Direito do Consumidor

Modelo de Ação Civil Pública – saque de FGTS – CEF

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA …. VARA DA JUSTIÇA FEDERAL DA SUBSEÇÃO DE ….. – SEÇÃO JUDICIÁRIA DO …..

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República adiante assinado, vem respeitosamente ante Vossa Excelência, com apoio no art. 129, III, da Constituição Federal, art. 6.º, VII, b, da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União) e, ainda, nas disposições das Leis n.º 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), subsidiado pelas informações constantes do inquérito civil público em anexo, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

em face de

Caixa Econômica Federal, empresa pública federal, com sede na Rua ….., n.º ….., Bairro ….., Cidade ….., Estado ….., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.

PRELIMINARMENTE

1. DA LEGITIMIDADE

Detém o Ministério Público legitimidade ativa para a presente propositura, prevista no art. 129, III, da Constituição Federal. Deduzirá pedido para que a Caixa Econômica altere a sistemática de liberação dos valores depositados nas contas vinculadas, beneficiando os atuais e futuros integrantes do regime do FGTS; alternativamente, o pedido objetiva obrigar a requerida a adotar o sistema de conta única, beneficiando, da mesma forma, todos os trabalhadores participantes do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço-FGTS e também aqueles que ainda virão a integrá-lo.

Logo se vê, pela dimensão do pedido, não se tratar in casu de direitos individuais homogêneos, mas de autênticos interesses difusos, uma vez que os seus titulares são em parte indeterminados.

Por outro lado, em relação aos trabalhadores já integrantes do regime, que podem ser determinados, também não há que se falar em interesses individuais homogêneos, mas em interesses coletivos stricto sensu. Os interesses individuais homogêneos, na dicção do Código de Defesa do Consumidor, são aqueles resultantes de origem comum. Têm geralmente origem fática e os seus titulares não guardam entre si ou com a parte contrária relação jurídica outra que não aquela que surge com o próprio evento danoso; ensejam normalmente a indenização dos seus titulares em razão da responsabilidade civil, como seria o caso de expressivo número de consumidores lesados pela utilização de um mesmo produto defeituoso. Ora, no caso dos interesses coletivos stricto sensu, os titulares já têm, entre si ou com a parte adversa, sempre de acordo com o CDC, uma relação jurídica base, razão pela qual se aconselha o tratamento molecularizado (e não atomizado) de suas demandas; a relação jurídica aqui antecede ao evento danoso.

O problema da indivisibilidade, que integra o conceito dos interesses e direitos coletivos, vem sendo tratada com algum equívoco. Ela não deixa de existir pelo fato de os interessados poderem, em determinado caso, valer-se de ações individuais; ela é, na verdade, a possibilidade jurídica de uma determinada questão, de um determinado pedido, em razão de sua identidade para toda a categoria, ser tratado de forma coletiva. A ação coletiva, nesse caso, não aparece como a única via possível de contestação judicial, pois ações individuais podem ser admissíveis, mas surge como a via mais adequada, levando-se em conta os princípios que inspiraram o advento desse tipo de ação no cenário jurídico: prestação jurisdicional mais eficaz, mais abrangente, igualdade de todos perante o ordenamento jurídico. É nesse sentido que Kazuo Watanabe, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, criticando os equívocos cometidos, afirma que a indivisibilidade depende largamente do que o autor pede ao juiz. E, ainda:

“A determinação dos membros integrantes do grupo é, precisamente, a nota que distingue os interesses ou direitos coletivos dos direitos difusos. Se o ato atacado através da ação coletiva (reajuste de mensalidades) diz respeito a todos os contratantes dos planos de saúde, globalmente considerados (não sendo atacados um a um, em relação a cada um dos filiados, os reajustes exigidos pelas empresas mantenedoras dos planos), a nota da indivisibilidade do bem jurídico e bem assim a sua transindividualidade são inquestionáveis, pois basta a procedência de uma única demanda para que todos os filiados dos planos de assistência médica e hospitalar sejam coletivamente beneficiados.”

