Direito Ambiental

Modelo de ação civil pública com pedido de liminar – suspensão de atividade nociva – poluição sonora

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ….. VARA CÍVEL DA COMARCA DE ….., ESTADO DO …..

O MINISTÉRIO PÚBLICO, por sua agente signatária, no uso de suas atribuições legais, com base no artigo 127 e artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, combinados com o artigo 1º, inciso I, e artigo 5º, da Lei nº 7.347/85 e artigo 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei 8.625/93, e fundado no inquérito civil nº 005/99, vem perante Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR DE SUSPENSÃO DE ATIVIDADE NOCIVA

em face de

….., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ….., com sede na Rua ….., n.º ….., Bairro ……, Cidade ….., Estado ….., CEP ….., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). ….., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ….., portador (a) do CIRG nº ….. e do CPF n.º ….., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.

DOS FATOS

Em …… de …… de ……….., compareceu na sede da Promotoria de Justiça o Dr. …. (fl. 03 do Inquérito Civil Público – ICP), dando conta da existência de poluição sonora provocada pelo “……….”, consistente em música alta, algazarra dos frequentadores, buzinas e outros, impossibilitando o descanso dos moradores do entorno.

Diante disso, e após algumas investigações preliminares, foi instaurado o Inquérito Civil Público nº …………, conjunto probatório que se encontra em anexo.

Posteriormente, novas reclamações foram integradas ao expediente, como se verifica às fls. 10, 11 e 14 a 17, do ICP.

Como primeira providência, foi solicitado à Patrulha Ambiental – PATRAM, pertencente à Brigada Militar, medição dos níveis de pressão sonora, cujo relatório (fls. 06 a 09 do ICP) apontou a existência de poluição sonora caracterizada como média, de acordo com os critérios estabelecidos pela NBR 10.151, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, e Resolução nº 001/90 do CONAMA.

Para reforçar a grave situação verificada, trouxeram os reclamantes aos autos dos ICP, cópia de ocorrências policiais feitas pelos moradores das adjacências, em virtude da algazarra produzida pelos frequentadores do bar, bem como notificação do estabelecimento, pelo descumprimento do horário de silêncio definido em lei (fls. 18 a 20). Foram, ainda, juntadas fotografias do local (fls. 23 a 33), evidenciando a aglomeração de pessoas em horário noturno, bem como o potente aparato sonoro e de iluminação instalados no estabelecimento.

Questionada sobre a situação administrativa da ré, e eventuais critérios de limitação de horários e de sonorização quando da renovação do alvará, a Secretaria de Turismo Municipal limitou-se a ressaltar a importância turística do local, e informar que o alvará, no tocante ao horário de funcionamento, libera o estabelecimento a operar dentro dos horário previstos no Código de Posturas do Município (fl. 43). Juntou, ainda, abaixo-assinado favorável à permanência do bar (fls.45 a 91 do ICP), aparentemente firmado, na sua maioria, por adolescentes frequentadores do bar, tendo em vista aposição de “apelidos” e desenhos ao lado dos nomes.

O alvará expedido pelo Município de ………… é específico para QUIOSQUE, onde se lê que a autorização foi deferida para “bebidas, peixe frito, camarão frito, pastel, xis e salgadinhos”, conforme fl. 94, confirmado pelo documento de fl. 21. Verifica-se, pois, óbvio, o desvirtuamento da atividade licenciada, ao se confrontar o alvará de funcionamento com as demais evidências: fotografias, reclamações, vistorias realizadas por diversos órgãos administrativos, etc.

O aludido bar situa-se na faixa de praia, configurando área de preservação permanente, razão pela qual indagou-se a FEPAM sobre a existência de licenciamento para funcionamento, ao que foi respondido que não existe solicitação de licenciamento ambiental para o empreendimento (fl. 103 do ICP).

Assim, oficiou-se a PATRAM solicitando-se vistoria no local, com o fito de apurar eventual dano ambiental, em vista do estabelecimento situar-se na beira da praia, com uma rampa de acesso construída sobre as dunas (fl. 104 do ICP). Em atendimento, foi enviado o relatório ambiental nº32/99, constante das fls. 108 a 116 do ICP.

Tal relatório aponta em suas conclusões que “o quiosque está instalado em área de preservação permanente, portanto, encontra-se em situação irregular”. (grifo nosso).

