Direito e Tecnologia

Da Chave de Fenda ao Laptop – Bianchetto

RESUMO DO LIVRO “DA CHAVE DE FENDA AO LAPTOP – Tecnologia Digital e Novas Qualificações: Desafios à Educação”, de Lucídio Bianchetti

Juliana Pereira Rodrigues*

O livro está dividido em seis capítulos, os quais estão subdivididos em alguns tópicos que se desenvolvem basicamente em redor das TICs, (tecnologias de informação e comunicação) e a maneira como elas vem sendo implantadas dentro das empresas.

1. A Polêmica em torno do Processo de Qualificação

A questão do processo de qualificação dos trabalhadores é cada vez mais complexa e de difícil definição. ”De um lado o capital, enquanto sujeito social que detém a primazia da direção e controle do processo de trabalho, põe e dispõe o quando, o como e o quanto de capacidades humanas são fomentadas, produzidas e aproveitadas e, igualmente, as que são preteridas e descartadas (Machado, 1996c, p. 53)” – (página 19). De outro lado, existem os trabalhadores que apresentam de forma muito singular seus saberes tácitos, suas estratégias de trabalho. Assim, percebe-se que qualificação pode ser entendida como o saber adquirido historicamente no processo geral do trabalho.

Algumas idéias neoliberais levantam novas questões como a transição do conceito de “qualificação” para o modelo que “competência”. O trabalhador considerado qualificado é aquele que se diferencia dos demais através de seus conhecimentos e principalmente, da aplicação desses conhecimentos, através de sua maneira de tratar certas situações e de se mostrar interessado aos novos aprendizados e sempre atento nos fatos corriqueiros ou não ao seu redor. Se destacar como um profissional qualificado pode (via de regra) render vários benefícios ao trabalhador, como estabilidade profissional e melhorias salariais. A noção de competência sobre qualificação tende a trazer novos conhecimentos na área da educação e do trabalho, tornando os conhecimentos anteriores defasados.

Existem outros pontos a serem levantados a respeito da divisão do trabalho: divisão internacional e de gênero. “Antônio Ermírio Moraes [afirma]: Os países ricos pregam o liberalismo de marcado, mas praticam o protecionismo de interesses (Folha de S. Paulo, cad 1, p. 2, 06/04/07). É de se perguntar, assim, se haveria necessidade de uma ‘qualificação’ própria para quem cria e outra para quem consome tecnologia.” (p.22). Quanto à divisão de gênero do trabalho, o autor, Lucídio Bianchetti, comenta sobre o pensamento de Hirata, ao colocar essa questão primeiramente como de cunho social, ou seja, é necessário entender a sociedade e seus preconceitos culturais para passarmos ao estágio do trabalho. De uma forma generalista, a sociedade ainda tende a exclusão da mulher no campo do mercado de trabalho, defendendo a teoria do critério de qualificação por gênero.

Há ainda a questão da disputa e o individualismo decorrente da busca pela “superqualificação”.

1.1. Qualificações (tele)tácitas

A possibilidade de comunicação e de troca de informações entre as empresas é um novo conflito que provém das novas tecnologias de informação e comunicação. A comunicação entre os trabalhadores de diversas empresas do mundo, tornou o campo do conhecimento do trabalho muito mais amplo. É como se o mundo se tornasse cada vez menor geograficamente. Isso possibilitou um melhoramento em alguns setores ou até mesmo nas empresas. ”Agora há uma mudança na forma e no conteúdo, pois ‘as qualificações individuais combinam-se de tal forma que a capacidade de inovação do grupo é mais do que a simples soma das partes’ (Reich, 1993, p. 128), trazendo como corolário que não basta reunir um grupo de trabalhadores, como se isto fosse garantia suficiente à inovação e ao trabalho neste novo contexto”.(p. 25).

Uma outra questão de discussão é o vão que há entre tarefas prescritas e tarefas realmente praticadas. O saber tácito que cada trabalhador adquire com o tempo e de forma peculiar não é novidade e ainda: anteriormente, esses saberes eram passados e trocados entre esses indivíduos de maneira muito subjetiva, diferentemente do que vem acontecendo nos últimos tempos, com as novas tecnologias de informação e comunicação. O contato, a troca de idéias, de conhecimento entre os trabalhadores vem sendo cada vez mais estimulada, afim de que haja uma maior transformação tecnológica, organizacional e gerencial nas empresas.

