Processo Penal

Procedimentos Especiais no Processo Penal

1. TRIBUNAL DO JÚRI

1.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS

A instituição do Tribunal do Júri é prevista atualmente na Constituição Federal de 1988 no art. 5º, inciso XXXVIII, que estabelece a competência para o julgamento de crimes dolosos contra a vida e outras garantias. Ao mesmo tempo em que é uma garantia fundamental, correlacionado ao devido processo legal, de intento protetivo ao réu, é também um direito fundamental dos cidadãos participarem da atividade jurisdicional.

Por estar previsto no rol dos direitos e garantias fundamentais, é cláusula pétrea, de acordo com o art. 60, § 4º, inciso IV, e não pode ser objeto de emenda constitucional que almeje alterar ou suprimir o instituto.

No entanto, nem sempre foi assim. A primeira lei que remonta ao ideal do júri no Brasil foi a Lei de Imprensa de 18 de junho de 1822, que determinou que os crimes de imprensa fossem a Júri. A Constituição de 1824 elevou o Tribunal do Júri a órgão do Poder Judiciário e alterou e expandiu o rol de crimes de sua competência, sendo um dos principais os crimes contra a vida. A partir de então, somente a constituinte de 1937 não previu o Júri.

No âmbito internacional, o Tribunal do Júri, assim como diversos institutos jurídicos, remonta sua origem à Magna Carta de 1215 do Rei João Sem Terra. Seus ideais perpassam, também, pela Revolução Francesa, ocorrida em 1789.

A concepção do Júri é que casos relevantes para o ordenamento jurídico e a sociedade sejam julgados por pessoas que formam a comunidade a qual pertença o acusado – motivo pelo qual o desaforamento somente ocorre em casos excepcionais. A ideia é que o julgamento se dê pelos pares do réu, que haja maior aproximação e participação popular no julgamento de crimes dolosos contra a vida.

A natureza do Júri é essencialmente sentimental, social e de política criminal para convencer o Conselho de Sentença das teses alegadas.

O art. 5º, inciso XXXVIII da Constituição Federal, ao reconhecer a instituição do Júri, estabelece princípios a serem seguidos neste tipo de julgamento popular. Tais princípios são a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e, como já foi abordado anteriormente, a competência para julgar crimes dolosos contra a vida.

A plenitude de defesa envolve tanto a defesa técnica quanto a autodefesa, que é facultada ao imputado, já que tem direito a permanecer em silêncio sem que seja esta atitude interpretada em seu prejuízo. É possível que estes dois métodos de defesa sejam divergentes. A posição dominante no Superior Tribunal de Justiça é que prevaleça a defesa técnica, reverenciando o princípio da ampla defesa, conforme jurisprudência:

STJ. RECURSO. RENÚNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ADVOGADO. DIVERGÊNCIA ENTRE RÉU E DEFENSOR. Prevalência da defesa técnica em homenagem ao princípio da ampla defesa. CF/88, art. 5º, LV. CPP, art. 392. Em homenagem ao princípio constitucional da ampla defesa, na hipótese de conflito entre o réu, que renunciou ao direito de recorrer da sentença condenatória, e seu defensor, prevalece a vontade da defesa técnica, com idoneidade para avaliar as consequências da não impugnação da decisão condenatória[1].

O sigilo das votações engloba tanto o voto dos jurados quanto o local em que ocorre a votação, no intuito de que seja proferida decisão livre e que se evite intimidação. Este local é uma sala especial anexa ao tribunal e, na falta desta, todas as pessoas presentes são convidadas a se retirar no momento dos debates e votação (vide art. 485 do Código de Processo Penal).

Como garantia deste sigilo, não são lidos todos os votos do jurado, somente o número suficiente para julgar a lide. Essa prática leva em consideração que a divulgação de, por exemplo, a unanimidade dos votos tiraria o caráter sigiloso da votação em certos casos, infringindo o princípio correlacionado.

O princípio da soberania dos veredictos protege o julgamento nos termos decididos pelos jurados, competentes para tal. Desta forma, o que foi julgado não pode ser modificado, nem mesmo em relação às qualificadoras, pelo juiz singular ou tribunal respectivo. A única ingerência que pode ocorrer é, com a manifesta discrepância de provas e veredicto, cassar o Júri como um todo ou adentrar com ação revisional para absolver o réu.

A competência do Tribunal do Júri, como já discutido, é o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, sejam eles consumados ou tentados. As infrações comuns relacionadas a estes crimes, por conexão ou continência, também vão a Júri, ainda que sejam de menor potencial ofensivo.

É importante salientar que, como o latrocínio é crime contra o patrimônio, não vai a júri, do mesmo modo o genocídio, que é crime contra a humanidade, como dispõe a Súmula 603 do Supremo Tribunal Federal.

1.2 CARACTERÍSTICAS

O Tribunal do Júri é um órgão heterogêneo do Poder Judiciário, pois é formado por um juiz presidente, que aplica o direito de acordo com os fatos julgados pelo Conselho de Sentença, e 25 (vinte e cinco) jurados, dos quais 7 (sete) compõem o Conselho de Sentença do julgamento.

É uma decisão subjetivamente complexa, pois coaduna os veredictos dos sete jurados que compõem o Conselho de Sentença. É importante salientar que quanto ao direito aplicado pelo juiz presidente não vigora o princípio da soberania dos veredictos e esta é a única questão a ser discutida em sede recursal.

Além disso, é órgão horizontal, pois não existe uma hierarquia das decisões, convivem em harmonia, e é temporário, que funciona durante alguns períodos do ano, estabelecidos pela lei de organização judiciária de acordo com art. 453/CPP, na chamada Reunião do Júri. Os julgamentos são chamados de sessão.

O artigo 452 do CPP dispõe que o mesmo Conselho de Sentença pode apreciar mais de um caso no mesmo dia. As decisões são tomadas pela maioria dos votos (quatro) e, como afirmado anteriormente, o sigilo não deve ser quebrado na possibilidade de unanimizar a decisão, para evitar retaliação a qualquer um dos jurados.

1.3 RITO ESPECIAL DO TRIBUNAL DO JÚRI

O rito especial do Júri é um rito escalonado, bifásico, pois é composto da primeira fase, chamada de juízo de acusação, e da segunda fase, chamada de juízo de mérito, em que ocorre o julgamento do réu pelo Conselho de Sentença.

A Lei nº 11.687 de 2008 proporcionou uma grande reforma no processo penal brasileiro, repercutindo inclusive no procedimento especial do Tribunal do Júri, principalmente no intuito de torná-lo mais célere, mas sem modificar sua essência.

Como lida com crimes dolosos contra a vida, o exame de corpo de delito é, quase sempre, indispensável para a comprovação da materialidade delitiva – apesar de haver homicídio sem corpo, como o notável caso do goleiro Bruno. Desta forma, em regra há inquérito policial para apurar a infração penal.

1.3.1Juízo De Acusação

A primeira fase é chamada de juízo de admissibilidade, sumário da culpa, juízo de acusação ou judicium accusationis. É um verdadeiro filtro realizado por juiz singular.

Esta fase é inaugurada com a denúncia ou queixa subsidiária, por ser o crime doloso contra a vida objeto de Ação Penal Pública Incondicionada. Neste caso, como também são julgados crimes conexos, pode haver litisconsórcio entre o Ministério Público e querelante, se este outro crime for de iniciativa privada, que corresponde à Ação Penal Adesiva.

O rito nesta fase é bastante similar ao do Procedimento Comum Ordinário, em que, de acordo com o art. 406/CPP, ao receber a inicial acusatória, o juiz ordena a citação do réu para responder à acusação no prazo de 10 (dez) dias. Nesta fase podem ser arroladas até 8 (oito) testemunhas. Do mesmo modo, se não apresentada resposta no prazo legal, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, vide art. 408/CPP.

