Direito Administrativo

A Sindicância Administrativa à Luz dos Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa

A Sindicância Administrativa à Luz dos Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa

 

 

Ravênia Márcia de Oliveira Leite*

 

 

RESUMO

 

O presente artigo científico visa analisar a sindicância administrativa, seus aspectos conceituais, classificação, diferenciação entre procedimento e processo administrativo e seus princípios norteadores. Buscar-se-á, ainda, como cerne do trabalho em testilha, identificar a importância da obediência aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, de modo a construir uma análise crítica a cerca do cerceamento desses importantes direitos. Nesse diapasão, analisar-se-á, as fases da Sindicância Administrativa e o momento apropriado para a concessão do direito à defesa e como o mesmo deve ser desenvolvido. Ainda, busca-se, em pesquisa doutrinária e jurisprudencial as diversas posições jurídicas e as conseqüências práticas da aplicação de penalidades administrativas aos servidores públicos sem obediência aos princípios constitucionais em apreço e a possibilidade de anulação de sindicâncias administrativas, judicialmente, caso não obedeça-se aos princípios alhures em epígrafe.

 

Palavras-Chave: Sindicância Administrativa. Princípios Constitucionais. Contraditório e Ampla Defesa.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

O presente artigo científico pretende analisar os aspectos doutrinários e jurisprudências da Sindicância Administrativa, analisando seu conceito, suas espécies e suas fases de desenvolvimento.

 

Além disso, delinear-se-á a diferença entre procedimento e processo administrativo, já que, para muitos autores, conforme aqui se demonstrará, a Sindicância Administrativa pode apresentar-se como fase preliminar do processo último.

 

Todavia, como sabido, a Sindicância Administrativa, ainda pode apresentar-se como mero caderno apuratório, a fim de identificarem-se os responsáveis por determinados atos que estejam em desacordo com previsões legais em vigor, sendo que, ao identificar o responsável pelos atos ao mesmo deverá conceder se o necessário e indeclinável direito ao contraditório e a ampla defesa.

 

A Sindicância Administrativa, regulada por legislação federal e pela legislação específica de muitas carreiras, possui princípios norteadores próprios os quais serão delineados, principalmente, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, os quais são o cerne do presente artigo.

 

Nesse diapasão, verificar-se-á a importância prática da observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa e a acolhida jurisprudencial quando da inobservância dos mesmos.

 

Ainda, buscar-se-á identificar os aspectos em que a defesa e o contraditório devem ser exercidos e a necessidade de previsão não só dos atos e processos a ele inerentes, como também, a necessidade de previsão de penalidades e das transgressões disciplinares para que as mesmas possam ser aplicadas aos servidores em geral.

 

 

2. SINDICÂNCIA ADMINISTRATIVA – CONCEITO

 

Inicialmente, a fim de compreender-se o objeto do presente artigo, analisar-se-á os vários conceitos de Sindicância Administrativa presente na doutrina pátria.

 

Maria Sylvia Zanela Di Pietro, citando José Cretella Júnior, afirma que Sindicância Administrativa é “o meio sumário de que se utiliza a Administração do Brasil para, sigilosa ou publicamente, com indiciados ou não, proceder à apuração de ocorrências anômalas no  serviço público, as quais, confirmadas, fornecerão elementos concretos para a imediata abertura de processo administrativo contra o funcionário público responsável”. Nesse conceito, a sindicância seria uma fase preliminar à instauração do processo administrativo; corresponderia ao inquérito policial que se realiza antes do processo penal.

 

Como sabido, a Sindicância deriva do Poder disciplinar que “é o que cabe à Administração Pública para apurar infrações e aplicar penalidades aos servidores públicos e demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa; é o caso das que com ela contratam. Não abrange as sanções impostas a particulares não sujeitos à disciplina interna da Administração, porque, nesse caso, as medidas punitivas encontram seu fundamento no poder de polícia do Estado. No que diz respeito aos servidores públicos, o poder disciplinar é uma decorrência da hierarquia; mesmo no Poder Judiciário e no Ministério Público, onde não há hierarquia quanto ao exercício de suas funções institucionais, ela existe quanto ao aspecto funcional da relação de trabalho, ficando os seus membros sujeitos à disciplina interna da instituição.”

 

Segundo ainda, Maria Sylvia Zanela Di Pietro, “o poder disciplinar é discricionário, o que deve ser entendido em seus devidos termos. A Administração não tem liberdade de escolha entre punir e não punir, pois, tendo conhecimento de falta praticada por servidor, tem necessariamente que instaurar o procedimento adequado para sua apuração e, se for o caso, aplicar a pena cabível. Não o fazendo, incide em crime de condescendência criminosa, previsto no artigo 320 do Código Penal. A discricionariedade existe, limitadamente, nos procedimentos previstos para apuração da falta, uma vez que os Estatutos funcionais não estabelecem regras rígidas como as que se impõem na esfera criminal”.

 

Todavia, o que pode se observar na prática é que a discricionariedade de que trata a ilustre doutrinadora está cada vez mais mitigada podendo-se até  mesmo se falar que, atualmente, nas mais variadas esferas da Administração Pública, a Sindicância Administrativa é a regra, isso porque, a ausência de quaisquer investigações pode gerar uma responsabilidade para aquele que deixou de determinar a instauração da investigação.

 

Acrescenta a brilhante doutrinadora pátria citada que “nenhuma penalidade pode ser aplicada sem prévia apuração por meio de procedimento legal em que sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 52, LV, da Constituição).

 

Segundo Hely Lopes Meirelles, as Sindicâncias Administrativas devem ser instauradas por Portaria as quais assemelham-se às denúncias no Processo Penal.

