Direito Ambiental

Modelo de ação civil pública – impedir instalação de aterro sanitário e industrial em Município

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ….. VARA CÍVEL DA COMARCA DE ….., ESTADO DO …..

AUTOS Nº …..

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ……………, representado pelo Promotor de Justiça infra-assinado, no uso de suas atribuições legais, com fundamento nos arts. 127 e 129, inciso III, § 1º e 37, “caput” e § 4º, da Constituição Federal; no art. 25, inciso IV, alínea “b”, da Lei Federal 8.625/93; e no art. 103, inciso VIII, da Lei Complementar Estadual 734/93, vem promover a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

em face de

….., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ….., com sede na Rua ….., n.º ….., Bairro ……, Cidade ….., Estado ….., CEP ….., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). ….., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ….., portador (a) do CIRG nº ….. e do CPF n.º ….. e ….., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ….., com sede na Rua ….., n.º ….., Bairro ……, Cidade ….., Estado ….., CEP ….., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). ….., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ….., portador (a) do CIRG nº ….. e do CPF n.º ….., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.

I – FINALIDADE DA AÇÃO

Objetiva o Ministério Público do Estado de ……………………….. com a presente ação civil pública impedir a instalação do aterro sanitário e industrial “CGR …………… – Centro de Gerenciamento de Resíduos”, neste município, em área localizada na Estrada Municipal de ………………………………… s/n, tendo em vista que inúmeras infrações legais em prejuízo do meio ambiente local estão sendo praticadas pela empresa ……………… e foram despercebidas pelos órgãos ambientais competentes, o que resultou na deliberação favorável do CONSEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente) pela viabilidade ambiental do empreendimento.

II – BREVE EXPOSIÇÃO DOS FATOS

No ano de …… teve início o processo de licenciamento ambiental do empreendimento aterro sanitário e industrial por requerimento da empresa ……………….

Em ……, noticiou-se nos autos do procedimento que a ……………… teria firmado “Instrumento Particular de Compromisso de Arrendamento e Outras Avencas” com a ………………, sendo que essa passaria a ser responsável pelo desenvolvimento do projeto de licenciamento.

Apresentado o RAP – Relatório Ambiental Preliminar – firmou-se a exigência da confecção de um EIA/RIMA, (Estudo de Impacto ambiental/Relatório de Impacto Ambiental), tendo em vista o Parecer Técnico CPRN/DAIA …… que reiterou a exigência da Deliberação CONSEMA ………… (que institui critérios para exigência e elaboração de EIA/RIMA de sistemas de tratamento de resíduos sólidos).

Já em ….. de ……. de ……., a ……………… entregou à Secretaria de Meio Ambiente o EIA/RIMA que, em deliberação do CONSEMA, em ….. de ……… de ……., teve sua viabilidade ambiental aprovada (Proc. SMA ………….), devendo o empreendedor “cumprir as exigências, recomendações, medidas mitigatórias e de compensação constantes desses documentos, e criou uma Comissão Especial que acompanhará a implantação do projeto”.

Finalmente, em ….. de …… de ……. e …… de ……. de ….., respectivamente, foram concedidas a ……………… as licenças prévia e de instalação emitidas pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e pela CETESB.

Resumidamente, “o aterro sanitário proposto pela ……………… deverá ser utilizado para a disposição de resíduos sólidos recolhidos pelos serviços municipais de coleta de lixo classificados como classe 2, segundo os critérios estabelecidos pela Norma NBR 10.004 d ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, denominada “Classificação de Resíduos Sólidos”.

Pretende também a ……………… que o aterro receba os resíduos provenientes do comércio e indústrias, classificados como classe 2 e 3, também segundo o que estabelece a Norma referida.

Segundo sustenta a ………………, o aterro terá capacidade para receber 500 toneladas de lixo por dia, quantidade essa muito superior a que é gerada em ………………….. que, segundo informou o próprio estudo de impacto, é da ordem de 66,76 ton/dia, o que implica necessariamente no recebimento de resíduos de outros municípios.

III – NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE O TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Lixo é, basicamente, todo e qualquer resíduo sólido proveniente das atividades humanas ou gerado pela natureza em aglomerações urbanas, como folhas, galhos de árvores, terra e areia espalhados pelo vento, etc.

A origem é o principal elemento para a caracterização dos resíduos sólidos. Os diferentes tipos de lixo podem ser, então, agrupados em quatro classes, a saber:

Lixo residencial

Resíduos sólidos gerados nas atividades diárias em casas, apartamentos, etc.

Lixo comercial

É aquele produzido em estabelecimentos comerciais, cujas características dependem da atividade ali desenvolvida.

Lixo público

São os resíduos da varrição, capina, raspagem, etc., provenientes dos logradouros públicos (ruas e praças, por exemplo), bem como móveis velhos, galhos grandes, aparelhos de cerâmica, entulho de obras e outros materiais inservíveis deixados pela população, indevidamente, nas ruas ou retirados das residências através de serviço de remoção especial.

Lixo de fontes especiais

É aquele que, em função de determinadas características peculiares que apresenta, passa a merecer cuidados especiais em seu acondicionamento, manipulação e disposição final, como por exemplo o lixo industrial, o hospitalar e o radioativo.

Nas atividades de limpeza urbana, os tipos doméstico e comercial constituem o chamado lixo domiciliar, que junto com o lixo público, representam a maior parcela dos resíduos sólidos produzidos nas cidades.