Conforme art. 409 do CPP, o Ministério Público será ouvido sobre as preliminares suscitadas e os documentos juntados no prazo de 5 (cinco) dias. As diligências devem ser realizadas antes da audiência de instrução (art. 410/CPP) e a audiência de instrução (art. 411/CPP) muito se assemelha com a do rito ordinário e também é momento preclusivo para a conclusão, concentração dos atos.

O desfecho desta fase é após as alegações orais. A decisão do juiz pode ser imediata ou no prazo impróprio de 10 (dez) dias. O Código de Processo Penal estabelece, no art. 412, que esta fase deve ser encerrada em até 90 dias, o que geralmente não ocorre.

Em sua decisão, o magistrado pode pronunciar – o que dá cabimento para a segunda fase, se não houver recurso ou for confirmada pelo Tribunal – ou impronunciar o réu, absolvê-lo sumariamente ou desclassificar a infração dolosa contra a vida.

A decisão de pronúncia, prevista no art. 413 do Código de Processo Penal, é uma decisão interlocutória mista não terminativa, pois não põe fim ao processamento penal, mas é comumente nominada “sentença”.

É necessário lastro probatório para que se pronuncie o réu, pois deve ser uma decisão com fundamentação técnica (sem valorações subjetivas, para não influenciar os jurados) de materialidade e autoria/participação. O magistrado deve declarar o dispositivo legal com especificação de qualificadoras e causas de aumento de pena e também causas que permitam a aferição do tipo penal por extensão (tentativa, omissão penalmente relevante, concurso de pessoas etc.).

A pronúncia fixa os limites da imputação, faz um recorte dos fatos. Nesta decisão não há julgamento de mérito, apenas juízo de admissibilidade. O conjunto probatório para que o juiz pronuncie o réu é mais rigoroso do que para o recebimento da inicial acusatória, mas menos do que para a condenação, o que demanda um olhar minucioso do julgador.

A pronuncia do réu não deve refutar teses e pode ensejar nulidade absoluta se abordar nesta decisão mais do que deve. Art. 418/CPP prevê a possibilidade a utilização do instituto da emendatio libelli (quando somente a capitulação está errada). A mutatio libelli(quando a instrução probatória traz novos fatos) também é possível, seguido o trâmite competente.

Cabe ressaltar que o réu não é pronunciado pelos crimes conexos, que são remetidos ao Júri por decorrência. De acordo com o art. 420/CPP, o Ministério Público, o acusado e o defensor são intimados e um dos efeitos, se mantida a prisão preventiva, é superar a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo (sum. 21 STJ, utilizada com reservas), além dos efeitos preclusivos de natureza processual e a interrupção da prescrição da pretensão punitiva (art. 421/CPP).

Contra a decisão que determina se o réu enfrenta a segunda fase em liberdade ou não (baseada nos requisitos da prisão preventiva) cabe recurso em sentido estrito (RESE).

Com o surgimento de fato superveniente, mesmo após preclusa a pronúncia, a denúncia pode ser aditada pelo Ministério Público, de acordo com art. 421, § 1º do Código de Processo Penal.

Pode ser que, após o julgamento do Recurso em Sentido Estrito interpelado contra a decisão de pronúncia, seja feita a despronúncia do réu, quando não admissível a acusação, pelo juiz de primeiro grau ou pelo Tribunal, quando o juiz mantem sua decisão de pronunciar o réu e a corte não a confirma.

A segunda decisão cabível é a sentença de impronúncia, de conteúdo terminativo. Esta sentença encerra o processo sem que se proceda com a segunda fase do rito especial do Tribunal do Júri. O art. 414/CP estabelece que deve o réu ser impronunciado quando não há provas suficientes para o convencimento do juiz quanto a materialidade e/ou autoria/participação.

A impronúncia, no entanto, não impede que seja formulada nova denúncia (até que ocorra a extinção de punibilidade) quando colhidas novas provas da infração penal.

Esta sentença faz a espécie de coisa julgada secundum eventus probationis. A atividade hermenêutica é muito importante para não afastar a competência constitucional do júri. Contra esta decisão cabe apelação.

A sentença de absolvição sumária, assim como no Procedimento Comum Ordinário, julga o mérito em momento antecipado e faz coisa julgada material. Esta sentença encerra o processo sem a segunda fase e evita o desgaste do sistema penal.

Conforme dispõe o art. 415/CPP, provada a inexistência do fato (tranca qualquer pretensão indenizatória), a negativa de autoria ou participação (também tranca indenizações), se o fato não constituir infração penal ou se existirem excludentes de culpabilidade (inimputabilidade – absolvição imprópria, somente quando não tem como sustentar outras teses de defesa, pela medida de segurança não ser vantajosa) e de ilicitude (quando não deve existir dúvida), encerra-se o processo sem o julgamento do Júri.

Contra a absolvição sumária cabe apelação e não existe mais remessa necessária ao Tribunal desde a reforma processual penal de 2008. Se houver crime conexo ao que levou o réu a ser absolvido sumariamente, deve ser extraído e remetido ao juízo competente, pois esta decisão não tem condão de encerrar o processamento de tais crimes.

Por fim, a decisão de desclassificação da infração penal dolosa contra a vida está prevista no art. 419/CPP. Esta desclassificação é para um delito que não seja de competência do Tribunal do Júri, conferindo-lhe nova definição jurídica. O exemplo mais comum é em caso de latrocínio, que é considerado crime contra o patrimônio, apesar de ceifar a vida de outrem (pois esta não é a sua principal motivação).

O juiz, nesta decisão, não deve dizer o tipo que entende enquadrada a conduta, pois a acusação é atribuição do Ministério Público. Nela, o juiz reconhece a incompetência do Júri e é uma decisão declinatória, decisão interlocutória modificadora de competência.

Contra esta decisão cabe Recurso em Sentido Estrito, interposto pela acusação e/ou defesa. Somente depois de preclusa a decisão é que o processo é encaminhado ao juízo competente.

Um caso excepcional é a confirmação de o crime ser competência do Júri após toda a instrução probatória no juízo declinado. Neste caso, é indicada a devolução dos autos. Também é indicado que o processo siga o trâmite no juízo competente, não que sentencie de pronto após o declínio, apesar de não estar mais expresso.

Cabe emendatio e mutatio libelli. Se o acusado estiver preso, o juiz declinante deve manifestar-se. Se mantiver a prisão, deve dar caráter de urgência à remessa.

1.3.2 Libelo (revogado)

Apesar do libelo não possuir mais previsão legal processual, em razão da Lei nº 11.689/2008, é necessário seu estudo para entender determinadas características do procedimento do Tribunal do Júri.

O libelo-crime acusatório, era visto como o divisor de águas entre as duas fases do Tribunal do Júri, uma vez que dava início ao juízo de mérito. Era uma peça realizada pelo Ministério Público de forma articulada, devendo ser relatados os fatos do enredo, qualificadoras, causas de aumento e, se necessário, circunstâncias agravantes.

Seu objetivo era delimitar a acusação para que ficasse mais compreensível para os jurados e, principalmente, para servir de parâmetro na composição dos quesitos. Ressalte-se que para estes também era relevante as teses da defesa. Com a supressão do libelo, a pronúncia tornou-se o parâmetro para a fase de mérito.

O libelo era um pressuposto processual impreterível para a validade legítima do procedimento especial presente no Tribunal do Júri. Se houvesse alguma quebra de ato formal ou algum tipo de irregularidade na sua proposição, poderia ocasionar nulidade do libelo e de atos que decorressem dele, como pode ser observado nesse posicionamento do Tribunal de Justiça do Paraná:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. SUSPEIÇÃO DE PROMOTOR DE JUSTIÇA. NULIDADE DO LIBELO ACUSATÓRIO E DOS ATOS PROCESSUAIS QUE SE SEGUIRAM. EMBARGOS RECEBIDOS. – Reconhecida suspeição do Promotor de Justiça porque, antes de seu ingresso no Ministério Público, o réu o constituiu como advogado para defendê-lo em outro processo criminal, é de rigor que se anule o libelo acusatório, oferecido pelo Promotor de Justiça cuja suspeição foi declarada, e os atos processuais posteriores.[2]

Se o libelo não fosse apresentado dentro do prazo, possibilitaria comunicação do juiz ao procurador-geral ou órgãos da corregedoria para que remediasse a omissão designando outro integrante do Ministério Público para apresentar o libelo.