1.2. As empresas como organizações qualificantes

Há, com as inovações tecnológicas e a informatização da sociedade, uma crescente demanda de aprendizado por parte dos trabalhadores no próprio local de trabalho. Ou seja, o local onde supostamente se colocaria em prática seus conhecimentos providos da escola, está assumindo o papel pedagógico escolar.

“A questão instigante a investigar aqui é encontrar o tempo-espaço de cada instituição a fim de que, de um lado, a escola não se isole, encastelando-se numa suposta neutralidade e promovendo uma educação que não se preocupe em estabelecer nexos com a realidade mais ampla. De outro, é preciso assumir que a escola não pode simplesmente ser colocada a reboque da empresa.” (p. 29).

Qualificação está ligada com a capacidade ultrapassar os limites dos conhecimentos básicos, diferenciando-se dos demais, firmando-se no emprego, e se realizando como trabalhador, satisfazendo as necessidades da empresa.

2. Tecnologia de Informação e Comunicação e a ‘Sociedade do Conhecimento’

2.1. As novas tecnologias de informação e comunicação – TICs

As tecnologias estão ocupando um espaço cada vez maior no campo do trabalho, desempenhando funções de extrema importância, diminuindo fronteiras entre tecnologias e setores, até mesmo criando novos termos. As novas TICs possibilitam a transmissão de conteúdos vinculados a um novo espaço e tempo. A telemática, que surgiu da junção entre informática e telecomunicação, configurou um novo espectro tecnológico, onde se fica cada vez mais difícil distinguir o que é da computação ou da telecomunicação. Toda essa inovação trouxe consigo e a flexibilidade e integração entre as empresas. No pensamento econômico, houve uma redução nos custos, no espaço e no tempo de circulação e, assim, maior capacidade produtiva para as empresas.

Essa junção também mudou a forma de trabalho no sentido de que as pessoas e os setores não trabalham mais de maneira tão dividida e subdividida e nem trabalham mais focados na matéria em si, e sim num produto mais abstrato, subjetivo, fazendo com que haja uma maior ampliação na capacidade de abstração do trabalhador. Tudo isso força o trabalhador a construir novas qualificações e procurar novos conhecimentos.

Há uma subjeção do trabalho por conta da explosão da tecnologia. E também por conta dessas novas tecnologias, as pessoas, os países e os blocos ficam mais vulneráveis, já que o sistema financeiro fica fragilizado com a desmaterialização do dinheiro e com a economia simbólica no comando. O fato é que as novas TICs se apresentam como estratégia global do capitalismo, tornando a globalização cada vez mais possível e real, mas também traz o estresse aos trabalhadores, submetendo-os às novas exigências de qualificação para com os novos equipamentos.

2.2. As novas TICs e o redimensionamento das categorias de espaço e tempo

Sabemos que as tentativas de inovações estão apoiadas na diminuição do tempo e do espaço, havendo uma “preocupação com a reorganização do espaço do trabalho, com o controle do tempo e com a disciplinarização dos trabalhadores” (p.41).

Com todas essas transformações rápidas, com novas formas e conteúdos de trabalho, o maior “beneficiado” foi o mundo capitalista (com a criação do mercado mundial, redes de circulação e consumo…). Porém, “discutem-se, hoje, os efeitos de sua aplicação, o seu acesso, aspectos éticos, axiológicos e teleológicos, entre outros, porém num ponto parece não haver dúvidas: é uma tendência dominante.” (p.45).

2.3. O papel estratégico das novas TICs e as relações entre informações e conhecimento

A informação se tornou um “material” de consumo, uma mercadoria com valor econômico do consumo cada vez mais evidente, que trouxe mudanças do processo de produção e circulação, já que a própria informação se apresenta como produtora de mercadorias e também como uma mercadoria em si. Anteriormente, nós tínhamos na informação um meio para alcançarmos algum fim, agora, ela se tornou um fim que gira em torno de si mesmo.

“O estranho é que, por artifícios de linguagem e com o suporte facilitador de sua veiculação pelas novas TICs, são fabricadas imagens que interferem no processo de construção dos conceitos […] Uma das primeiras decorrências da instituição da sociedade do conhecimento […] é a mágica extinção dos conflitos de classe, bem como da eliminação entre regiões, países e blocos.” (p. 52). Nessa nova característica social, nem é mais possível se falar em mão-de-obra, já que o trabalho não tem mais essa posição manual, atuando em grande parte na área do conhecimento.

