Direito Ambiental

Modelo de ação civil pública – queima de cana de açúcar – degradação ambiental

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE …………

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ……….., por intermédio da Promotora de Justiça do Meio Ambiente, ao final identificada com fundamento nos artigos 127 e 129, inciso III da Constituição Federal, artigos 1º, inciso IV, 5º e 21 da Lei 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública), artigos 81, 82, inciso I da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), Lei nº 6938/81, art. 25, IV, “a”, da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e artigo 103, inciso VIII da Lei Complementar Estadual nº 734/93, vem, mui respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL

em face da empresa …………., CNPJ nº ………. e cadastro na Cetesb nº ……………., sediada na ……….., s/nº, nesta cidade e Comarca, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas.

I. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Constituição Federal de 1998 consagrou ser o Ministério Público “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, prevendo, entre suas funções, a proteção do meio ambiente (artigos 127 e 129, inciso III).

Em tais termos, a Lei Maior Nacional, recepcionando a Lei 7.347/85, assim como a Lei 6.766/79 e outras referentes ao uso e ocupação do solo, reconheceu-o como interesse difuso, e, assim o fazendo, tornou-o objeto de proteção passível de ser efetuada pelo Ministério Público.

Desta feita, consoante bem explanado pelo eminente Professor José Afonso da Silva, in verbis: “O típico e mais importante meio processual de defesa dos interesses difusos é a ação civil pública que foi agasalhada pela Constituição, quando, no art. 129, III, prevê, como uma das funções institucionais do Ministério Público, promover a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e. social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, sem prejuízo da legitimação de terceiros.”

A Lei 7.347/85, anterior, como se nota, à Constituição, prevê a legitimação das pessoas jurídicas estatais, autárquicas e paraestatais, assim como das associações destinadas à proteção do meio ambiente, além do Ministério Público, para proporem a ação civil pública, que, segundo a mesma lei, é o instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico.

Destarte, os fatos nesta ação analisados retratam política pública que viabiliza a efetivação de condutas efetivamente contrárias ao ordenamento jurídico existente em sua guarida, despontando o Ministério Público como legítimo defensor apto a se insurgir contra a prática da queima.

II – DOS FATOS

Conforme consta do auto de infração anexo, nº………., datado de …….., a empresa requerida foi autuada por queimar palha de cana-de-açúcar ao ar livre, em área da Fazenda ……….., situada na Rodovia ………., Município de ………., causando inconvenientes ao bem estar público por emissões de fumaça e fuligem.

É cediço que tal prática infringe os artigos 2º e 3º, inciso V e 26 do Decreto nº 8468 combinado com o artigo 3º, incisos IV e IX do Decreto 45869/01 que regulamenta a Lei nº 10547 de 2 de maio de 2000, bem como o artigo 5º do mesmo diploma legal.

Do ponto de vista científico, não há mais dúvida quanto à degradação ambiental provocada pela queima da palha da cana.

Estudos realizados pelo professor Volker Kirchhoff, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), demonstram, inequivocamente, que, na época das queimadas, as concentrações de monóxido de carbono (CO) e ozônio (O3) são bem maiores, degradando a qualidade da atmosfera.

Não menos significativa a produção de partículas visíveis (conhecidas vulgarmente por carvãozinho), que, além de causar incômodos à população, contribuem para a piora da qualidade do ar.

Em nossa região, onde as queimadas são intensas por ocasião da safra da cana-de-açúcar, a respiração torna-se mais difícil e causa mal estar, afetando a saúde pública, prejudicando, ainda, o crescimento das plantas e interferindo no desenvolvimento da fotossíntese.

Mencionada intensidade vem comprovada com os demais autos de infração encaminhados a esta Promotoria de Justiça e acostados a esta, demonstrando a reiterada prática da queima da cana de açúcar na região, efetuada pela empresa-requerida. Prática esta que não foi e não é autorizada pela Secretaria do Meio Ambiente, conforme exige a Lei.