Mais adiante afirma: “No veraneio, com o aumento de fluxo no local do estabelecimento, poderá causar danos à vegetação nativa, com o trânsito de pessoas e o depósito de lixo. A vegetação nativa fixa a duna à duna primária, muito útil à preservação de animais que ali habitam e protegem as residências próximas ao local do aumento da maré.”

Em consulta ao Corpo de Bombeiros de ……., foi informado que a construção estava inadequada no que tange às condições de prevenção de incêndios, além da instalação de gás estar em desacordo com o estabelecido na Portaria 27 do Departamento Nacional de Combustíveis – DNC (hoje substituída pela Agência Nacional do Petróleo – ANP), constante da fl.118 do expediente.

Vindo aos autos do inquérito civil, a reclamado, ora ré, anexou documento proveniente da FEPAM (fl. 127), denominado de autorização nº …….., em que o referido órgão autoriza o município de ………… para a atividade de construção de “rampa de acesso e quiosques na faixa de praia”. Note-se que a aludida autorização, em que pese ter sido juntada pela ré como abonadora de sua situação, refere-se ao “trecho de praia, entre a Av. …….., no balneário de Atlântida, no município de ………… – ….” (grifo nosso).

Assim sendo, o trecho de praia onde situa-se o ……………, em ………., não está incluído na autorização.

Ainda que se considerasse o ……….. incluído da autorização em tela, hipoteticamente, continuaria em desacordo com as condições e restrições impostas pela FEPAM, a ver algumas delas:

a) “a área do quiosque não poderá ultrapassar a 16m²”;

b) “a proposta de programação visual deverá ser reduzida, de modo a não provocar poluição visual”;

c) “as rampas deverão ligar a av. à praia e não poderão ser ligadas aos quiosques, devendo apenas consistir em acesso à praia”;

d) “o tratamento e disposição de águas servidas (proveniente de lavagem de utensílios) não poderá incidir na faixa de praia.”

Tal autorização especifica, ainda, que é de caráter provisório, e que as edificações em desacordo com as diretrizes apontadas estão sujeitas à remoção.

Às folhas 132/135, foi juntado ofício da FEPAM que estabelece os “Critérios Ambientais para Estabelecimentos Comerciais e de Serviços na Faixa de Praia”, e comunicou que, em vistoria pelos quiosques de …………, foram constatadas diversas irregularidades, que originaram um auto de infração ao município, e a solicitação de um “Plano Municipal de regularização dos estabelecimentos comerciais na faixa de praia”, a ser submetido a FEPAM.

Dentre os critérios elaborados pela FEPAM, um se destaca frente ao caso em tela:

“(…) somente serão autorizadas edificações de pequeno porte, com estruturas leves, de fácil remoção, de preferência sobre palafitas.” (grifo nossso)

Ressalte-se que, durante todo este período, apesar do acompanhamento e do estabelecimento de diretrizes pela FEPAM, deixando cristalina a série de irregularidades que estavam sendo cometidas contra o meio ambiente e a saúde pública, o Município réu manteve-se inerte e omisso por um lado e, por outro, fomentou a atividade nociva, com os olhos voltados única e exclusivamente às vantagens econômicas daí advindas.

Após, em atendimento à solicitação feita, vieram aos autos do expediente, relatório elaborado pela Secretaria Municipal de Saúde, dando conta de irregularidades (fl. 143). Vejamos:

“… a supracitada …………, proprietária do Bar ……… está descumprindo com as normas permitidas; seu estabelecimento está funcionando como restaurante, inclusive com música ao vivo, servindo pratos a la carte e churrasco aos domingos, aberto aos finais de semana durante os doze meses do ano, e, não somente no verão, como é permitido pelo alvará.” (grifo nosso)

E, mais adiante:

“Cabe salientar, ainda, que o estabelecimento em discussão, encontra-se situado em área marítima, e, em função do município não dispor de sistema de esgoto cloacal e nem pluvial, o mesmo não tem banheiro, e, tendo em vista que a área de preparo dos alimentos (cozinha), não oferece as condições adequadas para a execução dos mesmos, não poderia estar oferecendo os serviços que oferece.”