2.4. Ressignificando o nexo entre informação e conhecimento

Obter informações é o passo primordial para se formular e se chegar ao conhecimento, mas também é preciso que seu possuidor ativo, para que a partir dos dados de informações nasça o conhecimento. Podemos caracterizar, assim, o conhecimento como sendo dependente das atitudes individuais de cada homem, tendo uma possibilidade maior de desenvolvimento por meio das novas TICs, que possibilitam grande veiculação de informações. È importante enfatizar que apenas adquirir grande quantidade de informações não significa desenvolvimento, mas é preciso atitude humana para que essas informações se tornem úteis.

4 A Qualificação na Visão dos Dirigentes, Engenheiros e Operadores de uma Empresa de Telecomunicações

Nesse capítulo o autor desenvolveu linhas de pensamento através de entrevistas com funcionários da empresa de Telecomunicações de Santa Catarina (Telesc). Através dessa pesquisa foi possível ter uma visão mais crítica e detalhada da realidade da empresa.

Foi possível constar que realmente, as preocupações estão voltadas para a qualificação. As novas tecnologias abriram uma discussão em torno dos termos “desqualificação” e requalificação. Sanemos que a troca de habilidades do trabalhador não é nada simples, como se estivéssemos simplesmente trocando alguma peça de lugar e substituindo por outra. É mais complexo e trabalhoso do que isso.

“Analisando os aspectos quantitativos da questão verificamos que houve, nas próprias palavras de um diretor entrevistado, um acréscimo geométrico dos serviços oferecidos, ao passo que o crescimento do número de empregados obedeceu a uma progressão aritmética.” (p.87). Levando em conta o modo como as novas tecnologias e a forma de gerenciamento que vem sendo implantadas nas empresas, podemos analisar as conseqüências trazidas aos trabalhadores, ainda desprovidos do conhecimento necessário para abstrair tamanha mudança no sistema de trabalho.

“Subjetivamente falando, a mudança de base tecnológica, neste caso com a passagem da tecnologia análoga para o uso da tecnologia digital, é uma experiência vital, vivenciada pelos trabalhadores entre oscilações que vão de extremos de euforia aos de prostração.” (p.88).

4.1. O processo de migração da tecnologia análoga à digital

Segundo o autor, esse foi um processo de grande mudança para os entrevistados, tanto no aspecto do espaço físico, como em equipamentos, qualificação, ou seja, tanto em termos tecnológicos, quanto em termos comportamentais.

Alguns acreditam que as novas tecnologias proporcionaram para os trabalhadores uma maior sofisticação no ambiente do trabalho, e que, com a preparação dada pela empresa, os trabalhadores estariam aptos ao novo meio de trabalhar. No entanto, para muitos deles, principalmente para os mais antigos, esse processo de mudança é visto como radical e de difícil adaptação, “reclamam da falta de política de transição e de como estas inovações tecnológicas desabaram sobre eles.” (p. 93).

4.1.1. Cultura empresarial e transformação tecnológica

Com essas transformações tecnológicas as empresas devem saber diferenciar aquilo que deve ser mudado (para que haja desenvolvimento e evolução) e o que deve ser preservado (para que a empresa não perca determinadas características próprias). O que não é nada fácil, segundo depoimentos dos próprios engenheiros, dirigentes ou operadores entrevistados. Porém o que mais preocupa é como os novos equipamentos e as novas tecnologias digitais devem ser introduzidas, sob quais condições trazer a inovação para a empresa.

Assim percebemos que a empresa voltou-se de forma preponderante para q questão tecnológica e deixou a qualificação do trabalhador em segundo plano. Tendo, esse, que se encaixar nesse novo ambiente por sua própria conta. Tudo isso é muito impactante para o trabalhador que se vê obrigado a deixar de lado seu conhecimento que foi construído ao longo de toda sua experiência, antes, válida, de trabalho. É como se sua qualificação não valesse mais diante das novas tecnologias, fazendo com que o trabalhador se sinta ameaçado.

