Teoria Política

Fichamento de David Held – Modelos de Democracia – capítulos 7, 8 e 9

Fichemento da obra: HELD, David. Models of Democracy. 3ª ed. Cambridge: Polity Press, 2006, cap.7-9.

Item 7 – Da estabilidade do pós-guerra até a crise política: a polarização das ideias políticas

 1)    O período de uma década e meia após a Segunda Guerra Mundial foi caracterizado como um momento de consentimento e de fé na autoridade e na legitimidade do Estado. Havia uma espécie de contrato social pós-guerra, que reconhecia no Estado a capacidade de promover o bem para os indivíduos e para a coletividade, protegendo-os das arbitrariedades e cuidando daqueles cidadãos mais vulneráveis.

 2)    Contudo, com as dificuldades econômicas enfrentadas a partir do final da década de 1960 e, sobretudo, em meados da década de 1970, aquele Estado do bem-estar social passou a perder a atratividade e a receber ataques de teóricos de esquerda (em razão das poucas mudanças geradas num mundo de privilegiados) e de direita (em virtude dos altos custos para a manutenção do Estado e pela ameaça às liberdades individuais). A polarização das ideias políticas, portanto, resultou desta justa contraposição entre as respostas teóricas à crise de efetividade do Estado.

 3)    Reconhece-se, assim, à época, também, a existência de uma crescente crise democrática, a qual recebeu, em síntese, as seguintes explicações: (i) a de que o Estado estaria sobrecarregado; e (ii) a de que o Estado sofria de uma crise de legitimidade. Em resposta a estas explicações, dois modelos teóricos de democracia foram apresentados, respectivamente: (a) a democracia legal, pela denominada Nova Direita; e (b) a democracia participativa, pela Nova Esquerda.

Uma ordem democrática legítima ou um regime repressivo?

 4)    O período de consenso e de reconhecimento de legitimidade foi acompanhado do desenvolvimento de duas explanações teóricas, que buscaram interpretar a aparente harmonia política no ocidente durante o período imediatamente sequente ao pós-guerra. A primeira delas, divulgada pela maior parte dos cientistas políticos, proclamava o “fim da ideologia”, enquanto a outra, levantada por uma minoria que tinha por base o pensamento marxista, justificava o período pelo argumento de que vigia uma ordem repressiva, própria de uma sociedade unidimensional.

 5)    Embora as divergências no âmbito das justificativas, era perceptível o alto nível de complacência e de integração entre todos os grupos e classes da sociedade, o que gerou uma estabilidade política e do sistema social bastante distinta dos períodos anteriores. No entanto, o já anunciado declínio das economias de mercado ocidentais colocou em xeque a correlação entre a aquiescência das massas e a legitimidade política.

Estado sobrecarregado ou crise de legitimidade?

 6)    Como visto, a crise do final da década de 1960 e início da década de 1970 foi explicada por duas principais teorias. A teoria que sustentava que o Estado estava sobrecarregado, da chamada Nova Direita, sugeria medidas de contenção e de controle, pois reconhecia no Estado um círculo vicioso que fomentava a sua expansão exagerada, com o consequente aumento dos gastos públicos e da repressão à livre iniciativa. Por outro lado, aqueles que justificavam a crise pela ausência de legitimidade do Estado, defendiam que a compreensão do problema dependeria de uma análise das relações de classes e das restrições políticas impostas pelo capital.

 7)    Em termos gerais, ambas as teorias compartilhavam do entendimento de que o poder Estado estava condicionado à sua capacidade de efetivar suas políticas, assim como que o poder numa sociedade democrática depende do aceite de sua autoridade (Nova Direita) ou de sua legitimidade (Nova Esquerda). Era pacífico, também, que a capacidade estatal para atuar decisivamente encontrava-se deformada, haja vista o declínio de sua autoridade e/ou legitimidade.

Lei, liberdade e democracia

 8)    Dois dos principais teóricos da Nova Direita foram Hayek e Nozick. Robert Nozick defendeu a impossibilidade de se justificar qualquer atribuição de princípios ou padrões gerais para as prioridades dos indivíduos. Para Nozick, as únicas instituições políticas justificáveis são aquelas que corroboram com um ambiente de liberdade. Dessa sorte, o Estado Mínimo é o único modelo de Estado moralmente justificável, uma vez que qualquer outro viola direitos individuais. A tese é a de que os indivíduos são extremamente distintos e percebem variados interesses e necessidades, sendo que somente eles próprios são capazes de decidir adequada e legitimamente sobre aquilo que lhes afeta. Para Nozick, nenhum Estado é capaz de acomodar as diferentes aspirações dos indivíduos. Portanto, a única solução possível perpassa a manutenção da liberdade máxima aos indivíduos, que podem, assim, perseguir, cada qual, a sua utopia (inexiste uma única utopia social). Ao Estado caberia manter o monopólio da força tão somente para defender os direitos individuais.