“A tutela de interesses ‘coletivos’ tem sido tratada, por vezes, como tutela de interesses ‘individuais homogêneos’, e a de interesses ou direitos ‘coletivos’, que por definição legal são de natureza indivisível, tem sido limitada a um determinado segmento geográfico da sociedade, com uma inadmissível atomização de interesses ou direitos de natureza indivisível”. [1]

No caso em comento, os interessados são os titulares de contas vinculadas ao FGTS geridas pela requerida, ou seja, mantêm com ela uma relação jurídica base, podendo-se falar propriamente em direitos coletivos stricto sensu. A questão jurídica posta em causa é idêntica para todos, indivisível, e o pedido está assim formulado, de maneira a beneficiar coletivamente o grupo.

Finalmente, ainda que se falasse, mesmo erroneamente, em interesses individuais homogêneos, teriam eles inegável relevância social, critério que a Corte Suprema tem utilizado para decidir da admissão ou não do MP à postulação desse tipo de interesse. [2]

2. DA POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

É possível o ajuizamento de ação civil pública no presente caso. Não deve ser aplicado à questão o parágrafo único do art. 1° da Lei 7.347/85, com redação dada pela Medida Provisória n° 2.180-35, de 24.08.2001. [3]

Com efeito, o dispositivo em questão quis vedar, nas matérias que cita, a utilização da ação civil pública para a defesa dos chamados interesses individuais homogêneos, o que se vê logo na dicção “cujos beneficiários podem ser individualmente determinados”. No caso em tela, como assinalado, faz-se a defesa de interesses difusos, de titulares indeterminados ou, admita-se até, de interesses coletivos stricto sensu: não se requer qualquer vantagem pecuniária de caráter individual!

Por outro lado, padece de inconstitucionalidade o dispositivo citado. Apesar de estar em vigor, em razão dos termos da Emenda Constitucional n° 32, ele é, como dito, incompatível com a Constituição Federal.

Com efeito, a ação civil pública, instrumento processual criado pela Lei 7.347/85, foi albergada na Constituição Federal, no seu art. 129, III. O tratamento coletivo das demandas, conhecido em outros países, bastando lembrar das class actions americanas, é instrumento da democracia e de uma maior efetividade do Estado de direito; esse princípio permite que a prestação jurisdicional alcance e beneficie não só aqueles poucos que conseguem postular individualmente no Judiciário, mas todos os que se encontrem em situação idêntica, podendo-se dizer que se constitui também em modo de realização do princípio da isonomia.

Ora, albergado pela Constituição, o princípio do tratamento coletivo das demandas não comportou no Texto Maior quaisquer restrições, falando-se ali em inquérito civil e ação civil pública para a defesa do meio ambiente, do patrimônio público e social e de outros interesses difusos e coletivos. Essa cláusula geral permitiu a utilização da ação civil pública, pelo Ministério Público ou por outro legitimado, em quaisquer casos em que se verifique a transindividualidade da demanda, não sendo necessário haver previsão legal específica sobre a matéria versada, o que proporcionou ACP´s benfazejas em temas como saúde, educação, habitação, comunicação social etc.

Não pode a lei, pois, restringir o princípio mencionado, sob pena de incorrer em vício de inconstitucionalidade material, mormente em matérias de grande relevância como tributos, contribuições e fundo de garantia. Diga-se de passagem que a medida provisória questionada atendeu a preocupação contingente do governo federal que, diante da decisão do STF que reconheceu o direito à correção dos depósitos do fundo de garantia, passou a temer o ajuizamento de demandas coletivas nessa matéria.