Posteriormente, indagada sobre as providências tomadas com relação às irregularidades da requerida, a Prefeitura Municipal informou o provimento de Agravo de Instrumento interposto pela ré, nos autos de um Mandado de Segurança por ela impetrado, em virtude da não concessão da liminar pleiteada com o fim tornar ineficaz a interdição procedida no seu estabelecimento (fls. ……… do ICP). Acrescentou, também, que em virtude do ocorrido a suplicada não possui alvará para funcionamento no veraneio de …… Adianta-se, desde já, que tal ato será tratado em tópico específico, no decorrer da exposição.

Juntou-se, ainda, informação do setor de fiscalização, acerca da inexistência de perturbação em virtude do som do bar (fl. …..).

Em nova vistoria procedida pelo Corpo de Bombeiros (fl. …. do ICP), contatou-se a adequação no que tange à prevenção de incêndios, com o encaminhamento plano de prevenção ao referido órgão. Por outro lado, a instalação dos quatro botijões de gás …., permaneciam em desacordo com a legislação em vigor, o que, portanto, traz a presunção de perigo da atividade.

Em ……. de ……. do corrente ano, a FEPAM, por meio do ofício nº FEPAM/……….., informou, em suma, que:

a) A supramencionada autorização nº ………. referia-se a apenas um trecho piloto, no balneário de Atlântida;

b) Posteriormente, o referido trecho piloto obteve licença de instalação, permitindo-se a construção de outras rampas;

c) Os quiosques foram construídos em desacordo com as condições estabelecidas, incluindo no que tange à área do trecho piloto, sendo implantados quiosques sem licenciamento por toda a orla de …………, dentre eles o Bar ……………;

d) Tais irregularidades deram causa aos autos de infração de nºs 11/98 e 05/99;

e) Através de ofício, foi dado à Prefeitura Municipal o prazo de 15 dias, para apresentação de Plano Municipal de regularização dos estabelecimentos comerciais na faixa de praia;

f) A Secretaria Municipal de Turismo enviou “Projeto Global da Beira Mar de …………”, o qual não foi avaliado por insuficiência de informações e ausência de providências mínimas para correção da irregularidades. Novo prazo foi dado.

g) Esgotado o novo prazo, o Prefeito, via contato telefônico, não quis manifestar-se sobre o assunto.

Da escandalosa omissão da Prefeitura, resultou que a FEPAM, preocupada em evitar prejuízos de grande monta aos trabalhadores e veranistas, optou por multar a municipalidade e convocar o Prefeito para firmatura de Termo de Compromisso para regularização dos estabelecimentos, com apresentação do Plano Municipal e cronograma até ……………. Ressalte-se que não há informação de que o aludido termo tenha sido assinado, mesmo porque a cópia que se encontra acostada no ICP, às fls. …………, está assinada tão-somente pelo Sr. Diretor-Presidente da FEPAM.

Vieram aos autos o ofício nº ……………., da Prefeitura Municipal de …………, encaminhando informação formulada conjuntamente pela Vigilância Sanitária Municipal e Estadual, na qual ressalta-se, novamente, o uso do quiosque como restaurante e boate, a falta de higiene e de destino adequado aos dejetos, além do despejo da água das pias em sumidouros na área da praia. Juntou-se, também, o Código de Posturas (fls. 200/251).

Por fim, no dia 16 de fevereiro de 2000, compareceu ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Defesa Comunitária, o Sr. ………, confirmando a permanência da poluição sonora, da falta mínima de condições de higiene, denunciando a venda de bebidas alcoólicas a adolescentes, conduta esta vedada e considerada como crime, inclusive, pelo art. 243 do Estatuto da Criança e Adolescente.

Com o intuito de fornecer um panorama geral da situação em discussão, e a fim de evidenciar ainda mais a atitude omissa, e as reais e discutíveis motivações que regem as atitudes da municipalidade, expõe-se, separadamente, este episódio.

Em ……., a Secretaria Municipal de Saúde de …………, em vistoria no estabelecimento réu constatou irregularidades que resultaram na emissão dos autos de infração nºs …… e ……O auto de infração nº ……… tem origem no fato do quiosque não estar funcionando adequadamente como tal, oferecendo risco iminente à saúde pública. O auto menciona a transgressão do artigo 517, incisos I e II, do Decreto Estadual 23.430/74, como também do artigo 2º, inciso VIII, da Lei Federal nº 6.437/77.