 

Ainda segundo o ilustre jurisconsulto, “a punição administrativa ou disciplinar não depende de processo civil ou criminal a que se sujeite também o funcionário, pela mesma falta, nem obriga a Administração a aguardar o desfecho dos demais processos. Apurada a falta funcional, pelos meios adequados (processo administrativo, sindicância ou meio sumário), o servidor fica sujeito, desde logo, à penalidade administrativa correspondente. A punição interna, autônoma que é, pode ser aplicada ao funcionário antes do julgamento judicial do mesmo fato. E assim é porque, como já vimos, o ilícito administrativo independe do ilícito penal. O que a Administração não pode é aplicar punições arbitrárias, isto é, que não estejam legalmente previstas.  Desde já, deixamos esclarecido que tais atos exigem fiel observância da lei para sua prática, e impõem à Administração o dever de motivá-los, isto é, de demonstrar a sua conformidade com os dispositivos em que se baseia”.

 

A independência entre as esferas jurídicas é ponto relevante, já que, a maioria dos administradores não aguarda a conclusão das investigações criminais para determinarem a abertura das sindicâncias administrativas, obviamente.

 

Na motivação da penalidade, a autoridade Administrativa, competente para a sua aplicacão deve justificar a punição  imposta, alinhando os atos irregulares praticados pelo funcionário, analisando a sua repercussão danosa para o Poder Público, apontando os dispositivos legais ou regulamentares violados e a cominação prevista, necessário é que a Administração Pública, ao punir o seu servidor, demonstre a legalidade da punição. Feito isso, ficará justificado o ato e resguardado de revisão judicial, visto que ao judiciário só é permitido examinar o aspecto da legalidade do ato administrativo, não podendo adentrar nos motivos de conveniência, oportunidade ou justiça das medidas da competência específica do Executivo.

 

Conforme adiante se demonstrará caráter assume relevante na aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa às sindicâncias administrativas a prévia previsão das penalidades e suas respectivas punições. Ora, o servidor público não pode estar submetido a um quadro de obrigações e suas conseqüências desconhecidas no desenvolver de suas atividades.

 

Além disso, para defender precisa saber claramente do que o faz, restando claro qual dispositivo da legislação funcional específica restou descumprido.

 

Ainda, como adiante restará provado, ouro importante desdobramento dos princípios em comento é a possibilidade, previamente prevista, na legislação adequada, dos meios recursais e revisionais à disposição do sindicado.

 

No dizer de Hely Lopes Meirelles “a extinção da pena administrativa se dá normalmente pelo seu cumprimento, e, excepcionalmente, pela prescrição e pelo perdão por parte da Administração. O cumprimento da pena exaure a sanção; a prescrição extingue a punibilidade com a  fluência do prazo fixado em lei específica, sendo que, na sua omissão, pelo da norma criminal correspondente; o perdão da pena é ato de clemência da Administração e só por ela pode em caráter geral (a que se denomina impropriamente de “anistia administrativa”) extinguir a pena.” 

 

Ainda ressalta o ilustre doutrinador, “não pode o Legislativo conceder “anistia administrativa” por lei de sua iniciativa, porque isto importaria em cancelamento de ato do Executivo por norma legislativa, o que é vedado pelo nosso sistema constitucional. Observamos que a pena expulsiva (demissão) é insuscetível de extinção, porque todos os seus efeitos se consumam no ato de sua imposição, motivação de todo ato administrativo que não decorra do fazendo cessar o vínculo funcional com a Administração, exceto, caso comprove-se, judicialmente, a sua ilegalidade, em certos casos”.

 

Ora, o que tem notado se nas legislações das várias carreiras jurídicas é a ausência de previsão do prazo prescricional, como se verifica na Lei Orgânica da Polícia Civil de Minas Gerais (Lei n.º 5.406/69).

 

No âmbito federal, diz o art. 145 da Lei 8.112/90, que da sindicância poderá resultar:

 

a) o arquivamento do processo;

b) a aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias; ou

c) a instauração de processo disciplinar.

 

                                    O próprio texto legal, acima mencionado, deixou evidenciado que as sindicâncias administrativas não tem apenas caráter punitivo, mas também aspecto persecutório o qual pode ser utilizado em processo administrativo disciplinar subseqüente.

 

 

3. ESPÉCIES DE SINDICÂNCIA ADMINISTRATIVA

 

A sindicância poderá ser investigatória ou acusatória. No primeiro caso, o fato é conhecido, mas o autor do ilícito administrativo é desconhecido. No segundo caso, tanto o autor como o fato são conhecidos, e a autoridade administrativa busca colher elementos para comprovar os indícios dos fatos que são atribuídos ao funcionário, que poderá ser submetido a um processo administrativo para a perda da função.

 

“As autoridades administrativas, principalmente as autoridades militares, não têm assegurado aos acusados em sindicância acusatória o direito de exercerem por meio de advogado a ampla defesa e o contraditório, o que fere o texto constitucional. Além disso, a defesa realizada por oficial da Corporação designado para o ato, também fere o princípio da ampla defesa e do contraditório. A defesa somente pode ser considerada técnica quando realizado por profissional regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados.”

 

Nesse ponto, já que, a sindicância administrativa, não tem formalidades previstas em lei para a defesa e o contraditório, verifica-se, muitas vezes, os sindicados empreendendo os próprios atos de defesa, para os quais não é possível auferir qualquer nulidade.

 

Em análise jurisprudencial junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, verifica-se que, uma série de Sindicâncias Administrativas, das mais variadas, vêm sendo submetidas à apreciação do Poder Judiciário, e inclusive anuladas em razão de desobediência aos princípios do contraditório e ampla defesa.