O médico pneumologista Marcos Arbex, em pesquisa financiada pela Universidade de Khol, da Alemanha, e apoiada pela Faculdade de Medicina da USP e pela Escola Paulista de Medicina, e realizada na região canavieira de Araraquara, constatou que: “um quinto da população da zona canavieira paulista está com os pulmões comprometidos ou à beira de uma crise de rápida evolução”.

Segundo esse estudo, na zona canavieira o número de casos de doenças respiratórias é muito maior que em outras regiões, o que o leva a concluir que a poluição provocada pelas queimadas é a principal razão dessas doenças, embora não seja a única (cf. matérias publicadas nas edições de 2.11.89, p. 27, e 4.11.91, p. 5 do caderno Cidades, do jornal “O Estado de S.Paulo”).

Em parecer sobre os efeitos da poluição provocada pela queimada dos canaviais na saúde da população, o professor José Carlos Manço, docente do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP de ………………., foi enfático: “Em conclusão, é meu parecer, com base nas considerações apresentadas, que a poluição provocada pela queimada dos canaviais tem efeito nocivo para a saúde da população de nossa região”.

Em palestra proferida no Centro de Estudos Regionais da USP-………………., em 31 de março de 1992, o professor Antonio Ribeiro Franco, docente do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da USP de ………………., afirmou que quando se trata da análise dos efeitos da poluição atmosférica provocada pela queima dos canaviais, o que se tem em vista é a “saúde da população”, objeto da Saúde Pública. Assim, o raciocínio clínico, fundamentado no binômio causa-efeito e na unicidade causal das doenças, deve ser substituído pelo raciocínio epidemiológico, que considera o conjunto de dados e informações obtidos num determinado período de tempo.

Assim, o raciocínio clínico, fundamentado no binômio causa-efeito e da unicidade causal das doenças, deve ser substituído pelo raciocínio epidemiológico, que considera o conjunto de dados e informações obtidos num determinado período de tempo (cf. cópia anexa).

Com base nos dados de internações e altas hospitalares do Centro de Processamento de Dados do Departamento de Medicina Social da USP/………………., referentes aos anos de 1988 a 1990, cobrindo a área de 21 municípios da região canavieira de ………………., o professor Antonio Ribeiro Franco apurou que as doenças do aparelho respiratório tiveram um destacado desempenho, sendo responsáveis por quase 50 mil internações naqueles três anos, num universo de 911.426 habitantes, constando-se, ainda, 2.739 óbitos atribuídos a esse grupo de doenças.

Cumpre destacar, nesse passo, as conclusões do referido professor: “Não há dúvidas que durante a época das queimadas dos canaviais há uma piora na qualidade do ar da região.

“A queimada de canaviais não é o único fator de agravamento da qualidade do ar, mas em consequência da extensão da área plantada e do tempo das queimadas – final de abril a começo de novembro -, não resta dúvidas de que a descarga de gases e de outros poluentes na atmosfera da região ganha um significado muito marcante e que não pode ser menosprezada.

“A população de risco, que tem sua qualidade de vida e de saúde agravada em condições atmosféricas é bastante significativa e não há dúvidas de que, segundo os dados apresentados, deve ser um fator de referência no planejamento das atividades produtivas da região.

“Esses dados apresentados, apesar de expressivos, mostram apenas uma pequena fração da verdadeira população de risco, uma vez que a maioria das pessoas que compõem essa população de risco, não demandam internações, mas demandam sim, um número muito maior de consultas, atendimentos ambulatoriais e de medicação. Tudo isso traduz um ônus muito grande de assistência médica que onera não só os serviços médicos, mas a economia das famílias”

Bem como, sua advertência:

“A região de ………………., também conhecida como a região do ………..,, está com sua atmosfera sobrecarregada, predominantemente na época das queimadas dos canaviais. Não vamos, logicamente, esperar que ocorra um episódio agudo de inversão térmica para termos nossa amarga experiência, como as anteriormente descritas e tão ricas de ensinamentos. O experimento para avaliar efeitos das queimadas de cana-de-açúcar na baixa atmosfera realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais-INPE/SCT, São Paulo-São José dos Campos, no ano de 1991 e de autoria de Marinho & Kirchhoff, é muito sugestivo e deve ser levado muito a sério”.