Tratamento e disposição final do lixo

Há várias maneiras erradas de disposição final do lixo sendo praticadas pelas cidades brasileiras, não sendo ………………….. uma exceção à regra.

Elas refletem o desconhecimento dos aspectos sanitários e ambientais envolvidos, o despreparo técnico e a falta de recursos econômicos da maioria dos Municípios para enfrentar o problema. O que se faz, nestes casos, é “dar sumiço” logo no lixo, se possível, escondendo-o da vista da população.

Formas de tratamento e disposição final de lixo urbano:

A destinação ou disposição final, como o próprio nome sugere, é a última fase de um sistema de limpeza urbana. Geralmente esta operação é efetuada imediatamente após a coleta. Em alguns casos, entretanto, antes de ser disposto o lixo é processado, isto é, sofre algum tipo de beneficiamento, visando melhores resultados econômicos, sanitários e/ou ambientais.

Quando o processamento tem por objetivo fundamental a diminuição dos inconvenientes sanitários ao homem e ao meio ambiente, diz-se então que o lixo foi submetido a um tratamento.

Várias são as formas de processamento e disposição final aplicáveis ao lixo urbano. Na maioria das vezes, ocorrem associadas. As mais conhecidas são:

Compactação: Trata-se de um processamento que reduz o volume inicial de lixo de 1/3 a 1/5, favorecendo o seu posterior transporte e disposição final. Isto pode se dar nas estações de transferência, conforme já comentado.

Trituração: Consiste na redução da granulometria dos resíduos através de emprego de moinhos trituradores, objetivando diminuir o seu volume e favorecer o seu tratamento e/ou disposição final.

Incineração: Este processo visa a queima controlada do lixo em fornos projetados para transformar totalmente os resíduos em material inerte, propiciando também uma redução de volume e de peso. Do ponto de vista sanitário é excelente. A desvantagem fica por conta dos altos custos de instalação e operação, além dos riscos de poluição atmosférica, quando o equipamento não for adequadamente projetado e/ou operado.

Aterro (sanitário e controlado)

A rigor, é o único método de disposição final propriamente dito. Consiste basicamente em:

a) compactação dos resíduos em camadas sobre o solo, empregando-se, por exemplo, um trator de esteira;

b) o seu recobrimento com uma camada de terra ou outro material inerte;

c) adoção de procedimentos para proteção do meio ambiente.

Compostagem

Trata-se de método para decomposição do material orgânico existente no lixo, sob condições adequadas, de forma a se obter um composto orgânico para utilização na agricultura.

Apesar de ser considerado um método de tratamento, a compostagem também pode ser entendida como um processo de destinação do material orgânico presente no lixo. Isto porque possibilita enorme redução da quantidade de material a ser disposto no aterro sanitário (somente o que for rejeitado no processamento).

Reciclagem

A reciclagem dos materiais recuperáveis no lixo urbano tem cada vez maior aceitação no mundo. As vantagens econômicas, sociais, sanitárias e ambientais sobre os outros métodos são evidentes.

Este processo constitui importante forma de recuperação energética, especialmente quando associado a um sistema de compostagem. Apenas alguns componentes do lixo urbano não podem ser reaproveitados. É o caso de louças, pedras e restos de aparelhos sanitários, que até o momento, pelo menos, não tem nenhum aproveitamento econômico. Outros são considerados resíduos perigosos, como restos de tinta e pilhas, por exemplo, e devem ser separados para evitar a contaminação do composto. Dependendo das características regionais, a reciclagem pode representar um fator importante de redução de custos dentro do sistema de limpeza urbana.

Escolha do sistema adequado

A decisão sobre o sistema de disposição do lixo a ser adotado para uma certa cidade ou região deverá ser precedida de uma avaliação criteriosa das alternativas disponíveis.

A escolha dependerá do contexto em que se situe o poder de decisão. Trocando em miúdos: se for considerada apenas como o problema de um setor com orçamento limitado, está claro que a Administração buscará a solução mais econômica. Esta, quase sempre, será o aterro controlado ou sanitário, desde que exista área adequada e disponível. Se o problema for submetido à ótica mais ampla, deverão ser considerados, ao lado dos custos financeiros, benefícios tais como: preservação do meio ambiente; melhoria das condições sanitárias e dos aspectos sociais envolvidos; economia de divisas com a recuperação de materiais (muitos dos quais fabricados com matéria-prima Importada); desenvolvimento da agricultura através do recondicionamento de solos, com aplicação de composto orgânico; geração de energia através de componentes combustíveis encontrados no lixo.

Aterro controlado e aterro sanitário

O aterro controlado e o sanitário são métodos de disposição final de lixo no solo que podem ser amplamente empregados.

Mesmo as instalações de reciclagem, incineração e compostagem precisam de um local onde sejam descartados, de forma apropriada, as sobras e os refugos provenientes do processamento do lixo. Neste caso, o aterro pode servir também como alternativa em situações de emergência motivadas por interrupções eventuais da instalação industrial.

Os maiores problemas para a implantação de aterros são:

a.a.a possibilidade de se poluir o solo e cursos de água superficiais ou subterrâneos;

b.a.a necessidade de supervisão constante de modo a garantir a manutenção das mínimas condições ambientais e de salubridade;

c.a.a geração de gases a partir da decomposição do lixo aterrado;

d.a.a necessidade de terrenos disponíveis para a instalação do aterro próximos aos locais de produção do lixo, já que o custo de transporte é muito elevado na limpeza urbana em virtude do baixo peso específico do lixo;

Escolha do local para o aterro sanitário

Para analisar cada um dos terrenos disponíveis e preciso considerar os seguintes aspectos:

Propriedade – Se a área é do Governo, não há necessidade de desapropriá-la ou negociar sua aquisição, arrendamento, etc.

