Ação Civil Pública

Ação Civil Pública, com Pedido de Liminar, contra Contratação de Agentes de Trânsito

 

 

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública Municipal de Vitória -ES

 

(espaço de costume)

 

“A Administração Pública, mesmo no exercício do seu poder de polícia e nas atividades “self executing” não pode impor aos administrados sanções que repercutam no seu patrimônio sem a preservação da ampla defesa, que “in casu” se opera pelas notificações apontadas no CTB”.

Ministro Luiz Fux (STJ)

 

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, com respaldo dos artigos 127, incs II e III do art 129, da Constituição Federal, inc IV, do art 1º da lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985, vem, na forma respectiva, propor a presente

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

COM PEDIDO DE LIMINAR

 

 

em face do Município de Vitória – ES, com sede no Palácio Municipal “Jerônimo Monteiro”, sito na Avenida Marechal Mascarenhas de Moraes, 1.927, Bento Ferreira, nesta Capital, pelos motivos de fato e de direito que a seguir passa a expor:

 

Diversos e gritantes fatores no tocante ao trânsito: multas aplicadas quem sabe com que critérios, fusão de todos os condutores de veículo num mesmo perfil como se até as eventuais infrações decorressem sempre de má-fé, ao invés de errônea ou equivocada interpretação da circunstância em que pode ser vista pelo autor do auto, forma coercitiva de cobrança das mesmas, contratação fora da lei de pseudos agentes, inobservância de direitos fundamentais, marginalização da lei e mais um enumerável de detalhes e fatores despertaram de modo particular as atenções do Autor desta ação, que decidiu instaurar o Inquérito Civil anexo, mediante a portaria 001/2004, para os fins que se configurassem necessários.

 

Quem comete até crime hediondo tem o direito de ser avaliado nos termos do art. 591 do Código Penal Brasileiro, quem comete uma infração de trânsito é delinqüente, imperdoável e ignominioso. É o mesmo que dizer: todos são passíveis das mesmas penas, elas são aplicadas sem direito de defesa e se alguém tentar se defender, que se deixe ficar o dito por não dito. É julgado por presunção. É o que comprovam agora, milhares de reclamações feitas ao PROCON-ES, dois volumes das quais (por cópia) encontram-se arquivados na Promotoria Cível. Destes, foram extraídas cópias dos documentos de fls. 69 a 103 que constam do Inquérito Civil anexo.

 

Neste sentido, verifica-se que os Relatores na apreciação de recursos dizem de plano: “a simples alegação do não cometimento do ato infracional imputado, não tem o condão de livrar o infrator da punição correspondente”.

 

A referência a condão, lembra as varinhas das fadas. Isto comprova que estamos num mundo imaginário e como as fadas-madrinha só existem nas histórias infantis, importa que se apele ao Poder Judiciário de cuja apreciação a lei não excluirá sequer a ameaça de direito, quanto mais do próprio. (Inc. XXXV do art. 5º da CF).

 

E se chega a ponto de evocar preceito do Código de Processo Civil, mais precisamente do art 334 que diz: “Não dependem de prova os fatos: (…) IV – em cujo favor militar presunção legal de existência ou veracidade”. Evidente que se trata de leitura superficial e que está deixando passar despercebida a menção a fato, ou seja, o que existe e não mera suposição, tantas ilusões de ótica, quais se constituem as inúmeras situações aparentes em que os cidadãos vêm sendo multados.

 

A suposição só se autoriza ante a presença dos fatos. O que se constata é que a chancela de um irregular agente de trânsito tem efeito erga omnes.

 

Municipalização do Trânsito

 

O Município de Vitória optou pela chamada municipalização do trânsito. Assim, foi procedido a redação de um Convênio com nº 002/99, fls 69 a 84 que, entrementes, tem consumação duvidosa, menciona que com o Governador do Estado e o Prefeito Municipal, haveria intervenção de diversos secretários o que não aconteceu. (fls. 84). Principalmente, não o firmaram o Diretor do DETRAN e o Comandante Geral da Polícia Militar. Deve ser lembrado que o ato jurídico perfeito tem forma prevista ou não defesa em lei.

 

Mas foi em decorrência de tal convênio firmado(?) em 08 de outubro de 1999, que saiu a Polícia Militar e passaram a atuar nas ruas da capital, um contingente de “pseudos agentes”, os quais passaram a proceder às autuações a bem da verdade, inteiramente nulas.

 

“O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar2 designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência”. (§ 4º art 280 CTN3 ).

 

Mas não, quem não se enquadra em uma dessas qualidades; que mediante apenas um FAZ SABER no teor da portaria Nº 006/00 da lavra do Secretário Municipal de Transportes e Infra Estrutura Urbana de Vitória ES, (fls 89) se investiu, se emitiu, se revestiu de todos citados poderes.

 

Quando o município (mas só depois de ter penalizado em milhões os cidadãos de Vitória4 ), finalmente, cogitou de regularizar o dispositivo acima transcrito, para dizer quem tem mencionado poder, mediante lei, (fls 12) como deve ser, o fez, bem recentemente, ou há menos de seis meses. E não estendeu ao exército de agentes de trânsito vistos em cada ângulo da cidade, referida faculdade, como se demonstra:

 

Lei 6.119/2004

Art 1º – O art 1º da Lei 4.941 de 1º de julho de 1999, passa a vigorar com a seguinte redação:

 

Art 1º Ficam designadas a Secretaria Municipal de Infra Estrutura Urbana e a Guarda Civil Municipal de Vitória, como Órgãos Executivos de trânsito, nos termos do Código de Trânsito Brasileiro instituído pela Lei Federal 9.503 de 23 de setembro de 1997.