Atendendo à solicitação do Ilustre Promotor de Justiça de ………………., o professor Antonio Ribeiro Franco emitiu parecer sobre os efeitos da poluição provocada pelas queimadas dos canaviais na saúde da população de nossa região, corroborando o teor da palestra acima mencionada e concluindo: “Diante do exposto, mesmo reconhecendo que a poluição provocada pelas queimadas dos canaviais não é a única fonte poluidora da região, reputo como irresponsável e leviana a afirmação tão frequentemente utilizada de que ‘não há provas e/ou estudos científicos de que a queimada dos canaviais prejudica a saúde”.

A queima da palha pode ser economicamente interessante ao dono da cana, mas o aumento de toxidade do ar pela emissão de CO e O3 durante a combustão provoca um impacto negativo nas áreas vizinhas de cultura diversa.

As queimadas poluem, interferindo de modo negativo nos padrões de qualidade do ar. A concentração de poluentes atmosféricos pode afetar a saúde, a segurança e o bem-estar da população, bem como ocasionar danos à flora e à fauna (esta também atingida diretamente pelo fogo das queimadas).

Ressalte-se que tais fatos afetam não só essa região, mas todas as regiões nas quais esta prática é realizada reiteradamente.

A comunidade médica e científica, bem como a opinião pública dessa região repudiam a prática deletéria das queimadas (conforme representação anexa).

Seguindo o mesmo entendimento, Gisele Cristiane Marcomini Zamperlini, in Investigação da Fuligem Proveniente da Queima da Cana-de-açúcar com ênfase nos Hidrocarbonetos Policílicos Aromáticos (HPAs), 1997, quando disse que : “A queimada da cana-de-açúcar é um processo de combustão incompleta, no qual há formação de fuligem composta de hidrocarbonetor alifáticos, ésteres, graxos, HPAs e outras substâncias minoritárias. A grande quantidade de substâncias Alifáticas em relação aos HPAs faz com que eles apareçam como contaminantes em todas as frações obtidas no clean-up, prejudicando a resolução e quantificação dos HPAs por GC-FID…..

…..

Análises dos extratos e frações GC-MS-Sacan, GC-MS-SIM e cálculos de índice de retenção de Lee revelam a presença de todos os HPAs considerados importantes pela EPA (com exceção do DahA), além de vários outros Alquil-HPAs e derivados do tiofeno. Embora não se tenha feito a quantificação dos PAHs existente na fuligem, a presença dos mesmos já é, por si só, um alerta quanto à exposição dos trabalhadores e da população em geral à fuligem.”

Ainda nesse sentido e mais recentemente, 2000, temos: Rosa Maria do Vale Bosso, in Avaliação da Atividade Mutagênica da Fuligem Sedimentável Proveniente da Queima da Cana-de-açúcar e da Urina dos Cortadores de Cana Através de Ensaios de Mutação Gênica Reversa em Salmonella typhimurium, dissertação apresentada para a obtenção de Grau de Mestre em Ciências Biológicas-Genética da Universidade Estadual Paulista – UNESP no qual concluiu com base em seus estudos que : “Este trabalho reforça, portanto, o alerta sobre o perigo das queimadas dos canaviais para o meio ambiente, bem como, para os indivíduos profissionalmente expostos.” (conforme documento anexo)

Desta forma, a prática da queima da cana-de-açúcar deve ser eliminada.

O poluidor está obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar e/ou reparar os danos causados ao meio ambiente.

IV – DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE AO ASSUNTO

Dispõe a Constituição da República que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (art. 225, caput).

A Lei Federal nº 6938/81 define: (a) como poluição a “degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente” (art. 3º, inciso III); como poluidor “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, inciso IV); e indica que a Política Nacional do Meio Ambiente visará a imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, independentemente de existência de culpa (art. 4º, inciso VII, e art. 14, parágrafo 1º).

A Lei Federal nº 4771/65 (Código Florestal) proíbe o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação (art. 27, caput).