 

No direito público, não existe sigilo, a não ser que por lei as informações sejam consideradas essenciais para a sobrevivência do Estado, o que não é o caso. O Estado de Direito não admite que uma pessoa seja punida ou fique sujeita a perda de seus bens sem que tenha exercido a ampla defesa e o contraditório, com todos os recursos a ela inerentes. Exercer a ampla defesa não é apenas oferecer alegações finais, mas acompanhar a realização de prova técnica, oitiva de testemunhas, podendo realizar reperguntas, formular quesitos, ou seja, tudo aquilo previsto em lei.

 

                        Sob a égide da atual Constituição Federal seria inadmissível admitir-se o contrário do exposto, já que, o direito ao contraditório e à ampla defesa é um direito individual, núcleo inatingível da Carta Magna, como sabido, devendo ser sobremaneira respeitado.

 

Além disso, o servidor público, no exercício da função, ou até mesmo fora dela, representa o Estado e seria inadmissível recusar lhe direito de tal monta. Muitos poderiam discordar do aqui afirmado, já que, o servidor público alheio ao exercício funcional poderia ser considerado apartado do Estado.

 

Todavia, assim não se pode considerar, isso porque, as legislações que regulam certas carreiras, assim não o fazem, por exemplo ao prever como causa de demissão a bem do serviço público a incontinência pública e escandalosa, ao vício de jogos proibidos, à embriaguez habitual, bem como ao uso de substâncias entorpecentes que determine dependência física ou psíquica (art. 159, I, Lei n.º 5.406/60).

Na sindicância acusatória, ao negar-se o direito do sindicado acompanhar o processo e exercer a ampla defesa e o contraditório, a autoridade administrativa está violando os direitos e as garantias previstas na Constituição Federal. A adoção deste procedimento, autoriza o acusado a buscar a proteção jurisdicional em atendimento ao disciplinado no art. 5.o, inciso XXXV, do Texto Constitucional. 

 

A não observância do princípio do contraditório e da ampla defesa na sindicância acusatória, é motivo para que o funcionário público, civil ou militar, impetre perante o Poder Judiciário o Mandado de Segurança, para que lhe seja assegurada a garantia fundamental disciplinada no art.5.º, inciso LV, da Constituição Federal.

 

Mais do que isso, caso a sindicância administrativa, tenha chegado a seu termo, e no mais, ter-se aplicado ao sindicado quaisquer penas, poder-se-á pleitear junto ao Poder Judiciário a anulação de todo o caderno apuratório por ausência da observância das regras processuais exigidas pela Magna Carta.

 

Quando da interposição do mandado de segurança, o administrado poderá pleitear a concessão de medida liminar, com fundamento no periculum in mora e no fumus boni iuris, requerendo a autoridade judiciária para que esta determine a suspensão do processo até o julgamento da medida, ou que de plano determine a abertura de vista para o exercício da ampla defesa e do contraditório.

 

“A hierarquia e a disciplina são fundamentos da instituições policiais, mas isso não significa a inobservância dos preceitos constitucionais. Uma corporação, civil ou militar, poderá ser rígida em seus princípios, e ao mesmo respeitar a Constituição Federal” (Rosa, Paulo Tadeu Rodrigues, juiz-auditor da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, mestre em Direito Administrativo pela Unesp, especialista em Direito Administrativo pela Unip, in http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=400)

 

Segundo Bruno Cezar da Luz Pontes, “a sindicância é, por sua própria natureza, um procedimento inquisitório de investigação, sem necessidade de ampla defesa e contraditório, onde não há lide, partes ou ordenação seqüencial de atos. Não foi outro motivo que o Ministro Jorge Scartezzini, do STJ, fez questão de apontar esta regra, ao proceder à ementa do ROMS 12680/MS, e afirmar que a sindicância é um procedimento preliminar sumário, instaurada com o fim único de investigação de irregularidades funcionais, que precede ao processo administrativo disciplinar, não se confundindo com este. Sendo, desse modo, prescindível, nesta fase, a observância dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (DJ de 05.08.2002, p. 357)”.

 

Continua ainda o mesmo autor, o qual citamos pela expressividade da obra aqui levada à debate: “esta regra geral se justifica porque a própria etimologia da palavra assim indica: sindicância vem de síndico, que se derivou de sindicar (examinar, inquirir, tomar informações), e gramaticalmente exprime ação e efeito de sindicar (De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, Vol. IV, 12a edição, 1996, Ed. Forense, p. 238). Ratificando esta noção geral, a palavra sindicância, como lembrou Maria Sylvia Zanella Di Pietro, citando José Cretela Júnior, in Direito Administrativo, 12ª edição, 2000, Ed. Atlas, p. 498, é formada pelo prefixo syn (junto, com, juntamente com) e dic (mostrar, fazer ver, pôr em evidência), ligando-se este segundo elemento ao verbo deiknymi, cuja acepção é mostrar, fazer ver. Por isso, correto conceituar gramaticalmente a sindicância como “a operação cuja finalidade é trazer à tona, fazer ver, revelar ou mostrar algo, que se acha oculto“.

 

Todavia, a legislação pátria ao permitir que a Sindicância Administrativa resulte em uma punição ao servidor público acaba por desvirtuar-se do seu sentido etimológico necessitando uma interpretação sistemática da mesma em consonância com a Constituição Federal.

 

“Se da sindicância resultar, então, penalidade de advertência ou suspensão de no máximo 30 dias, será ela acusatória; se resultar arquivamento ou abertura de processo administrativo disciplinar, será investigativa. Observe, então, que a classificação da sindicância é retroativa, e não progressiva, porque será ela investigativa ou punitiva não em função de uma percepção inicial, e sim em função de uma percepção final, após o término da mesma. É dizer: os servidores públicos, membros da comissão de sindicância, encarregados pelo procedimento, só saberão se estão realizando uma investigação ou uma acusação no final dos trabalhos, quando elaborarem o relatório final, até mesmo porque, caso a comissão resolva dar ao procedimento a caracterização de sindicância punitiva (antevendo a possibilidade de punição apenas em advertência e suspensão de até 30 dias), e a autoridade competente entender que a pena deverá, por exemplo, ser de suspensão de 45 dias, a sindicância será caracterizada como meramente investigativa, com necessidade de abertura do processo administrativo disciplinar, independentemente de ter ou não garantido a ampla defesa e o contraditório.” (Rosa, Paulo Tadeu Rodrigues, juiz-auditor da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, mestre em Direito Administrativo pela Unesp, especialista em Direito Administrativo pela Unip, in http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=400).