Parágrafo único: A autoridade de trânsito municipal será exercida por:

I – …………………………..

II – Guarda Civil Municipal de Vitória, por intermédio do:

a) Coordenador Geral da Guarda Civil Municipal de Vitória;

b) Diretor do Departamento de Operações e Fiscalização de Trânsito.

 

A competência é do Coordenador Geral da Guarda Civil e do Diretor do Departamento de Operações e Fiscalização de Trânsito. Ele é que podem agir na forma do disposto no § 4º do art 280 do Código Nacional de Trânsito. Antes, ninguém estava habilitado. E como estes jamais procederam a qualquer autuação e aqueles são absolutamente incompetentes para fazê-lo decorre que estamos diante de uma totalidade de MULTAS NULAS.

 

Como se admitir a onipresença de apenas dois homens com competência para agir em toda a cidade de Vitória?

 

Trata-se de uma anomalia. Foram contratadas pessoas, temporariamente, que com caneta e bloco pelas ruas, passaram a proceder a multas de toda sorte. Pessoas que não se submeteram ao crivo do concurso público de provas e títulos de forma regular e legitimadora do exercício para se ter um agente público. Não havia cargos criados, em resumo, não havia vagas.

 

Pelo edital nº 01/2000 PS foi anunciado um processo seletivo simplificado. Tem data de 18 de fevereiro de 2000. (Fl 85).

 

Ilegalidade de contratação de agentesAtravés da Portaria 006/00, (fls. 89) foi FEITO SABER quem eram “OS ANALISTAS E AGENTES DA AUTORIDADE MUNICIPAL DE TRÂNSITO, COMPETENTES PARA O EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA ADMINISTRAVIA DE TRÂNSITO. 5 de outubro de 20005 ”.Sobre a verdade desta alegação a prova se faz com detalhe da contestação que faz o Município, na ação 024.030.135.040 (fls 53 (fine) e 54)6 nos seguintes termos:

 

“No que se refere à ausência de capacidade do agente municipal para autuar, igualmente não procede. Os agentes de trânsito do Réu que lavraram os autos de infração encontram-se investidos de autoridade7 , conforme os dispositivos constitucionais e na Lei Orgânica do Município de Vitória, o que o torna servidor municipal, vez que contratado MEDIANTE PRÉVIO E REGULAR CONCURSO PÚBLICO para atender a uma emergência, sendo tal contratação válida, e por conseguinte, válidos são os seus autos”.

 

Tais contratações não são constitucionais, concurso público de prova e títulos visa efetivação no serviço público, reune pressupostos inarredáveis no que tange ao requisito maior do ato administrativo, ser previsto em lei.

 

Se era urgente que se municipalizasse o trânsito, por que não proceder de modo e na forma legal? Sabe-se que só em 1 de setembro de 2001, era publicada a lei 5.379 (fls 105).

 

Como reforço do que acabou de ser dito, ou sobre a irregularidade das contratações temporárias, basta invocar os ditames da Lei Nº 2.994/82 – Estatuto do Funcionário9 Público do Município de Vitória, pela qual fica provado que aquele tipo de servidor não está ali previsto:

 

Art 3º – Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades cometidas ao funcionário, identificando-se pelas características de criação por Lei, denominação própria, número certo e pagamento pelos cofres do Município.

 

Art 4º – Os cargos públicos do Município são classificados em:

I – cargos de provimento efetivo;

 

II – cargos de provimento em comissão.

Repete-se: não está ali prevista a hipótese de contratação temporária.

 

Em decorrência disto, os incautos motoristas passaram a receber autuações de blocos entestados pelo Governo do Estado do Espírito Santo, mas usados por contratados temporários do Município de Vitória, prática10 aliás que acaba de ser atacada via outra ação civil pública, pois, afronta o direito cidadão de concorrer aos cargos públicos de forma legitimadora da função e com caráter de efetivo.

 

Esbofeteada é assim, de forma reprovável e em tudo a Augusta Constituição Federal, que sobre a espécie contempla apenas uma ressalva no que abaixo se grifa:

 

Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

 

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

 

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;11

E de nomeações para cargo em comissão fez uso extremo o Demandado, vez que criou nada menos que DEZOITO CHEFIAS em comissão nas unidades administrativas relacionadas ao setor de trânsito (fls 11) que é uma informação da própria Secretária da Pasta.

 

Quatro deles foram convidados para serem ouvidos na forma que consta das declarações de fls. 18 a 23. Na oportunidade, os quatro estiveram acompanhados de um Procurador Municipal. Dali resulta bem claro que as atribuições se confundem, que todos fazem mais ou menos as mesmas coisas e que são chefes de si mesmos.

 

Do Chefe da Divisão de Processamento das autuações, (Fls 18 e 19):

 

“… suas atribuições começam com as atividades de áreas de todo o setor, processamento e autuações, … recebe as notificações diárias das quais é feita uma triagem para verificação; … consiste em verificar se todos os campos do auto foram preenchidos corretamente, ou seja, data, hora, placa e outros detalhes que identifiquem o provável infrator … é uma tarefa meramente técnica.