A Lei Estadual nº 997/76 considera poluição do meio ambiente a presença, o lançamento ou a liberação, nas águas, no ar ou no solo, de toda e qualquer forma de matéria ou energia, com intensidade, em quantidade, de concentração ou com características que tornem ou possam tornar; inconvenientes ao bem-estar público; danosos aos materiais, à fauna e à flora; prejudiciais à segurança, ao uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade, preceituando que “fica proibido o lançamento ou liberação de poluentes nas águas, no ar ou no solo” (art. 3º).

O Regulamento dessa Lei, aprovado pelo Decreto Estadual nº 8468/76, considera fontes de poluição “todas e quaisquer atividades, processos, operações ou dispositivos móveis ou não que, independentemente do seu campo de aplicação, induzam, produzam ou possam produzir a poluição do meio ambiente, tais como: estabelecimentos industriais, agropecuários e comerciais, veículos automotores e correlatos, equipamentos as águas, o ar ou o solo impróprios, nocivos ou ofensivos à saúde e maquinarias, e queima de material ao ar livre” (art. 4º). Esse mesmo Decreto, proíbe a queima ao ar livre de resíduos sólidos, líquidos ou de qualquer outro material combustível (art. 26, caput).

Esse mesmo decreto, proíbe a queima ao ar livre de resíduos sólidos, líquidos ou de qualquer outro material combustível. (artigo 26 caput)

V – DA ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO

O uso de fogo em práticas agropastoris afeta o meio ambiente. Ao regular essa atividade, o legislador teve por objetivo a preservação do meio ambiente (Código Florestal, Lei Estadual de Controle da Poluição e Decretos regulamentadores).

Do ponto de vista constitucional, União, Estados, Municípios e Distrito Federal podem, concorrentemente, legislar sobre a matéria (CR, arts. 23 e 24). – União compete estabelecer as regras gerais aplicáveis em todo o território brasileiro (CR, art. 24, par grafo 1§). Aos Estados, regular as peculiaridades regionais (CR, art. 24, parágrafo 3§). Os Municípios são competentes para estabelecer normas reguladoras do interesse local (CR, art. 30, inciso I).

Como ensina o Prof. Paulo Affonso Leme Machado: “A legislação estadual, como a municipal, pode ampliar o conceito de poluição, mas serão de nenhum efeito se restringirem ou diminuírem o espaço da proteção legal dada pela conceituação federal” (in “Direito Ambiental Brasileiro”, 3ª ed., São Paulo, RT, 1991, p g. 252).

O que isso significa?

Em matéria ambiental, as leis de nível inferior podem ser mais restritivas que as de nível superior, o contrário não. Ou seja, não podem ser mais permissivas. O Estado pode editar lei mais restritiva que a União, mas nunca lei que diminua o espaço da proteção do ambiente. O mesmo pode-se dizer na relação Município/Estado e Município/União.

Desde que entrou em vigor, o Código Florestal proíbe o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação. De forma excepcional, esse estatuto permite o emprego do fogo controlado, mediante autorização do Poder Público (antes do IBDF, hoje do IBAMA), se peculiaridades locais ou regionais indicarem a necessidade e desde que, no ato de autorização, o órgão federal estabeleça e delimite a área e normas de precaução (art. 27, parágrafo único). No mesmo sentido, o art. 1º, parágrafo 2º, do Decreto Federal nº 97.635/89.

Apesar desse dispositivo, os plantadores de cana sempre usaram o fogo na colheita (queimadas) sem nunca solicitar autorização ao Poder Público. No Estado de São Paulo não mais se aplica o Código Florestal no que tange ao uso do fogo. A Lei 997/76 normatiza o controle da poluição do meio ambiente é mais restritiva, nesse âmbito, que a lei federal, pois o seu regulamento (Decreto nº 8468/76) proíbe todo tipo de queima ao ar livre, excetuando a restrição para dois tipos de atividades, em relação às quais as queimadas da cana não se enquadram (treinamento para combate de incêndios e proteção das atividades agropecuárias das espécies indesejáveis).

Em ofício nº 166/01/CMg-P expedido pela CETESB – Agência Pirassununga, datado de 11 de maio de 2001, encaminhado a esta Promotoria de Justiça, concluiu-se que a atividade de queimada é uma prática proibida pela legislação estadual de controle da poluição e, conforme documento anexo, sendo regulamentadas as metas de atuação para a fiscalização e o controle da queima.