 

Contudo, o eminente autor citado, não considerou o aspecto daquelas sindicâncias administrativas onde a autoria resta materializada, desde o princípio, razão pela qual, eminentemente, o sindicado desde o início deverá ser chamado a exercer o seu direito ao contraditório e a ampla defesa, como por exemplo, no caso de coletes balísticos ou arma da corporação que, depositadas para que o policial desempenhe suas funções foram furtadas do interior de viatura policial, agindo o policial com negligência, claramente observada, desde o princípio das investigações, já que, tão somente estacionou seu veículo na via pública, para adentrar em sua residência para o almoço, deixando os objetos pertencentes à corporação à vista de qualquer pessoa que desejasse cometer o ato ilícito, sem qualquer barreira que pudesse impedir o cometimento do delito.

 

O Exmo. Ministro Moreira Alves, na ementa do Recurso em Mandado de Segurança – RMS n. 22789/RJ, em que foi relator asseverou: “do sistema da Lei 8.112/90 resulta que, sendo a apuração de irregularidade no serviço público feita mediante sindicância ou processo administrativo, assegurada ao acusado ampla defesa (art. 143), um desses dois procedimentos terá de ser adotado para essa apuração, o que implica dizer que o processo administrativo não pressupõe necessariamente a existência de uma sindicância, mas, se o instaurado for a sindicância, é preciso distinguir: se dela resultar a instauração do processo administrativo disciplinar, é ela mero procedimento preparatório deste, e neste é que será imprescindível se dê a ampla defesa do servidor; se, porém, da sindicância decorrer a possibilidade de aplicação de penalidade de advertência ou de suspensão de até 30 dias, essa aplicação só poderá ser feita se for assegurado ao servidor, nesse procedimento, sua ampla defesa (Pontes, Bruno Cesar , in http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4240).

 

O processo administrativo denominado de sindicância tem por objetivo apurar a falta administrativa praticada por funcionário público, civil ou militar, e que seja passível de punição na forma dos Estatutos aos quais esteja sujeito.

 

A Lei n.º 5.406 de 16 de dezembro de 1969, que contém a Lei Orgânica da Polícia Civil de Minas Gerais prevê em seu art. 164: o procedimento administrativo para apuração das transgressões disciplinares dos servidores da Polícia Civil compreende os seguintes feitos:

 

I – sindicância administrativa; e

II – processo administrativo.”

 

Nos artigos 169 a 172 da citada legislação mineira estabelece-se as linhas gerais para a atividade sindicante. Senão vejamos:

 

“Art. 169 – A sindicância meio sumário e, o quanto possível sigiloso, de verificação, será cometida a funcionário ou a comissão de funcionários, de condição hierárquica nunca inferior à do indiciado, ou à Comissão Processante Permanente a que se refere o art. 173 e seguintes.

 

Art. 170 – A Comissão ou o funcionário incumbido da sindicância, dando-lhe início imediato, procederá às seguintes diligências:

I – ouvirá testemunhas para esclarecimento dos fatos referidos na portaria ou despacho de designação, e, sempre que possível, o acusado; e

II – colherá as demais provas que houver, concluindo pela procedência ou não, da argüição feita contra o servidor.

 

Art. 171 – Poderão, a critério da autoridade superior, ser consideradas como meio sumário de verificação de falta disciplinar, e terão valor de sindicância administrativa, as provas colhidas contra o servidor policial civil em inquérito policial instaurado contra o mesmo e das quais resultem, também, responsabilidade administrativa a que caiba pena de suspensão.

 

Art. 172 – A critério da autoridade que o designar, o funcionário incumbido de proceder à sindicância poderá dedicar todo o seu tempo àquele encargo, ficando, em conseqüência e automaticamente, dispensado do serviço da repartição, durante a realização dos trabalho.”

 

O processo administrativo disciplinar apresenta-se mais formal e mais rígido, sendo utilizado para apuração de qualquer irregularidade, com a aplicação de qualquer pena ou sanção, inclusive para aquelas penas ou sanções que podem ser apuradas por sindicância.

 

O parágrafo único do artigo 145 da lei n.º 8.112/90 estabelece ainda que  “O prazo para conclusão da sindicância não excederá 30 (trinta) dias, podendo ser prorrogado por igual período, a critério da autoridade superior”.

 

 

4. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E PROCESSO ADMINISTRATIVO

 

A Lei nº 9.784/99 contém normas sobre o processo administrativo no âmbito federal e a Lei n. 10.177/98 regulamenta o processo administrativo no âmbito estadual (aplicável ao Estado de São Paulo).

 

A Lei n. 9.784/99, que fixa normas gerais para o processo administrativo federal, é aplicável à Administração Pública direta e indireta dos três poderes, bem como ao servidor ou agente público dotado de poder de decisão, conforme estabelece o artigo 1.º do referido diploma.

 

A Constituição Federal, em seu artigo 5.º, inciso LV, estabelece que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

 

A citada lei orgânica da Polícia Civil de Minas Gerais estabelece quanto ao procedimento administrativo, em seu art. 179:

 

Art. 179 – É assegurado ao funcionário o direito de ampla defesa, podendo, pessoalmente ou por procurador, acompanhar todos os atos processuais, indicar e inquirir testemunhas, requerer juntada de documentos, vista dos autos em mãos da Comissão, e o mais que julgar necessário, observadas as normas processuais estabelecidas nesta lei.