“… Passa-se em seguida ao processamento o que consiste em digitar os dados que constam do auto de infração. Tal sistema é diretamente transferido para a PRODEST onde se processa o restante da identificação…

 

Do Chefe do Serviço de Controle de Autuações da Secretaria (fls 20 e 21):

 

“… suas atribuições consistem em controlar as multas desde o recebimento das mãos dos agentes até o arquivamento das mesmas; que o arquivamento é feito depois de serem verificadas se estão corretas, se todos os campos foram preenchidos corretamente, ou seja, data, hora, placa e outros detalhes que identifiquem o provável infrator; que tal triagem é uma tarefa meramente técnica.

“Após a triagem é verificada a validade da placa do veículo, pois, pode ser que se trate de uma placa fria ou inexistente no sistema.

“… consiste em digitar os dados … transferido para a PRODEST”.

 

Da Chefe da Divisão de Recursos de Infração da Secretaria (fls 22):

 

“… Sua função é de apoio às JARIS

“… Nesta análise que a gente faz é observado se todos os campos estiverem preenchidos corretamente, significa que a notificação está apta para produzir os efeitos da penalidade.

 

Da Chefe do Serviço de Notificação e Autuação da Secretaria (fls 23):

 

“Que sua função é de responsável pelo arquivo geral dos processos autuados, isto é, quando o processo dá entrada no protocolo … conferir toda a documentação, ou seja, se estão presentes documentos pessoais e do veículo.

 

Estes quatro depoimentos não deixam nenhuma sombra de dúvida que tudo é feito por todos, automaticamente e que inexistem critérios ou diretivas no que se chama de “exame de consistência das autuações”.

 

No prosseguimento das providências ou busca do que acontece, o A concluiu que através da Lei 6.033, editada nos últimos dias do ano pretérito (19 de dezembro de 2003) foi alterada a estrutura organizacional do Gabinete do Prefeito, da Secretaria Municipal de Transportes e Infra-Estrutura Urbana e da Secretaria Municipal da Cidadania e Segurança Pública. Criou a Guarda Municipal de Vitória e dispõe sobre a sua organização, direitos, deveres e atribuições, além de adotar outras providências. Foi criada a Guarda Municipal e com ela os Agentes de trânsito.

 

Art 1º – Fica criada, na estrutura organizacional do Gabinete do Prefeito, a Guarda Municipal de Vitória12 – CGMV, corporação uniformizada e aparelhada, a qual caberá a vigilância dos próprios municipais, o policiamento urbano de trânsito, a prevenção à violência urbana e a colaboração na segurança pública, na forma da lei.

 

Conforme pesquisado “in loco”, através dos atuais agentes encontrados pelas ruas, o A. tomou conhecimento de que sua primeira contratação foi temporária ainda que alguns tenham falado de um concurso (para contratação temporária, prática que a PMV perpetuou).

 

O organograma da referida secretaria passou a ter a forma traduzida pelo anexo VI, inserido como folha 24 do Inquérito Civil anexo.

 

No “site” da Prefeitura Municipal está escrito:

 

“A Guarda Civil Municipal de Vitória – GCMV, é uma corporação uniformizada e aparelhada, à qual caberá a vigilância dos próprios municipais, o policiamento urbano de trânsito, a prevenção à violência urbana e a colaboração na segurança pública, na forma da Lei 6.033 que entrou em vigor no dia 19 de dezembro de 200313 , sancionada pelo Prefeito Municipal Luiz Paulo Vellozo Lucas.

 

”Os guardas municipais têm por objetivo promover e manter a vigilância dos prédios públicos e das áreas de preservação do patrimônio natural e cultural do município; fiscalizar a utilização adequada dos parques, jardins, praças e monumentos; além de outras atividades voltadas para o bem-estar do município. O coordenador-geral da Guarda Municipal, coronel Luiz Sérgio Aurich, destaca que a colaboração na segurança pública, nela inserida o policiamento ostensivo na área municipal, será exercida mediante convênio com o Estado, ou seja, com o apoio da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo.

 

É de se notar que a Lei 6.033 não revogou nenhuma outra, aliás, seu teor sequer faz menção a eventuais pré-existentes no mesmo sentido.

 

Já se vão quatro anos e meio consecutivos, em que os pobres munícipes se vêem sob o peso de agentes ilegais, pagando multas que são ilegitimamente e ilegalmente impostas, principalmente sem notificação prévia.

 

Quanto ao Código Nacional de Trânsito

 

Dispõe textualmente que:

 

Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:

 

I – tipificação da infração;

II – local, data e hora do cometimento da infração;

III – caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação;

IV – o prontuário do condutor, sempre que possível;14

V – identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou equipamento que comprovar a infração;

VI – assinatura do infrator, sempre que possível15 , valendo esta como notificação do cometimento da infração.

§ 1º (VETADO)

§ 2º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas16 ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN.

§ 3º Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a respeito do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte.

§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.

Seção II

Do Julgamento das Autuações e Penalidades

Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.17

Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:

I – se considerado inconsistente ou irregular;

II – se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação. (Redação dada pela Lei nº 9.602, de 21.1.1998)

Art. 282. Aplicada a penalidade, será expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil, que assegure a ciência da imposição da penalidade.

§ 1º A notificação devolvida por desatualização do endereço do proprietário do veículo será considerada válida para todos os efeitos18 .