O auto de infração nº …………, por sua vez, dá conta das seguintes infrações: “1) falta de condições de higiene nos utensílios; 2) mesa para lanches sem proteção para os devidos fins; 3) falta de uniforme para os funcionários; 4) não possuem dispositivos que impeçam a entrada de insetos e impurezas evitáveis.” De acordo com o auto, foram transgredidos os artigos 432, parágrafo único e 433, incisos I,V,VI e XIV, do Decreto Estadual 23.430/74 e artigo 2º, inciso VIII, da Lei Federal nº 6.437/77.

A pena aplicada pelas infrações cometidas foi a de interdição, com base nas legislações supramencionadas.

Em virtude disso, a permissionária do ……., Sra. ,,,,,,,,,, impetrou Mandado de Segurança contra o Secretário Municipal de Saúde, alegando a falta de concessão de prazo para correção das irregularidades, bem como perigo de grande prejuízo econômico, tendo em vista a aquisição antecipada de mercadorias. Foi pleiteada a concessão de medida liminar, a qual foi negada, com o argumento de que o interesse representado pelo risco à saúde pública, se sobrepõe a eventual prejuízo do impetrante.

A suplicada requereu a reapreciação do pedido liminar, e, tendo sido mantida a decisão denegatória, ingressou com Agravo de Instrumento perante o Tribunal de Justiça do Estado. A decisão suspendeu o despacho atacado, revogando a interdição pelo prazo de 10 dias, ocasião em que deveriam ser implementadas as exigências da Secretaria Municipal de Saúde.

Não foram consideradas, quando da decisão do agravo de instrumento supramencionado (fl. 158, penúltimo parágrafo), as novas irregularidades verificadas em vistoria posteriormente procedida, cujo relatório foi juntado aos autos do Mandado de Segurança e, dos autos do ICP, constam à fl. 185/186.

A título de complementação, e ao que se tem conhecimento, pela leitura dos autos do mandamus, não houve a realização de nova inspeção no local, prevista ao cabo do prazo de 10 dias, do que se depreende que o estabelecimento réu continua a funcionar sem alvará, e o que é pior, sem a certeza das implementações determinadas.

DO DIREITO

A agressão ao meio ambiente, à saúde e ao bem-estar da população vem se agravando dia a dia, principalmente nos locais em que seus habitantes não encontram guarida na administração pública. Pelo quanto relatado, vislumbra-se a gravidade da situação vivenciada pelos moradores do entorno do Bar suplicado, levando-se em conta a longínqua data da primeira reclamação, no ano de 1998.

A proteção aos interesses ora agredidos encontra lugar no topo da hierarquia administrativa. A Constituição Federal, em seu artigo 225, caput, dispõe que:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

A Constituição Estadual, por sua vez, prevê a proteção ao meio ambiente nos artigos 250 e seguintes, nos mesmos termos da Carta Federal.

Já a Lei Federal nº 6.938/81, disciplina que:

“Art. 3º- Para os fins previstos nesta Lei entende-se por:

(…)

II- degradação da qualidade ambiental a alteração adversa das características do meio ambiente.

III- poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividade que direta ou indiretamente:

a)prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população.(…)”

O artigo 14 da mesma lei dispõe:

“Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação de qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

(…)

IV- à suspensão de sua atividade.”

No âmbito estadual, a legislação também vem sendo desrespeitada, a ver:

– Decreto Estadual nº 20.637/70:

“Art. 34- Os estabelecimentos de diversão noturna deverão:

(…)

II- oferecer condições capazes de evitar a propagação de ruídos para o exterior.(…)”

“Art. 36- Os restaurantes, bares, salões de chá, com características próprias do gênero, poderão funcionar como estabelecimentos de diversão noturna, a partir das 19 horas, com música e danças e, facultativamente, com apresentação de números artísticos, uma vez autorizados por prévia vistoria.”

– Decreto Estadual nº 23.430/74 (Código Sanitário):

“Art. 125- É proibido perturbar o bem-estar público ou particular com sons ou ruídos de qualquer natureza, que ultrapassem os níveis máximos de intensidade fixados por este regulamento e normas técnicas em vigor.”