Apesar da legislação paulista proibir o uso do fogo, os plantadores continuaram a praticar as queimadas, em total desrespeito ao meio ambiente e a população local que sofre demais com as queimadas.

Por razões que a própria razão desconhece, para usar a expressão de festejado poeta, o Governo do Estado editou, em 30 de agosto de 1988, o Decreto nº 28848, proibindo qualquer forma de emprego de fogo para fins de limpeza e preparo do solo, inclusive para a colheita da cana-de-açúcar.

Hoje tal faixa foi reduzida para 15 metros a partir do aceiro com 3 metros de largura ao redor dos limites da faixa de segurança das linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica, conforme o novo Decreto em vigor, nº 45869 de 22 de junho de 2001.

Este novo decreto – redundante – proibiu o já proibido pela legislação paulista.

E, mesmo assim, a empresa-requerida continua infringindo a lei conforme os autos de infração acostados a esta, realizando a queima da cana sem qualquer controle ou autorização, colocando em risco a vida da população local, bem como, prejudicando demasiadamente o meio ambiente.

Como exemplifica o caso em exame, os queimadores de cana sequer obedeceram ao decreto modificado à luz de seus interesses. Queimaram até na faixa proibida em 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99 e 2000 e continuam a queimar….

Contudo, para que a prática seja realizada, deve ser precedida de requerimento de autorização, encaminhada aos órgãos competentes e, após análise da presença dos requisitos exigidos no mencionado diploma é que poderá ser autorizada a queima.

Ante os documentos acostados a esta exordial, vemos que tal autorização não foi requerida e muito menos concedida à requerida.

Importa considerar, porém, que a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal nº 6938/81), ao consagrar a responsabilidade objetiva do poluidor que causa dano ao ambiente, adotou a teoria do risco integral. O dever de reparar o dano surge independentemente da culpa do agente e da licitude da sua conduta, bastando a demonstração da existência do dano (o nexo entre atividade e dano).

Preciosa a lição de Nelson Nery Júnior: E, felizmente, a Lei de Política Nacional do Meio-Ambiente (Lei Federal n. 6.938, de 31 de agosto de 1981) deu um passo para a frente, colocando-se na vanguarda legislativa na tutela dos interesses difusos. Isto porque traçou um novo perfil para a reparação do dano ambiental, regulando como objetiva a responsabilidade do poluidor que ofende o meio-ambiente. Prescinde-se, portanto, da culpa para que haja o dever de reparar.

Isto de extrema importância porque o legislador abandonou o sistema clássico do direito civil, de tratar a responsabilidade como sendo subjetiva, exigindo-se a culpa como fundamento do dever de indenizar, partindo para um novo esquema ao indicar como sendo objetiva essa responsabilidade. Essa circunstância atende satisfatoriamente às aspirações da coletividade na defesa do ambiente.

E dissemos que a medida legislativa tem importância, porquanto não raras vezes o poluidor se defendia alegando ser lícita a sua conduta, porque estava dentro dos padrões de emissão traçados pela autoridade administrativa, e, ainda, tinha autorização para exercer aquela atividade. Muito embora isso não fosse causa excludente de sua responsabilidade, já colocava dúvida na consciência do julgador, o que muitas vezes poderia redundar em total ausência de indenizar por parte do poluidor.

A despeito disso, o direito privado não é infenso à questão, atribuindo o dever de indenizar mesmo quando a atividade exercida pelo causador do dano tenha sido lícita. Exige, para tanto, apenas a existência do dano. E o fundamento desse dever de indenizar não reside, nesses casos, nem na responsabilidade por um ato contrário a um direito próprio ou alheio, já que a atividade está conforme o direito porque permitida, nem na imputação de um determinado risco de coisa ou de empresa, mas na exigência de uma justiça comutativa de que aquele que tem defendido seu interesse em detrimento do direito alheio, conquanto de maneira autorizada, tem de indenizar o prejudicado que teve de suportar a perturbação de seu direito’.