Por outro lado, é sabido que o Supremo Tribunal Federal já decidiu, em relação às ACP’s versando matéria tributária, que o Ministério Público carece de legitimidade para intentá-las, por entender tratar-se de direitos individuais homogêneos [4], mas em momento algum estabeleceu que a via fosse inidônea a veicular toda e qualquer pretensão daquela espécie, em se tratando de outros legitimados legais. Também não asseverou o STF ser impossível ao Ministério Público manejar a ação civil pública, mesmo em se tratando de matéria tributária, quando se tratar de interesses difusos ou coletivos. Ora, a medida provisória atacada não se identifica com as referidas decisões do Supremo. As limitações que impõe vão muito mais além e se mostram incompatíveis com a Carta Magna, pois: 1) proíbe a ação civil pública a quaisquer legitimados, nas matérias que indica; 2) impede que o MP defenda, nessas matérias, interesses difusos ou coletivos, o que não foi, em absoluto, impedido de fazer pelas decisões do STF acima citadas.

Diga-se, igualmente, que os depósitos do Fundo de Garantia não têm natureza tributária, consoante já decidiu o STF e que no presente caso, como já afirmado, são defendidos interesses difusos e coletivos da sociedade e não apenas interesses individuais homogêneos.

Por fim, é de se mencionar que o STF tem admitido que as ações civis públicas deduzam pedido de declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, desde que o façam incidenter tantum, como passo lógico necessário ao atendimento do pedido principal. O STF, também, em jurisprudência já abundante, tem acatado esse tipo de pedido em ACP, sempre que o pedido principal deduzido nessa ação não possa ser obtido da mesma maneira em sede de ação direta de inconstitucionalidade, não vendo aí usurpação de sua competência originária pelo juiz de primeiro grau. [5]

A eventual declaração da inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1° da Lei 7.347/85, como requerido nesta ação, é exemplo rigoroso de declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum, pois, sendo o dispositivo de natureza estritamente processual, a decisão judicial que o invalidar terá efeitos apenas neste processo e não erga omnes, isto é, em outras ações civis públicas, como seria o caso da decisão do STF numa ação direta de inconstitucionalidade.

DO MÉRITO

1. DA EXIGIBILIDADE DO SISTEMA DE CONTA ÚNICA

Com efeito, as Leis 5.107/66 e 7.839/89, que regularam o Fundo de Garantia antes da vigente Lei 8.036/90, foram explícitas no sentido de que cada trabalhador teria uma conta única de FGTS para os sucessivos vínculos empregatícios de sua vida profissional. Senão, vejamos:

“Art. 5° (Lei 5.107). Verificando-se mudança de empresa a conta vinculada será transferida para estabelecimento bancário de escolha do novo empregador.

Art. 10 (Lei 7.839)

(…)

3° Verificando-se mudança de emprego, até que venha a ser implementada a centralização prevista no caput deste artigo, a conta vinculada será transferida para o estabelecimento bancário da escolha do novo empregador.”

Em relação à Lei atual, apesar de não encontrar aí dispositivo similar, até porque, com a centralização pela CEF, não mais se cogitou de transferência da conta vinculada entre instituições bancárias diversas, ela mantém a mesma exigência, de uma conta única por trabalhador. Pode-se chegar facilmente a essa constatação através da leitura do diploma, pela constante utilização da expressão “a conta vinculada” e não “as contas vinculadas”. Além do que, a existência de contas múltiplas para cada trabalhador, como adiante se verá, acarreta restrições indevidas e ilegais das hipóteses de movimentação.

Ainda para demonstrar que a Lei 8.036, como as anteriores, previu um sistema de conta única por trabalhador, é conveniente analisar a alteração legislativa trazida pela Lei 8.678/93. Os arts. 20 e 21 da Lei 8.036/90, em sua redação original, previam:

“Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:

(…)

VIII – quando permanecer 3 (três) anos ininterruptos, a partir da vigência desta lei, sem crédito de depósitos;

Art. 21. Após a centralização das contas de que trata o art. 12 desta lei, o saldo da conta não individualizada e da conta vinculada sem depósito há mais de 5 (cinco) anos será incorporado ao patrimônio do FGTS, resguardado o direito do beneficiário de reclamar, a qualquer tempo, a reposição do valor transferido, mediante comprovação.”