“Art. 126- A responsabilidade pelo controle de sons e ruídos que perturbem o bem-estar público cabe a todos os componentes da comunidade ligados ao problema, tais sejam, a autoridade policial, a autoridade de trânsito, as prefeituras municipais e as autoridades sanitárias.”

“Art. 128- Fica proibida a localização de indústrias, oficinas, casas de diversões e qualquer outro estabelecimento em zona que, pela sua proximidade, possam perturbar os moradores com sons incômodos e/ou ruídos que produzam.”

“Art. 131- Ficam estabelecidos os seguintes níveis de sons e ruídos permitidos de acordo com horário de atividade:

a) “horário noturno” – até 30 dB (decibéis) medidos na curva “A” do medidor de intensidade do som (decibelímetro).(…)” (grifo nosso)

Por fim, o Código de Posturas Municipal, Lei nº 1495, de 24 de novembro de 1975, em seus artigos 171, parágrafo único, e 177, proíbe a produção de ruídos no horário compreendido entre as vinte e duas (22) horas e seis (6) horas da manhã, assim redigido:

“Art. 171- (…)

Parágrafo único- Apitos ou silvos de sereias de fábricas, máquinas, cinemas e outros, não poderão funcionar por mais de trinta (30) segundos, nem tampouco das vinte e duas (22) às seis (6) horas do dia seguinte.”

“Art. 177- Das vinte e duas (22) às seis (6) horas do dia seguinte, quer em locais públicos, quer em particulares, não é permitido algazarra.”

A robustez do aparato legislativo apontado demonstra a importância de um meio ambiente sadio e do bem-estar da população, que, in casu, encontra particular relevância: trata-se de local que recebe as pessoas em férias, isto é, pessoas em busca de sossego e tranquilidade, com vistas à regeneração física e mental após um ano de trabalho.

Agora, imagine-se essa pessoa, que se desloca até sua casa de veraneio e, ao lá instalar-se não consegue ter uma única noite de sono tranquilo sequer? E ao acordar, se é que conseguiu dormir, dirige-se à beira da praia e encontra uma profusão de latinhas, garrafas, papéis, copos plásticos (fotos constantes das folhas 26 a 30 do ICP), sem falar no odor proveniente dos dejetos humanos, uma vez que, pela localização, o bar não pode dispor de sanitários?

Como ensina o ilustre doutrinador Paulo Affonso Leme Machado:

“O sono assegura a reparação da fadiga física e da fadiga mental ou nervosa do indivíduo. O sono é composto de várias etapas, cujas durações variam no curso da noite. Primeiramente, há uma preponderância dos estágios de sono lento ou profundo, assegurando-se principalmente a reparação física. Na segunda parte, onde o sono rápido ou paradoxal é maior, assegura-se a reparação nervosa. Nas fases paradoxais, o sono é relativamente leve e pode ser perturbado por ruídos fracos, o que irá impedir ou entravar a reparação do sistema nervoso.” (grifo nosso)

Os efeitos da poluição sonora sobre a saúde geral do indivíduo são os mais diversos. Registra-se, dentre os vários prejuízos: o aumento do ritmo cardíaco e da pressão arterial, dispneia, fraqueza, fadiga, dificuldade de concentração, bem como alteração das glândulas suprarrenais, hipófise, etc.

Forçoso é reconhecer que a causa maior, ensejadora de grande parte dos distúrbios aqui relatados é o desvirtuamento da atividade desenvolvida pelo estabelecimento e autorizada pelo alvará.

Afirma-se isto porque, se o “Bar XXX” funcionasse apenas como quiosque de lanches rápidos, a maioria dos problemas, oriundos da atividades de bar e restaurante, não existiriam. Vejamos:

Desnecessidade de grandes caixas de som e canhões de luzes (próprios para boates), minimizando ou tornando inexistente a poluição sonora no local;

Preparo de apenas lanches rápidos, fazendo cessar as infrações e a imposição de penalidades pela municipalidade, como já demonstrado, pelo funcionamento como restaurante;

Como decorrência dos dois itens anteriores, a diminuição da aglomeração de pessoas no local, passando a receber público compatível com a estrutura oferecida;

Tal diminuição acarretaria, de imediato: a) a adequação, em razão do número de frequentadores, da quantidade de banheiros químicos colocados à disposição pela Prefeitura, b) a redução do lixo jogado nas imediações, e c) diminuição da algazarra ocasionada pelos clientes.

