Teoria Política

A Teoria das Formas de Governo – Capítulo VI: Maquiavel

Maquiavel (1469-1527) era um historiador italiano. Ele começou uma nova classificação das formas de governo ao afirmar: “Todos os Estados que existem e já existiram são e foram sempre repúblicas ou monarquias”. (p.83) Caracteriza-se a monarquia como um principado (reino), e divide a república em aristocracia e democracia.

“Os “muitos” podem ser mais ou menos numerosos, permitindo distinguir, entre as repúblicas, as aristocráticas e as democráticas”. (p.84)

“(…) ou o poder reside na vontade de um só – é o caso do principado – ou numa vontade coletiva, que se manifesta em colegiado ou assembléia – e temos a república, em suas várias formas.” (p.84)

“Independentemente destas considerações jurídicas, a distinção de Maquiavel correspondia muito melhor à realidade do seu tempo do que a classificação dos antigos.” (p.84)

            A diferença entre as formas de constituição continua sendo a quantidade de governantes. Entretanto, os gregos possuíam uma base histórica, já Maquiavel adaptou sua teoria para a realidade dos governos europeus de sua época.

“mais conveniente ir diretamente à verdade efetiva (verità effetuale) das coisas do que à sua imaginação”, vendo com suspicácia todos os que tinham anteriormente “imaginado repúblicas e principados que nunca foram vistos ou conhecidos como realidade” (O Príncipe, XV). (p.84)

            Baseou-se na república romana, devido sua história secular e gloriosa, que, segundo Maquiavel, estava apta para representar sua teoria da bipartição de formas de governo, principado e república.

“Trata-se de fato de uma diferença verdadeiramente essencial, de modo que um Estado bem ordenado só pode ter uma ou outra constituição. Diríamos hoje que cada uma das duas formas tem sua “lógica”, que precisamos respeitar se não queremos criar confusões, originando Estados “defeituosos”.” (p.85)

            Maquiavel divide o principado em duas vertentes, os velhos e os novos. Nos velhos principados, estão presentes as formas absolutas e a não absoluta. Na forma absoluta, os reis possuem ministros que agem como “servos”, se aproximando de um governo despótico. Já na forma não absoluta, os reis governam com intermediação da nobreza.

            Quanto aos novos principados, Maquiavel os divide em quatro espécies, de acordo com as formas utilizadas para estabelecê-las. Pode-se conquistá-las pela virtude, pela fortuna, pela violência e pelo consenso da população. Se o principado foi conquistado pela virtude, ele provavelmente será mais duradouro do que seria se fosse conquistado pela fortuna, pois esta, não seria estabelecido pelo próprio mérito, mas sim pelo acaso e pela sorte.

“Contudo, mesmo nesse caso, o julgamento de Maquiavel não é de ordem moral. O critério para distinguir a boa política da má é o seu êxito.”(p.88)

“Em que consiste a diferença entre os dois príncipes? Comenta Maquiavel, com uma de suas frases que lhe valeram fama e infâmia: “Penso que depende da crueldade bem ou mal empregada”.” (p.88)

            Maquiavel dá dois exemplos de príncipes, Agátocles, rei da Siracusa, e Liverotto de Fermo. Afirma, ainda, que a diferença entre os dois é que a crueldade de Agátocles foi bem utilizada, já a de Liverotto, não. Justificando, assim, o êxito do governo da Siracusa através da manutenção do poder.

“As crueldades mal empregadas são as que, sendo a princípio poucas, crescem com o tempo, em vez de diminuir.”(p.89)

            Através de uma frase famosa de Maquiavel podemos entender melhor o que ele tinha em mente: “O fim justifica os meios”. Desse modo, desde que o governante se mantenha no poder, ele pode ser cruel e os seus meios serão honrosos.