§ 2º …

§ 3º Sempre que a penalidade de multa for imposta a condutor, à exceção daquela de que trata o § 1º do art. 259, a notificação será encaminhada ao proprietário do veículo, responsável pelo seu pagamento.

§ 4º Da notificação deverá constar a data do término do prazo para apresentação de recurso pelo responsável pela infração, que não será inferior a trinta dias contados da data da notificação da penalidade. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.602, de 21.1.1998)

§ 5º No caso de penalidade de multa, a data estabelecida no parágrafo anterior será a data para o recolhimento de seu valor. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.602, de 21.1.1998

 

Sabe-se muito bem que o condutor nunca é parado para fornecer seu prontuário, tendo-se tornado o sempre que possível, num deixe-se para lá. No primeiro tempo então, nunca se sabia exatamente das coisas. Não sendo parado o auto resulta sempre, numa surpresa, havendo quem só toma conhecimento de tudo na hora em que vai licenciar seu veículo. Até hoje, sobre a identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador principalmente, há uma deliberação em confundir tudo, a exemplo do que aconteceu inclusive na contestação antes referida: “… o Município não é competente para licenciar veículos, nem para cobrar multas, mas o DETRAN-ES, … (fls. 51).

 

Quem não tem competência para cobrar não tem para multar.

 

Quanto à obtenção da “assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração”, o que deveria ser exceção rara se tornou norma única. A multa é sempre uma surpresa.

 

É verdade que está disposto que “a infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, (por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN)”, mas não foi acrescentado que tal declaração seja “erga omnes” ou que o Condutor seja sempre quem não diz a verdade. Nem se olvide que até um passado bem próximo se constituiu por pessoas contratadas temporariamente, inseguras pelo que lhes podia acontecer num depois, entre muitas carências mais, desprovidas de todo equilíbrio emocional necessário para agir sempre segundo o ditame maior que no caso é constituído pelo bom senso.

 

Houve criação dos agentes, mas não se disse que têm competência para o que fazem, na forma da lei.

 

Falta de notificação prévia

 

O disposto no art. 282, CNT, acima transcrito é de clarividência inarredável. Ninguém pode ser punido sem necessário processo em que lhe seja dada ampla oportunidade de defesa, pois, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e os recursos a ela inerentes” (Inc. LV, art 5º CF).

 

No entanto, até 31 de março do corrente ano, era absolutamente marginalizado o direito a uma defesa prévia. Prova claríssima também nos depoimentos dos quatro Chefes ouvidos. Toda suposta infração começava por aplicar diretamente uma multa, quem quisesse fazia logo o primeiro recurso, na grande totalidade de pronto indeferido.

 

Era queimada de todo a primeira fase, pelo que restam NULAS por mais este motivo, todas as infrações de trânsito aplicadas no município de Vitória, até 31 de março do corrente ano.

 

“A partir do mês de abril do corrente ano, começou-se a observar o que consta da resolução 149 do CONTRAN”. (Fl 20).

 

“Tem certeza que o art 281 do CNT não estava sendo cumprido, porque necessitava de uma regulamentação que envolvia todo um sistema da PRODEST…” (Fl 22).

 

Não obstante estar previsto em Lei, não obstante a Resolução 149 do CONTRAN que data de 19 de setembro de 2003 e que já veio para uniformizar os procedimentos administrativos (fls 6 a 9). Nem era necessária a resolução já que a lei se basta.

 

Pronunciamento dos Tribunais.

 

Contra a queima da notificação prévia, necessidade de que o agente seja legitimado (§ 4º art 280) já se pronunciaram Tribunais:

 

Das “Notícias do STJ” de 25/03/2004:

 

STJ: multa de trânsito só é possível após notificação e direito de defesa

 

Os motoristas têm direito a ampla defesa e contraditório antes de pagar multa de trânsito. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) vem mantendo a tese em reiterados processos, mesmo quando se trata de multas por sistema eletrônico. Em uma das últimas causas julgadas, envolvendo o DAER-RS (Departamento Antônomo de Estradas de Rodagem do Rio Grande do Sul), a Segunda Turma confirmou a necessidade de emissão de dois tipos de notificação para o motorista que não assinou o auto de infração: uma da ciência do delito, outra da imposição da pena.

 

Segundo o artigo 280 do Código de Trânsito Brasileiro, o agente deve colher a assinatura do motorista. Essa é considerada a primeira notificação. No entanto, há inúmeros casos em que o flagrante não é possível e o agente fica impossibilitado de tomar a assinatura do infrator. De acordo com o Código, o agente de trânsito nesses casos tem a obrigação de informar a autoridade superior os dados do veículo e as circunstâncias da infração. É essa autoridade quem julga se o auto de infração é consistente e o tipo de pena a ser aplicada. Se a multa não for devidamente analisada em trinta dias, deve ser arquivada.

 

Em casos de multas por sistemas eletrônicos, o STJ adota os parâmetros estabelecidos pelo Código de Trânsito e mantém rigorosamente a exigência da notificação prévia e da abertura do prazo de defesa. Ressalte-se que os departamentos de trânsito, em geral, enviam a notificação do cometimento da infração e, na mesma oportunidade, determinam o pagamento da penalidade. De acordo com o artigo 22, do Código Brasileiro de Trânsito, tem de haver dois tipos de notificação. Uma com o fim do prazo para apresentação da defesa, outra com a cobrança pela infração cometida.