Em certas situações, a utilização de uma área particular pode representar uma opção interessante, como nos casos em que o órgão da limpeza urbana e o proprietário fazem um contrato para aterramento da área mediante a cessão, ao termino do contrato, de parte do terreno recuperado.

Tamanho da área – O sítio selecionado para a instalação do aterro deverá ser suficiente para utilização por um período de tempo que justifique os investimentos, sendo usual admitir-se um mínimo de cinco anos. Algumas vezes, porém, justifica-se a utilização de áreas com menores capacidades.

Localização – Quanto a este fator, a melhor área e aquela que:

a.a. Está próxima da zona de coleta (no máximo 30 km para ida e volta);

b.a. Apresenta vias de acesso em boas condições de tráfego para os caminhões, inclusive em épocas de chuvas, com o mínimo de aclives, pontes ………………itas e outros inconvenientes;

c.a. Está afastada de aeroportos ou de corredores de aproximação de aeronaves, já que o lixo atrai urubus, por exemplo, que podem provocar acidentes aéreos;

d.a. Está afastada no mínimo 2 km de zonas residenciais adensadas para evitar incômodos ao bem-estar e a saúde dos moradores;

e.a. É servida por redes de telefones, energia elétrica, água, transportes e outros serviços, o que facilitara enormemente as operações de aterro;

f.a. Está afastada de cursos de água, nascentes e poços artesianos, em virtude da possibilidade de contaminação das águas;

g.a. Apresenta jazidas acessíveis de material para cobertura do lixo, par a revestimento de pistas de acesso e impermeabilização do solo;

h.a. Apresenta posicionamento adequado em relação a ventos dominantes.

IV – FUNDAMENTOS DA PRETENSÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Conforme se exporá a seguir, a necessidade de impedir a implantação do empreendimento aterro sanitário é fundada em flagrantes violações legais, bem como em impropriedades técnicas constatadas no EIA/RIMA que deixaram de ser apreciadas pelas autoridades ambientais.

Em nenhum momento o Ministério Público insurge-se contra a modalidade de tratamento dos resíduos escolhida pela ………………. Apesar de entendermos que a reciclagem é a melhor forma de tratamento do lixo, já que é sabido que grande parte do lixo gerado nas residências e indústrias pode ser objeto de reaproveitamento, o que gera vantagens econômicas e ambientais, não é esse a causa de pedir da presente demanda.

1) LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE …………………..

Preceitua o art. 163 do referido diploma legal:

“É proibida a execução de aterro sanitário nas proximidades de locais onde haja nascentes, ou fontes de água potável e núcleo populacional, sendo estes locais considerados como área de proteção ecológica, devendo ser obedecidas as distâncias previstas em lei”.

Bem se vê, portanto, que o legislador municipal, imbuído da competência constitucional prevista nos artigos, 23, inciso VI, 24, inciso VI e 30, incisos I e II, da Constituição Federal de 1988, legislou em favor do meio ambiente municipal, traçando clara e intransponível vedação legal com referência à execução de aterro sanitário nos locais acima descriminados.

Por certo, assim o fez para garantir que jamais correria o município qualquer risco de ter suas águas contaminadas por disposição de resíduos, o que, indubitavelmente, geraria sério risco para a população.

É recomendável, nesse momento, abrirmos um parêntese para espantarmos com veemência e clareza equivocado argumento jurídico que invariavelmente é lançado para tentar macular a iniciativa legislativa municipal no trato da questão ambiental. Aqueles que laboram nesse sentido partem de uma interpretação primária das normas constitucionais, com relação ao tema da repartição das competências legislativas entre os três entes federativos, ou seja, União, Estados e Municípios.

Sustenta-se, ao arrepio da Constituição Federal, que os municípios não dispõem de competência legislativa para tratar da questão ambiental.

Ora, nada mais falacioso.

“Com relação à competência legislativa, foi determinado sistemas de competências exclusivas, privativas, concorrentes e supletivas. À União, foi atribuída competência privativa para legislar sobre as matérias constantes dos incisos I a XXIX do art. 22 da Carta Federal. Aos Municípios, competência para legislar sobre assuntos de interesse local e de suplementar as legislações federal e estadual, no que couber, nos termos do incisos I e II do art. 30. Os Estados-membros, por sua vez, possuem competência exclusiva para legislar sobre tudo o que não for de competência privativa federal ou municipal”.

Pois bem, além desses critérios a Constituição de 1988 adotou o sistema de competências concorrentes, cabendo à União, legislar sobre as normas gerais, e ao Estado delegar competência complementar e supletiva.

A matéria ambiental, dada a sua importância, mereceu atenção do legislador constituinte que a incluiu no rol das questões passíveis de serem tratadas de forma concorrente, ou seja, à União restou a incumbência de traçar as diretrizes gerais e aos Estados, normas específicas e de aplicação.

Quanto ao município, apesar de não figurar expressamente no rol dos entes do art. 24, não perdeu o direito de legislar sobre aquelas questões, desde que observados os dois preceitos também traçados pela Constituição: cuidar de assuntos de interesse local e respeitar o disposto nas legislações estadual e federal.

