Direito Internacional Público

Relações Diplomáticas e Consulares

TEXTO: BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,1997. P.367-386.

 

 

Relações Diplomáticas e Consulares

 

 

A diplomacia compreende todos os meios pelos quais os Estados estabelecem ou mantêm relações mútuas, comunicam uns com os outros ou interagem politicamente ou juridicamente, sempre através dos seus representantes autorizados. Fazem-se então as missões diplomáticas. As regras jurídicas que regem as relações diplomáticas estão codificadas na Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas, contando hoje com cerca de 150 estados participantes.

 

Aspectos jurídicos gerais das relações diplomáticas

 

 

Objeto: o artigo segundo da Convenção de Viena dispõe que “o estabelecimento de relações diplomáticas entre Estados e o envio de missões diplomáticas permanentes efectuam-se por consentimento mútuo” (p. 369). O direito de legação consiste na capacidade de um Estado ou Organização Internacional em receber ou de enviar diplomatas.

Relação com o reconhecimento: o reconhecimento é uma condição para o estabelecimento e manutenção de relações diplomáticas. Já estas não necessariamente são conseqüências dele.

Fundamento dos privilégios e imunidades: a essência das relações diplomáticas é o exercício de funções de Estado pelo governo acreditante no território do Estado receptor mediante autorização deste último. Tendo recepcionado o Estado acreditante, cabe ao acreditado proporcionar os devidos privilégios e “imunidades”.

Cumprimento de deveres jurídicos pelo Estado anfitrião: são tomadas várias medidas tanto legislativas como administrativas. O Estado deve demonstrar um cuidado especial para o pessoal diplomático e para as instalações.

Funções das Missões: o artigo terceiro da Convenção de Viena dispõe tais como:

-representar o Estado acreditante perante o Estado receptor;

-proteger no Estado receptor os interesses do Estado acreditante dentro dos limites do Direito;

-negociar com o governo do Estado receptor;

-promover relações amistosas entre acreditante e receptor;

-informar-se por todos os meios lícitos das condições do Estado receptor.

 

Cabe ressaltar que nada da presente convenção impede o exercício das relações consulares.

 

 Pessoal, instalações e facilidades das missões diplomáticas.

 

a) Classificação do pessoal: o artigo primeiro da Convenção de Viena divide-os em:

1. Pessoal diplomático, ou seja, os membros da missão que têm categoria diplomática.

2. Pessoal administrativo e técnico, tal como auxiliares administrativos e arquivistas.

3. pessoal do serviço que são os empregados da própria missão.

b) Chefes de missão: pessoa encarregada pelo Estado acreditante de agir nessa qualidade.

O artigo quarto da Convenção de Viena estabelece que o Estado acreditante deverá certificar-se da pessoa que recebeu o agrément do Estado receptor, bem como este não está obrigado a justificar ao Estado acreditante a recusa do agrément.   

 A assunção dos poderes regulados pelo artigo 13 da mesma convenção considera-se que o chefe de missão assumiu as suas funções no Estado receptor quando tiver apresentado as suas credenciais ou quando tiver notificado a suas chegada e entregue uma cópia autenticada das suas credenciais no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Os chefes de missão dividem-se em três classes: (art 14)

-embaixadores ou núncios acreditados perante Chefes de Estado e outros chefes de missão de categoria equivalente;

-enviados, ministros e internúncios acreditados perante Chefes de Estado;

-encarregados de negócios acreditados perante Ministros dos Negócios Estrangeiros.

c) nomeação de membros que não o chefe de missão: o Estado acreditante pode nomear qualquer pessoa como membro da missão. No caso dos adidos do exército, navais ou aeronáuticos, o estado receptor pode exigir prévia nomeação para aprovação.

O tamanho da missão é controlado pelo estado receptor. (art 11), bem como a recusar funcionários de determinada categoria.

d) cessação de funções de pessoal diplomático individual:

O Estado acreditante a qualquer hora pode cessar suas funções através de uma notificação ao Estado receptor. Já o Estado receptor, ao declarar o chefe de missão persona non-grata ou qualquermembro da missão não aceitável, faz com que o Estado acreditante retire a pessoal em causa ou cesse suas funções. Uma pessoa pode ser declarada non-grata antes mesmo de entrar no território.

e) Instalações e facilidades (art 25): o Estado receptor dará as facilidades para o desempenho da função da missão. Ë garantida liberdade de circulação de membros da missão e livre comunicação, tudo para fins oficiais.