Importante destacar algumas regras do libelo, como a que cada acusado tinha o seu próprio libelo, sendo este, assim, individual. Também deveria seguir um padrão quanto ao exposto: o fato criminoso teria de ser dividido por artigos e teria por início o fato principal.

De mesmo modo, o libelo era como um espelho a pronúncia, sendo neste momento que o MP incluiriam os agravantes, sob pena de preclusão. Hoje em dia, a ocasião correta para alegar os agravantes é na sessão popular, quando se tem os debates na segunda fase do Júri.

O rol de testemunhas deveria ser de até 5 (cinco) e no libelo que era requerida as diligências necessárias ao julgamento plenário, como, por exemplo, a apreensão de algum objeto que supostamente fez parte da cena do crime ou que ajudaria a esclarecer determinada situação.

No fim do libelo, o MP requeria a condenação do acusado nas penas do crime que lhe foi atribuído, com os devidos agravantes, causas de aumento específico e qualificadoras concernentes.

Mesmo o libelo tendo sido revogado, seu estudo é importante para entender melhor as regras no momento da pronúncia, que também é vista como divisor de água das duas fases do Tribunal do Júri.

1.3.3 Juízo de Mérito

A segunda fase só ocorre se houver a pronúncia do acusado (se admitida a acusação). É chamada de judicium causae ou de juízo de mérito. Tem início a partir da preclusão da decisão de pronúncia (sem Recurso em Sentido Estrito ou após sua decisão e improcedência).

Nesta fase ocorre o julgamento dos fatos pelos jurados e podem ser oferecidas até 5 (cinco) testemunhas para a acusação e 5 (cinco) para a defesa. Se houver mais de um acusado, o prosseguimento pode ser diferente para cada um, mas o ideal – e a regra – é que participem de um único Júri. O julgador deve estar atento a manobras na tentativa de driblar este julgamento.

Durante o procedimento, pode haver necessidade de desaforamento do processo. Desaforar é deslocar a competência de um processo para outra comarca, podendo ocorrer sob quatro hipóteses, previstas no artigo 427 do CPP, a saber: por interesse da ordem pública; se houver dúvida sobre a imparcialidade do Júri; se houver dúvida sobre a segurança do réu; ou quando o julgamento não se realizar no prazo de 6 meses a contar da pronúncia, mas este desaforamento só pode ser requerido pelas partes ou assistente (hipótese prevista no art. 428, CPP).

O desaforamento, via de regra, só pode ocorrer após a preclusão da pronúncia do acusado[3]. Quando houver motivo para sua realização e prova segura da existência de tal motivo, o processo é deslocado para a comarca mais próxima. Pode ser provocado pelas partes, assistente ou juiz, mas sempre deve acontecer diante o tribunal de segunda instância em que está vinculado o juízo.

Não existe recurso cabível para tratar sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade do desaforamento, mas há possibilidade para impetrar habeas corpus. Sendo que este não implica em suspensão do desaforamento, podendo ocorrer, deste modo, o julgamento sem mesmo apreciar o pedido de mudança de comarca.

Necessário ressaltar que uma vez desaforado o julgamento, não é possível “reaforamento”, ainda que o motivo que tenha estimulado o desaforamento tenha se perdido. No entanto, há exceção quando no foro ao qual foi redesignado apareça motivos para mudança da comarca e se no de origem os motivos estiverem cessados, o reaforamento para o foro original é possível.

O STF, visando assegurar o contraditório e a ampla defesa, certifica na súmula nº 712 que “é nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do júri sem audiência da defesa”.

Ademais, quando o processo está apto para julgamento, o juiz-presidente, autoridade máxima do recinto, tomará as providências necessárias para iniciar a sessão. Conforme o art. 497 do CPP, ele possui poderes típicos de polícia, é responsável por organizar o júri, sortear jurados, dentre outras atribuições.

Os jurados serão alistados de acordo com as informações prestadas aos magistrados por entidades públicas e privadas de que possuem as prerrogativas para exercício da função, que é considerado um serviço público expressivo. O jurado deve ser cidadão maior de 18 anos e de notória idoneidade, como dispõe o artigo 436 do CPP.

Em todo dia 10 de outubro de cada ano é publicada a lista com os jurados. Após alguma Reclamação ou Recurso em sentido estrito à lista divulgada, surge uma nova lista que será definitiva com prazo para publicá-la até dia 10 de novembro.

No que tange a organização da pauta, o artigo 429 do CPP sistematizou uma ordem de escolha para a sequência dos julgamentos, exceto se houver algum relevante motivo que autorize a alteração desta ordem, as preferências são: os acusados que se encontram presos; dentre estes acusados presos, aqueles que estiverem há mais tempo na prisão; e, em igualdade de condições, os precedentemente pronunciados.

Se houver assistente na sessão, é importante que este tenha requerido a sua participação até cinco dias antes, caso contrário, não será admitido, conforme o art. 430 do CPP. Quando o processo estiver em ordem, o juiz-presidente intimará as partes, o ofendido, as testemunhas e peritos para a sessão de instrução e julgamento.

Após a organização da pauta, o juiz-presidente intimará o MP, OAB e Defensoria Pública para acompanharem o sorteio dos jurados que participarão da reunião periódica, art. 432 do CPP. Para esta reunião, serão sorteados vinte e cinco jurados.

A função do jurado é ter seus olhos abertos para elucidar a verdade, ser jurado é cumprir um dever cívico. Nenhuma pessoa pode “ser excluído dos trabalhos do júri ou deixar de ser alistado em razão de cor ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, origem ou grau de instrução” como dispõe o artigo 436, § 1º do CPP. Destaca-se que o alistamento compreende em cidadãos maiores de 18 anos e de notória idoneidade.

Por outro lado, se a recusa a participar do júri for injustificada, desdobrará em multa no valor de um a dez salários mínimos, a depender da condição financeira do jurado. Também se aplicará multa se o jurado deixar de comparecer a sessão sem causa legítima ou retirar-se antes de ser dispensado pelo juiz-presidente.

 Por motivos de exercício de cargo, função pública, mandado eletivo ou determinada situação particular com justificativa, algumas pessoas são isentas do serviço do júri nos termos do artigo 437 do CPP, como o presidente da república e seus ministros, governadores e seus respectivos secretários, membros do Congresso Nacional, prefeitos, magistrados, militares em serviço ativo, cidadãos maiores de setenta anos que requeiram sua dispensa, entre outros.

 Se por acaso, a recusa ao serviço do júri for pautado em motivo religioso, filosófico ou político, acarretará em dever de prestar serviço alternativo, sujeito à suspensão dos direitos políticos no tempo em que não prestar o serviço determinado. Este serviço alternativo deve ser fixado pelo juiz pautado nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

 Até o advento da lei nº 12.403/2011, o jurado gozava do direito a prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo. No entanto, esta possibilidade não se encontra mais prevista no texto legal. Conquanto, o jurado continua a dispor do artigo 440 do CPP, de que ele possui o direito de preferências nas licitações públicas e no provimento, mediante concurso, de cargo ou função pública.

 Para o estabelecimento da sessão de instrução e julgamento, é necessário a conferência das cédulas com o nome dos vinte e cinco jurados sorteados anteriormente. Ao fazer o pregão e comparecer, pelo menos, quinze jurados, a sessão se inicia. Destes vinte e cinco, sete serão sorteados para participar do conselho de sentença.