O Ministro José Augusto Delgado, do Superior Tribunal de Justiça, ao tratar da questão, ensinou:

“No que se refere ao problema da competência concorrente, entendo que a Constituição Federal excluiu, de modo proposital, o Município. Não obstante assim se posicionar, permitiu, contudo, que o Município suplementasse a legislação federal e a estadual no que coubesse (art. 30, II, CF), com o que colocou ao alcance do Município, de modo não técnico, a competência concorrente. Dentro desse quadro, o Município pode legislar sobre meio ambiente, suplementando a legislação federal e estadual em âmbito estritamente local.”

Deve observar, apenas, que no âmbito da legislação concorrente (ou vertical) há uma hierarquia de normas: a lei federal tem prevalência sobre a estadual e municipal, e a estadual sobre a municipal.

Vale dizer, em outras palavras, o Município não poderá ignorar os preceitos da legislação federal e estadual, mas terá competência para suplementá-las, “podendo o ente local complementar tais regras, adaptando-as às suas particularidades”.

Como ensina Paulo José Leite Farias, o critério básico para a solução de conflitos normativos ambientais entre os diferentes entes federados é aquele que garante a prevalência da norma que defenda melhor o direito fundamental tutelado, por se tratar de preceito constitucional (lei nacional) que se impõe à ordem jurídica central ou regional: in dubio pro natura.

Foi exatamente o que fez o legislador municipal de …………………..: em nenhum momento restringiu as legislações federal e estadual que tratam da proteção ambiental; apenas, em face do interesse local, concedeu maior proteção ao meio ambiente, já que instituiu inovação ao vedar a instalação de aterro sanitário em área onde exista nascente, água potável ou núcleo populacional.

No presente estudo, não se pode desconsiderar que a Lei Orgânica Municipal veio atender melhor o direito tutelado, qual seja, o meio ambiente local.

Destarte, retirada qualquer dúvida sobre a competência legislativa municipal e, por conseguinte, sobre a constitucionalidade do dispositivo presente no art. 163 da Lei Orgânica de ………………….., é forçoso retomarmos a análise do caso em tela.

Apesar da transparência da norma municipal, a ………………, ao apresentar o EIA/RIMA do empreendimento proposto, não pôde fugir à existência de duas nascentes no local escolhido. O próprio estudo apontou a presença e propôs pretensas soluções para viabilizar a implantação do aterro, em total afronta à vedação existente.

Não é tarefa árdua justificar a proibição do art. 163. Senão vejamos.

O Município de ………………….., conforme analisou propriamente a ……………… em seu EIA/RIMA, é fruto da expansão demográfica da região metropolitana de ……………………….., que, nas últimas três décadas teve crescimento vegetativo espantoso, em virtude da instalação de conjuntos habitacionais populares – COHAB e recentemente CDHU – e em decorrência da busca de alternativas residências relativamente baratas e próximas da cidade de ………………………… Basicamente, formou-se uma população de imigrantes de baixa renda que correram para cá, à procura de melhores oportunidades de emprego. Contribuiu para tal fato, a aglomeração de empresas e domicílios na região de ………….., município de ………., que, sem dúvida, aqueceu o mercado de trabalho.

Diante dessa corrida por melhores condições, a cidade cresceu de forma desordenada, sem planejamento urbanístico, deixando de atender a população, em sua maioria, nas condições mínimas de saneamento. Melhor dizendo, pouquíssimos foram os novos bairros que tiveram o privilégio de contar com um sistema tratado de água e esgoto. Quase a totalidade da população recorreu à captação de águas subterrâneas e córregos vizinhos existentes para suprir a carência.

Na verdade, essa condição não se alterou até hoje, já que nas vizinhanças da área indicada pela ……………… uma vasta aglomeração de residências que formam o bairro de ………… é abastecida dessa forma, ou seja, a água utilizada nas residências é proveniente da própria captação local.

Daí resulta o fundado receio de contaminação que levou o legislador responsável pela Lei Orgânica a proibir a instalação de aterros sanitários.

A empresa, por sua vez, argumenta que a segurança do corpo d’água, na hipótese de instalação do aterro, estaria garantida por um sistema de impermeabilização eficaz e pela canalização das duas nascentes e seus respectivos córregos. Todavia, não há como afastar que ocorrendo algum vazamento restaria unicamente a possibilidade de tratar da água poluída, já que montanhas de toneladas de lixo estariam dispostas sobre as nascentes canalizadas.

Logo, não restam dúvidas de que a área objeto do EIA/RIMA, sob pena de flagrante violação legal, não pode acolher o empreendimento da ……………….

Lamentavelmente, o Município, que deveria velar pela aplicação de sua lei maior e manifestar-se contrário ao empreendimento em face da área escolhida, parece entorpecido com a possibilidade de uma empresa privada resolver um problema antigo que até hoje perdura – a destinação dos resíduos urbanos.

É claro, porém, que não pode o Ministério Público e o Poder Judiciário ficarem inertes em face do desrespeito que se anuncia. A Lei Orgânica é cristalina e deve ser aplicada.

As duas nascentes existentes na área impedem, por si só, a instalação do empreendimento. Seja qual for o sistema de impermeabilização proposto, a aplicação da lei é inafastável.

Não fosse suficiente tal argumento, as violações continuam, conforme se exporá na seqüência.

2) CÓDIGO FLORESTAL (LEI Nº 4.771/65) e Resoluções do CONAMA

Dispõe o art. 2º:

“Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) Ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja:

b) De 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;

c) Nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d’água”, qualquer que seja a situação topográfica, num raio de 50 (cinquenta) metros de largura;

d) No topo de morros, montes, montanhas e serras;

e) Nas encostas ou partes destas com declividade superior a 45º, equivalente a 100% na linha de maior declive;”

Ainda no Código Florestal, determina o art. 4º:

“A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento propostos.”