Em seguida, a Lei 8.678/93 alterou os dispositivos supracitados, dispondo o seu art. 4°:

O inciso VIII do art. 20 e o art. 21 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 20. …………

…………..

VIII – quando o trabalhador permanecer três anos ininterruptos, a partir de 1º de junho de 1990, fora do regime do FGTS, podendo o saque, neste caso, ser efetuado a partir do mês de aniversário do titular da conta.

Art. 21. Os saldos das contas não individualizadas e das contas vinculadas que se conservem ininterruptamente sem créditos de depósitos por mais de cinco anos, a partir de 1º de junho de 1990, em razão de o seu titular ter estado fora do regime do FGTS, serão incorporados ao patrimônio do fundo, resguardado o direito do beneficiário reclamar, a qualquer tempo, a reposição do valor transferido.

Parágrafo único. O valor, quando reclamado, será pago ao trabalhador acrescido da remuneração prevista no § 2º do art. 13 desta lei.”

Vê-se que a alteração do art. 20, VIII, consistiu em precisar que não bastava o simples transcurso do prazo de 3 anos, sem depósitos, para movimentar-se a conta vinculada: era necessário que o trabalhador estivesse, pelo mesmo tempo, fora do regime do FGTS. Por que a Lei 8.036 não fez tal precisão em sua redação original? Porque ela é desnecessária no sistema de conta única! Havendo uma só conta, para os sucessivos vínculos, esta somente ficará sem depósitos enquanto o trabalhador não tiver se empregado novamente. Três anos ininterruptos sem crédito de depósitos, na dicção original, correspondem a três anos fora do regime do FGTS.

No entanto, em dissonância com a lei e com o funcionamento anterior do Fundo de Garantia, a Caixa Econômica implantou um sistema de contas múltiplas por trabalhador, abrindo uma conta de FGTS para cada vínculo empregatício. Ensejou-se, assim, que algumas dessas contas – aquelas cujos saldos o trabalhador não pudera sacar de imediato, em virtude da forma de desligamento do emprego (ex.: pedido de demissão) – possibilitou-se, então, que tais contas ficassem sem depósitos por muitos anos, mesmo que o trabalhador voltasse a se empregar. Foi a razão que levou o legislador de 1993, a precisar as condições para o saque no caso do art. 20, VIII, da multicitada Lei 8.036/90, acrescentando que seria necessário estar “fora do regime do FGTS” pelo lapso de três anos.

A necessidade da alteração legislativa, em 1993, em função da situação criada pela implantação de várias contas por trabalhador, demonstra claramente que não foi esse o sistema previsto pela Lei 8.036/90.

Observe-se, porém, que a alteração legislativa em questão, que veio corrigir as consequências da implantação irregular de contas múltiplas, não implicou na admissão desse sistema, inclusive porque, como se verá abaixo, ele acarreta prejuízos aos trabalhadores, restringindo indevidamente as possibilidades de movimentação de determinadas quantias do FGTS.

2. DOS PREJUÍZOS CAUSADOS PELO SISTEMA DE CONTAS MÚLTIPLAS

Analisemos a hipótese de movimentação prevista no art. 20, VIII, da Lei 8.036. É sabido que, quando pede dispensa do emprego, o trabalhador não pode sacar logo os depósitos do Fundo de Garantia. Só poderá fazê-lo, segundo a Caixa, se permanecer três anos fora do regime do FGTS, isto é, caso não volte a se empregar nesse período. Se vier a se empregar nesse prazo, não terá direito ao saque, mesmo que a conta do vínculo anterior fique sem movimento por três anos ou mais, só podendo obter esses valores “nas hipóteses de Aposentadoria; de estar acometido de Neoplasia Maligna ou AIDS, o trabalhador ou seu dependente; de ter idade igual ou superior a 70 anos, ou na aquisição de imóvel para moradia própria”, conforme informou a CEF a esta Procuradoria da República através do ofício 1 -0650/CAIXA (fls. 07 e 08 dos autos anexos).