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“Mas, quais as consequências advindas da adoção, pelo legislador, da responsabilidade objetiva pelo dano causado ao meio-ambiente? Em suma são as seguintes: a) prescindibilidade da culpa para o dever de reparar; b) irrelevância da licitude da atividade; c) irrelevância do caso fortuito e da força maior como causas excludentes da responsabilidade” (in “Responsabilidade civil por dano ecológico e a ação civil pública”, ensaio contido na revista Justitia, vol. 126, págs. 170-172).

No mesmo sentido: Édis Milare (“Curadoria do Meio-Ambiente”, São Paulo, APMP, 1988, págs. 46-48), Paulo Affonso Leme Machado (ob. cit, págs. 200-201; “Ação civil pública e tombamento”, São Paulo, RT, 1986, p g. 46-47), Rodolfo de Camargo Mancuso (“Ação civil pública”, São Paulo, RT, 1989, págs. 157-170), Paulo de Bessa Antunes (“Curso de direito ambiental”, Rio, Renovar, 1990, pág. 100).

A ré ao promover e/ou permitir, de qualquer modo, queimadas em áreas de sua propriedade e cultivo estão exercendo atividade poluidora. Deve ser compelida a reparar os danos causados, bem como a cessar essa atividade nociva, adotando método adequado de colheita de cana-de-açúcar.

Não se pode perder de vista também que a Constituição da República eleva a função social da propriedade e a defesa do meio ambiente como princípios informadores da nossa ordem econômica (art. 170, incisos III e VI) e dispõe que a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, dentre outros requisitos, à utilização adequada dos recursos naturais e à preservação do meio ambiente (art. 186, inciso II), declarando susceptível de desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social (art. 184, “caput”).

IV – OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO DOS DANOS

Existe a obrigação legal de não se poluir o solo, as águas e a atmosfera e dessa obrigação decorre a obrigação de fazer consistente na implantação de técnicas, sistemas e equipamentos de controle antipoluição, na sua manutenção e no seu adequado funcionamento.

O dano cuja reparação se almeja com a presente ação, a rigor, inestimável, haja vista a degradação do ar e seus efeitos negativos na saúde da população; o aumento do consumo de água decorrente do incômodo provocado pelo material particulado (carvãozinho); a degradação da qualidade do solo; os impactos negativos nas áreas vizinhas de cultura diversa; a mortandade de animais da fauna silvestre, etc.

Para a fixação do valor da indenização, no entanto, devemos partir de dados objetivos. A fórmula encontrada, baseia-se nos estudos do Prof. Marcelo Pereira de Souza, do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos, acerca das perdas de energia geradas pela queima da palha da cana no Estado de São Paulo (cf. documento anexo).

Para aferir-se monetariamente a perda de energia decorrente da queima da palha da cana-de-açúcar, busca-se o equivalente monetário no calor gerado pela queima do álcool.

I- Dados levados em consideração na elaboração da fórmula:

a) quanto ao poder calorífico

palha = 180.000 kcal/tonelada de cana

etanol = 6.500 kcal/kg

densidade = 820 g/litro

etanol = 554.878 kcal/tonelada de cana

b) quanto à produtividade admitida

80 toneladas de cana por hectare

80 litros de álcool por tonelada de cana

II- Elaboração da fórmula:

1. O calor gerado pela queima da palha é igual a 180.000 kcal em 1 tonelada de cana.

Levando-se em conta que em 1 hectare a produção média estimada é de 80 toneladas de cana, temos que em 1 hectare o calor gerado é igual a 14.400.000 kcal (180.000 kcal multiplicado por 80).

2. O calor gerado pela queima do álcool é igual a 554.878,04 kcal em 1 tonelada de cana.

Levando-se em conta que 1 tonelada de cana produz em média 80 litros de etanol, temos que o calor gerado pela queima do álcool produzido em 1 hectare é igual a 44.390.243 kcal (554.878,04 kcal multiplicado por 80).

3. Na relação do calor gerado – palha x álcool temos que:

14.400.000

__________ = 32% (palha em relação ao álcool)

44.390.243

Assim, 1 hectare produz 6.400 litros por tonelada (1 ha = 80 ton X 80 l).