 9)    Hayek, por sua vez, demonstrava preocupação com a democracia das massas. Segundo Hayek, haveria uma propensão à arbitrariedade e à opressão pela regra da maioria, bem como o perigo de que a regra da maioria fosse progressivamente substituída pela regra dos agentes públicos. Assim, Hayek defende que, num sistema democrático, deveria haver limites para as ações do povo, caso contrário inexistiria qualquer garantia de que as decisões tomadas pela via democrática seriam boas. O povo seria a fonte do poder, mas o seu poder deveria ser limitado pelo dever de observância da liberdade. Para Hayek, o liberalismo seria a doutrina dedicada a investigar como a lei deve ser, enquanto a democracia seria a doutrina dedicada a analisar a maneira com que a lei é determinada. O Estado de direito (rule of the law) limitaria, assim, as decisões majoritárias.

 10)Uma das principais críticas de David Held à Nova Direita relaciona-se com a constatação de que exercer a liberdade individual não depende somente da sujeição às mesmas regras de direito (igualdade formal), mas também do nível de condições materiais e culturais disponíveis ao indivíduo, o que deslegitimaria a liberdade como o valor fundamental a ser observado pelo regime político.

Participação, liberdade e democracia

 11)Durante as décadas de 1970 até o início da década de 1990, a “democracia participativa” representou o principal modelo contrário à “democracia legal”. Este modelo teórico questiona a ideia de que os indivíduos são iguais e livres nas democracias liberais. Ou seja, o reconhecimento formal dos direitos não é importante quando somente uma parcela destes é efetivamente desfrutada pelos cidadãos.

 12)Os teóricos da democracia participativa defendem que o modelo do Estado liberal está fadado a manutenir e a reproduzir condições de parcialidade e dependência. As eleições seriam mecanismos incapazes de assegurar a accountability necessária e requerida das forças envolvidas com o governo.

 13)Assim, para se atingir a liberdade e o desenvolvimento individual, o Estado deveria ser democratizado por intermédio do envolvimento direto e contínuo dos cidadãos com a regulação da sociedade. Macpherson, teórico da democracia participativa, defendeu que a transformação adviria de um sistema que combinasse a competição entre os partidos e a organização de instrumentos de participação democrática direta.

 14)A efetiva participação dos cidadãos dependeria de uma percepção de que a oportunidade de influenciar as decisões realmente existe. Se, por outro lado, a participação dos interessados é marginalizada, dificilmente a cultura de participação seria incentivada. Ainda, há que se considerar que as pessoas provavelmente estarão mais interessadas em participar de decisões que lhes afetam diretamente (nível local) do que em decisões de nível nacional. De todo modo, os teóricos da democracia participativa defendem uma abertura democrática fluida entre os níveis local e nacional, a fim de se fomentar a participação.

 15)A crítica de David Held ao modelo teorizado para a democracia participativa relaciona-se com a ausência de enfretamento de questões cruciais de implementação deste modelo, bem como da notória dificuldade de se estabelecer um sistema que depende da participação de cidadãos comuns que, hoje, não demonstram tanto interesse pela participação no gerenciamento da sociedade e da economia.

Item 8 – Democracia após o comunismo soviético

 16)O capítulo explora o debate ocorrido na Europa Central e Oriental no final da década de 1980 e início da década de 1990, com destaque para a tese levantada por Fukuyama a respeito do fim do socialismo e da vitória do liberalismo, bem como a resposta teórica de Alex Callinicos, no sentido de que a vitória do capitalismo, bem verdade, não representou o fim do marxismo ou do modelo de democracia direta.

O cenário histórico

 17)As mudanças políticas ocorridas em 1989 e 1990 em diversos países da Europa Central e Oriental (Polônia, Hungria, Alemanha Oriental, Bulgária, Romênia e Checoslováquia) reduziu a acentuada divisão que existia entre os Estados capitalistas democráticos e os Estados socialistas. As revoluções ocorridas nos Estados socialistas buscavam transformações democráticas que diminuíssem o tamanho do Estado e permitissem a criação de uma sociedade civil independente, num ambiente em que os cidadãos pudessem perseguir suas escolhas independentemente da orientação política estatal.

O triunfo da economia e da política liberal?