 

Diversas decisões do ministro Castro Meira, na última seção da Segunda Turma do STJ, favoreceram dezenas de motoristas do Rio Grande do Sul. Para o ministro, a exigência de dupla notificação advém da lei, da necessidade de se garantir a ampla defesa e o contraditório. Segundo jurisprudência do STJ, a interpretação das multas de trânsito é similar ao processo judicial, em que se garante a defesa antes da imposição da sanção. “A garantia da plena defesa implica a observância do rito, as cientificações necessárias, a oportunidade de objetar a acusação desde o seu nascedouro, a produção de provas, o acompanhamento do iter procedimental, bem como a utilização dos recursos cabíveis.”

 

A administração, para jurisprudência do STJ, mesmo no exercício do poder de polícia, não pode impor sanções aos administrados que repercutam no seu patrimônio sem a preservação da ampla defesa. Deve haver em casos de infração de trânsito duas notificações: uma do cometimento da infração, para que possa ser oferecida defesa prévia, valendo como tal a assinatura do infrator na papeleta da multa; e outra da aplicação da penalidade, após o julgamento da consistência do auto de infração”19 .

 

MULTA DE TRÂNSITO: PRÉVIA NOTIFICAÇÃO É IMPRESCINDÍVEL

 

Imposição de multa de trânsito só é permitida após notificação e direito de defesa ao infrator. A questão foi debatida e julgada pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) durante o julgamento do recurso interposto pela União Federal contra o administrador João Carlos Schultz Gomes.

 

O acórdão ficou assim redigido:

 

“- O sistema de imputação de sanção pelo Código de Trânsito Brasileiro (Lei n.º 9.503/97) prevê duas notificações a saber: a primeira referente ao cometimento da infração e a segunda inerente à penalidade aplicada, desde que superada a fase da defesa quanto ao cometimento, em si, do ilícito administrativo.

 

Similitude com o processo judicial,por isso que ao imputado concede-se a garantia de defesa antes da imposição da sanção, sem prejuízo da possibilidade de revisão desta.

 

– Nas infrações de trânsito, a análise da consistência do auto de infração à luz da defesa propiciada é premissa inafastável para a aplicação da penalidade e consectário da garantia da ampla defesa assegurada no inciso LV, do artigo 5º da CF, como decorrência do due process of law do direito anglo-norte-americano, hoje constitucionalizado na nossa Carta Maior.

 

– A garantia da plena defesa implica a observância do rito, as cientificações necessárias, a oportunidade de objetar a acusação desde o seu nascedouro, a produção de provas, o acompanhamento do iter procedimental, bem como a utilização dos recursos cabíveis.

 

– A Administração Pública, mesmo no exercício do seu poder de polícia e nas atividades self executing não pode impor aos administrados sanções que repercutam no seu patrimônio sem a preservação da ampla defesa, que in casu se opera pelas notificações apontadas no CTB.

 

– Sobressai inequívoco do CTB (art. 280, caput) que à lavratura do auto de infração segue-se a primeira notificação in faciem (art. 280, VI) ou, se detectada a falta à distância, mediante comunicação documental (art. 281, parágrafo único, do CTB), ambas propiciadoras da primeira defesa, cuja previsão resta encartada no artigo 314, parágrafo único, do CTB em consonância com as Resoluções 568/80 e 829/92 (art. 2º e 1º, respectivamente, do CONTRAN).

 

– Superada a fase acima e concluindo-se nesse estágio do procedimento pela imputação da sanção, nova notificação deve ser expedida para satisfação da contraprestação ao cometimento do ilícito administrativo ou oferecimento de recurso (art. 282, do CTB). Nessa última hipótese, a instância administrativa somente se encerra nos termos dos artigos 288 e 290, do CTB.

 

– Revelando-se procedente a imputação da penalidade, após obedecido o devido processo legal, a autoridade administrativa recolherá, sob o pálio da legalidade a famigerada multa pretendida abocanhar açodadamente.

 

– A sistemática ora entrevista coaduna-se com a jurisprudência do E. STJ e do E. STF as quais, malgrado admitam à administração anular os seus atos, impõe-lhe a obediência ao princípio do devido processo legal quando a atividade repercuta no patrimônio do administrado.

 

– No mesmo sentido é a ratio essendi da Súmula 12720 , do STJ que inibe condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento da multa, da qual o infrator não foi notificado.

 

– Recurso especial desprovido”.(STJ – RESP 490728 / RS – DJ: 23/06/2003 PG: 00265 – Rel. Min. Luiz Fux – 1ª Turma).

 

No entendimento do relator, “se o Código concede o direito de defesa naquelas situações em que o procedimento não tem por objeto impor multa, não transpõe os lindes da razoabilidade entender que a garantia de defesa não se aplique aos demais casos”. ”21 .

Foi por circunstância do gênero que o Desembargador Ademir Pimentel, da 13ª Câmara Cível do TRRJ cancelou todas as multas aplicadas pela guarda municipal do Rio e suspendeu também os efeitos de novos autos de infração que viessem a ser lavrados. Apenas servidores públicos podem aplicar multa, acrescentou o Magistrado. (g/n).

 

No mesmo Tribunal o Desembargador Luiz Eduardo Rabello anulou duas multas de um motorista por também considerar que os guardas não têm competência para lavrar os autos de infração.