Por fim, reza o art. 10:

“Não é permitida a derrubada de florestas situadas em áreas de inclinação entre 25 e 45 graus, sé sendo nelas toleradas a extração de toros quando em regime de utilização racional, que vise rendimentos permanentes.”

Pois bem, a transcrição de alguns dos dispositivos do Código Florestal se fez necessária para caracterizar devidamente, ao se apreciar a conformação morfológica da área objeto do EIA/RIMA, que grande parte da gleba é considerada de preservação permanente, seja pela presença das nascentes, pelo topo de morro e pelas encostas.

Assim entendido, restam as indagações: um aterro sanitário é uma obra considerada de utilidade pública? Sim, não há dúvidas e não sustentaremos o contrário. Logo, por tal motivo, é admissível a supressão de vegetação, a despeito do que dispõe o art. 4º do Código Florestal? A resposta dessa última questão não pode desprezar o acréscimo introduzido pela Medida Provisória nº 2.080-62, de 19 de abril de 2001, já mencionada em nota.

A supressão da vegetação das áreas de preservação permanente, mesmo em se tratando de destinação que atenda finalidade pública ou o interesse social, somente pode ser autorizada após comprovada a inexistência de alternativas locacionais ao empreendimento proposto.

No mesmo sentido, determina a Resolução Conama nº5/86.

Aqui reside intransponível omissão do EIA/RIMA apresentado pela ……………… que, em nenhum momento, foi apontada pelas autoridades públicas licenciantes e pelo CONSEMA.

Desde o início do processo de licenciamento do empreendimento, requerido primeiramente pela ………………, que foi sucedida pela ………………, a gleba situada na Estância São Francisco norteou todos os trabalhos da equipe constituída para a confecção do EIA/RIMA. Em nenhum momento indicou o estudo que outras áreas de ………………….. ou de qualquer município da região chegaram a ser concretamente analisadas para sediar o aterro e que, ao final, outra alternativa não restou senão a área em comento.

A demonstração da análise da viabilidade de outras regiões para a instalação do empreendimento pela ………………, apegando-se ao preceito do art. 4º do Código Florestal, era condição “sine qua non” para se permitir a supressão de vegetação nas áreas de preservação permanente (APP), necessária para a implementação do aterro.

A ……………… jamais comprovou, repita-se, concretamente, a inexistência de alternativa locacional. A única área apontada no EIA/RIMA, desde o seu nascedouro, é justamente a gleba em questão. O que fez a ………………, para dar aparência de cumprimento legal, foi analisar de forma genérica e abstrata a região metropolitana de ……………………….., concluindo, comodamente, não restarem alternativas a não ser a gleba.

No entanto, nenhum órgão licenciador observou o preceito legal, omitindo-se de forma reprovável.

O que chama mais atenção é que dentro dos limites do traçado da gleba indicada pela ………………, são muito extensas as áreas de preservação permanente, o que justifica a preocupação. Longe de estarmos nos apegando a filigranas, não é crível que se dê ao citado dispositivo legal interpretação tão acanhada e de fácil manipulação.

Realmente, sustentar que não restam outros alternativas em toda a região metropolitana, que engloba área de mais de uma dezena de municípios, restando tão-somente a área situada na estrada de …………………………………, é missão de difícil convicção.

3) DECRETO 750/93

O advento do aludido decreto federal decorreu da infeliz constatação que, dia-a-dia, o montante de espaços nativos com vegetação de mata atlântica vinha de forma vertiginosa sendo reduzido pelo corte indiscriminado, não tendo os órgãos ambientais qualquer controle.

Vale trazer a lição de Édis Milaré sobre o assunto:

“Desde o remoto tempo de ocupação desses ecossistemas pelo homem, ao longo de quase 500 anos, é deplorável o grau de inconsciência, irresponsabilidade e predação que sempre acompanhou a história da Mata Atlântica e que, desgraçadamente, ainda persiste nos assentamentos mais tradicionais, onde o sentido de preservação praticamente inexiste.”

A contundência do eminente autor espelha com realidade o retrato da situação da mata atlântica brasileira. Tanto é séria a questão que a Constituição Federal, na tentativa de proteger as áreas marcadas com tamanha biodiversidade, instituiu-as como “patrimônio nacional”, cuja utilização far-se-á na forma da lei.

Ocorre que, de forma incoerente, as autoridades públicas, por falta de zelo ou descaso com a matéria, têm sido omissas na missão oficial de fiscalizar, apurar e dar proteção às áreas de Mata Atlântica. Isto porque, às vezes na calada da noite ou até mesmo ostensivamente, de forma desafiadora, a devastação do desmatamento continua sendo uma constante desenfreada.

Paradoxalmente, os dispositivos legais do citado decreto, que permitiriam garantir a preservação da rica área, são abandonados pelas próprias autoridades, que se omitem e chegam às raias da improbidade administrativa.

Dito isso, impende comentar que, com base na própria explanação do EIA/RIMA, as características da área escolhida são de Mata Atlântica. “Mais precisamente, pode-se classifica-la como uma transição entre a Floresta Estacional Semidecidual (Floresta de Planalto) e a Floresta Ombrófila Densa ou Mata Atlântica (IBGE 1992)”.

Por ser assim, deve ser observado o que dispõe o art. 1º do Decreto nº 750/93:

Art. 1º Ficam proibidos o corte, a exploração e a supressão da vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica.