§ 1º – Entende-se por direito de ampla defesa a oportunidade que se confere ao acusado de praticar todos os atos previstos no artigo anterior, na fase instrutória do processo.

§ 2º – A autoridade processante não será obrigada a suprir “ex-officio” a omissão do acusado na fase de que trata o parágrafo anterior.

 

5. PREVISÃO LEGAL DOS PRINCÍPIOS DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

 

O artigo 2.º da Lei n. 9.784/99 estabelece de forma explícita, contudo meramente exemplificativa, os princípios do procedimento administrativo:

 

·          legalidade;

·          finalidade;

·          motivação;

·          razoabilidade;

·          proporcionalidade;

·          moralidade;

·          ampla defesa;

·          contraditório;

·          segurança jurídica;

·          interesse público;

·          eficiência.

 

Há, todavia, princípios implícitos na lei federal:

·          publicidade;

·          oficialidade;

·          informalismo ou formalismo moderado;

·          gratuidade;

·          pluralidade de instâncias;

·          economia processual;

·          participação popular.

 

 

6. APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS

 

Princípio não é mera declaração de intenção. São normas que determinam condutas obrigatórias ou impedem comportamentos incompatíveis. O princípio representa um valor. Nos dizeres da doutrina de Celso Antonio Bandeira de Melo, são verdadeiros pilares de sustentação de todo o sistema, funcionando como vetores de interpretação, que por sua generalidade,  informam o sistema jurídico, mesmo sem previsão expressa. Com efeito, na lição de Souto Maior Borges, conforme se colhe da obra de Roque Antonio Carrazza, “o princípio explícito não é necessariamente mais importante que o princípio implícito”.

 

 

6.1 DOS PRINCÍPIOS EM ESPÉCIE

 

6.1.1. Princípio da Publicidade

 

Aplicável por força do artigo 37, caput, e artigo 5.º, inciso XXXIII, ambos da Constituição Federal.

 

O princípio da publicidade possui maior amplitude no processo administrativo, por força do direito – assegurado a todos –  de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidades ou abuso de poder (art. 5.º, inc. XXXIV, da CF).

 

A publicidade existe como regra; porém, o sigilo pode ser decretado, para a defesa de preservação da intimidade das partes envolvidas ou em razão do interesse social.

 

O artigo 2.º, parágrafo único, inciso V, da Lei n. 9.784/99 estabelece estar assegurada a divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição.

 

 

6.1.2. Princípio da Oficialidade ou da Impulsão

 

A Administração age na forma da lei, mas a movimentação do processo administrativo é atribuída sempre a ela. É o que estabelece tanto o artigo 5.º como o artigo 29 da Lei n. 9.784/99.

 

Referido princípio não incide, ao menos na mesma amplitude, no processo judicial, mas é amplo no processo administrativo.

 

O princípio da oficialidade é abrandado pelo artigo 30 da Lei n. 9.784/99, que dispõe serem “inadmissíveis no processo administrativo as provas obtidas por meios ilícitos”.

 

 

6.1.3. Princípio do Informalismo ou Formalismo Moderado

 

O procedimento administrativo é dotado de rito menos solene, dispensando formas rígidas; necessariamente, contudo, deve  atender à forma legal.

 

            O Professor Hely Lopes Meirelles ressalva: “todavia, quando a lei impõe uma forma ou uma formalidade, essa deverá ser atendida, sob pena de nulidade do procedimento, mormente se da inobservância resulta prejuízo para as partes”.

 

 

6.1.4. Princípio da gratuidade

 

Em regra, a atuação administrativa é gratuita.

 

Não há despesas processuais, salvo nas hipóteses previstas em lei (art. 2.º, par. ún., inc. XI, da Lei n. 9.784/99). No desenvolvimento do tema, pode-se visualizar a onerosidade de determinados processos administrativos de outorga, que para sua realização exigem o recolhimento do tributo denominado taxa de polícia.

 

 

6.1.5. Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório

 

A ampla defesa e o contraditório são inerentes a qualquer processo, judicial ou administrativo. A Constituição Federal assegura aos “litigantes em processo judicial ou administrativo” a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

 

É a bilateralidade do processo que enseja a ampla defesa e o contraditório.

 

O princípio da ampla defesa e do contraditório se expressa por meio de atos como:

 

·          notificação dos atos à parte interessada;

·          possibilidade de exame das provas;

·          direito de assistir à produção de prova;

·          possibilidade de produção de defesa escrita.

 

O contraditório recebeu tratamento expresso na Lei n. 9.784/99, em seu artigo 3.º, incisos II e IV.

Adiante, os princípios em comento serão tratados amiúde, já que, são o núcleo de estudo do presente artigo científico.

 

 

6.1.6. Princípio da Pluralidade de Instâncias

 

A Lei n. 9.784/99 limita em três as instâncias administrativas, sendo que a recorribilidade das decisões não pode estar sujeita a ônus ou encargos. Todavia, ante a inexistência, no ordenamento jurídico brasileiro, do sistema de controle dos atos da administração denominado “Contencioso Administrativo”, que prevê a coisa julgada administrativa, em seu sentido próprio, insuscetível de revisão pelo poder judiciário, todos os atos da administração, sejam tomados em primeira ou em última instância, são reversíveis pelo judiciário, consagrando o sistema jurisdicional de controle dos atos da administração. 

 

 

6.1.7. Princípio da Economia Processual

 

O processo é instrumento, e as exigências nele contidas devem ser compatíveis com a sua finalidade.

 

A lei prevê o aproveitamento dos atos, ou o saneamento de irregularidades meramente formais.