 

4) A Inviolabilidade das missões diplomáticas (art 22)

 a) Instalações: uma conseqüência necessária para o funcionamento da missão é a proteção das instalações de interferências externas.

As instalações são invioláveis. Não a reserva para nenhuma situação emergencial. Os agentes do Estado receptor não podem nela entrar sem o consentimento do chefe da missão. Cabe ao estado receptor tomar medidas para proteger as instalações. Além disso, os objetos da instalação não podem ser objetos de busca, apreensão ou outra medida de execução.

 

b) Asilo diplomático: a Convenção de Viena não contém qualquer disposição sobre o asilo diplomático. Omite-se porque não se reconhece asilo para infratores políticos ou qualquer outro.

c) arquivos, documentos e correspondência oficial: documentos da missão são confidenciais em qualquer momento e onde quer que se encontrem.

 

5) A inviolabilidade dos representantes diplomáticos (art 29)

 

“A pessoa do representante diplomático é inviolável. Não pode ser objeto de qualquer forma de prisão ou detenção O Estado receptor trata-lo-á com o devido respeito e adoptará todas as medidas adequadas para impedir qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade ou dignidade”. (p.376)

Art 30: a residência de um representante diplomático goza de inviolabilidade assim como seus documentos e correspondência.

 

6) Imunidades pessoais face à jurisdição interna

 

a) Em geral os representantes diplomáticos gozam de imunidade de jurisdição de Tribunais nacionais, e não de uma isenção substantiva. Pode renunciar essa imunidade para então ser aplicado o direito interno. Exemplo: reconvenção

b) Imunidade de jurisdição penal: (art 31, 1) o representante goza de imunidade de jurisdição penal no Estado receptor. Pode ser considerado persona non-grata caso as acusações sejam graves.

c) Imunidade de jurisdição civil: (art 31,1) o representante também goza de imunidade civil e administrativa exceto:

– ação real sobre imóvel particular, salvo se em nome do Estado para fins da missão;

-ação sucessória ao qual figure o representante;

-ação relativa à outra atividade liberal exercida pelo representante longe de suas funções.

d) Renúncia: (art 32) Renúncia expressa por parte do Estado acreditante.

 

7) Imunidade de jurisdição para a prática de atos oficiais (ratione materiae)

 

No caso de atos oficiais a imunidade é permanente, uma vez que é do Estado acreditante. A respeito dos atos privados a imunidade é eventual cessando quando o indivíduo deixa seu posto. A definição de atos oficiais não é óbvia, pois se questiona a asserção “no cumprimento” dos deveres oficiais.

 

8) Imunidades à aplicação de determinada legislação interna

 

Certas imunidades à aplicação do direito interno são secundárias ao corpo principal de privilégios e imunidades. Existe uma isenção de impostos diretos. Contudo os indiretos são cobrados (aqueles cujo valor já está embutido no produto, sem desvencilhá-lo).

 

9) Outros aspectos da imunidade

 

a) Beneficiários das imunidades: Os representantes diplomáticos, que não sejam nacionais ou que não residam permanentemente no Estado receptor, beneficiam dos privilégios e imunidades enunciados nos artigos 29 a 36 da Convenção de Viena. Já os membros do pessoal e serviço da missão que não sejam residentes ou nacionais do Estado receptor, gozarão de imunidade para atos praticados no exercício das funções, isenção de impostos sobre salários pelos seus serviços e isenção do artigo 33. No caso dos representantes diplomáticos, pessoal administrativo e técnico da missão as imunidades estendem-se a seus familiares ou com quem vivam.

b) Duração dos privilégios e imunidades

A duração é regida pelo artigo 39 da Convenção de Viena. Toda pessoa que tenha privilégios ou imunidades gozará deles a partir do momento em que entrar no território do Estado receptor para assumir seu posto, ou se já se encontrar no país quando o Ministério dos Negócios estrangeiros for notificado. Quando terminarem as funções tais privilégios e imunidades cessarão normalmente.