“Na apresentação da tipologia clássica, Maquiavel já acena à sucessão das constituições, sobre a qual se detém com mais vagar na página seguinte, para explicar — embora sumariamente, e sempre sob a orientação de Políbio — as razões da transformação de uma forma em outra.” (p.90)

“Mais adiante dirá que: “Para mim, todas estas formas de governo são igualmente desvantajosas: as três primeiras, porque não podem durar; as três outras, pelo princípio de corrupção que contêm” (cap. II).” (p.90)

            Maquiavel adotou a anaciclose, ou seja, a lei dos ciclos. A anaciclose polibiana dizia que quando as formas de governo se degeneravam ao máximo, elas retornavam ao ponto de partida. Já Maquiavel dizia que ao se degenerar, elas podem voltar ao início, ao mesmo tempo em que podem retornar a qualquer ponto do ciclo, podendo, até, serem conquistadas por outra constituição mais forte e mais estável, devido à desorganização.

“Maquiavel duvida de que, tendo chegado ao ponto mais baixo da sua decadência, um Estado tenha ainda força própria para retornar ao ponto de partida.” (p.91)

“Quem estudar a História Contemporânea e da Antigüidade verá que os mesmos desejos e as mesmas paixões reinaram e reinam ainda em todos os governos, em todos os povos. Por isto é fácil, para quem estuda com profundidade os acontecimentos pretéritos, prever o que o futuro reserva a cada Estado, propondo os remédios já utilizados pelos antigos ou, caso isto não seja possível, imaginando novos remédios, baseados na semelhança dos acontecimentos” (Livro I, cap. XXXIX). (p.91)

““A compreensão das leis profundas da história não serve apenas para prever o que deve acontecer mas também para prevenir esses acontecimentos – isto é, para remediar o mal que a lei permite prever.”” (p.92)

“”Por isto, todos os legisladores conhecidos pela sua sabedoria evitaram empregar exclusivamente qualquer uma delas, reconhecendo o vício de cada uma. Escolheram sempre um sistema de governo de que todas participavam, por julgá-lo mais sólido e estável: se o príncipe, os aristocratas e o povo governam em conjunto o Estado, podem com facilidade controlar-se mutuamente” (cap. II).” (p.92)

            Maquiavel afirma que quem estuda com veemência o passado de um Estado consegue prever o futuro do mesmo e se cria a possibilidade de remediar o mal previsto para não deixá-lo se degenerar. Ele aplica na teoria dos seis governos afirmando que, sabendo do passado, seria “capaz de conceber um remédio para o mal descoberto. Esse remédio (uma inspiração polibiana) é o governo misto.” (p.92)

“Enquanto Roma foi uma república aristocrática, embora integrada por cônsules, não era perfeita. Só com a instituição dos tribunos do povo, representantes do elemento popular, alcança a perfeição, completando a mistura das três constituições simples.” (p.93)

“O governo misto deixa de ser um mero mecanismo institucional para tornar-se o reflexo (a superes trutura) de uma sociedade determinada: é a solução política de um problema — o conflito entre interesses antagônicos – que surge na sociedade civil.” (p.94)

            Maquiavel elogia, novamente, a constituição de Roma, considerando-a uma forma de governo misto.

“A importância de uma afirmativa desse tipo — de que os “tumultos” que muitos lamentam constituem não a causa da ruína dos Estados mas uma condição para que sejam promulgadas boas leis, em defesa da liberdade – não pode ser exagerada.” (p.94)

            Por fim, Maquiavel diz que as rebeliões e as desordens possuem um lado bom, pois elas são as responsáveis pela criação e transformação das leis.

BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. 10 ed. Brasília: UnB, 2001. p. 83-94.

*Eduardo André Carvalho Schiefler é acadêmico de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina

            

Como citar e referenciar este artigo:
SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho. A Teoria das Formas de Governo – Capítulo VI: Maquiavel. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2014. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/teoriapolitica/a-teoria-das-formas-de-governo-capitulo-vi-maquiavel/ Acesso em: 20 abr. 2024