 

“CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO, PROCESSUAL CIVIL E PROCESSUAL ADMINISTRATIVO. CODIGO BRASILEIRO DE TRANSITO (CTB). INFRACAO DE TRANSITO. APLICACAO DE PENALIDADES SEM O DEVIDO PROCESSO LEGAL. MANDADO DE SEGURANCA. AUSENCIA DO CONTRADITORIO E DA AMPLA DEFESA. ILEGALIDADE DO ATO. CONCESSAO DA SEGURANCA NA ORIGEM. NAO-PROVIMENTO EM GRAU RECURSAL. É incabível notificação de infração de transito c/c notificação de penalidade aplicada sem a observância da defesa prévia, da ampla defesa e do contraditório; em suma, sem o devido processo legal, o que constitui razão bastante para justificar a concessão de liminar ou tutela antecipada parcial ao efeito de suspender a sua eficácia ate que a via ordinária decida sobre a sua anulação ou, veiculada a irresignação por mandado de segurança, a desconstituição das multas. Incidência e aplicação do artigo 5°, LV, da CF-1988, do artigo 281, § único, II, do Código Brasileiro de Trânsito (CTB) e da súmula 127 do STJ. Igual incidência da Lei n.º 9.784, de 29.01.1999 (DOU 01.02.1999 – art. 2º e 3º), que regula o processo administrativo. Apelação não provida. Sentença confirmada em reexame necessário. (Apelação e reexame necessário nº 70001611680, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Wellington Pacheco Barros, julgado em 06/12/2000)”.

 

É princípio constitucional que todo e qualquer ato que implique em restrição à esfera de direitos individuais deve ser precedida de manifestação de quem sofre os resultados. Além disso, na acepção da palavra, recurso implicaria um julgamento anterior, do auto de infração, via de conseqüência importa na provocação da parte de quem interessar.

 

Sufragando esta linha de pensamento, faz-se pertinente transcrever a manifestação do Desembargador Araken de Assis, nos votos que tem proferido em demandas relacionadas ao tema:

 

“De acordo com o art. 280, VI, da Lei 9.503, de 23.9.97 (Código de Trânsito Brasileiro), ocorrendo alguma infração, lavrar-se-á o respectivo auto, que, dentre outros requisitos, conterá a assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração (inc. VI). O § 3° do art. 280, na hipótese de ser impossível colher a assinatura do infrator, determina ao agente comunicar tal fato à autoridade competente, para os fins do art. 281, que contempla o julgamento da consistência do auto e aplicará a penalidade legal. Dentre os motivos de insubsistência do auto, o art. 281, parágrafo único, II, prevê a falta de expedição da notificação da autuação, que, a teor do art. 282, caput, se seguirá à aplicação da penalidade.

 

Deste ato cabe recurso (art. 285), sem recolhimento da multa (art. 286, caput), tornada exigível, no entanto, para segundo recurso (art. 288, § 2°), que encerra a instância administrativa (art. 290). Vale assinalar que o recurso do art. 288 poderá ser julgado pelo CONTRAN (289, I, “a”) e por colegiado especial (289, I, “b”).

 

É bem de ver que, para as penas de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação, aplicáveis mediante decisão fundamentada, o art. 265 previu a instauração de procedimento administrativo.

 

Assim exposto o regime do Código de Trânsito Brasileiro, e inexistindo disputa quanto aos fatos, controverte-se a aplicação do art. 2° da Resolução 568/80, do Conselho Nacional de Trânsito – recepcionada nos termos do art. 314, parágrafo único, da Lei 9.503/97 -, segundo a qual, recebido o auto de infração, o interessado poderá apresentar defesa prévia à autoridade de trânsito, antes da aplicação da penalidade. Idêntico é o sentido do art. 1° da Resolução 829/97 do mesmo Conselho. Em última análise, examina-se a constitucionalidade de a autoridade de trânsito aplicar a penalidade sem assegurar, previamente, a defesa prévia do autuado, como garantido no art. 5°, LIV e LV, da CF/88 e, no plano infra-constitucional, no art. 2°, I e VIII, da Lei 9.784/99.

 

No mesmo tom, ressoam julgamentos do Superior Tribunal de Justiça.

 

RESP 516443/RS –RECURSO ESPECIAL 2003/0008489-8 Fonte DJ-Data 13/10/2003 PG: 00273 – Relator: Min. José Delgado (1105) Data da decisão/04/09/2003 Órgão Julgador T1 – Primeira Turma

 

Ementa: ADMINISTRATIVO, INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. APLICAÇÃO DE PENALIDDE SEM ANTERIOR NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA PRÉVIA. AUTUAÇÃO “IN FACIE” EQUIVALENTE À NOTIFICAÇÃO DO COMETIMENTO DA INFRAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO DO RECRUSO QUANTO À ALEGATIVA DE INCOMPTÊNCIA DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO, POR INCIDÊNCIA DA SÚMULA 07/STJ . RECURSO PROVIDO.

 

1. O atual Código de Trânsito brasileiro prevê mais de uma notificação ao infrator: uma quando da lavratura do auto de infração, ocasião em que é disponibilizado prazo para oferecimento de defesa prévia; e outra, quando da aplicação da penalidade pela autoridade do trânsito. Apenas a autuação in facie do infrator torna inexigível posterior notificação, sendo esta equivalente àquela. Art 280, VI, do CTB. In casu, o auto de infração foi lavrado com base em aparelho eletrônico, (radar) não tendo os recorrentes sido notificados para apresentação de defesa prévia, antes que fosse julgada a consistência dos autos de infração lavrados e imposta a penalidade.