Na hipótese de não haver os quinze jurados, o artigo 464 do CPP estabelece que haverá sorteio do número de suplentes necessários e será apontada nova data para a sessão do júri, sendo tudo consignado em ata.

Com a adoção da lei nº 11.689/2008, o adiamento da sessão em razão da ausência do réu não perdura mais, ele só é obrigado a comparecer se já estiver preso. Apesar disso, o advogado e o acusado podem requerer a dispensa da sua presença.

Se porventura, a testemunha não comparecer e não apresentar motivo justo para tal, resultará em multa de um até dez salários mínimos e esta desobediência não prejudicará a ação penal, conforme preconiza o artigo 458 do CPP. Em contrapartida, o artigo 459/CPP garante a testemunha que compareceu a sessão e por este motivo não pôde ir ao trabalho, que não terá desconto algum no seu salário.

Em relação ao conselho de sentença, antes de formá-lo, como dispõe o artigo 460 do CPP, o juiz deve promover o recolhimento das testemunhas a ambientes em que umas não possam ouvir o depoimento das outras, pois é um “modo a garantir que o depoimento de cada uma delas não seja influenciado pelo das demais e, assim, preservar a neutralidade da narrativa”[4].

Na sessão já instalada estando presentes as partes, as testemunhas e o número mínimo de jurados, pode ser realizado o sorteio dos sete jurados que irão participar do conselho de sentença.

Há alguns impedimentos, suspeições e incompatibilidades legais previstos nos artigos 448 e 449 do CPP, como parentesco entre juiz/promotor e advogado, assim como o autor ou réu ter algum familiar no conselho de sentença.

Semelhantemente, o STF também traz causa impeditiva no Conselho de Sentença. Trata-se da súmula 206[5] que versa sobre o jurado que participou de conselho de sentença do júri anterior do mesmo processo, não pode participar de nova sessão, incorrendo a nulidade do julgamento. Contudo, importante frisar, que tal nulidade só será reconhecida se o voto de algum jurado for definidor para a resolução do julgamento.

Com o conselho de sentença estando completo, o próximo passo é a instrução em plenário que será iniciada pelas declarações do ofendido e inquirição das testemunhas convocadas pela acusação, com base no artigo 473 do CPP. Quando for a vez das testemunhas de defesa serem ouvidas, o defensor do acusado fará as perguntas antes do MP e do assistente. Os jurados só podem elaborar perguntas ao ofendido e, as testemunhas, somente pelo intermédio do juiz.

Primeiro são ouvidas as testemunhas de acusação e depois as da defesa, lembrando que ao tomar os seus depoimentos, nenhuma ouvirá o depoimentos das outras.

Desde o advento da lei nº 10.792/2003 o interrogatório é visto como forma de defesa, o acusado pode até se manter em silêncio e isto não pode ser usado contra ele, não o prejudicará. O interrogatório é o ato que encerra a fase instrutória, antecedendo os debates orais.

Após o fim dos atos instrutórios, tem-se início os debates orais que começa pela acusação. O tempo para este momento é de uma hora e meia, acrescido de uma hora se tiver mais de um réu no julgamento. Como não existe mais libelo-crime, o MP neste ato pode discorrer sobre os agravantes. O assistente pode manifestar-se logo após.

Em seguida, a defesa expõe sua argumentação também por uma hora e meia, aumentada em uma hora se houver mais de um acusado. Adiante poderá haver réplica do MP/querelante/assistente por uma hora, acrescido de uma hora se tiver mais de um réu. Se ocorrer réplica, a defesa poderá apresentar tréplica com o mesmo tempo que foi disponibilizado para a acusação.

Enquanto estiver ocorrendo os debates orais, o juiz-presidente e os jurados devem permanecer na sessão, não podem se ausentar. Com o fim das sustentações orais, o juiz questiona os jurados para saber se estão prontos para julgar, neste momento abre-se espaço para o conselho de sentença fazer esclarecimentos, se for necessário.

Os jurados decidem respondendo a perguntas formuladas pelo juiz, às quais o Código denomina quesitos[6]. Eles são indagados sobre a existência e autoria dos fatos e, posteriormente, se o acusado deve ser ou não absolvido.

Se houver mais de um acusado, cada um terá um “questionário”, sendo mais de um crime, cada um também terá diversos quesitos. Neste último caso, a elaboração dos quesitos se iniciará pelo crime contra a vida.

Ora, o crime contra a vida é pressuposto para a instituição do tribunal do júri. Na condição de ser declinada a existência de crime contra a vida, com uma desclassificação para outro crime, os jurados não atuam mais, pois finda a sua competência, sendo o juiz responsável para proferir sentença instantaneamente.

Neste sentido, relevante visualizar apelação criminal oferecida ao TJ do Pará, evocando que tal recurso é cabível para recorrer de sentença definitiva:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. DESCLASIFICAÇÃO. HOMICÍDIO CULPOSO E LESÃO CORPORAL CULPOSA. CRIMES PRATICADOS NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. SENTENÇA EXTRA PETITA. NÃO CONFIGURADA. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. REGULARIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.. ART. 68 DO CP. INVERSÃO. ILEGALIDADE. REFORMA DA APLICAÇÃO DA PENA. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. 1. A decisão desclassificatória proferida pelo Júri acabou por encerrar sua própria competência constitucional, pelo que restou cabível ao magistrado togado a prolação da sentença de mérito, consoante dispõe expressamente o art. 492, § 1º do CPP. 2. A sentença proferida pelo magistrado atende, a um só tempo, a declaração do Conselho de Sentença e o princípio da especialidade, conquanto ao definir os crimes como homicídio culposo e lesão corporal culposa, ambos praticado na direção de veículo automotor manteve-se congruente à imputação descrita na peça acusatória, bem como à decisão desclassificatória dos Jurados. 3. A aplicação da pena-base exatamente no patamar mínimo cominado ao tipo somente é possível quando todas as circunstâncias judiciais são favoráveis ao acusado. 4. Contudo, na segunda etapa da dosimetria da pena (agravantes e atenuantes) o juízo togado inobservou a ordem determinada pelo art. 68 do Código Penal; este dispositivo prescreve a ordem de fixação da pena concreta e, na segunda fase, determina a incidência das circunstâncias atenuantes e agravantes. 5. Apelação conhecida e parcialmente provida.[7] (grifo nosso)

Os quesitos são formulados de acordo com ordem do artigo 483 Código de Processo Penal, conforme segue:

a)    Materialidade dos fatos: a descrição do delito. Neste quesito é necessário indagar sobre o que fundamenta o tipo penal doloso contra a vida (conduta e resultado). Se a resposta do conselho de sentença for positiva a questão, a votação continua. Senão, o julgamento termina com a absolvição do réu.

b)    Autoria ou participação: se o delito foi cometido somente pelo acusado ou concorreu para o seu resultado. Se o conselho responder positivamente a questão, o julgamento prossegue.  Do contrário, o julgamento é encerrado e o acusado absolvido.

c)    Se o acusado deve ser absolvido: só deve ser formulado se os jurados tiverem respondido de forma positiva nos anteriores. É genérico, não importa o motivo da absolvição.

d)    Se existe causa de diminuição da pena alegada pela defesa: essa questão só será feita se o acusado já foi condenado pelos jurados. Apesar de ser “alegada pela defesa”, o MP também pode requerer incluir causas de diminuição de pena.

e)    Se existem circunstâncias qualificadoras ou causas de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação: aqui o conselho de sentença não opina mais sobre agravantes e atenuantes, cabendo somente ao juiz apreciar tal questão, uma vez que trata de matéria unicamente de direito.

Finda a votação do crime doloso contra a vida, seguidamente tem a votação dos crimes conexos. Se tiver mais de um acusado, a votação se inicia pelo que teve maior grau de importância no delito.