 18)Diante deste cenário, Francis Fukuyama publicou, dentre outras, a conhecida obra “O fim da história” (1989). A tese de Fukuyama suportava a confidência na supremacia dos valores ocidentais, defendendo que a economia e a política do modelo liberal representava a última forma de evolução ideológica, ou seja, a melhor forma de governo possível. Segundo Fukuyama, o confronto de ideologias fora o motor do desenvolvimento da história humana, tendo chegado ao seu auge com o liberalismo. Os eventuais conflitos existentes, provenientes de doutrinas religiosas ou nacionalistas, não teriam qualquer significância universal, pois seriam resultado da ausência de inserção integral daqueles indivíduos que ainda remanesceriam alheios ao modelo da sociedade liberal.

 19)A tese de Fukuyama reforçou a teoria da Nova Direita, no sentido de que a morte do socialismo estaria proclamada e que a proeminência do mercado e do Estado mínimo seria a única alternativa viável e legítima.

 20)A crítica de David Held refere-se ao fato de que, ainda que, eventualmente, correta, a tese de Fukuyama não considera a existência de múltiplos modelos de liberalismo. Da mesma forma, Fukuyama não explora as tensões existentes entre o liberalismo e a democracia, sobretudo em relação às possíveis fronteiras impostas à democracia pela liberdade. Ainda, ao conferir grande legitimidade à livre economia, a tese de Fukuyama negligencia a influência do mercado no processo democrático, especialmente em relação à restrição e à limitação imposta pelos poderes econômicos. Ainda, David Held menciona os acontecimentos pós 11 de setembro como constatações de que os padrões ocidentais permanecem sendo questionados por grupos que carregam ideologias distintas.

Uma renovada necessidade de marxismo e de democracia que vem da base?

 21)Alex Callinicos, um dos defensores mais ferrenhos do marxismo clássico, sustenta que a democracia liberal não honrou com as suas promessas. O modelo liberal falhou porque não efetivou a participação política, o governo responsivo aos interesses da coletividade e a liberdade para protestar e de reforma. Dessa sorte, Alex Callinicos defende e reafirma o marxismo clássico como a resposta teórica à insuficiência do modelo liberal, dando ênfase à participação democrática direta da classe trabalhadora. Para tanto, Callinicos interpreta que o período em que a União Soviética foi governada por Stalin seguiu uma doutrina distorcida do marxismo e que, na realidade, o que havia vencido, em 1989, não teria sido a democracia, mas o capitalismo. Callinicos defende, então, como resposta ao modelo liberal, marcado pela exploração e pela desigualdade, um modelo de democracia direta, de cunho marxista, com o objetivo de atingir a autodeterminação e a emancipação da classe trabalhadora, num movimento de autoconsciência e de independência da imensa maioria, em favor dos interesses da imensa maioria.

 22)A crítica de David Held encontra guarida no fato de que a o marxismo, ao rejeitar a noção de política como atividade independente, acaba por marginalizar ou excluir da política todas as questões que não podem ser reduzidas ao confronto de classes. Da mesma forma, diversos dos problemas apontados como próprios do capitalismo, na realidade, são anteriores a este, como a desigualdade de gênero e a discriminação étnica, por exemplo. Ainda, David Held afirma que o marxismo não fornece resposta ao desafio de não suprimir todas as diferenças individuais em sua busca pela correlação entre o livre desenvolvimento do indivíduo com o livre desenvolvimento da coletividade. Por fim, David Held discorda da interpretação de que o período Stalinista representou uma aberração do projeto marxista, uma vez que, na verdade, teria sido uma de suas possíveis consequências.

 23)Como conclusão do capítulo, David Held indica que, a despeito das diferentes interpretações sobre as revoluções que derrubaram os Estados socialistas, pode-se afirmar que a história não chegou ao fim, tampouco as ideologias. Ainda que o liberalismo possa ser qualificado como o regime dominante, o marxismo não foi extinto.

Item 9 – Democracia deliberativa e a defesa do espaço público

 24)Este capítulo tem como objeto a preocupação com a qualidade da democracia, da qual se extrai o receio de que da abertura democrática resulte o governo por uma massa despreparada e pouco informada.

 25)Esta questão perpassa o reconhecimento de que, historicamente, os diferentes modelos de democracia encontraram justificativa em duas principais categorias: (i) a democracia como modelo finalístico de participação política, fundamental para a auto-organização e para a realização do indivíduo; ou (ii) a democracia como um modelo instrumental para a proteção do indivíduo contra as arbitrariedades dos governantes e de terceiros, ou seja, como um meio para proteger a liberdade dos cidadãos e para manter o mínimo necessário para que os indivíduos persigam os seus objetivos.