Colocado assim, resta evidente a parcela de responsabilidade da Prefeitura Municipal, que, mesmo ciente de toda a situação, manteve-se inerte aos abusos praticados, usando como justificativa a importância turística do estabelecimento.

Olvida-se, contudo, que a Constituição Federal, no capítulo que estabelece os princípios gerais da atividade econômica, assim dispõe:

“Art. 170- A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(…)

VI- defesa do meio ambiente; (…)” (grifo nosso)

O interesse consistente na manutenção de um meio ambiente equilibrado sobrepuja-se, sem sombra de dúvida, ao interesso econômico de uns poucos. Ademais, há que de frisar que este já é o terceiro ano que a suplicada promove a degradação do meio ambiente em nome de interesses econômicos. Por quanto tempo ainda irá se prolongar este suplício, em benefício de particulares?

Outro ponto importante a ser destacado, e que agrava a sobredita omissão da administração pública, é no que diz respeito à interdição feita e embargada via mandado de segurança. Não obstante conhecer a completa irregularidade de localização do quiosque, tendo em vista que a autorização da FEPAM, datada de 1997, refere-se somente a um trecho piloto no balneário de Atlântida, bem como das inúmeras reclamações de barulho (o relatório de vistoria de Secretaria de Saúde – fl. 143 – constatou, inclusive, shows de música ao vivo),

funcionamento como restaurante, inadequação das instalações sanitárias ao número de frequentadores, interditou o estabelecimento sem levar em consideração qualquer das graves irregularidades relacionadas.

Aplicou a pena de interdição por infrações como falta de uniformes, mesa para lanches sem proteção, falta de dispositivo contra insetos… sem nada constar sobre os graves e reais problemas existentes. Obviamente, como era de se esperar pela superficialidade das infrações apontadas, a requerida obteve efeito suspensivo do despacho que negou a liminar, possibilitando o funcionamento do bar até a presente data.

A venda de bebidas alcoólicas a criança ou adolescente é considerada, pelo ECA, como crime. O art. 243, daquele Diploma, tem a seguinte redação:

“Art. 243- Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança e adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida.

Pena- detenção de seis meses a dois anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.”

A reiteração de tal conduta criminosa, permite, inclusive, o fechamento do estabelecimento comercial ou da entidade infratora por até 15 (quinze) dias, nos termos do art. 258 do ECA.

É dever de todos, da família, sociedade e Estado prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente, nos termos dos arts. 227, da Constituição Federal; 3º, 4º e 70, do ECA.

A responsabilidade pelo dano ambiental independe da existência de culpa, nos termos do art. 14, parágrafo 1º, da Lei nº 6938/81, assim redigido :

“Parágrafo 1º- Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar, os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.”

A responsabilidade de ambos os réus é objetiva porque, tanto a ré …………….. – exercendo atividade poluidora deu causa aos resultados lesivos já mencionados -, como o Município, autorizando tal atividade e construindo em desconformidade com o disciplinamento do órgão estadual.

A responsabilidade do Município também decorre de sua omissão, ineficiência, morosidade e complacência administrativa.

O art. 12 da lei 7347/85, autoriza a concessão de liminar com ou sem justificação prévia.

Há prova inequívoca da poluição conforme a documentação acostada no incluso inquérito civil. De outro lado, considerando os insuportáveis gravames que a vizinhança tem sofrido nos últimos anos sem que o Município tenha demonstrado séria pretensão em solucionar o problema do ruído, da venda de bebidas alcoólicas a menores, da insalubridade e falta de higiene do “………..”, nem tampouco adequar a edificação às condicionantes determinadas pelo poder público estadual, sob pena de perecimento do direito, faz-se necessária a concessão da liminar.

Deve-se considerar, ainda, que a efetividade da medida pleiteada tem íntima relação com o período de férias, eis que, nesta época, a agressão relatada é imensamente maior do que no resto do ano, devido ao significativo aporte de pessoas para o litoral. Tal circunstância põe disputa valores socialmente relevantes, como o lazer e a diversão, que devem ser sopesados, e mantidos em equilíbrio, de maneira que o usufruto de um destes valores não prejudique ou impeça o gozo de outro.

