Direito Constitucional

Modelo de ação civil pública com obrigação de fazer – realização de concurso para defensor público

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ….. VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE …..

O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL por seu Representante neste Juízo, no exercício de suas atribuições legais e na condição de Promotor dos Direitos Constitucionais do Cidadão desta Comarca, com base nos artigos 127, caput, e 129, incisos III e IX, primeira parte, ambos da Constituição da República, e 26, inciso V, alínea a, da Lei Complementar Estadual n° …../…., vem propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER

contra o ESTADO do ….., Pessoa Jurídica de Direito Público, representada, nos termos do artigo 103, caput, primeira parte, da Constituição Estadual, pela Senhora Procuradora-Geral do Estado, pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.

DOS FATOS

Através da Portaria n° ………….., foi instaurado no âmbito desta Promotoria dos Direitos Constitucionais do Cidadão, o Inquérito Civil Público n° …./…., com o propósito de demonstrar o ferimento ao direito constitucional dos comarcanos necessitados de Pedreiras em ter assegurada, pelo Estado, a assistência jurídica integral e gratuita prevista no artigo 134 combinado com o artigo 5° , inciso LXXIV, ambos da Constituição da República.

Consoante apurado, desde ….. de ……., portanto há mais de cinco anos, encontra-se em vigor a Lei Complementar Estadual no 19, que “dispõe sobre a organização e funcionamento da Defensoria Pública do Estado”, sem jamais haver sido realizado concurso público para provimento dos oitenta e cinco cargos de Defensor Público, criados em seu artigo 59.

Não obstante a imprescindibilidade de tal providência, informou a Procuradoria-Geral da Defensoria Pública do Estado do …………., já efetivamente em funcionamento, às fls. … dos inclusos autos de Inquérito Civil Público, que a Instituição já se encontra “praticamente instalada, cumprindo assim o preceito constitucional de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que são considerados por lei necessitados” (sic, fls. …), aduzindo, ainda, que “a despeito das dificuldades encontradas a Defensoria Pública do Estado já tem ramificações nas cidades de ………, ………, ….., …. e …..” (sic, fls. …), desenvolvendo, também, suas atividades na Capital, ……….

É notório, entretanto, o que, pelo artigo 334, inciso I, do Código de Processo Civil, dispensaria até mesmo a produção de qualquer prova, que as atividades a que se deveria dedicar a Defensoria Pública, conforme disposto no artigo 134 combinado com o artigo 5° , inciso LXXIV, ambos da Constituição da República, não têm sido efetivamente cumpridas neste Estado. E não poderia ser diferente, tendo em vista que o quadro de Defensores Públicos antes referido não se encontra preenchido, não obstante o já mencionado lapso decorrido desde o início da vigência da Lei que o criou.

Tal realidade, frustrando a efetivação de um comando constitucional, tem trazido sérios prejuízos aos cidadãos residentes nesta Comarca de ……….. não parecendo ser outra a situação do restante do Estado, tendo em vista o teor das informações de fls. …, …, …, …, que se vêem privados de ter possibilitado o acesso à prestação jurisdicional, uma vez que grande parte da população se encontra em situação de hipossuficiência financeira e não conta com qualquer serviço oficial, ainda que precário, de assistência judiciária ou jurídica, o que os obriga, quando não lhes resta outra alternativa ou quando não se conformam com a própria infelicidade, à humilhação de suplicar pela defesa ou o patrocínio gratuito de um ou outro advogado militante na cidade, que, por não receber qualquer contraprestação por seus serviços quer por parte do interessado desvalido, quer por parte do próprio Estado, muitas vezes não se encontra em condições de oferecer a dedicação necessária (fls. …).

A inexistência de um serviço organizado de assistência jurídica, por parte da Defensoria Pública do Estado do ……….., cria, ainda, uma situação de aprofundamento da estigmatização comumente sofrida pelos acusados em Ações Penais nesta Comarca, materializada em deficiente defesa técnica a eles dispensada, através da nomeação de advogados dativos que, pela razão acima exposta, aliada à grande demanda, não têm condições de promover-lhes efetiva assistência.

Em pesquisa realizada entre os presos custodiados na Delegacia Regional de Polícia de ……… (fls. ….), chegou-se à conclusão de que a maioria (87,5%) manteve apenas um ou nenhum contato com seu defensor, durante toda a instrução processual, sendo a atuação dos mesmos expressivamente avaliada como de baixa qualidade (62,5%). Tais dados crescem em importância quando se constata que 87,5% dos acusados têm renda familiar abaixo de um salário mínimo, o que os identifica como destinatários em potencial dos serviços de assistência jurídica que deveriam ser oferecidos pela Defensoria Pública, e que, das duzentas e sessenta e cinco ações penais ajuizadas durante os anos de ….. a …….., atualmente em tramitação nas três Varas que integram esta Comarca, excetuando-se os processos de réus foragidos, cento e sessenta e três (61,51% do total) tiveram nomeação de defensor dativo aos acusados, conforme informações prestadas pelas Escrivanias locais, às fls. …/…, …/…, …/…, …/…

Acrescente-se, ainda, que a situação de falta de defesa técnica satisfatória, além de provocar prejuízo direto aos acusados, também é causa, em grande parte, do atraso na prestação da tutela jurisdicional, conforme observado em correição efetuada pela ….. Vara desta Comarca, em cujo relatório observou o Magistrado que “os processos criminais são os que estão com andamento mais atrasado, principalmente por falta de defensor”.