Com efeito, é o que se observa da Circular 278/2003, acostada às fls. 09 a 19 dos autos. Ela estabelece os valores que poderão ser levantados em cada hipótese de saque prevista no art. 20 da Lei 8.036/90 (conferir os itens “valor” na referida Circular). Em alguns deles, como nos casos já citados de aposentadoria, neoplasia maligna, financiamento ou aquisição de moradia, a Caixa libera os saldos de todas as contas que o trabalhador porventura titularizar, inclusive daquelas cujos valores ele não pudera sacar em virtude da forma de desligamento do respectivo vínculo. Em outros casos, muito mais corriqueiros, notadamente o da despedida sem justa causa (art. 20, I), a Caixa não libera todas as contas, mas somente o saldo daquela conta referente ao vínculo de que o trabalhador está se desligando; além da despedida sem justa causa, são outras hipóteses em que não há liberação do total de recursos: extinção da empresa (art. 20, II), extinção normal do contrato a termo (art. 20, IX), suspensão total do trabalho avulso por período igual ou superior a 90 dias (art. 20, X).

Assim, na forma disciplinada pela referida Circular, que é o mesmo procedimento aplicado pela CEF desde que centralizou as contas, os saldos das contas que o trabalhador não pôde sacar em virtude da forma de desligamento (como a justa causa ou o pedido de demissão), somente poderão ser movimentados naquelas hipóteses em que se prevê a liberação dos recursos de todas as contas (aposentadoria, falecimento do trabalhador, câncer, aquisição da moradia etc).

Ora, caso o trabalhador tivesse uma conta única de FGTS, suas possibilidades de sacar essas quantias seriam evidentemente maiores! Os depósitos anteriores, a cujo saque não tivera direito, somar-se-iam àqueles das relações de emprego subsequentes e poderiam ser obtidos, além das hipóteses citadas no parágrafo anterior, sempre que sobreviesse ao trabalhador uma dispensa sem justa causa (art. 20, I, da Lei 8.036/90) ou ainda outras hipóteses de previstas no art. 20, II, IX e X. Esse era o funcionamento do Fundo sob a égide das já citadas Leis 5.107/66 e 7.839/89.

A conclusão do parágrafo anterior se mostra mesmo mais consentânea com a natureza do Fundo. Os recursos do FGTS são de propriedade dos trabalhadores e objetivam socorrê-los no desemprego, entre outras hipóteses. Quando a Lei 8.036/90, no seu art. 20, I, assevera que “a conta vinculada do trabalhador no FGTS” poderá ser movimentada em caso de despedida sem justa causa, é claro que dispôs no sentido de que todos os recursos de que o trabalhador dispuser no Fundo poderão ser movimentados. Não faria sentido que, numa situação de desemprego, necessitando dos recursos, o trabalhador só pudesse movimentar uma parte deles, ficando o restante para a aposentadoria.

Como já dito, a requerida deu a interpretação contida no parágrafo anterior, no sentido da liberação total dos recursos, em várias hipóteses do multicitado artigo 20. Pode-se dizer que nos casos de aposentadoria e falecimento isso seria uma imposição lógica. E nos outros, como a aquisição de moradia própria? Por que não liberar, também nesses casos, apenas parte dos recursos, aqueles depositados na última conta, reservando o restante para a aposentadoria? O absurdo de tal raciocínio, nessas hipóteses, ilustra sua inadequação também para as demais, como aquela mais comum da despedida sem justa causa(art. 20, I). Isso porque a Lei 8.036/90 não privilegiou qualquer hipótese, sendo a verificação de qualquer delas bastante para ensejar a liberação de todos os valores que por acaso o trabalhador possuir no FGTS.