32% de 6.400 l/ha = 2.048 l/ha

4. conclusão: Com a queima da cana em 1 hectare há perda de energia equivalente à queima de 2.048 litros de álcool.

Portanto, a indenização deve ser o equivalente ao número de hectares queimados multiplicado pelo preço de 2.048 litros de álcool.

INDENIZAÇÃO = NÚMERO DE HA QUEIMADOS X PREÇO DE 2.048 l/ÁLCOOL

VI – DA MEDIDA LIMINAR

Além do poder geral de cautela que a lei processual lhe confere (CPC, arts. 798 e 799), agora o Código de Defesa do Consumidor, dispensando pedido do autor e excepcionando, assim, o princípio dispositivo, autoriza o Magistrado a antecipar o provimento final, liminarmente, e a determinar de imediato medidas satisfativas ou que assegurem o resultado prático da obrigação a ser cumprida (art. 84).

Essa regra é aplicável a qualquer ação civil pública que tenha por objeto a defesa de interesse difuso ou coletivo (art. 21, da Lei de Ação Civil Pública, com a redação dada pelo art. 117, do Código de Defesa do Consumidor).

Os documentos anexos estão a demonstrar que a situação acima descrita não pode continuar, pois implica agravamento da degradação da qualidade do ar e de todos os efeitos dela decorrentes.

Assim, imperiosa a adoção de medida judicial tendente a eliminar, de imediato, ou seja, já a partir da safra de 2001 e das que se seguirem, os fatores que permitem a sequência e o aumento da agressão ambiental, perfeitamente caracterizados os seus pressupostos, consistentes no “fumus boni juris” e no “periculum in mora”.

Justifica-se a concessão de medida liminar que evite o dano, como autoriza o art. 12 da Lei nº 7347/85, consistente na determinação para que os réus se abstenham de utilizar fogo para a limpeza do solo, preparo do plantio e para a colheita da cana-de-açúcar.

Para a eventualidade do não cumprimento da liminar, requer-se seja fixada, para cada dia de atraso, a multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigida no momento do pagamento (art. 11 da Lei nº 7347/85).

VII – PEDIDOS

Diante de todo o exposto e do constante da documentação inclusa, que desta petição faz parte integrante, propõe o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO ……… a presente ação, com fulcro na Lei nº 7.347/85, requerendo que a presente ação seja julgada procedente condenando a empresa ……………….:

a) ao cumprimento da obrigação de não fazer consistente em abster-se de utilizar fogo para a limpeza do solo, preparo do plantio e para a colheita da cana-de-açúcar nas áreas por elas cultivadas, sob pena do pagamento da multa-diária no valor de R$ ………., na eventualidade do não cumprimento da obrigação e corrigida na forma da lei;

b) ao pagamento de indenização pelos danos ambientais causados com a queima da palha da cana-de-açúcar, que se pede, seja fixada nos moldes da fórmula apresentada no item VI, considerando-se o preço do litro de álcool da época da liquidação, que será recolhida ao Fundo Estadual para Reparação de Interesses Difusos Lesados, criado pelo Decreto Estadual nº 27070/87.

VIII – DOS REQUERIMENTOS

Ante o exposto, requer o autor a citação da requerida (com a faculdade do art. 172, § 2º, do Código de Processo Civil), na pessoa de seu representante legal para que ofereça contestação no prazo legal, advertindo-o dos efeitos da revelia, se não contestada a ação;

Protestando pela produção de todos os meios de prova em direito admitidos, em especial juntada de novos documentos e exame pericial.

Dá-se a causa, para efeitos meramente fiscais, o valor de R$ ………….

[Local], [dia] de [mês] de [ano].

………………………………….

Promotor de Justiça

Como citar e referenciar este artigo:
MODELO,. Modelo de ação civil pública – queima de cana de açúcar – degradação ambiental. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/modelos/direito-ambiental-modelos/modelo-de-acao-civil-publica-queima-de-cana-de-acucar-degradacao-ambiental/ Acesso em: 29 mar. 2024