“Considerando que os responsáveis pelo setor de Benefícios, Segurança e Medicina do Trabalho poderiam nos fornecer indicações das decorrências dessas transformações na saúde física e psicológica dos trabalhadores, fizemos entrevistas com esses profissionais que trouxeram evidências reveladoras. Do ponto de vista deles as mudanças tecnológicas e a possibilidade de novos trabalhadores na empresa estão provocando medo, angústia e uma maior incidência de doenças ocupacionais diversas.” (p.106).

4.2. Percepção da diferença entre as tecnologias analógica e digital

Segundo o próprio autor, uma primeira percepção, até mesmo para quem pouco ou nada entende de telecomunicação, seria o ambiente físico. No ambiente analógico os equipamentos de comutação e transmissão ocupavam grande espaço, preenchendo enormes salas, os trabalhadores falavam alto, havia muito barulho até mesmo dos próprios equipamentos, já no ambiente digital, os trabalhadores apontam outra postura; se vestindo de forma mais refinada, mantendo um outro nível de contato e comunicação entre si.

Há também uma grande diferença na forma de operar o trabalho. Nas formas análoga, o “operador podia testar, improvisar pois uma interrupção nas comunicações ou o restabelecimento delas em condições precárias, com a presença de interferências eletromagnéticas, era algo possível e perfeitamente aceitável. No sistema digital não existe o funcionar mais ou menos: ou transmite, ou não transmite. Isso leva o operador a ter que pensar e se estressar ainda mais do que antes, pois um comando errado pode ‘deletar’ uma programação” (p. 109). O problema é que o trabalhador acaba sendo afetado por dois lados, o de ter que entender que seus conhecimentos anteriores já não são mais indispensáveis para a empresa, e o de ter que correr atrás da evolução e se adaptar aos novos meios de produção de trabalho para não se tornar defasado, e descartado pela empresa.

4.3. Conhecimento da tecnologia análoga: condições para ingressar na digital?

Para os técnicos que trabalharam muitos anos com a prática da tecnologia análoga, o conhecimento e o “domínio do sistema de funcionamento dos equipamentos” (p.117) são indispensáveis para se obter bons resultados na tecnologia digital. Para esses, saber que seus antigos conhecimentos não têm mais valor abala de certa forma sua postura emocional. Alguns trabalhadores, inclusive, apresentam resistência ao ter que se desfazer daquilo que faz parte de sua história. É como se seu saber tácito o fizesse se sentir útil em seu meio de trabalho. Grande parte dos operadores acredita que a prática e o conhecimento adquirido na tecnologia análoga facilitam a visão sistêmica que o novo modelo de trabalhador precisa ter para desempenhar seu papel. Já na perspectiva dos engenheiros e gerentes principalmente, a passagem pela tecnologia análoga tornou-se inteiramente dispensável, argumentando que as tecnologias, análoga e digital, são diferentes, e que dispõem de diferentes conhecimentos e qualificações.

4.5. Desafios à criatividade e possibilidade de satisfação dos operadores no confronto entre as diferentes tecnologias

Os desafios à criatividade por parte dos trabalhadores, principalmente por parte daqueles inseridos na cultura da tecnologia análoga, é muito grande, já que em suas visões, sua criatividade está sendo suprimida pela nova tecnologia. Assim, percebemos que a insatisfação entre esses não é incomum. Já quanto aos gerentes, esses afirmam que sua criatividade está em função das novas tecnologias, mantendo o cuidado para manter o equipamento em funcionamento. A satisfação desses últimos está em função do resultado obtido com um dia de trabalho.

“Um aspecto parece ter ficado evidente nas entrevistas: os desafios à criatividade dos operadores ou as possibilidades de eles desenvolverem e manifestarem suas qualificações tácitas vêm restringindo-se na mesma proporção que a inteligência humana vai sendo objetivada no instrumental de trabalho. Na medida em que o objetivo é aproximar-se da marca ‘zero defeitos’ ou de ‘diminuir as exceções’, o espaço para a criatividade diminui. ‘A criatividade do técnico está em, se em defeito ocorre, (ver) o que pode ser feito para esse defeito não ocorrer mais’ (Gerente). A satisfação que advém de trabalhar na digital é de ‘fazer aquilo que o equipamento não é preparado para fazer’ (Engenheiro). Paradoxalmente, é pela rigidez da tecnologia analógica, pelas poucas opções que disponibiliza, que atuar nela exige mais criatividade. O espaço para a intervenção e para a improvisação é muito grande, acabando por favorecer que cada técnico seja desafiado a desenvolver e manifestar suas qualificações tácitas.” (p. 140).