3. DA CORREÇÃO DA DISTORÇÃO

Pois bem, a correção do problema seria a implantação do sistema de conta única, na forma acima explicitada, para os atuais e futuros integrantes do regime do FGTS. Contudo, a implantação da conta única poderá se mostrar custosa, em termos de tempo e dinheiro.

Uma alternativa à implantação do sistema de conta única, que nos parece suficiente e, por ser mais rápida e menos custosa, é aquela que adotaremos como pedido principal, é a determinação judicial para que, também nas hipóteses citadas do art. 20, I, II, IX e X, a requerida libere os saldos de todas as contas vinculadas em nome do titular e não apenas da conta referente ao último vínculo.

Assim, serão obviadas as consequências ilegais da existência de múltiplas contas, a saber, a restrição das possibilidades de saque de determinadas quantias. Os recursos do trabalhador no Fundo de Garantia passarão a ser considerados de forma global, em todas as hipóteses de saque previstas no art. 20 da Lei 8.036/90, exatamente como se ele possuísse uma única conta vinculada para os seus sucessivos vínculos.

Por outro lado, ainda que não se extraísse da lei a obrigatoriedade da conta única, tem-se que em qualquer hipótese de movimentação prevista no art. 20 da Lei 8.036/90 deve ser liberada a totalidade dos recursos que o trabalhador possuir no Fundo, a teor das considerações feitas nos parágrafos 30 e 31 supra que, a par das demais, devem ser tomadas como causa de pedir autônoma da presente ação.

4. DOS EFEITOS NACIONAIS DA LIMINAR E DA SENTENÇA

A sentença em ação civil pública, em razão da própria natureza dessa ação, deve produzir efeitos erga omnes ou ultra partes, nos termos do artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor.

A razão mesma de ser da ação civil pública é beneficiar todas as pessoas que estejam na mesma situação, rompendo com o individualismo do processo civil clássico. Recentes alterações legislativas, notadamente a Lei 9.494/97, que alterou o artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública, objetivaram desfigurar a ação civil pública, atingindo-a na sua própria natureza e ferindo, assim, a disposição constitucional que autorizou tal demanda coletiva (art. 129, III). Sabe-se que a nova redação do art. 16 restringe os efeitos da coisa julgada ao território de competência do órgão judicial prolator.

Confundiram-se, assim, dois institutos distintos, quais sejam, a competência do órgão judicial e a sua jurisdição. Todo juiz tem competência territorial delimitada, que o habilita a conhecer apenas de determinadas lides, mas sua jurisdição, quer dizer, a validade de suas decisões tem indiscutivelmente abrangência nacional. Um divórcio prolatado em Aracaju tem, à evidência, validade em todo o território nacional e mesmo, observadas as regras do direito internacional privado, no âmbito internacional.

Na ação civil pública, a competência define-se pelo local do dano, que no presente caso abrange todo o país, inclusive o Estado de ………….., cujos juízes federais se tornam competentes para a demanda. Os efeitos da decisão, contudo, são ditados pela lide posta em juízo, devendo alcançar todos os titulares dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos em causa; ditam-se esses efeitos também pela pessoa do réu, cujas obrigações não podem ser repartidas em tantas partes quanto forem as comarcas existentes no país. O contrário significaria grave afronta ao princípio constitucional da isonomia. Nesse sentido, já decidiram os tribunais:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. EFICÁCIA TERRITORIAL DE MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA EM SEDE DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSTRUÇÃO NORMATIVA/INSS nº 57. IMPOSTO DE RENDA.

1. A eficácia de liminar concedida em sede de ação civil pública é erga omnes, tendo abrangência em todo o território nacional.