Considerável destacar que o sigilo da votação deve ser mantido. Caso a votação seja unânime, a apuração é suspensa quando o quarto voto é definitivo, lembrando que são sete jurados no conselho de sentença, deste modo, esta atitude está em consonância com o artigo 488 do CPP, que diz “as decisões do júri serão tomadas por maioria dos votos”.

1.4 SENTENÇA E RECURSO

Tudo o que ocorrer na sessão deve ser consignado em ata, se alguma parte se sentir prejudicada deve registrar em ata de forma imediata as suas reclamações, para que possa reiterar na apelação. Se não houver nenhum protesto, acarretará em preclusão sobre a questão.

A sentença deve ser lavrada pelo juiz, de acordo com o que os jurados decidiram. Não precisa de fundamentação, posto que é feita pela convicção dos jurados. Todavia, a aplicação da pena ou medida de segurança necessita de fundamentação.

As sentenças podem ser por: absolvição, desclassificação e condenação. A absolutória ou absolvitória coloca em liberdade o acusado, se este já estiver preso. É o tipo que julga improcedente a pretensão punitiva.

Já a sentença de desclassificação, desqualifica o crime doloso contra a vida por outro com infração menor, está disposta no artigo 492, §1º, do CPP. Exemplo comum é a desclassificação de tentativa de homicídio para lesão corporal grave.

No que toca a sentença condenatória, esta fixa a pena-base. O juiz discute sobre os agravantes e atenuantes que foram alegados nos debates orais, devendo justificar a decretação ou manutenção da prisão, se estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva que estão dispostos no art. 492, I, do CPP.

A sentença deve ser lida pelo juiz, sendo as partes já intimadas para apresentação de recurso, se desejarem. Encerra-se, deste modo, a sessão de julgamento.

Contra as decisões do júri, cabe o recurso de apelação. Para este ser possível, é necessário consignar em ata tudo o que ocorreu na sessão de julgamento.

É cabível apelação ao tribunal do júri, conforme artigo 593, III, do CPC, quando ocorrer nulidade posterior à pronúncia, se a sentença do juiz-presidente for contrário ao que os réus decidiram, se houver erro ou injustiça na fixação da pena ou medida de segurança e se a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos.

Deste modo, a apelação pode ser direcionada contra a sentença ou a decisão dos jurados.

2. CRIMES FUNCIONAIS

O Capítulo II do Título II no Código de Processo Penal trata sobre o processo e o julgamento dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, ou seja, sobre procedimentos penais aplicados em virtude do cometimento de crimes funcionais, em que está previsto entre os artigos 513 e 517 do Código de Processo Penal (CPP). Tal procedimento especial somente ocorre quando o crime imputado ao funcionário público for afiançável.

Este é mais um capítulo em que o Código de Processo Penal busca dar efetividade no que tange a procedimentos especiais, o que em voga aborda sobre o assunto do funcionário público que se enquadra nos meandros da lei penal em virtude do atinente artigo 317 do Código Penal pátrio (CP).

Sobre as peculiaridades deste procedimento, demonstrando como a jurisprudência e doutrina caminham na reflexão desta marcha processual, encontra-se o pensamento de SANDOVAL[8]:

“A peculiaridade refere-se à existência de uma fase prévia ao recebimento da denúncia ou pela queixa por parte do juiz, fase essa, que pode acarretar na rejeição da denúncia por parte do juiz. Ademais, caso a queixa ou a denúncia seja recebida, conforme artigos 517 e 518 do Código de Processo Penal, o acusado será citado e a Instrução Criminal será regida pelo procedimento comum previsto no mesmo código.”

Desta forma, compreende-se a importância do estudo e da disposição das peculiaridades deste rito.

2.1 CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO E O REQUISITO ESSENCIAL

Para efeitos penais, será considerado funcionário público toda pessoa que se encaixar no conceito estabelecido pelo artigo 327 do Código Penal, ou seja, é o exercício da função pública que determina a sua condição.

À luz dos ensinamentos de Luiz Regis Prado[9] é possível inferir que:

“No intuito de assegurar o pleno interesse da Administração pública, e, para que não subsista dúvida quanto ao alcance normativo, o legislador penal acolhe a noção extensiva de funcionário público (…)”.

Destarte, a maneira mais coerente a ser apontada é que no Brasil adotou-se o conceito unitário de funcionário público.

Conforme destacado acima sobre o conceito de funcionário público, agora cabe ressaltar o requisito para haver tal procedimento especial em comento. Desta feita, requisito essencial é a existência de crimes funcionais próprios, que são aqueles cometidos exclusivamente por funcionário público e que, segundo Fernando Capez, “a ausência da condição de funcionário público, leva a atipicidade da conduta”. Importante salientar que é condição sine qua non da utilização deste rito especial que o crime seja afiançável.

2.2 TRAMITAÇÃO ESPECIAL E PECULIARIDADES

Por envolver a Administração Pública, por óbvio que o legislador não deixaria in albis nem de modo rarefeito aquilo que abordasse a prática de crimes no exercício da função pública, do múnus público. Destarte, abarcou entre os artigos 513 e 518 do CPP para referir-se expressamente ao tipo de procedimento a ser adotado pelo Poder Judiciário quando se der por mérito tais causas.

Entretanto o ponto crucial e cujo abarca a maior polêmica a respeito do tema paira no instante processual do oferecimento da denúncia ou queixa. Isto pois o juiz em momento anterior a recepção do oferecimento, determina a autuação e a notificação do agente para este apresentar a sua defesa no prazo de 15 dias.

Ora, veja-se que o autor funcionário público tem a possibilidade de apresentar uma defesa prévia a fim de lograr a absolvição sumária, posto que tal defesa será apreciada em momento anterior ao recebimento do oferecimento da denúncia ou queixa, como acertadamente ensina Fernando Capez:  “Essa defesa visa impedir o recebimento da peça acusatória inaugural, no interesse da administração pública”[10].

Assim dispõe o artigo 14 do CPP que nos crimes afiançáveis, estando a denúncia ou queixa em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do acusado, para responder por escrito, dentro do prazo de quinze dias”.

É condição de nulidade do processo a não aplicação do artigo 514 do CPP uma vez que tal defesa prévia é assegurada e obrigatória em caso de crimes funcionais, nulidade esta elencada como absoluta por ir de encontro com o princípio da ampla defesa e do contraditório, ambos previstos na Lex Mater. Entretanto este não é o entendimento da Suprema corte uma vez que entende que a não observância do art. 514 do CPP é causa de nulidade, mas relativa, e, se já houver sentença condenatória, o processo não poderá ser anulado por sua ausência, conforme ilustrado em:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. DEFESA PRÉVIA. CRIME DE CONCUSSÃO COMETIDO COM GRAVE AMEAÇA: INAFIANÇABILIDADE. NÃO-APLICAÇÃO DO ART.514 DOCÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AMPLA DEFESA EXERCIDA PLENAMENTE. INOCORRÊNCIA DA ALEGADA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal põe-se no sentido de não violar o princípio do contraditório e ampla defesa a não-apresentação de defesa prévia (art.514doCódigo de Processo Penal) quando o crime praticado por servidor público é exercido com violência e grave ameaça, por ser inafiançável. 2. Não se comprovou afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana na espécie. 3. Habeas corpus denegado.[11]

O STJ traz uma ressalva em entendimento presente na súmula 330 de tal órgão julgador, em que tal defesa prévia (resposta preliminar) é desnecessária em caso de ação penal instruída por inquérito policial. Oposto ao pensamento dos doutos julgadores, o STF de acordo, com Informativo 457, entende que é indispensável a defesa preliminar nas hipóteses do art. 514 do CPP, mesmo quando a denúncia é lastreada em inquérito policial, como exemplificado acima.

Ora tal artigo 514 do CPP encontra peculiaridade por conta de que a defesa preliminar ocorre antes do recebimento da denúncia ou queixa, fato diametralmente oposto àquele estabelecido para os crimes comuns em que a defesa previa ocorre em instante processual posterior.