Parágrafo único. Excepcionalmente, a supressão da vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica poderá ser autorizada, mediante decisão motivada do órgão estadual competente, com anuência prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, informando-se o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, quando necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social.

Art. 5º Nos casos de vegetação secundária nos estágios médio e avançado de regeneração da Mata Atlântica, o parcelamento do solo ou qualquer edificação para fins urbanos só serão admitidos quando de conformidade com o plano diretor do Município e demais legislações de proteção ambiental, mediante prévia autorização dos órgãos estaduais competente e desde que a vegetação não apresente qualquer das seguintes características:

I – ser abrigo de espécies da flora e fauna silv………………s ameaçadas de extinção;

II – exercer função de proteção de mananciais ou de prevenção e controle de erosão;

III – ter excepcional valor paisagístico.

Art. 7º Fica proibida a exploração de vegetação que tenha a função de proteger espécies de flora e fauna silv………………s ameaçadas de extinção, formar corredores entre remanescentes de vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração, ou ainda de proteger o entorno de unidades de conservação, bem como a utilização das áreas de preservação permanente, de que tratam os arts. 2º e 3º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965.

A análise dos dispositivos legais citados demonstra a preocupação com a preservação das composições florestais que integram a Mata Atlântica, proibindo a supressão da vegetação que sirva de abrigo a espécies de flora e fauna silvestres ameaçadas de extinção (arts. 1º, 5º e 7º do Decreto nº 750/93).

E não parou aí o legislador. O art. 8º veio a instituir a garantia necessária para a preservação da área, mesmo que tenha havido modificação do status da vegetação, seja na hipótese de incêndio e/ou desmatamento.

“A floresta primária ou em estágio avançado e médio de regeneração não perderá esta classificação nos casos de incêndio e/ou desmatamento não licenciados a partir da vigência deste Decreto”

Vale dizer: não serve de argumentação a tese de que a área com características de Mata Atlântica, após o corte indiscriminado e não autorizado deixa de ter importância do ponto de vista ambiental, já que não se encontram mais presentes as espécies típicas. Tal fato não desobriga a recomposição da área conforme seu “status quo ante”.

Feitas estas considerações, passemos à análise do empreendimento patrocinado pela ……………….

Salta aos olhos a constatação de que todas as autoridades ouvidas no procedimento de licença ambiental tenham deixado passar incólume que a gleba objeto do estudo veio sendo nos últimos anos, ostensivamente, desmatada, sem qualquer licença para tal. A comprovação desse fato foi feita com vistoria no local do empreendimento, e pode ser percebida nitidamente por meio de fotografias (que ora anexamos à presente), em que se constata uma infinidade de tocos de árvores remanescendo nas encostas, dando nítida evidência do desmatamento criminoso.

Outro aspecto irrefutável do desmatamento advém das fotos aéreas colacionadas pelos técnicos do Ministério Público que analisaram em conjunto com esta Promotoria de Justiça o EIA/RIMA. Flagrantemente, evidencia-se pelo conjunto de fotos que, a partir de …… até ……, iniciou-se forte campanha de desmatamento na área em estudo, como tentativa de descaracterização a qualidade da vegetação, a fim de não configurar área de mata atlântica.

Diga-se de passagem, sobre o assunto há inquérito policial instaurado na Delegacia de Polícia de ………………….., para apurar a prática do crime ambiental definido do art. 38 da Lei 9.605/98.

Por essas marcantes evidências, causa perplexão o posicionamento mantido pelo IBAMA E DEPRN, que consignaram em suas manifestações (Anuência Prévia 0097/2000, Gerente de Projeto Jorge Linhares Ferreira Jorge, de 23/6/2000, Parecer Técnico Florestal DRMSP/DEPRN número 01/2001 – anexo V) meras reproduções dos aspectos técnicos do EIA/RIMA, incorporando premissas, diagnósticos e estimativas equivocadas.

Ora, como é possível simplesmente não tomar conhecimento da mancha de mata nativa em estágio médio, protegida pelo Decreto nº 750/93 e art. 10 da Lei 4.771 existente na área do empreendimento?

Facilmente, constata-se a omissão dos órgãos governamentais que tinham por dever analisar seriamente o Estudo de Impacto Ambiental.

IV – IMPROPRIEDADES TÉCNICAS CONSTATADAS NO EIA/RIMA

Dentre as análises técnicas realizadas pela equipe do Ministério Público, que elaborou o parecer técnico anexo, ressaltamos pontualmente as seguintes impropriedades que indicam não ser a área em foco adequada para hospedar o aterro sanitário.

São elas no meio físico:

a.a. Gleba inserida dentro de vale encaixado e bifurcado com encostas íngremes, que variam com freqüência de 20º a 45º;

b.a. Existência de duas nascentes, cujas águas se juntam e formam um córrego que escoa para outro de maior porte;

c.a. A espessura do solo não será suficiente para cobrir as células de resíduos sólidos, o que demandará implantação de áreas de empréstimo de solo além dos limites do empreendimento;

d.a. O lençol freático, na medida em que avança para o alto das encostas, apresenta profundidade média de 4 metros;

e.a. A declividade do terreno, ao contrário do que alegado no EIA/RIMA, é bastante acentuada (superiores a 50%), podendo-se constatar inclinações das encostas superiores as indicadas;