2. A nova redação dada ao art. 16 da Lei da Ação Civil Pública pela MP 1570-5 (posteriormente convertida na Lei nº 9.494/97), para restringir a eficácia aos limites da competência territorial do órgão prolator, é de flagrante inconstitucionalidade, em afronta os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e da isonomia, pois desmantela o principal intuito de uma decisão coletiva – a eficácia erga omnes irrestrita.

3. Não constitui critério determinante da extensão da eficácia da liminar na ação civil pública a competência territorial do juízo, mas a amplitude e a indivisibilidade do dano que se pretende evitar.

4. Por força do art. 21 da LACP e do art. 90 do CDC, incide, na hipótese, o art. 103 do Código de Defesa do Consumidor.

5. (…)

6. Precedente desta Turma (AI nº 2002.04.01.008635-0/RS, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU de 02/10/2002).

7. Agravo de instrumento provido. (AG nº 2002.04.01.0223778/RS, Rel. Juiz A A Ramos de Oliveira, DJU de 26/02/2003)

Por fim, deve-se insistir, no mesmo sentido da lúcida decisão citada, que a alteração do art. 16 da LACP, ainda que constitucional fosse, restou inócua. Isso porque a Lei 9.494/97 não alterou o já referido art. 103 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe sobre os efeitos erga omnes e ultra partes das sentenças e, como sabido, aplica-se, por força do art. 117 do mesmo CDC, a todas as ações civis públicas e não somente àquelas versando relação de consumo.

DOS PEDIDOS

ANTE TODO O EXPOSTO, requer o Ministério Público Federal:

I) Liminarmente, conceda-se a medida prevista no art. 12 da Lei 7.347/85, determinando-se à requerida que, também nas hipóteses do art. 20, I, II, IX e X, da Lei 8.036/90, libere os saldos de todas as contas vinculadas em nome do titular e não apenas da conta relativa ao último vínculo;

II) Cite-se a requerida para apresentar contestação, no prazo de 15 dias, sob pena de revelia;

III) Declare-se, se Vossa Excelência entender necessário, inclusive para o deferimento da liminar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1° da Lei 7.347/85, com a redação dada pela Medida Provisória n° 2.180-35, de 24.08.2001;

IV) Por fim, por sentença, julgue-se procedente o pleito autoral, condenando-se a requerida à obrigação de fazer consistente em, nas hipóteses de movimentação do art. 20, I, II, IX e X, da Lei 8.036/90, liberar os saldos de todas as contas vinculadas em nome do titular, e não apenas da conta relativa ao último vínculo;

V) Alternativamente, por sentença, julgue-se procedente o pleito autoral, condenando-se a requerida à obrigação de fazer consistente em, no prazo máximo de 3 (três) meses a contar da sentença, adotar o regime de conta única por trabalhador, como explicitado no corpo da presente petição, para os atuais e futuros integrantes do regime do FGTS, inclusive reunindo os depósitos das diversas contas eventualmente titularizadas por um mesmo trabalhador em sua conta atual ou mais recente;

VI) Imponha-se multa diária pelo eventual descumprimento da liminar ou da sentença, aferido que seja de qualquer maneira, em valor capaz de dissuadi-lo, levando-se em conta o caráter multitudinário do feito, destinando-se os valores ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos-FDDD, criado pelo Decreto 1306/94;

VII) Finalmente, pelas razões expostas, confira-se abrangência nacional às decisões provisórias e definitivas exaradas no presente processo.

Dá-se à causa o valor de R$ …….

Pede Deferimento.

[Local], [dia] de [mês] de [ano].

[Assinatura]

Como citar e referenciar este artigo:
MODELO,. Modelo de Ação Civil Pública – saque de FGTS – CEF. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2014. Disponível em: https://investidura.com.br/modelos/direito-do-consumidor-modelos/modelo-de-acao-civil-publica-saque-de-fgts-cef/ Acesso em: 19 abr. 2024