Igualmente, em se tratando de ações de natureza cível, nota-se ser grande a demanda por assistência jurídica. Assim é que, nesta Comarca de ………., de quatrocentas e dezessete ações de prestação de alimentos, divórcio, guarda e retificação de registros públicos, ajuizadas nos anos de ……., ……., …… e …., trezentas e trinta e quatro (80,09% do total) foram oferecidas com pedido de assistência judiciária gratuita, o mesmo ocorrendo, quanto a ações de concessão de alvará judicial e interdição, oferecidas entre os anos de ……. e ….., quando, de cento e setenta, noventa e seis (56,47% do total) foram oferecidas com o mesmo requerimento.

A necessidade de efetiva implantação da Defensoria Pública na Comarca de ………., e, por extensão, em todo o Estado, bem como os prejuízos causados com sua inexistência, quer aos acusados pobres, grande maioria da clientela do sistema penal, quer aos suplicantes hipossuficientes, são, portanto, bastante visíveis, segundo ilustrado pelos dados estatísticos acima expostos.

A existência de convênio entre o Estado do …….., através de sua Gerência de Administração e Modernização, e da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, datado de …. de ….. de ……. (fls. …/…), não supre essa lacuna nem minimiza os danos verificados contra o exercício da cidadania. A cláusula terceira desse instrumento limita a vinte e oito advogados, acompanhados de vinte e oito estagiários, o número de profissionais destinados à prestação de assistência judiciária gratuita, restrita, inicialmente, à cidade de ……, remetendo a um incerto futuro a possibilidade de extensão do benefício a outras Comarcas.

Insofismável, por conseqüência, o dano ao direito e à garantia fundamental do cidadão de ter possibilitado seu acesso à Justiça e o exercício de sua ampla defesa, assistido juridicamente de forma ampla e gratuita, tratando-se de pessoa financeiramente necessitada.

DO DIREITO

A Constituição da República em seu artigo 129, inciso III, atribui ao Ministério Público legitimidade, para ajuizar a Ação Civil Pública em proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

Esta a redação do mencionado dispositivo:

“Art. 129 – São funções institucionais do Ministério Público:

I – …

II – …

III – promover o inquérito civil e ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.”

Ademais, também é disposição constitucional, materializada no artigo 127, caput, da Carta Política Brasileira, que o Ministério Público corresponde a “instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Também a Lei n° 7.347/87, que disciplina a Ação Civil Pública, estabelece, em seu artigo 5º, que poderá o Órgão Ministerial, dentre outros agentes legítimos, ajuizar ação principal e cautelar para os fins de responsabilizar causadores de dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.In casu, a garantia de assistência jurídica integral e gratuita, por parte do Estado, encontra-se prevista no artigo 134 combinado com o artigo 5, inciso LXXIV, ambos da Constituição da República, e constitui interesse difuso da sociedade, pela sua própria natureza: trata-se de previsão incluída dentre os Direitos e Garantias Fundamentais, constantes do Título II da Carta Magna.

Consoante leciona MAZZILLI (in A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 7a ed. rev. ampl. atual., São Paulo : Saraiva, 1995, p. 8):

“Em sentido lato, ou seja, de maneira mais abrangente, podemos dizer que os interesses coletivos compreendem uma categoria determinada, ou pelo menos determinável de pessoas, distinguindo-se dos interesses difusos, que dizem respeito a pessoas ou grupos de pessoas indeterminadamente dispersas na coletividade” (destaques constantes no original).

E continua o ilustre doutrinador:

“Tratando-se da defesa de interesses difusos, pela abrangência dos interesses, a atuação do Ministério Público sempre será exigível. Já em matéria de interesses coletivos (…), o Ministério Público atuará sempre que: a) haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou pelas características do dano (mesmo o dano potencial); b) seja acentuada a relevância do bem jurídico a ser defendido(…)” (op. cit., p. 116; destaques constantes do original).

Dúvida não existe, portanto, quanto à legitimidade ativa do Ministério Público.

A Lei n° 7.347/87 limitou o universo de pessoas com legitimidade para propor Ação Civil Pública, mas não o fez em relação àquelas que poderiam figurar no pólo passivo da relação processual. Isto porque qualquer que seja o causador do dano ou do perigo de dano ao interesse tutelado há de ser responsabilizado por sua atividade, seja ele ente particular ou público.

A legitimidade passiva do ESTADO DO ………, na presente ação não oferece qualquer dúvida. Estando vigente, desde …. de ……… de ….., a Lei Complementar Estadual n° …., que organiza a Defensoria Pública do ……………, jamais essa Instituição foi efetivamente instalada nas várias Comarcas do Estado, tornando ineficaz o dispositivo constitucional que determina a prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados.