Não há quem não concorde que as tarefas mais pesadas e cansativas devam ser deixadas para as máquinas, mas o “perigo” está em: até onde isso não afeta a capacidade ativa do trabalhador. Muitas vezes as máquinas usam de sua “inteligência artificial” e executam os “trabalhos pensantes”, enquanto que o homem, sem mais opções, executa o trabalho sem exercer a força mental (o trabalho burro).

Com as antigas revoluções nas indústrias e no trabalho, sabemos que essa problemática de adequação dos trabalhadores a novos meios de aplicação do trabalho não é uma questão nova, porém, a situação atual apresenta algumas peculiaridades, como a velocidade em que tudo está acontecendo e como os trabalhadores são inseridos num novo meio e não tem tempo para abstraírem o que está acontecendo.

4.6. A intensidade do processo de trabalho

As intensificações no período e quantidade de trabalho aumentaram em proporções imensas desde o período das tecnologias análogas até a chegada das tecnologias digitais. Segundo alguns depoimentos, nas tecnologias análogas, os trabalhadores tinham um conhecimento mais específico em cima de determinada central e que por isso, sua preocupação baseava-se em cuidar para que essa central continua-se funcionando perfeitamente. Caso alguma coisa desse errado, ele já sabia o que fazer para reverter o problema. E então o trabalhador não se sentir pressionado e sua rotina era mantida sem maiores problemas. Já com a chegada da tecnologia digital, e “embora, formalmente, a jornada de trabalho tenha sido mantida e, em alguns setores, até reduzida, não é difícil perceber o quanto, por outros meios, a empresa se apropria dos tempos, do trabalho, lazer e vida dos trabalhadores.” (p. 148).

De uma forma mais genérica, observamos que a quantidade de trabalho manual, de esforço físico, realmente pode ter sofrido diminuições, mas a quantidade de trabalha mental, de informações que um indivíduo precisa ter para realizar seu trabalho é muito maior e consequentemente muito mais estressante do que antes era. De certa forma, o trabalhador ao se vê preso as suas obrigações apenas no expediente de trabalho, mas ele leva suas preocupações profissionais para dentro do âmbito familiar e pessoal, o que pode gerar para esse indivíduo sérios distúrbios de comportamento.

4.7 Especialista versus generalista

“Atualmente o canário nas empresas […] é bem diverso: a diminuição do número de postos hierárquicos está apontando para uma maior horizontalização e permeabilização na estrutura organizacional; os equipamentos estão se tornando cada vez mais integrados e flexíveis; os trabalhadores estão sendo mais desafiados a abstraírem peças, equipamentos ou partes do processo do trabalho e visualizarem a sistemática de funcionamento do conjunto da empresa.” (p. 156).

Para os dirigentes e engenheiros, o caminho para um melhor desenvolvimento da empresa é buscar trabalhadores com conhecimento generalizado, que possam desempenhar trabalhos em equipe, assim a empresa não fica dependente de determinado funcionário que é especialista em algum equipamento. Um generalista, que conhece um pouco de cada equipamento está mais apto para manter o funcionamento do sistema, enquanto que o especialista, que conhece perfeitamente apenas um equipamento está mais apto para colocar o sistema em funcionamento. Então, se o sistema já estiver em funcionamento, o generalista consegue mantê-lo.

Levando em consideração em divergências entre as duas categorias, o autor conclui este capítulo afirmando que a transformação de especialista em generalistas formará novos especialistas, nesse caos, especialistas em informática, já que no futuro tudo será feito a partir de software. (p.169).

5. A Qualificação num Contexto de Transformações Tecnológicas, Organizacionais e Gerenciais Aceleradas

Com tanta inovações e tamanha digitalização do quotidiano de qualquer cidadão, as pessoas precisando readaptar suas vidas dentro do espaço e tempo que lhes é oferecido, tentando encaixar alta produtividade, superação tecnológica, convívio social e lazer dentro de uma agenda lotada de tarefas. Essas inovações tecnológicas atingem também a educação escolar da nova geração que está sendo formada, abrindo um imenso vão aquilo que se aprende e aquilo que se pratica.