 26)Segundo David Held, o modelo de democracia deliberativa, que representa, dentre os modelos apresentados na obra, o desenvolvimento teórico mais recente, está voltada a analisar meios para desenvolver a qualidade da democracia. O seu objeto de investigação não se restringe ao aumento da participação democrática, mas estende-se também à natureza e à forma com que essa participação é desenvolvida. Busca-se, assim, a promoção de debates por participantes bem informados, o uso público da razão e a perseguição imparcial da verdade.

Razão e participação

 27)Os defensores da democracia deliberativa dão destaque às preferências resultantes de processos reflexivos e refinados. De acordo com este modelo, as decisões políticas racionais decorrem da consideração apurada dos fatos, das consequências futuras e dos efeitos que decorrerão sobre as esferas jurídicas de terceiros. O grande desafio, portanto, é encontrar procedimentos que permitam a formulação de preferências cuidadosamente consideradas, consistentes, socialmente validadas e justificadas. Assim, a fonte de legitimidade das decisões está mais vinculada ao processo de formação da decisão do que ao atendimento das vontades predeterminadas dos indivíduos.

 28)O desenvolvimento qualitativo da democracia, portanto, requer o atendimento do princípio da reciprocidade, em que é necessário perceber o processo de formação das decisões por meio de uma perspectiva multilateral, enfrentando os variados pontos de vista envolvidos na questão. Para tanto, torna-se necessário, também, pensar nos mecanismos que operam as democracias, sobretudo no tocante à formação de novos pontos de vista ou de reforço de pontos de vista já existentes.

Os limites da teoria democrática

 29)As democracias contemporâneas envolvem uma escolha entre a participação equânime de cidadãos relativamente incompetentes ou a participação desigual de uma elite de cidadãos mais bem preparados. Nota-se que os debates públicos nas democracias contemporâneas são superficiais e que os votantes restam nitidamente afastados, alienados e desconectados do processo político. A escolha de candidatos torna-se uma decisão supérflua, de menor relevância para os cidadãos.

 30)Perante este cenário, defende-se que a democracia deve ser repensada para oferecer aos cidadãos uma nova forma de participação – e não apenas maiores poderes de decisão. Esta nova forma de participação envolve a concessão de oportunidades para o exercício inteligente do poder que cada cidadão possui como membro da sociedade. Há que se perceber que o exercício de uma decisão política exerce influência sobre terceiros, de modo que a racionalidade neste modelo somente poderá ser exercida, como sustenta Habermas, quando em conjunto com a ideia de justificação externa das preferências. Entende-se, neste sentido, que o simples aumento de participação não colabora com o problema da qualidade da democracia: há uma carência em seu aspecto deliberativo.

Os objetivos da democracia deliberativa

 31)A teoria da democracia deliberativa defende que a legitimidade política da formação das decisões e do autogoverno está condicionada à prévia deliberação pública de cidadãos livres e iguais. A legitimidade não é extraída da simples manifestação da maioria; antes, requer razões defensáveis e explanações num processo de formação decisória.

 32)Entende-se que a democracia deliberativa supera a limitação dos pontos de vista individuais, uma vez que pode transformar, pelo compartilhamento de informações, o entendimento de problemas complexos da sociedade. Ainda, a deliberação pública pode revelar como algumas decisões estão vinculadas a ideologias, oportunizando, assim, o contraponto teórico em busca da melhor solução. Por fim, a democracia deliberativa substitui a linguagem dos interesses pela linguagem da razão.

Defesa da posição de imparcialidade e a sua crítica 

 33)A defesa da imparcialidade como requisito para a democracia deliberativa envolve a plena abertura para distintos pontos de vista. Torna-se necessário, inclusive, que o indivíduo se coloque hipoteticamente na posição de um terceiro, para que sejam verificadas as possíveis consequências de uma decisão tomada no âmbito democrático (tal como na posição original teorizada por John Rawls). Busca-se, dessa forma, encontrar o ponto de vista socialmente mais aceitável a partir de uma posição moralmente imparcial. O objetivo é realizar testes com as diferentes justificativas e os diferentes princípios envoltos numa decisão, visando a encontrar o melhor argumento para a ação, cujos princípios seriam universalmente aceitos.

A crítica

 34)Amy Gutmann e Dennis Thompson criticam a tese da posição de imparcialidade como pressuposto para a boa decisão, rejeitando a noção de que a deliberação em condições perfeitas (sem coerção e sem relações de poder) são necessárias para legitimar leis ou políticas públicas. O que se deve procurar, segundo os autores, é compreender a natureza e o significado das deliberação que ocorrem em condições não ideais.

