levou um susto tão grande que os adversários do presidente perderam as forças para tomar o poder. O golpe que se planejava teve de ser abortado. Em outras palavras, o suicídio de agosto de 1954 retardou em dez anos o golpe de Estado. A ditadura militar só seria imposta em 1964.

Por que a situação de Getúlio ficou insustentável a ponto de a oposição cogitar um golpe?

No primeiro semestre de 1954, a corrupção chegou a pessoas muito próximas de Getúlio [um de seus filhos foi acusado de fazer negócios escusos] e isso o desgastou muito. O presidente, entretanto, nunca foi corrupto. Cito um caso corriqueiro para ilustrar. Depois que foi deposto, em 1945, após 15 anos no Catete, ele voltou para o Rio Grande do Sul. Lá, teve a intenção de ampliar um pouco sua fazenda, comprar alguns hectares de terra. Para isso, ele precisou tomar um empréstimo no Banco do Brasil. Veja a situação: aquele que havia sido o homem mais poderoso do país simplesmente não tinha dinheiro suficiente para ampliar sua fazenda. Em 1954, Getúlio não foi capaz de enxergar os desvios que ocorriam ao seu redor, de perceber que pessoas muito próximas faziam negócios à sombra do Estado e enriqueciam. A oposição aproveitou bem a oportunidade e conseguiu criar a imagem de um governo submerso na corrupção.

A oposição era tão forte assim?

Getúlio não mantinha boas relações com o Congresso nem respondia de forma adequada às críticas da oposição. Tal inabilidade se explica pelo fato de Getúlio simplesmente não saber conviver com a democracia. Isso, de certa maneira, é compreensível. Ele era um homem saído do século 19. Para ele, a centralização do poder era indispensável para que o Brasil se desenvolvesse. Foi por isso que, entre 1937 e 1945, governou como ditador. Em 1951, porém, voltou ao poder pelo voto popular. Sob o regime democrático, enfrentou dificuldades crescentes para governar. Getúlio foi incapaz de lidar com o contrário, típico da democracia, e sucumbiu.

Em 1945, poucas semanas depois de ter sido derrubado da Presidência, Getúlio foi eleito para o Senado. Como foi o Getúlio senador?

Getúlio Vargas é um exemplo clássico do político sem a menor vocação para o Legislativo. Posso compará-lo a Leonel Brizola, que em 1962 foi eleito deputado com a maior votação da história do Brasil, mas jamais se notabilizou na Câmara. Nenhum dos dois nasceu para o debate parlamentar, para o discurso. Eles foram feitos para o Executivo. A passagem de Getúlio pelo Senado foi muito apagada.

Agência Senado

(Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

Fonte: Senado

Como citar e referenciar este artigo:
NOTÍCIAS,. ‘Morte de Getúlio, em 1954, adiou o golpe em 10 anos’, diz historiador. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2014. Disponível em: https://investidura.com.br/noticias/senado/morte-de-getulio-em-1954-adiou-o-golpe-em-10-anos-diz-historiador/ Acesso em: 28 mar. 2024