No que se refere ao concurso de pessoas, a defesa prévia do artigo 514 só será admitida ao funcionário público. Em relação ao concurso de crimes, o STF já pacificou em sua jurisprudência que se a denuncia imputar ao infrator crimes funcionais e não funcionais, não vai se aplicar o referido artigo[12].

Infere-se da norma do art. 516/CPP que a denúncia ou queixa será rejeitada quando o juiz se convencer, pela resposta do acusado ou de seu defensor, no entanto, caso a denúncia ou queixa seja recebida, o funcionário público infrator será citado para o procedimento de instrução criminal normal, que deverá ser iniciado conforme artigo 517 do Código de Processo Penal.

No tocante à progressão de regime em crimes contra a Administração Pública, além do cumprimento de 1/6 da pena no regime anterior e do mérito do condenado, é condicionada também à reparação do dano causado ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais (art. 33, §4º, CP).

Por fim, vale ressaltar que a condenação na esfera penal faz exasperar-se a absolvição no âmbito administrativo. Quanto à sentença absolutória, só ficará vinculada a decisão em processo administrativo se presente as hipóteses do artigo 386, I, IV e VI.

3. LEI MARIA DA PENHA

A Lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006, que entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, criou regras atinentes à repressão da violência doméstica e familiar contra a mulher e atualmente disciplina a matéria.

Esta lei é resultado de desdobramento do artigo 226, § 8º da Constituição Federal Brasileira, decorrente da Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (também atende pelo nome de Convenção de Belém do Pará), ocasionando, portanto, alterações no Código de Processo Penal, Código Penal, Lei de Execuções Penais, e a criação dos Juizados específicos ao assunto, os Juizados de Violência Doméstica e Familiar que possuem competência cível e criminal.

É chamada popularmente de Lei Maria da Penha em decorrência da importância simbólica que Maria da Penha Maia Fernandes atribuiu à vulnerabilidade da mulher no meio familiar após sofrer duas tentativas de assassinato pelo marido, o que chamou a atenção da Comissão Interamericana de Direitos Humanos pela carência do Estado brasileiro em conferir uma legislação voltada a salvaguardar esses tipos de situação. 

A Lei em seu bojo abarca o sujeito mulher em seu sentido latu sensu por não excluir de sua apreciação nenhum tipo de diferenciação quanto à classe ou orientação sexual, refere os objetivos das políticas públicas a serem desenvolvidas visando garantir os direitos humanos das mulheres e reprimir todas as formas de negligência, discriminação, crueldade ou opressão, não só física, como também sexuais, psicológicas, patrimoniais e morais, e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres que se encontram nessa situação. 

É notória a busca por maior celeridade e efetividade ao processamento desse tipo de violência que, por longos períodos, figurou como insígnia de impunidade e insegurança.

3.1 TRAMITAÇÃO PROCESSUAL ESPECIAL

Com o advento da Lei nº 11.340/06, não mais subsistiu a competência dos Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9.099/95), não se considerando mais esse tipo de violência como de menor potencial ofensivo e nem expondo a vítima novamente à presença do agressor até a data da audiência que havia sido designada.

O art. 5º do referido diploma estabelece o seu alcance, ao determinar sua aplicação no âmbito doméstico, familiar ou em qualquer relação íntima de afeto, em que o agressor tenha convivido ou conviva com a ofendida, independente de coabitação. E, em seguida, no art. 6º anuncia que a violência doméstica e familiar constitui umas das formas de violação dos direitos humanos.

Em decorrência de se atribuir sentido latu de mulher desvinculado a um tipo de orientação sexual e ao reconhecimento de diferentes entidades familiares, houve a abrangência desse diploma também às uniões homoafetivas, nos mesmo termos e em qualquer tipo, sendo concedido, portanto, igual tratamento protetivo.

Hodiernamente, a mulher vítima de violência doméstica comparece à Delegacia de Polícia para relatar os fatos que lhe acometeram, de logo, já lhe é assegurado proteção policial e outras providências para o adequado atendimento, tais como o encaminhamento a hospital, oferecimento de transporte, etc. (art. 11, Lei 11.340/06).

Após o registo do boletim de ocorrência, a oitiva da vítima, e a colheita probatória para esclarecimento dos fatos ou circunstâncias (assim como a requisição do exame de corpo de delito e outras providências periciais), a autoridade policial deverá tomar a termo a representação, se apresentada. Logo em seguida, se identificará e ouvirá o agressor e as testemunhas, se houver (art. 12). Devem-se remeter os autos no prazo legal ao juiz e ao Ministério Público das Varas ou Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Caso a ofendida queira solicitar alguma providência protetiva de urgência, dever-se-á constituir expediente egresso onde constará sua qualificação, do agressor, dos dependentes, se houver, o relato sucinto dos fatos e as medidas almejadas, sendo obrigada a autoridade policial remeter o expediente apartado, em até 48 horas, ao juiz para que tome as medidas cabíveis.  

A competência das Varas ou Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher será determinada à escolha da ofendida que poderá optar pelo local do seu domicílio, de onde ocorreu o episódio que motivou a demanda ou do domicílio do agressor (art. 15). Há a previsão de aplicação subsidiária dos Códigos de Processo Penal e de Processo Civil, Estatuto do Idoso e Estatuto da Criança e do Adolescente, nas normas que não forem conflitantes (art. 13).

3.2 ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS RELEVANTES

À luz da preservação dos princípios constitucionais, notadamente o principio da igualdade, muitos doutrinadores desferem críticas a Lei Maria da Penha, uma vez que se caracterizaria como uma ofensa aos basilares da Constituição da República Federativa do Brasil pela disparidade de tratamentos entre homens e mulheres no âmbito doméstico, familiar ou nas relações íntimas de afeto.

Ocorre que o referido diploma legal promove uma discriminação positiva necessária ao alcance da isonomia, também prevista constitucionalmente, pela presença real de desigualdade. É uma forma de compensar as discrepâncias decorrentes da vulnerabilidade de um dos lados.

As discordâncias jurisprudenciais e doutrinárias referentes, com relação especialmente aos arts. 12, I, art. 16 e art. 41 da Lei 11.340/06, suscitaram o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ADIn 4424, em que foi reconhecido que os crimes praticados com violência domiciliar ou doméstica, não se aplicaria o disposto na Lei nº 9.099/95, inclusive as contravenções penais, de acordo com entendimento do Superior Tribunal de Justiça ao prever que a Lei em questão deve ser entendida de forma ampla, afastando a possibilidade de aplicação das medidas despenalizadoras a esse tipo de reprimenda,  e que os atos de lesão corporal independentemente da gravidade seriam ações públicas incondicionadas, permitindo assim, que o Ministério Público atuasse em prol das vítimas que se mostrassem temerosas em ingressar judicialmente em desfavor de seu agressor.

Nota-se, portanto, um grande avanço em se determinar uma maior proteção e amplitude de atuação das autoridades no combate à violência contra a mulher.

Desta forma, as principais mudanças procedimentais advindas com a Lei Maria da Penha são:

 a)    No crime de lesão corporal previsto no Código Penal em seu art. 129, incluiu-se o § 9º, criando o tipo especial “violência doméstica” em que prevê aumento de pena, e será apurado através de ação penal pública incondicionada, independente da gravidade;

 b)    Art. 61, f, Código Penal, contemplou como circunstância agravante da pena a violência contra a mulher, acrescido pela referente Lei;

 c)    Com a competência da Lei Maria da Penha para crimes e contravenções penais, viu-se afastada a possibilidade de aplicação de medidas despenalizadoras, ou seja, penas alternativas – art. 17;

 d)    Impossibilidade de renúncia da vítima, visto a legitimidade do Ministério Público para a propositura da respectiva denúncia – art. 16 modificado pela ADIn 4424;

 e)    Possibilidade de aplicação da prisão preventiva do agressor em qualquer fase do inquérito policial ou instrução criminal, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou por representação da autoridade policial – art. 20;

 f)      O art. 152, parágrafo único, da Lei de Execuções Penais recebe nova redação, conforme previsto no art. 45 da Lei 11.340/06, ao prever que o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.