No meio biológico:

a.a. Desconsideração da presença de vegetação em estágio médio de regeneração na gleba, em local tratado como pastagens/campo antrópico;

b.a. Existência de passivo ambiental, em face do desmatamento desautorizado da área (Decreto nº 750/93);

c.a. Altas declividades na área, que desautorizam o desmatamento, conforme o art. 10 do Código Florestal;

d.a. Subestimativa da área de preservação permanente que na realidade é muito mais expressiva do que os 42.718,50 m2 , tendo em vista que foram desconsiderados os critérios de topo de morro;

Com relação à fauna do local:

a.a. Falta de levantamento efetivo nas manchas de mata nativa existente no entorno do empreendimento;

b.a. Descrição imprecisa das espécies ocorrentes na área, eis que o estudo ficou limitado ao levantamento de avifauna, deixando de tecer considerações sobre possíveis animais ameaçados de extinção, com exceção de uma modalidade de peixe;

c.a. Medidas mitigadoras ou compensatórias de pouca significância;

Com relação à emissão de gases:

a.a. Divergência das premissas e metodologia de cálculo de geração de gases utilizados no EIA/RIMA com relação às informações complementares do Engenheiro Shigeru Yamagata, resultando em valores de concentração de gases fugitivos bem superiores;

b.a. Levando-se em conta o relatório complementar entregue pela ………………, evidencia-se aumento nas concentrações de gás sulfídrico (H2s), o que poderá acarretar odor desagradável para a população vizinha, distante apenas 600 metros do local, em virtude dos ventos de noroeste de alta frequência, contrariando-se o art. 33 do Decreto Estadual nº 8.468/76, que veda a emissão de substâncias odoríferas na atmosfera, em quantidades que possam ser perceptíveis fora dos limites da área da propriedade da fonte emissora.

Conforme se verifica, não são poucos os pontos de conflito identificados no EIA/RIMA em confronto com a legislação vigente e com as recomendações que deveriam servir de cartilha, tanto para o empreendedor como para o Poder Público através dos órgãos licenciadores.

Aliás, se analisarmos as “Apostilas Ambientais”, elaboradas pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, com referência ao tópico aterro sanitário, não teremos dúvida alguma em afirmar que a área de ………………….. é uma péssima escolha.

Exemplificando:

a.a. A distância mínima sugerida para residências isoladas é de 500 metros – no caso concreto, temos residências há aproximadamente 100 metros – e de 2.000 metros para áreas urbanizadas – Ambuitá está a 600 metros do local do empreendimento;

b.a. Sugere-se resguardar uma distância de corpos de água a uma distância mínima de 200 metros – no aterro proposto pela ………………, duas nascentes existem no local, que formam um córrego que abastece a população vizinha que não conta com o abastecimento de água da SABESP;

c.a. Indica-se como topografia recomendável, áreas cuja declividade seja de 1% a 30% – na área da ………………, temos declividades que são superiores a 50%.

Não se pode deixar de lamentar, diante de tantos pontos controvertidos, que o próprio Poder Público (IBAMA, DAIA, DEPRN, CONSEMA) teima em desconhecer as recomendações de sua própria lavra. À aludida apostila, que versa sobre aterros sanitários, não é dada maior importância na atualidade pelos órgãos do Estado. Ao que tudo indica não passa de um item na biblioteca da Secretária do Meio Ambiente que, aparentemente, carece de frequentadores!

VI – RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

Conforme dito acima, há fundados indícios – para não falarmos em certeza – de que a área do desejado empreendimento vem sendo desmatada nos últimos anos, de forma escandalosa e agravada ainda mais em face da omissão do Estado que não exerce satisfatoriamente o dever de fiscalização.

As fotografias juntadas à presente são provas irrefutáveis de tal conduta, pois dão conta claramente da supressão desautorizada de vegetação de mata atlântica, o que se pôde confirmar em vistoria na área, oportunidade em que foram visualizados centenas de tocos de árvores ainda no solo, sendo prova material da atividade predatória e ilícita.

Ambos os requeridos, à luz do tratamento constitucional e da legislação ordinária em vigor, têm o dever de reparar o dano ambiental, já que são considerados poluidores solidários.

A restauração da área ao seu estado original é medida que se impõe.

V – CONCLUSÕES

Como se vê, Excelência, a questão ora exposta é de suma relevância para a comunidade de ………………….., seja no aspecto ambiental que apresenta inúmeros desdobramentos que têm influência direta para a cidade, como também para a garantia da qualidade de vida das pessoas que serão diretamente atingidas, na eventualidade de se consolidar a instalação da forma como propõem a ……………….

Além disso, a flagrante violação do ordenamento jurídico, com reflexos em tantos diplomas já citados, mas em especial da própria Lei Orgânica do Município de ………………….., faz surgir na convicção de cada cidadão que o poder econômico e político estende suas garras sobre todos os demais valores comezinhos da sociedade, em princípio, livre, justa e igualitária.

Não é de nosso desconhecimento que a solução para o problema do lixo no atual estágio da sociedade brasileira é fator complexo e que demanda iniciativa, diante da abstenção nefasta do Poder Público que deixou de fazer seu papel nos campos da pesquisa e do investimento em alternativas sustentáveis. Também não é esquecido que ………………….. padece atualmente de falta de cuidado público com o tratamento dos resíduos urbanos. Entretanto, estamos convencidos que a solução para um problema não pode ser alcançada com a criação de outro, por mais sedutora que aparente a ideia.

Nesse momento, reitero a certeza que incumbe ao Ministério Público e ao Poder Judiciário retomarmos o apreço à legalidade, tomando as devidas precauções para que o meio ambiente e os cidadãos de ………………….. não sejam penalizados.