 35)O pressuposto da crítica é de que os interesses entre os indivíduos sempre serão distintos, razão pela qual uma decisão proveniente da posição de imparcialidade resultaria um absolutismo moral: a busca pelas melhores razões ignoraria os motivos pelos quais aqueles determinados sujeitos defendem razões contrárias.

 36)Em vez disso, os cidadãos deveriam buscar argumentos que minimizam a rejeição pelos defensores da posição oposta, evitando conflitos desnecessários, convergindo o máximo de pontos de vista possíveis. Critica-se, portanto, o modelo em que um argumento vence, enaltecendo-se o modelo em que o objetivo é o mútuo entendimento.

 37)Ademais, a posição de imparcialidade requer algo que é virtualmente impossível: o cidadão deve transcender as suas particularidades durante o processo de deliberação, ou seja, se despir de suas subjetividades, o que somente é possível em teoria. Por fim, a ideia da posição de imparcialidade reprime as diferenças sociais, pois busca reduzir a diversidade e a complexidade de posições.

Institutos da democracia deliberativa

 38)Em que pese as diferenças antes apontadas, os teóricos da democracia deliberativa compartilham do ceticismo a respeito dos modelos contemporâneos de democracia liberal e conferem grande importância ao processo de deliberação que antecede a tomada das decisões. O grande desafio, então, é encontrar formas para que a deliberação democrática seja exercida.

Votações deliberativas e Dias de deliberação

 39)As votações deliberativas representam um instituto em que uma amostra da população é aleatoriamente selecionada para participar de um processo intensivo de deliberação a respeito de algum assunto de interesse público. A ideia é reunir uma amostra representativa da população, por alguns dias, num único lugar, com o objetivo de deliberar sobre uma questão. O processo de deliberação envolve a apresentação de especialistas sobre o tema e debates entre os participantes. Assim, comparam-se os resultados entre as opiniões emitidas antes e depois do processo de deliberação, a fim de verificar as possíveis mudanças de opinião a partir da compreensão mais aprofundada do tema debatido. Este instituto tem função auxiliar e complementar aos demais institutos políticos da democracia liberal. Os Dias de deliberação são semelhantes às votações deliberativas, mas foram planejados para durar um único dia e para serem acompanhados de perto pela mídia. O objetivo é estimular a participação e o engajamento popular sobre questões de relevante interesse público.

Júri de cidadãos

 40)Trata-se de um instituto similar às votações deliberativas. Da mesma forma, a sua promoção pressupõe que os cidadãos são capazes de tomar decisões reflexivas sobre questões públicas complexas. Neste instituto, o resultado do júri de cidadãos tem o propósito de aconselhar os governantes em relação a temas controversos. Assim como nas votações deliberativas, a deliberação é precedida por testemunhos de especialistas e confronto de argumentos.

Expansão dos mecanismos de feedback do eleitor e de comunicação aos cidadãos

 41)O desenvolvimento de mecanismos de feedback aos eleitores também é considerado como um modo de desenvolver a qualidade da deliberação pública. Estes mecanismos podem combinar tecnologias da comunicação (televisão, rádio, internet), bem como podem ser desenvolvidos tanto pelo setor público como pelo setor privado. Há uma proeminência dos espaços públicos virtuais de discussão, em que as novas tecnologias colaboram para uma relação público-privada mais aproximada. Os custos destes meios de aproximação democrática são bastante reduzidos e a possibilidade de desenvolver o engajamento social é significativa.

Educação cívica e financiamento público de instituições deliberativas

 42)O estimulo à formação cívica e o financiamento público de associações civis que promovem práticas deliberativas também são encampados pelos teóricos da democracia deliberativa. Espera-se que, com isto, haja um reengajamento político de cidadãos e, eventualmente, o surgimento de uma cultura abrangente de participação cívica.

O valor do pluralismo e a democracia

 43)Das diversas questões envoltas neste capítulo, aquela referente ao “por que deliberar?” é a que tende a receber pontos convergentes, dentre os quais, o fato de que a qualidade do processo decisório deve estar no centro do debate público, bem como que a racionalidade política é inseparável da ideia de justificação exterior. No entanto, remanesce aberta a questão sobre a eventual mudança paradigmática que a democracia deliberativa seria capaz de imprimir.

Como citar e referenciar este artigo:
SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Fichamento de David Held – Modelos de Democracia – capítulos 7, 8 e 9. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2013. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/teoriapolitica/fichamento-de-david-held-modelos-de-democracia-capitulos-7-8-e-9/ Acesso em: 29 mar. 2024