Dessa forma, o que se busca, em um primeiro momento, é permitir aos moradores do entorno um final de veraneio tranquilo e saudável, o que, somente através da pleiteada liminar judicial será possível.

DOS PEDIDOS

a) Liminarmente:

1. Seja deferida medida liminar, com ou sem justificação prévia, inaudita altera parte, determinando à demandada …………, representante da empresa de mesmo nome, a imediata cessação de toda e qualquer atividade que envolva a utilização de som mecânico ou ao vivo no local, sob pena de aplicação de multa diária de 20 (vinte) salários-mínimos, nos termos do art. 12 da Lei 7347/85, sem prejuízo de outras cominações inerentes à desobediência à ordem judicial, recolhidas as importâncias, nos termos do parágrafo único do art. 13, da Lei 7347/85;

2. Seja determinada a limitação do horário de funcionamento entre as 22 (vinte e duas) e 6 (seis) horas do dia seguinte, sem distinção de dias úteis ou finais de semana, nos termos do parágrafo único do art. 171, e 177, do Código de Posturas do Município de …….., Lei Municipal nº 1495, de 24 de novembro de 1975, incidente no Município de …………, desmembrado do Município de ……….., legislação esta fornecida pela Prefeitura, consoante se vê do documento de fls. 200 a 259 (artigo citado à folha 244), parte integrante do processo administrativo encaminhado pelo Município-réu a esta Promotoria, através do ofício nº ……….., de ……… (fl. 184). Ademais, a menção ao referido Código de Posturas como normatizador do horário de funcionamento do Bar, consta, igualmente, do ofício nº …….., de …., oriundo da Municipalidade-ré (fl. 43);

3. Seja determinada, à ré ……, a proibição de venda de bebidas alcoólicas a crianças e adolescentes (até 18 anos incompletos);

4. Seja nomeado o Major ………….., Coordenador da “Operação Litoral” do Batalhão Ambiental da Brigada Militar, ou pessoa indicada por aquela autoridade, para fiscalização do cumprimento das medidas, de tudo informando a esse MM. Juízo;

b) No mérito:

5. Seja condenada a ré …….- Firma Individual à obrigação de não-fazer, consistente na não utilização de som, de qualquer espécie e volume, no “……….”;

6. Seja condenada a ré ……………. à obrigação de fazer, consistente na adequação da atividade à natureza de quiosque para venda de bebidas, peixe frito, camarão frito, pastel, xis e salgadinhos, na forma do alvará expedido (fl. 94), com a demolição de toda e qualquer benfeitoria ou equipamentos que ultrapassem 16 m² (conforme autorização da FEPAM nº ………….. – fl. 127, combinado com fl. 181);

7. Seja o Município de ………… condenado à obrigação de regular a atividade, fazendo cumprir, estritamente, o conteúdo do alvará, nos termos do item anterior, bem como atender às condicionantes constantes da autorização da FEPAM nº ……………….., com as demolições que se fizerem necessárias à adequação do local à natureza de quiosque;

8. Sejam os réus condenados solidariamente ao pagamento de custas e honorários, exceto advocatícios.

9. A citação dos réus, na pessoa dos seus representantes legais, Sra. ………, residente e domiciliada na Av. ….., …………, e o Município de …………, na pessoa de seu Prefeito Municipal, Sr. ……………, na sede da Prefeitura, localizada na Rua …………, …………., naquele Município, a fim de responder, querendo, a todos os termos da presente ação, oferecendo contestação e produzindo as provas que entender cabíveis, sob pena de revelia;

10. A produção de todos os meios de prova em direito admitidas.

Nesses Termos,

Pede Deferimento.

[Local], [dia] de [mês] de [ano].

………………………………….

Promotor de Justiça

Como citar e referenciar este artigo:
MODELO,. Modelo de ação civil pública com pedido de liminar – suspensão de atividade nociva – poluição sonora. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/modelos/direito-ambiental-modelos/modelo-de-acao-civil-publica-com-pedido-de-liminar-suspensao-de-atividade-nociva-poluicao-sonora/ Acesso em: 28 mar. 2024