 

2. Quanto à alegação de incompetência da autoridade de trânsito responsável pela aplicação das penalidades impostas, não se conhece do recurso posto que o decisório recorrido baseou-se nas provas constantes dos autos. Inteligência da Súmula 07/STJ.

 

3. Recurso especial provido.

 

Decisão

 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs Ministros Luiz Fux, Teori Albino Zavascki e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

 

NULIDADE, AUTO DE INFRAÇÃO, MULTA DE TRÂNSITO, HIPÓTESE, FALTA NOTIFICAÇÃO PRÉVIA, CARACTERIZAÇÃO, VIOLAÇÃO PRINCÍPIO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA, NECESSIDADE OBSERVÂNCIA, CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO, RESOLUÇÃO CONTRAN.

 

 

RESP 575114/RS – RECURSO ESPECIAL 2003/0101215-2 FONTE DJ 22/03/2004 PG 00248 RELATOR MINISTRO LUIZ FUX (1122) DECISÃO: 02/03/2004. ÓRGÃO JULGADOR T 1 – PRIMEIRA TURMA

 

Ementa

 

ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRANSITO, PENALIDADE. PREVIA NOTIFICAÇÃO, AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO, APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 127/STJ – O CÓDIGO DE TRÂNSITO IMPÔS MAIS DE UMA NOTIFICAÇÃO PARA CONSOLIDAR A MULTA. AFIRMAÇÃO DAS GARANTIAS PÉTREAS CONSTITUCIONAIS NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.

 

1. O sistema de imputação de sanção pelo Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97) prevê duas notificações, a saber: a primeira referente ao cometimento da infração e a segunda inerente à penalidade aplicada, desde que superada a fase da defesa quanto ao cometimento em si, do ilícito administrativo. Similitude com o processo judicial, por isso que ao imputado concede-se a garantia de defesa antes da imposição da sanção, sem prejuízo da possibilidade de revisão desta.

 

2. Nas infrações de trânsito, a análise da consistência do auto de infração à luz da defesa propiciada é premissa inafastável para a aplicação da penalidade e consectário da garantia da ampla defesa assegurada no inciso LV, no artigo 5º da CF, como decorrência do “due process of law” do direito anglo-norte-americano, hoje constitucionalizado na nossa Carta Maior.

 

3. A garantia da plena defesa implica a observância do rito, as cientificações necessárias, a oportunidade de objetar a acusação desde o seu nascedouro, a produção de provas, o acompanhamento do iter procedimental, em como a utilização dos recursos cabíveis.

 

4. A Administração Pública, mesmo no exercício do seu poder de polícia e nas atividades “self executing” não pode impor aos administrados sanções que repercutam no seu patrimônio sem a preservação da ampla defesa, que “in casu” se opera pelas notificações apontadas no CTB.

 

5. Sobressai inequívoco do CTB (art 280, caput) que à lavratura do auto de infração segue-se a primeira notificação “in faciem” (art 280. VI), ou se detectada a falta à distância, mediante comunicação documental (art 281, parágrafo único do CTB), ambas propiciadoras da primeira defesa, cuja previsão resta encartada no art. 314, parágrafo único, do CTB em consonância com as Resoluções 566/80 e 829/92 (art 2º e 1º, respectivamente, do CONTRAN).

 

6. Superada a fase acima e concluindo-se nesse estágio do procedimento pela imputação da sanção, nova notificação deve ser expedida para satisfação da contraprestação ao cometimento do ilícito administrativo ou oferecimento de recurso (art 283, CTB). Nessa última hipótese, a instância administrativa somente se encerra nos termos dos artigos 288 e 290, do CTB.

 

7. Revelando-se procedente a imputação da penalidade, após obedecido o devido processo legal, a autoridade administrativa recolherá, sob o pálio da legalidade a famigerada multa pretendida abocanhar açodadamente.

 

8. A sistemática ora entrevista coaduna-se com a jurisprudência do E. STJ e do E STF as quais malgrado admitam à administração anular os seus atos, impõe-lhe a obediência ao princípio do devido processo legal quando a atividade repercuta no patrimônio do administrado.

 

9. No mesmo sentido é a “ratio essendi” da Súmula 127, do STJ que inibe condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento da multa, da qual o infrator não foi notificado.

 

10.Recurso Especial provido.

 

Decisão

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda e José Delgado votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

 

Não se deixe de frisar que o Demandado para “fazer saber” quem eram os agentes de trânsito, se apoiou na Lei 4.949/1999.

 

Esta lei contém dispositivos inconstitucionais daí ter sido proposta a respectiva ação pelo Ministério Público Estadual que logrou êxito liminarmente. Trata-se da ADIN 100010005823. Veja-se fls. 97 onde se destaca:

…………………….