 

 

6.1.8. Princípio da Segurança Jurídica (Princípio da Estabilidade das Relações Jurídicas)

 

O princípio da estabilidade das relações jurídicas impede a desconstituição injustificada de atos ou situações jurídicas. A invalidação só é admitida se atender ao interesse público.

 

Referido princípio está previsto no artigo 2.º, parágrafo único, inciso XIII, da Lei n. 9.784/99. O artigo 55, do mesmo diploma, expressamente permite a convalidação de atos que apresentarem conflitos sanáveis.

 

 

6.1.9. Princípio da Motivação

 

A motivação é obrigatória para assegurar o controle da Administração. A autoridade deve indicar as razões que a levaram a decidir.

 

O princípio da motivação decorre do devido processo legal, pois apura-se, por meio dele, a intenção do agente público.

 

 

7. CLASSIFICAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS

 

O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que “há distintas classificações de procedimento, que se agrupam em função de variados critérios:

 

·          procedimentos internos:  são procedimentos que se desenrolam circunscritos à intimidade, à vida intestina da Administração;

·          procedimentos externos: são procedimentos de que participam os administrados;

·          procedimentos restritivos:  procedimentos que podem ser meramente restritivos de direito ou sancionadores;

·          procedimentos ampliativos:  procedimentos que seriam as lacunas, permissões, autorizações.

O Professor Márcio Fernando Elias Rosa bem ensina sobre a tipologia do processo administrativo: “A doutrina consagra a seguinte tipologia do processo administrativo (Hely Lopes Meirelles, Sérgio de Andréa Ferreira, Ana Lúcia B. Fontes e Odete Medauar):

a) processo administrativo de gestão:  licitações, concursos de ingresso ao serviço público, concurso de movimentação nas carreiras, promoção e remoção;

b) processos administrativos de outorga:  licenciamento ambiental, licenciamento de atividades e exercício de direitos, registro de marcas e de patentes;

c) processos administrativos de controle:  prestação de contas, lançamento tributário, consulta fiscal;

d) processos administrativos punitivos internos ou externos: imposição de sanções disciplinares (internos) ou apuração de infrações (externos).”

 

 

8. FASES DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

 

            No procedimento administrativo são reconhecíveis cinco fases:

 

1.       Instauração: é a apresentação escrita dos fatos e indicação do direito que ensejam o processo. Decorre de portaria, auto de infração, representação de pessoa interessada ou despacho da autoridade competente. É essencial a descrição dos fatos, de modo a delimitar o objeto da controvérsia e a permitir a plenitude da defesa.

2.       Instrução: fase de elucidação dos fatos, marcada pela produção de provas, com a participação do interessado.

3.       Defesa: com base no artigo 5.º, inciso LV, da Constituição Federal.

4.       Relatório: elaborado pelo presidente do processo. Trata-se de peça opinativa, que não vincula a autoridade competente.

5.       Julgamento: decisão proferida pela autoridade ou órgão competente sobre o objeto do processo.

 

 

9. SINDICÂNCIA ADMINISTRATICA E PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA

 

Deve-se observar o contraditório e a ampla defesa como requisitos para que o devido processo legal seja respeitado. O contraditório é a possibilidade, assegurada a quem sofrer uma imputação em juízo ou em âmbito administrativo, de contraditar essa imputação, ou seja, de apresentar a sua versão dos fatos. A ampla defesa significa que as partes devem ter a possibilidade de produzir todas as provas que entendam necessárias ao esclarecimento dos fatos e ao convencimento do Juiz. Excepcionam-se apenas as provas obtidas por meio ilícito.

 

O princípio do contraditório é identificado na doutrina pelo binômio “ciência e participação”. A autoridade sindicante coloca-se eqüidistante das partes, só podendo dizer que o direito preexistente foi devidamente aplicado ao caso concreto se, ouvida uma parte, for dado à outra o direito de manifestar-se em seguida.

 

Já o Princípio da Ampla Defesa implica o dever do Estado de proporcionar a todo acusado a mais completa defesa, seja pessoal, seja técnica (art. 5.º, LV, da CF/88), seja o de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados  (art. 5.º, LXXIV, CF).

 

Decorre a obrigatoriedade de se observar a ordem natural do processo, de modo que a defesa se manifeste sempre em último lugar.

 

Segundo Lorival Carrijo Rocha, “o preceito constitucional da ampla defesa e do contraditório se harmoniza perfeitamente com o direito estatuído no art. 156 da Lei n.º 8.112/90, considerando que a segurança jurídica somente será completa se todos os atos praticados contra o servidor for devidamente acompanhado pelo interessado. O exercício da ampla defesa tem que ser completo, assegurando ao acusado o acompanhamento total do processo, tanto na sindicância como no inquérito administrativo, devendo acompanhar a realização de prova técnica e testemunhal, participando da oitiva de testemunhas, inclusive, podendo realizar perguntas, formular quesitos, ou seja, tudo aquilo previsto em lei. O estado de direito não admite que uma pessoa seja punida sem que tenha exercido a ampla defesa e o contraditório, com todos os recursos a ela inerentes.

 

Continua o ilustre colega, “na Sindicância acusatória, ao negar-se o direito do sindicado acompanhar o processo e exercer a ampla defesa e o contraditório, a autoridade administrativa está violando os direitos e as garantias previstas na Constituição Federal. A constituição não existe apenas para ser um mero referencial, é a norma fundamental. A hierarquia e a disciplina são fundamentos das instituições policiais, mas isso não significa a inobservância dos preceitos constitucionais. Uma corporação policial deverá ser rígida em seus princípios, sem, no entanto, desrespeitar a legalidade. A administração pública tem o dever de punir o servidor que pratique um ilícito administrativo, mas isso não significa que deixará de observar os preceitos e garantias fundamentais disciplinados na Lei Maior.” (http://www.fenaprf.com.br/index.php?a=ult_brasilia_temp.php&ID_MATERIA=156)

 

Precedentes, consoante a jurisprudência uniforme do Superior Tribunal de Justiça:

 

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.  ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR. AUTONOMIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E PENAL. SUFICIÊNCIA E VALIDADE DAS PROVAS. INCURSÃO NO MÉRITO ADMINISTRATIVO.