O nexo de causalidade entre esta atitude do Poder Público Estadual, não implementação efetiva da Defensoria Pública no Estado, e o dano causado ao direito constitucional que tem o cidadão de contar com assistência jurídica integral e gratuita, nos moldes previstos no artigo 134 combinado com o artigo 5o, inciso LXXIV, ambos da Constituição da República, é claro o bastante e suficiente para fixar a responsabilidade que instala o ESTADO DO ……….. no pólo passivo da presente relação processual.

Ademais, consoante observa REIS NETO (in A Responsabilidade Civil por Dano Moral no Ordenamento Jurídico Brasileiro. São Luís : UFMA, 1996, p. 23-24. Monografia apresentada para obtenção do grau de Bacharel em Direito):

“A teoria objetiva, adotada no nosso Direito para caracterizar a responsabilidade do Estado, se apoia no mandamento da igualdade dos encargos sociais. Para esta teoria é absolutamente desnecessária a idéia de culpa para que seja determinada a responsabilidade pelo dano. O que estriba a imputação da responsabilidade é o nexo de causalidade entre o evento danoso ocasionado, enquanto fato consumado, e a conduta do causador do dano.

A responsabilidade objetiva consagrada na nossa Ordem Jurídica, através do artigo 37, § 6° da Constituição Federal, existirá sempre que o dano for praticado por agente de pessoa jurídica de direito público de ou direito privado prestadora de direito público” (sic).

Encontra-se perfeitamente demonstrada, portanto, a legitimidade passiva ad causam do ora Réu.

Quanto à competência, se de âmbito regional (entendido aqui como um grande número de comarcas de um mesmo Estado) a lesão (ou ameaça) proporcionada a determinado interesse supra-individual, a competência será da justiça comum estadual e a demanda ajuizada no foro da efetiva lesão ou ameaça, sempre considerando a ressalva feita acima, sobre a prevenção” (Sublinhou-se).

No mesmo sentido é a lição de MANCUSO (in Ação civil pública em defesa do meio ambiente, patrimônio cultural e dos consumidores. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1994. p. 47), quando lembra:

“…um aspecto que por certo será ocorrente na tutela dos interesses difusos, considerando-se duas de suas características: a indeterminação dos sujeitos e a indivisibilidade do objeto. Trata-se da fixação do foro competente quando o dano ao interesse difuso se espraie para além de uma circunscrição judiciária. A espécie veio lembrada por Galeno Lacerda: ‘…na hipótese de um dano generalizado, um dano que abarque, suponhamos, uma extensão maior do que uma comarca, como p. ex., o emprego de um defensivo agrícola nocivo, o emprego generalizado, qual o juízo competente para esta ação? A meu ver o problema se resolve pela prevenção. Se efetivamente a extensão do dano abranger área superior a uma comarca, a ação poderá ser proposta em qualquer dos territórios afetados’. Parece-nos correta a colocação, dado que a prevenção é, efetivamente, critério assegurador (não ‘determinativo’) da competência, conforme a lição de Moacyr Amaral Santos: ‘O juiz que conhecer da causa em primeiro lugar, terá sua jurisdição preventa. Ele, que era cumulativamente competente com outros juízes, igualmente competentes, para conhecer de determinada causa, pelo fato de haver tomado conhecimento dela em primeiro lugar passou a ser o único competente. A prevenção, portanto, firma, assegura a competência de um juiz, já competente'” (Sublinhou-se).

Assim, inexistindo qualquer outro já prevento, não há qualquer dúvida de que cabe a este Juízo o processamento e o julgamento da presente ação ainda que não restrito o dano a esta Comarca.

A integralidade da assistência a cargo da Defensoria Pública abrange,como bem observado pelo Juiz paulistano Álvaro Luiz Valery Mirra (nos autos da Ação Civil Pública nº 532/96, fls. 182-183, da 1ª Vara da Comarca de Jaboticabal -SP), “desde a recepção e atendimento dos necessitados que o procurem até o deslocamento do profissional junto àqueles que não podem procurá-lo (como os detentos – art. 16 da Lei de Execução Penal), com dedicação exclusiva, como previsto na Constituição (art. 134, p.u.), e com independência garantida para litigar até mesmo contra o próprio Estado, se for o caso, como estabelecido na Lei Complementar 80/94 (…)”.

Nenhum serviço dessa natureza, porém, é oferecido no Estado do ………

DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requer digne-se Vossa Excelência a julgar procedente o pedido, citando-se os interessados na forma da lei.

Protesta pela produção de todo gênero de provas admitidas em juízo, inclusive depoimentos pessoais, juntada de novos documentos e perícia.

Dá-se à causa o valor de R$ …..

Nesses Termos,

Pede Deferimento.

[Local], [dia] de [mês] de [ano].

[Assinatura]

Como citar e referenciar este artigo:
MODELO,. Modelo de ação civil pública com obrigação de fazer – realização de concurso para defensor público. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/modelos/direito-constitucional-modelos/modelo-de-acao-civil-publica-com-obrigacao-de-fazer-realizacao-de-concurso-para-defensor-publico/ Acesso em: 19 abr. 2024