4. CRIMES CONTRA A HONRA

Os crimes contra a honra, em sua maioria, são infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, a pena privativa de liberdade máxima não supera dois anos. No delito de calúnia (art. 138 do CP), a pena máxima é de dois anos de detenção; na difamação (art. 139 do CP) e na injúria real (art. 140, § 2°, do CP), a pena privativa de liberdade máxima é de um ano de detenção, e a de injúria (art. 140 do CP) é de seis meses de detenção.

Portanto, tais crimes são de competência do Juizado Especial Criminal e de aplicação do rito sumaríssimo (Lei 9.099/95). Caso ocorra o concurso de crimes ou a incidência de aumento de pena, o rito, evidentemente, será outro. Outra exceção é quanto ao crime de injúria racial (art. 140, § 3°, do CP), no qual a pena máxima supera dois anos de privação de liberdade, motivo por que não se aplica o rito sumaríssimo, mas o rito especial do Código de Processo Penal, salvo se incidir alguma causa especial de diminuição da pena, que torne a sanção privativa de liberdade inferior a dois anos.

Mais exemplos de exceção do rito sumaríssimo: dos crimes eleitorais onde não se tem um juizado especial eleitoral e há um ritopróprio das leis eleitorais;dos crimes militares, com previsão no Código de Processo Penal Militar dos crimes contra honra perpetrados por agente com prerrogativa de função, cujoprocesso tem rito próprio estatuído em disciplina normativa específica:se o fato, em razão da sua complexidade, não permitir o oferecimento da inicialnos juizados; e havendo necessidade de citação por edital, por ser incompatível com o rito sumaríssimo[13].

Os delitos que atingem a honra, trazido pelo CPP somente como “calúnia e injúria”, se processam pelo rito especial previsto nos artigos 519 a 523 do Código de Processo Penal.  O rito inicia-se, com o ajuizamento da queixa-crime. E importante estabelecer, primeiramente, a titularidade da ação penal, em face das diferenciações que isso implica no rito processual, mormente em razão da audiência de reconciliação, fator que especializa o rito.

Na ação penal privada, após a distribuição da queixa-crime, o Ministério Público é cientificado, na qualidade de fiscal da lei. Posteriormente, o juiz antes de receber a queixa, abrirá as partes oportunidade de reconciliarem (característica dos Juizados Especiais, primando pela conciliação, informalidade e oralidade).

Referente a esse primeiro momento do rito existe dois entendimentos no STJ quanto à falta do querelante na audiência: o primeiro aduz que ocorre o fenômeno da perempção. Já o segundo entendimento afirma segue pelo seguinte raciocínio:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA A HONRA. AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. ART. 520 DO CPP. NÃO COMPARECIMENTO DO QUERELANTE. PEREMPÇÃO. INOCORRÊNCIA. O não comparecimento do querelante à audiência de conciliação prevista no art. 520 do CPP não implica na ocorrência da perempção visto que esta pressupõe a existência de ação penal privada em curso, o que se dá apenas com o devido recebimento da exordial acusatória. Recurso desprovido.[14] (grifo nosso)

Na audiência, caso seja provável a reconciliação, o juiz promoverá a reconciliação em sua presença e depois de assinada pelo querelante o termo de desistência (renúncia do direito de ação), a queixa será arquivada. A consequência desse ato é a extinção de punibilidade do querelado (art.397, IV, CPP).

Não havendo a conciliação, a inicial acusatória deverá ser oferecida. Recebendo a inicial acusatória, o réu será citado. Caso queira o querelado provar a veracidade da afirmação tida como desonrosa, deverá fazê-lo por meio de exceção da verdade. E, o querelante poderá contestá-la no prazo de dois dias, podendo arrolar testemunhas. Após o julgamento da exceção da verdade, o juiz analisará se o querelante deve ou não ser absolvido sumariamente.

Resumidamente, o procedimento desses crimes segue da seguinte forma: inicia-se pelo oferecimento da queixa-crime; seguido da audiência conciliatória, somente com as partes, sem a presença dos advogados (art. 520/CPP); caso a conciliação seja alcançada, o querelante assina o termo de desistência e a queixa é arquivada (arts. 521 e 522/CPP), do contrário, o juiz recebe ou não a queixa-crime; se houver o recebimento, o réu é citado para apresentar defesa prévia; abrindo-se prazo para que este ofereça exceção da verdade (art. 523/CPP c/c arts. 138, §3º, e 139, CP); após o oferecimento, o juiz abrirá o prazo de 2 dias para o querelante contestar a exceção; se a exceção não for oferecida ou julgada improcedente, inicia-se a fase de oitiva de testemunhas e o interrogatório do réu; na hipótese de o juiz julgar procedente a exceção, o réu é absolvido por atipicidade da conduta e, caso isso não ocorra, o trâmite processual segue com possíveis diligências finais; alegações finais e prolação da sentença.

5. LEI DE DROGAS

O procedimento criminal relativo a entorpecentes foi sempre regrado mediante lei específica, excetuando-se os crimes que são definidos como de menor potencial ofensivo, sendo estes de competência dos juizados especiais criminais. Hoje encontra-se em vigor a Lei nº 11.143/2006.

É a referida lei que preceitua medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, bem como estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes, além do respectivo procedimento criminal.

A Lei nº 11.143/2006 revogou expressamente as leis anteriores que tratavam sobre a matéria, quais sejam as leis nº 6.368/1976 e 10.409/2002 e trouxe definições novas dos tipos penais, bem como novo procedimento especial para os crimes nela elucidados.

O rito especial dos crimes aludidos a entorpecentes é estabelecido pelos artigos 48 e seguintes, da Lei no 11.343/2006, com a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal. Os delitos de porte para consumo de entorpecentes, por serem de menor potencial ofensivo, continuam, entretanto, regidos pelo rito da lei no 9.099/1995.

Da mesma maneira que ocorre com as infrações penais de menor potencial ofensivo, exatamente como está previsto no art. 69 da Lei nº. 9.099/95, nas condutas previstas no art. 28 (porte ou plantação para consumo próprio):

“não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários.”

A transação penal terá lugar, na forma do art. 76 da lei no 9.099/1995, que preconiza que o Ministério Público deverá propor a transação penal. A proposta de transação terá como objeto uma das medidas educativas que são previstas no art. 28 desta Lei, tais como advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Com relação ao tráfico e condutas semelhantes, a investigação criminal, fase pré-processual, pode iniciar-se com a lavratura do auto de prisão em flagrante. A lei preconiza que em caso de prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária deverá comunicar imediatamente ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado, em obediência ao art. ., LXII da Constituição Federal. Exige-se, ainda, que seja dada vista ao Ministério Público no prazo de 24 horas. 

Cabe ressaltar que o juiz ao receber o auto de prisão em flagrante tem duas opções: relaxar a prisão, quando ilegal; ou converter a prisão em flagrante em preventiva e, nesse caso, deve ser requerida pelo Ministério Público. Ambas as decisões devem ser proferidas de maneira fundamentada. Os crimes de tráfico, conforme previsão constitucionais, como é sabido, são inafiançáveis.

O inquérito tem prazo de 30 dias para encerrar-se, caso o indiciado esteja preso e 90 dias, caso esteja solto. Esse prazo poderá ser duplicado, quando demonstrada efetivamente a necessidade da dilação e apenas em relação ao indiciado solto, conforme previsão no Código de Processo Penal (art. 10, § 3º).

O inquérito será encerrado  com a elaboração do relatório, no qual o delegado deverá, conforme preconiza o art. 52 da Lei de Drogas:

Art. 52. Findos os prazos a que se refere o art. 51 desta Lei, a autoridade de polícia judiciária, remetendo os autos do inquérito ao juízo:

I – relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente.