4. Mérito. Deve-se conceder a liminar, ante a presença da relevante fundamentação e perigo de lesão grave e de difícil reparação, suspendendo a eficácia do art. 2º incisos III, segunda parte, IV e V da lei 4949/99 do município de Vitória, ante as hipóteses ali constantes, que refogem à exegese propugnada pelo art. 3d2, II e IX da Constituição Estadual que descrevem hipóteses excepcionais para contratação para necessidade temporária de excepcional interesse público. …

 

Relator: Des. Manoel Alves Rabello

DJ-ES de 22 de outubro de 2002

Ante o exposto está fartamente comprovado que:

 

O Município de Vitória ao arrepio da lei, contratou agentes de trânsito e através deles, passou a multar indiscriminadamente, abusivamente, os cidadãos que trafegam com seus veículos no território da Capital; admitidos sem concurso público, mediante contratação temporária que não se enquadra nos casos que a lei autoriza; todas as multas aplicadas até 31 de março do corrente ano são nulas por falta de notificação para efeito do exercício constitucional da ampla e prévia defesa. A partir desta data, porque os agentes que procedem as mesmas não se revestiam como não se revestem da faculdade preconizada pelo § 4º do art 280 do Código Nacional de Trânsito, como demonstrado.

 

Todas as multas são nulas.

 

Requer:

 

1. que seja concedida, sem oitiva da outra parte, liminarmente, proibição no sentido de que os Agentes de Trânsito cessem imediatamente de proceder a quaisquer autuações em quaisquer circunstâncias, por não estarem legitimados;

 

2. tendo em vista a falta de notificação prévia para exercício da ampla defesa e por igual falta de legitimidade para aquele fim, sejam declaradas nulas todas as multas aplicadas a quem quer que seja pelos pseudos agentes da município de Vitória, desde a celebração e respectiva publicação do convênio 002/99.

 

Eis ai presentes o “fumus boni juris” e o “periculum in mora”.

 

Periculum in mora, porquanto a cada dia os Guardas municipais estão nas ruas ávidos em tal prática e agora que se sabe que não se revestem dos poderes competentes, importa coibir que aumente ainda mais o número das “vítimas”, os cidadãos que trafegam pela cidade de Vitória.

 

“No período de setembro de 1999 a dezembro de 2003, a média mensal de autuações foi de 5 mil multas, sendo que em 2003, foram arrecadados R$ 4,5 milhões”. (Fl 116).

Seja arbitrada multa diária no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) no caso de descumprimento da ordem.

 

Requer a citação do Município na pessoa do seu Procurador Geral para responder aos termos desta ação sob pena de serem considerados desde então como verdadeiros os fatos articulados.

 

Protesta por todos os meios de prova em direito permitidas, em vindo a ser necessário, isto porque, salvo V. Exª pense diversamente, já está perfeitamente feita toda, que se faz necessária, para que a final seja julgada procedente esta ação, mantendo a liminar deferida e por acréscimo que valha a decisão como título judicial para que os interessados requeiram com acréscimo legal, devolução de quaisquer valores que lhes foram cobrados em decorrência de multas.

 

Finalmente, requer que o R. seja condenado ao pagamento das custas do processo e honorários ex vi legis.

 

Dá a causa o valor de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).Notas de rodapé da petição

 

Notas de rodapé da petição

 

1 Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

 

I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

 

2 O Policial Militar tinha aquela delegação.

 

3 Note-se que o Secretário citou este dispositivo como capaz de autorizá-lo a baixar citada portaria Nº006/00

 

4 Em 2003, foram arrecadados R$ 4,5 milhões em multas. Fls. 116.

 

5 Tem tudo do que se diz que PARA FINS ELEITOREIROS, não se diga que antes do pleito todos aqueles já não sabiam que seriam contratados.

 

6 Esta numeração é do Inquérito civil.

 

7 Como acima demonstrado são incapazes.

 

8 Os funcionários públicos não são contratados temporariamente.

 

9 Fala de funcionário, tem que ser funcionário.

 

10 Prática de contratação temporária.

 

11 E o Demandado abusou de cargos comissionados para o serviço de trânsito. Há nada menos que dezoito chefias, vide fls. 11. Todos são chefes de si mesmos. Evidente drible na lei, omitindo concurso público para cargos necessários.

 

12 XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; (Art 5º CF)

 

13 A Lei 6.119 é de maio do corrente ano.

 

14 Na grande maioria dos casos é possível e a declaração geral é de que “não foi possível”;

 

15 Como dito na nota 1;

 

16 Bafômetro? Ninguém é obrigado a provar contra si.

 

17 Sempre foi omitido.

 

18 Isto é proibição de mudar de residência. Isto é um absurdo incomensurável e de poderio ainda mais forte que aquele que se dá ao criminoso comum. Este goza da faculdade contida no Código de Processo Penal:

 

Art. 366 – Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

 

19 Captado in www.stj.gov.br/webstj/Notícias/detalhes_noticias.asp?seq_noticias=10277 em 25/03/2004.

 

20 SÚMULA Nº 127/STJ: “É ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado.”

 

21 Captado in www.stj.gov.br/webstj/Notícias/detalhes_noticias.asp?seq_noticias=10277 em 25/03/2004.

22 SÚMULA Nº 07/STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”

 

23 E agora que passou o período eleitoral em que houve uma decantada trégua para fins eleitoreiros.

 

N. termos

P. deferimento.

 

 

* Marlusse Pestana Daher, Promotora de Justiça, Ex-Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, em Direito Civil e Processual Civil, Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais.

Como citar e referenciar este artigo:
DAHER, Marlusse Pestana. Ação Civil Pública, com Pedido de Liminar, contra Contratação de Agentes de Trânsito. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/peticoes/acao-civil-publica/acao-civil-publica-com-pedido-de-liminar-contra-contratacao-de-agentes-de-transito/ Acesso em: 28 mar. 2024