(…)

2. Compete ao Poder Judiciário apreciar a regularidade do procedimento disciplinar, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sem, contudo, adentrar no mérito administrativo.

(…)

(ROMS nº20010031584-4/TO, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 28/06/2004, p. 417)

 

Ainda nesse mesmo sentido:

 

MILITAR. DETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE SEM A OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. DANOS MORAIS. VERBA HONORÁRIA.

– O ato que determina a detenção de militar – que importa restrição ao direito da parte -, deve, necessariamente, ser precedido de regular procedimento administrativo, de modo a fornecer ao administrado a possibilidade de ser ouvido durante a instrução e permitir-lhe o pleno exercício de defesa. Ainda que a pena de detenção seja absolutamente procedente para determinados casos, deve ser precedida do devido procsso legal, pois isso não justifica o cerceamento do direito do militar de defender-se amplamente. No caso dos autos, em face da insubsistência da fundamentação do ato, além de não ter sido proporcionado o contraditório, nem a ampla defesa, acarretou a determinação e nulidade do ato exarado pela administração.

(…)

(AC nº 20017112001185-0/RS, 4ª Turma, Rel. Des. Fed. Edgard A. Lippmann Júnior, DJU de 21/07/2004, p. 698)

MILITAR. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO DO ASPECTO FORMAL DO ATO ADMINISTRATIVO. SINDICÂNCIA. PUNIÇÃO DISCIPLINAR. DEVIDO PROCESSO LEGAL. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.

1. Sob o pálio da CF-88, é inafastável o controle do Poder Judiciário da legalidade do ato administrativo, inclusive de autoridade militar. É nula a punição disciplinar quando não resulta do devido processo legal e quando não propiciado do servidor o direito ao contraditório. Simples sindicância não guarda consonância com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, não podendo dar causa a sanção disciplinar.

2. Improvimento da apelação e parcial provimento da remessa oficial.

(AC nº 19997110009655-4/RS, 3ª Turma, Rel. Des. Fed. Carlos Eduardo T. Flores Lenz, DJU de 23/04/2003, p. 266)

 

MILITAR. PUNIÇÃO DISCIPLINAR. DEVIDO PROCESSO LEGAL. AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO. ILEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS.

(…)

2. Os processos disciplinares militares não estão imunes à garantia constitucionalmente assegurada do contraditório e ampla defesa, insculpida no INC-55 do ART-5. As sindicâncias são processos administrativos e devem respeitar os princípios constitucionais a eles atinentes.

(…)

(AMS nº 9604041789/RS, 4ª Turma, Rel. Des. Fed. José Luiz B. Germano da Silva, DJ de 15/07/1998, p. 316)

 

Segundo Airton Rocha Nóbrega, vislumbrando-se, a possibilidade de que ao servidor venha a ser aplicada pena mais leve – advertência ou suspensão que não exceda de 30 dias – o mesmo procedimento a tanto se prestará, não admitindo-se, entretanto, a aplicação direta da penalidade sem que previamente exercite o servidor o seu direito de defesa. Com vista a atender-se a essa exigência de caráter constitucional deve-se, então, suspender a coleta de elementos probatórios, não realizando-se mais nenhum ato alusivo à instrução do procedimento, até porque essa prova assim colhida não terá sido submetida ao crivo do contraditório e não ensejará validamente a punição do servidor. Paralisado o procedimento, dever-se-á elaborar, de forma fundamentada, “termo de indiciação do servidor” onde se fará constar necessariamente a especificação dos fatos apurados, a avaliação das provas até então obtidas e a infração disciplinar praticada, com a indicação do dispositivo de lei afrontado.

 

O citado “termo de indiciação do servidor”, como não existe formalidades legais previstas para a Sindicância Administrativa, conforme já afirmado, pode ser substituído por outro ato que cientifique o servidor público que a partir daquele momento, a autoridade sindicante, entende que o mesmo restou identificado como autor de uma transgressão disciplinar, devendo exercer os seus direitos de defesa, por exemplo, pode abrir vista dos autos para o mesmo e conceder lhe prazo para que apresente defesa dos atos até então acostados aos Autos.

 

Continua o nobre jurista “cumprida essa providência básica, passo seguinte será o de realizar-se a citação do servidor, que agora já se encontra indiciado. A citação, como se sabe, é o ato através do qual dar-se-á ciência formal da acusação que é imputada ao servidor, estabelecendo prazo para a formulação de defesa e esclarecendo que, não sendo ela oferecida no prazo legal, a conseqüência imediatamente resultante é a declaração revelia (art. 164) com a oportuna nomeação de defensor dativo (art. 164, § 2º). Forma-se, a partir de então, a relação processual disciplinar. Cuidado que se impõe, nesse momento, é o de franquear o acesso do servidor ao processo, de modo a que tenha ele conhecimento amplo dos elementos de prova já colhidos, dando-lhe a oportunidade de impugná-los e de produzir a contraprova, estabelecendo-se, desse modo, o contraditório.”

 

Conforme já descrito o dito “indiciamento” pode ser substituído, tão somente, pela cientificação, alhures referida pelo lesto doutrinador.

 

“A defesa do servidor, é bom que se diga, deverá ser apresentada por escrito, em petição por ele firmada ou por advogado regularmente constituído. O prazo para apresentação da defesa na sindicância, embora a Lei 8.112/90 nada informe a respeito, poderá ser fixado em 10 dias, valendo-se, para esse efeito, do prazo fixado para o mesmo fim no procedimento disciplinar comum (art. 161, § 1º). À defesa poderão ser anexados documentos e poderá o servidor requerer livremente a produção de outras provas, inclusive a oitiva de outras testemunhas, a realização de exames periciais etc.”