A Lei nº 11.343/2006 inova ao autorizar o delegado a continuar atuando ainda que o inquérito tenha sido encerrado, com o fito de realizar atos investigatórios para melhor elucidar os fatos ou a fim de obter informações acerca do patrimônio do infrator.

É dado vista ao Ministério Público, quando os autos do inquérito policial são recebidos em juízo e assim, o parquet pode requerer o arquivamento dos autos, requisitar novas diligências (se imprescindíveis ao caso), oferecer denúncia ou, se constatar que se trata de porte para uso e não de tráfico, requerer a remessa do feito aos juizados especiais.

Os arts. 54 a 59 tratam da fase da instrução criminal. Nesse sentido, cabe pontuar que o Ministério Público tem prazo de 10 dias para oferecer a denúncia, prazo este para o qual não há diferença se o indiciado está solto ou preso, além do número máximo de 5 testemunhas que podem ser arroladas na denúncia.

Ao denunciado é oportunizado o direito de oferecer defesa prévia, no prazo de dez dias, momento no qual pode alegar matéria preliminar e exceções, as quais serão processadas em apartado. Além disso, pode sustentar todas as razões de defesa e apresentar documentos e justificações, com a indicação das provas que pretenda produzir, incluindo indicação de testemunhas, também no número máximo de 5 (cinco).

O juiz, no caso, antes do recebimento da denúncia, mandará notificar o denunciado para apresentar a defesa prévia, esta deverá ser necessariamente subscrita por um advogado, constituído ou nomeado, ou pelo Defensor Público e entende-se, na doutrina, que a ausência dessa defesa gera nulidade de caráter absoluto.

A defesa prévia é o que oportuniza ao denunciado o direito de exercer o contraditório e a ampla defesa e sua apresentação é obrigatória, tendo em vista que é o momento que tem para convencer o juiz de que não deve receber a denúncia, a oportunidade do denunciado de contrariar a imputação feita pelo Ministério Público. Em caso de o denunciado não apresentar a defesa no prazo legal, o juiz deverá nomear defensor para apresentar a defesa e, quando apresentada, decidirá sobre o recebimento ou não da denúncia.

Essa defesa é essencial no Estado Democrático de Direito que hoje se vive, tendo em vista que não basta a simples informação de que as pessoas terão sua defesa oportunizada durante o processo, pois isso ameaça de maneira muito grave a dignidade da pessoa humana ou, às vezes, o processo pode ser visto como uma pena imposta àquele que não deveria ter processo algum contra si. Por isso, é deveras importante a possibilidade que tem o denunciado de convencer o juiz disso.

Com o recebimento da denúncia, inicia-se a fase da instrução criminal. Em seguida, o juiz, em obediência ao art. 56, Lei no 11.343/2006 “designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, ordenará a citação pessoal do acusado, a intimação do Ministério Público, do assistente, se for o caso, e requisitará os laudos periciais”.

É pela regra de concentração dos atos processuais que deve ser regida a audiência de instrução e julgamento e esta deve ser realizada no prazo de 30 dias do recebimento da peça acusatória, considerando que, em tese, o acusado tem direito a um julgamento célere e sem dilações indevidas. Conforme previsão legal o acusado será interrogado inicialmente, com oportunidade para esclarecimentos de fatos apontados pelas partes.

Essa previsão legal fere o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, tendo em vista que o interrogatório é um instrumento de defesa do réu e, portanto, deve ser colocado ao final, possibilitando ao réu que exerça sua defesa de maneira ampla. Desta forma, deve haver adequação procedimental ao rito estabelecido pela Lei nº 11.719/2008, que alterou o momento de realização do interrogatório dos acusados para o fim da fase de instrução criminal.

Posteriormente, são ouvidas as testemunhas da acusação e da defesa, nessa ordem. Depois de concluída a produção de provas, ainda em sede de audiência, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, cada um por 20 minutos, prorrogáveis por mais dez mediante decisão fundamentada do juiz. Nada obsta, também, que os debates sejam substituídos por memoriais. Nesse caso, deve-se conceder prazo para que as partes, primeiro a acusação e depois a defesa, apresentem as alegações por escrito.

Encerrada essa fase, o juiz prolatará imediatamente a sentença ou, em caso de não ser possível, determinará a conclusão dos autos e a sentença será proferida no prazo de 10 dias.

Por fim, cabe mencionar que, segundo o art. 59 da Lei nº 11.343/2006: “nos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1°, e 34 a 37 desta lei, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória”.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Domingos Lessandro Cardoso de. RIGHETTO, Luiz Eduardo Cleto. Aplicação na prática da Lei Maria da Penha, frente à decisão do STF na ADIn 4424. Disponível em: <  http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/aplica%C3%A7%C3%A3o-na-pr%C3%A1tica-da-lei-maria-da-penha-frente-%C3%A0-decis%C3%A3o-do-stf-na-adin-4424 >. Acesso em: 20 jun. 2016.

BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Brasília/DF, 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8odo art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobrea Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União, em 8 ago. 2006.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

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Acadêmicos do Curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão:

Débora Amanda Moura de Miranda Costa

Thaís de Sousa Damasceno Costa

Thiago Oliveira Gaspar



[1] STJ – HC 18.400 – SP – Rel.: Min. Vicente Leal – J. em 02/04/2002 – DJ 06/05/2002 – Boletim Informativo da Juruá 322/028038.

[2] TJ-PR – ED: 1205572 PR Embargos de Declaração Crime – 0120557-2/01, Relator: Jesus Sarrão, Data de Julgamento: 24/10/2002,  2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 18/11/2002 DJ: 6251.

[3] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 10ª ed. rev. ampl. Atual. São Paulo: Editora Juspodivm, 2015. P.1239.

[4] REIS, Alexandre Cebrian Araújo. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Coordenador Pedro Lenza. Direito processual penal esquematizado – São Paulo: Saraiva, 2012. P.509.

[5] STF: “É nulo o julgamento ulterior pelo júri com a participação de jurado que funcionou em julgamento anterior do mesmo processo”.

[6] REIS, Alexandre Cebrian Araújo. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Coordenador Pedro Lenza. Direito processual penal esquematizado – São Paulo: Saraiva, 2012. P.520.

[7] TJ-PA – APL: 200930055874 PA, Relator: NADJA NARA COBRA MEDA – JUIZ CONV. MUT., Data de Julgamento: 04/06/2013,  1ª CÂMARA CRIMINAL ISOLADA, Data de Publicação: 06/06/2013.

[8] SANDOVAL, Alexandre Presswell O procedimento dos crimes funcionais cometidos por funcionários públicos. Disponível em: <  http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/o-procedimento-dos-crimes-funcionais-cometidos-por-funcion%C3%A1rios-p%C3%BAblicos >. Acesso em: 18 jun. 2016.

[9] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro.14ª ed. Ver. Atual. Ampl. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015. p. 1386.

[10] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015; p. 643.

[11] STF, HC 85779/RJ, rel. Orig. Min. Gilmar Mendes, rel. P/o acórdão Min. Cármen Lúcia, j. 28.2.2007.

[12] STJ, 6ª T. HC 20.887/SP. Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.25-6-200. DJ, 10 mar.2003, p. 314.

[13] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 10ª ed. rev. ampl. Atual. São Paulo: Editora Juspodivm, 2015. P.1104.

[14] STJ – REsp: 605871 SP 2003/0193020-0, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 15/04/2004,  T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 14.06.2004 p. 274.

Como citar e referenciar este artigo:
COSTA, Débora Amanda Moura de Miranda; COSTA, Thaís de Sousa Damasceno; GASPAR, Thiago Oliveira. Procedimentos Especiais no Processo Penal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-penal/procedimentos-especiais-no-processo-penal/ Acesso em: 19 mar. 2024