Teoria Política

A Contribuição do Pensamento Maquiavélico para a Contemporaneidade – Ricardo Silva

 

SILVA, Ricardo. Maquiavel e o conceito de liberdade em três vertentes do novo republicanismo. Revista brasileira de ciências sociais, nº 72, fevereiro de 2010.

 

 

1 As diferentes interpretações a respeito da contribuição do pensamento político de Maquiavel

 

Maquiavel é possivelmente um dos autores mais comentados e criticados no campo das ciências políticas de todos os tempos. Não á toa que a lide de O Príncipe, sua obra mais conhecida, se popularizou e o termo maquiavélico se tornou de uso geral, pejorativo, muito embora geralmente empregado de forma desvinculada a uma real crítica à obra. Entretanto a visão de ‘professor de tiranos’ vem sendo há algum tempo contestada e chega-se a mencionar Maquiavel como “o mais extraordinário amante da liberdade de todos os tempos[1]”.

 

 

1.1    O senso comum a respeito do pensamento maquiavélico

 

Máximas como “Os fins justificam os meios” e “[…] Pois o homem que queira professar o bem por toda parte é natural que se arruíne entre tantos que não são bons”, deram a Maquiavel denominações como “professor do mal”[2] e “o mais inescrupuloso conselheiro de tiranos de todos os tempos”. Tais interpretações levam à crença numa contribuição negativa do pensamento maquiavélico, associada à legitimação dos governos tirânicos, defesa do absolutismo ilimitado, apologia à violência, à maldade e à limitação das liberdades individuais. É importante, entretanto, ressaltar que talvez essas idéias sejam um tanto quanto injustas e estejam alicerçadas em interpretações muito superficiais das obras de Maquiavel. Desta forma, devemos considerar também interpretações que tratam Maquiavel sob facetas distintas.

 

 

1.2   As novas interpretações a respeito dos ideais de Maquiavel

 

Diversos autores identificam uma importante componente de ironia em O Príncipe, conforme sustentado por Jean Jaques Rousseau: “Maquiavel, fingindo dar lições aos reis, deu-as ele, e grandes, aos povos”. Sob essa perspectiva, ao expor as técnicas e estratégias utilizadas pelos tiranos, Maquiavel permite que o povo as identifique e delas se proteja, dando inegável contribuição à causa da liberdade.

 

No campo político, Maquiavel aprofunda idéias sobre o Estado, inclusive lançando as bases de uma organização assentada sobre valores pátrios, ou seja, um Estado Nacional. De certa forma, a preocupação que Maquiavel tinha por Florença mostra preocupação nacionalista e deixa entrever as possibilidades de um Estado Nacional. As contribuições nas teorias republicanas e democrática encontram-se entre os legados do autor, conforme sustentado por Rousseau que deu ênfase a integridade republicana de Maquiavel. James Harington e John Milton que também acreditam no caráter republicano de O Príncipe, utilizam a obra como subsídio para a justificação do movimento contra a coroa num contexto revolucionário anti-absolutista inglês, movimento esse que irá, um século depois, influenciar o sistema de idéias associado à revolução norte-americana. McCormick ressalta que a democracia de Maquiavel reúne num só modelo os principais pólos de debate atual a respeito do assunto, superando um dos grandes problemas das democracias contemporâneas: a dificuldade do povo soberano manter o controle sobre os seus representantes. “Assim como nas abordagens formal ou minimalista, ele especifica e justifica mecanismos eleitorais para o controle da elite”.

 

Sob o aspecto jurídico, também vemos contribuição maquiavélica no modelo de direito atual, pela defesa da imprescindibilidade das leis para a manutenção de um Estado sólido. A criação e legitimação do poder político estaria sujeita “à criação de uma tessitura social e constitucional que permitisse o desenvolvimento de energias cívicas”.

 

Mas talvez a mais significativa contribuição de Maquiavel tenha sido no ramo social, principalmente no tocante à defesa da liberdade. A orientação do pensamento de Maquiavel pelo ideal de liberdade é consenso entre os neo-republicanos e defendida por Busini, que trata Maquiavel como “o mais extraordinário amante da liberdade de todos os tempos”. Também são características maquiavélicas a crítica à corrupção e manipulação do setor religioso, bem como a crítica aos modelos da ciência histórica, que concentrava a atenção em grandes nomes, esquecendo do povo em geral, verdadeiro protagonista da história. Maquiavel também traz à tona temas como a importância individual e social da participação política dos cidadãos.

 

Vale-se ressaltar, por fim, que tais apontamentos não se encontram de forma explícita nas obras de Maquiavel, mas são o produto de cuidadosas interpretações feitas por diferentes autores em diferentes tempos e lugares. Muito embora deva-se considerar o caráter subjetivo da interpretação, é inegável a contribuição de Maquiavel para o modo de pensar e agir nos dias atuais, e o peso do autor sobre os modelos jurídico-políticos das sociedades atuais.

 



[1] Apud Baron, 1961, p.217.

[2] Strauss, 1958 p. 9.

Como citar e referenciar este artigo:
HOFFMANN, Gustavo Knaesel. A Contribuição do Pensamento Maquiavélico para a Contemporaneidade – Ricardo Silva. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/teoriapolitica/a-contribuicao-do-pensamento-maquiavelico-para-a-contemporaneidade-ricardo-silva/ Acesso em: 28 mar. 2024