 

“Regularizada nos moldes expostos a relação processual disciplinar, e nada mais havendo a produzir em termos de prova, cumpre tão-somente dar por encerrada a instrução processual, elaborando-se, em seguida, relatório minucioso em que serão resumidas as peças principais dos autos e onde serão mencionadas as provas colhidas, firmando-se, então, juízo no sentido da inocência ou da responsabilidade do servidor.”

 

O direito ao contraditório e ampla defesa vai ainda além, a legislação deve prescrever quais as transgressões disciplinares e as penalidades a elas impostas, sob pena de absoluta ilegalidade, conforme anteriormente afirmado.

 

A lei orgânica da Polícia Civil de Minas Gerais, em seu art. 154, prevê como penalidades: a repreensão, suspensão, multa, demissão, demissão a bem do serviço público e cassação da aposentadoria ou disponibilidade.

 

A mesma legislação prevê, no art. 150, as transgressões disciplinares nas quais pode incorrer o servidor policial civil e no art. 153 as causas atenuantes e agravantes.

 

No art. 161, aquela legislação mineira, prevê as Autoridades que no âmbito da Polícia Civil poderão aplicar as penalidades, conforme a sua gravidade:

 

Para a aplicação das penalidades previstas no artigo 154, são competentes:

I – o Governador do Estado, em qualquer caso;

II – o Secretário da Segurança Pública, até a de suspensão por noventa dias;

III – o órgão disciplinar de Polícia Civil, até a de suspensão por sessenta dias;

IV – o Corregedor Geral de Polícia, até a de suspensão por trinta dias;

V – os Superintendentes, Diretor da Academia de Polícia, Diretor da Casa de Detenção “Antônio Dutra Ladeira” e Chefes de Departamentos, até a de suspensão por trinta dias;

VI – os Delegados Gerais de Polícia, Delegados de Polícia de Classe Especial e Delegados Regionais de Polícia, até a de suspensão por dez dias; e

VII – os demais Delegados de Polícia de Carreira, até a de suspensão por cinco dias.

Parágrafo único – A competência das autoridades referidas nos itens V, VI e VII deste artigo é limitada ao pessoal que lhes é diretamente subordinado.

 

Por fim, ainda, em resguardo aos princípios constitucionais em estudo, a Polícia Civil Mineira prevê o direito do sindicado a revisão das decisões, em balizamento constitucional ao princípio do duplo grau de jurisdição, nos seguintes casos:

 

Art. 195 – Dar-se-á revisão dos processos findos, mediante recurso do punido, quando:

I – a decisão for contrária a textos expressos de lei ou à evidência dos autos;

II – a decisão se fundar em depoimento, exames ou documentos comprovadamente falsos ou errados; e

III – após a decisão, se descobrirem novas provas da inocência do punido ou de circunstâncias que autorizem pena mais branda.

 

 

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Ao longo do presente artigo científico, demonstrou se que as Sindicâncias Administrativas podem ser investigatórios ou punitivas, sendo que, em qualquer desses aspectos deve ser concedido aos sindicados o direito ao contraditório e da ampla defesa.

 

Além disso, verificou se que a desobediência aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa pode acarretar, inclusive, a nulidade do procedimento administrativo, já que, a atuação dissonante da Administração Pública  com a previsão constitucional, principalmente, as que venham aplicar penalidades, são inadmissíveis do ponto de vista legal e regulamentar.

 

Ainda, concluiu-se que o princípio do contraditório e da ampla defesa abrange não somente os atos processuais relativos ao desenvolvimento da sindicância administrativo, tais como, acompanhamento de depoimentos, declarações, produção de provas técnicas e defesa propriamente dita, mas, sobretudo, a necessidade das legislações específicas estabelecerem as previsões relativas as transgressões disciplinares e as penalidades às mesmas aplicadas.

 

A abrangência de tais direitos constitucionalmente previstos, alcança também, a necessidade de previsão recursal, por ser necessária conseqüência dos direitos alhures epigrafados.

 

Em suma, a Sindicância Administrativa apesar de ter sido introduzida no Brasil anteriormente a Constituição Federal em vigor, deve ser interpretada à luz dos princípios introduzidas pela Carta Magna e pelo Estado Democrático de Direito a ela inerente.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 17.ªed.São Paulo:Malheiros, p.33.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATNA DO BRASIL . São Paulo : Atlas. 2007.

CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de direito administrativo. Rio de Janeiro : Forense, 1966/1972.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 1989.

GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo : Saraiva,1995.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Editora Revista dos Tribunais. 10ª Edição. 1989.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13.ª ed. São Paulo:Malheiros, 2001. p.439.

NOBRE, Airton Rocha. Sindicância e Ampla Defesa. http://www.apriori.com.br/cgi/for/post45.html.

ROSA, Márcio Elias Rosa. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 215. (Série Sinopse, 19).

ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues, juiz-auditor da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, mestre em Direito Administrativo pela Unesp, especialista em Direito Administrativo pela Unip, in http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=400

ROCHA, Lorival Carrijo. Sindicâncias Adminsitrativas. http://www.fenaprf.com.br/index.php?a=ult_brasilia_temp.php&ID_MATERIA=156

 

 

* Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar. Pós-graduanda em Direito Penal – Universidade Gama Filho.

 

 

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Ravênia Márcia de Oliveira. A Sindicância Administrativa à Luz dos Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/a-sindicancia-administrativa-a-luz-dos-principios-constitucionais-do-contraditorio-e-da-ampla-defesa/ Acesso em: 19 abr. 2024