 

10) Relações Consulares

   Os cônsules distinguem-se dos representantes diplomáticos por sua função e seu estatuto jurídico. São representantes dos Estados para fins específicos, não sendo a eles concedido o tipo de imunidade de legislação e de jurisdição e de jurisdição coerciva do Estado receptor. Dentre as funções incluem a proteção dos interesses do Estado acreditante e dos seus nacionais, o desenvolvimento de relações econômicas e culturais, a emissão de passaportes e vistos, a administração dos bens nacionais do Estado acreditante, registro de nascimentos, óbitos e casamentos, na região ao qual foi designado.

O cônsul necessita da autorização do Estado acreditante (comissão) e do Estado receptor (“exequátur”). As instalações do cônsul não estão vedadas ao acesso do Estado receptor. Arquivos e documentos são invioláveis. Os membros do consulado não estão sujeitos à jurisdição das autoridades judiciais e administrativas do Estado receptor. Os artigos ao uso do consulado estão isentos da aduana, estando os membros do consulado eu não o pessoal de serviço, isentos de prestações públicas, serviços militares. Estão sujeitos à jurisdição penal e civil que não praticados em atos oficiais, à tributação local.

Os cônsules de carreira estão isentos de tributação e de direitos aduaneiros. As instalações consulares estão isentas de tributação. Mas podem ser acessadas por agentes do Estado receptor.

Artigo 41

Os funcionários consulares não estão sujeitos a prisão ou detenção na pendência de julgamento, exceto no caso de crime grave.

 

11) Missões especiais

 

Os Estados utilizam frequentemente a diplomacia ad hoc ou missões especiais. São variadas as funções, como por exemplo, o de um chefe de governo assistir a um funeral no estrangeiro. Estas missões ocasionais não possuem um estatuto especial em Direito Consuetudinário. Beneficia-se dos princípios ordinários baseados na imunidade soberana e nas condições expressas ou implícitas do convite ou autorização que o Estado acreditante recebeu.

 

12) A prevenção e punição dos crimes praticados contra pessoas protegidas internacionalmente

 

Em conseqüência dos atos de violência com conotações políticas dirigidos a diplomatas e outros funcionários internacionais a Assembléia geral das Nações Unidas adotou a Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crimes Praticados Contra Pessoas Protegidas Internacionalmente. Homicídio, rapto ou outra ofensa praticada contra a pessoa ou liberdade de uma pessoa protegida internacionalmente estarão sofrendo penas grave e sendo os alegados infratores extraditados e julgados pelo direito interno.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O estudo do presente texto sobre as relações diplomáticas e consulares demonstra as três espécies de representação: missão diplomática, representações consulares e também de representação de Estados a Organizações Internacionais. A convenção de Viena de 1961 tratou de regular as relações diplomáticas, já à de 1963 as relações dos cônsules.

Cada Estado possui um direito de legação, seja ele ativo ou passivo (de enviar ou receber diplomatas, respectivamente). Cabe aos diplomatas representar, negociar, proteger interesses nacionais do Estado acreditante, trata-se de uma função de caráter político. O local de missão é inviolável. O representante diplomático e os membros do pessoal diplomático possuem imunidades, como direito de inviolabilidade pessoal, de sua residência, além de privilégios fiscais, previdenciários e não estão sujeitos à jurisdição penal naquele país, nem a civil, não sendo os objetos da missão passíveis de execução. Os familiares e os que vivem conjuntamente, desde que não sejam nacionais do Estado receptor, estão sujeitos às mesmas imunidades.

Os cônsules possuem funções de caráter personalíssimo. Protegem pessoas físicas e jurídicas, desenvolvem relações comerciais e culturais, expedem vistos e passaportes, fazem casamentos, registram óbitos, nascimentos e fazem o alistamento eleitos ou militar, dentro de uma determinada região. Não estão sujeitos as mesmas imunidades dos diplomatas, portanto podem ser presos, caso cometam crimes graves.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
SIVIERO, Filipe. Relações Diplomáticas e Consulares. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/dip/diplomacia-consul/ Acesso em: 29 mar. 2024