VII – DA TUTELA ANTECIPADA

Conforme reza o art. 461, “caput”, do Código de Processo Civil, já com as modificações da Lei Federal nº 8.952/94, “na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará as providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento”.

Foi prudente o legislador, já que não interessa ao Ministério Público a conversão da obrigação em perdas e danos, notadamente quando está em jogo a preservação do meio ambiente e a não realização de condutas que agravariam a qualidade ambiental e a saúde da população vizinha, inclusive com risco de graves danos a toda a população que se abastece das águas captadas dos córregos situados na área do empreendimento e dos lençóis freáticos.

O receio da ineficiência da tutela ao final da lide se mostra evidente, já que, uma vez permitida a instalação do aterro sanitário, já num primeiro momento haverá incomensurável prejuízo ao meio ambiente, tendo em vista o desmatamento que se iniciará, dizimando todas as espécies vegetais e animais encontrados na gleba, bem como a canalização do córrego proveniente das duas nascentes lá localizadas. Em uma etapa seguinte, já com o funcionamento do empreendimento, chega a ser incalculável o risco de dano a que ficarão expostos todos os munícipes vizinhos, na hipótese de acidente que venha a contaminar o lençol freático.

Diante desse quadro, requer o Ministério Público a concessão da tutela antecipada, a fim de que seja determinado à:

a.a. ……………… e à ……………… que cessem a atitude degradadora do meio ambiente, com a paralisação imediata e integral de toda e qualquer atividade de desmatamento na área em questão ou atividade que desfigure a caracterização original da gleba;

b.a. ……………… que não promova a instalação do aterro sanitário …………………………….., com a imediata suspensão da eficácia da licença prévia e da licença de instalação, bem como qualquer outra concedida a ela pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, até solução final deste processo.

Nos termos do par. 4º, do art. 461, de nosso estatuto processual civil, requer a fixação de multa diária não inferior a …………., visando coibir o descumprimento da determinação judicial.

DOS PEDIDOS

Face ao exposto, requer a Vossa Excelência se digne a determinar:

I – a distribuição e autuação da presente ação, com os documentos extraídos do procedimento ………, acompanhada de apensos;

II – a citação das rés, por oficial de justiça, para, querendo, contestarem a presente ação, que deverá seguir o rito ordinário, no prazo legal e sob pena de revelia;

IV – a produção de todas as provas em Direito admitidas, notadamente a juntada de outros documentos, realização de perícias, oitivas de testemunhas, depoimento pessoal dos representantes das requeridas e outros que se fizerem necessárias, ficando, desde já, requerida a expedição de ofício à Secretaria de Meio Ambiente, na pessoa do Exmo. Sr. Secretário, comunicando-se acerca do ajuizamento da presente ação civil pública;

V – Requer ainda seja julgada procedente a presente ação com a finalidade de:

a.a. Condenar a ……………… – Empresa de Saneamento e Tratamento de Resíduos Ltda. a obrigação de não fazer, consistente em NÃO PROMOVER A INSTALAÇÃO DO ATERRO SANITÁRIO ………….., posto que não atendidos os requisitos legais para implantação do empreendimento, bem como diante do flagrante desrespeito à Lei Orgânica Municipal de …………………..;

b.a. Condenar a ……………… – Empresa de Saneamento e Tratamento de Resíduos Ltda. e a ……………… – Comércio e Serviço de Terraplenagem Ltda. a obrigação de não fazer, consistente em cessar a atitude degradadora do meio ambiente, com a paralisação imediata e integral de toda atividade de desmatamento na área em questão, sob pena de pagamento de multa diária que poderá ser estabelecida conforme os parâmetros do art. 14, inc. I, da Lei nº 6.938/81;

c.a. Condenar a ……………… – Empresa de Saneamento e Tratamento de Resíduos Ltda. e a ……………… – Comércio e Serviço de Terraplenagem Ltda. a obrigação de fazer, consistente em restaurar integralmente as condições primitivas da vegetação, solo e corpos d’água, no prazo de 180 dias, sob pena de pagamento de multa diária que poderá ser estabelecida conforme os parâmetros do art. 14, inc. I, da Lei nº 6.938/81.

d.a. Condenar a ……………… – Empresa de Saneamento e Tratamento de Resíduos Ltda. e a ……………… – Comércio e Serviço de Terraplenagem Ltda., caso a obrigação de fazer referida no item “c” acima se impossibilite total ou parcialmente, ao pagamento de indenização quantificada em perícia, correspondente aos danos que se mostrarem irrecuperáveis, corrigida monetariamente, a ser recolhida ao Fundo Estadual Especial de Despesa de Reparação dos Interesses Difusos Lesados, criado pela Lei Estadual nº 6.536, de 13/11/89;

e.a. Condenar as rés nas verbas da sucumbência.

V – Outrossim, requer os benefícios do art. 172, par. 2º, do Código de Processo Civil.

Dá-se à causa o valor de R$ …..

Nesses Termos,

Pede Deferimento.

[Local], [dia] de [mês] de [ano].

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Promotor de Justiça

Como citar e referenciar este artigo:
MODELO,. Modelo de ação civil pública – impedir instalação de aterro sanitário e industrial em Município. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/modelos/direito-ambiental-modelos/modelo-de-acao-civil-publica-impedir-instalacao-de-aterro-sanitario-e-industrial-em-municipio/ Acesso em: 29 mar. 2024