5.1. A constituição do espaço-tempo do saber tácito no contexto das transformações atuais

“Da mesma forma que ocorreu com as qualificações em geral, na especificidade no campo das qualificações tácitas instaurou-se um processo conflitivo. As novas tecnologias disponibilizam um enorme potencial para a padronização e a incorporação desses saberes nos softwares que vão possibilitar autogerenciamentos e dispensas demão(cabeça)-de-obra. Os trabalhadores, por seu turno, mesmo sabendo da importância desses saberes para si – individual e coletivamente – e premidos pela necessidade do emprego para a produção da sua existência, se sentem coagidos a disponibilizar esses saberes que lhes seriam tão úteis para manter/ampliar o seu poder de barganha. Nesse jogo fica difícil estabelecer onde começa e termina o consentimento e a expropriação.” (p.174).

5.1.1. A constituição do campo das qualificações tácitas

Como a permanência do trabalhador em certo setor, este vai adquirindo conhecimentos inerentes a sua atividade. A adaptação ao trabalho e a forma como o desenvolve se torna pessoal de cada trabalhador, como se cada trabalhador agisse de forma intuitiva e não codificável. Esses conhecimentos, que permitem ao indivíduo modificar e inovar no processo real do trabalho, chamam-se “qualificações tácitas”.

6. Novas Tecnologias, Novas Qualificações: Desafios à Educação

As novas tecnologias trazem novos debates a respeito do tempo e do espaço de trabalho, fazendo-se necessário que as formas de aprendizado também acompanhem esse desenvolvimento tecnológico. A atualização e adaptação da escola é muito importante na formação dos novos trabalhadores qualificados para o mercado de trabalho.

6.1. Relação escola-empresa do ponto de vista dos dirigentes, engenheiros e operadores da empresa pesquisada

“Se pensarmos em termos de necessidade de uma maior ou menor escolaridade formal, não há como deixar de perceber que as empresas passaram de uma postura extrema na qual se colocavam na dependência do sistema formal de ensino ao arregimentar os seus técnicos e engenheiros, até o momento atual em que, em virtude de um constantemente criticado descompasso da escola em relação ao mundo do trabalho, os nossos entrevistados chegam a afirmar ser possível prescindir ela.[…] Esse prescindir, contudo, se refere à escola que está aí, isto é, à forma como ela está funcionando hoje e não propriamente à necessidade da escolarização, genericamente falando.” (p. 206 e 207)

O conhecimento adquirido na escola tornou-se tão defasado que, hoje, as próprias empresas estão fazendo o papel social de educadoras. As escolas já não conseguem satisfazer as demandas das empresas, seus ensinamentos não condizem com o que as empresas buscam. Com isso, o diploma de um trabalhador já não é um artifício que tenha muita força para seu ingresso no mercado de trabalho; e o trabalho nas empresas está se tornando em “aulas práticas”, trazendo para o indivíduo a competência necessária para ser um bom trabalhador.

A educação formal não é vista como dispensável, mas também não é suficientemente capaz de desfazer a insatisfação das empresas. O fato é que as escolas ainda ensinam os métodos antigos de funcionamento de um sistema de uma empresa, por exemplo, passando adiante formas superadas de trabalho.

6.2. As relações escola-empresa: confrontando posições

6.2.2. Reação defensiva dos educadores

Essa reação “tem se caracterizado muito mais por uma defensividade do que por propostas concretas para esta mesma escola. E assim, enquanto no plano do discurso afirma-se uma polarização mutuamente esterilizante, a estratégia ativa dos empresários tem se mostrado mais eficiente. A posição predominante do empresariado e internacional tem sido a de ignorar olimpicamente a reação dos educadores. […] E, paralelamente a este posicionamento dos empresários, o pouco conhecimento do mundo do trabalho por parte dos educadores tem contribuído para que acabem se tornando vítimas do seu próprio discurso.” (p. 225 e 226)

Conclusão

Com a supremacia da tecnologia digital, chegamos ao ponto de podermos falar em nova revolução, como sinal de grande transformação tecnológica.

Falar de qualificação é uma questão muito ampla, pois essa nova fase tecnológica foi capaz de ampliar seu sentido e seus conflitos. Ter o conhecimento não basta, é preciso saber administrá-lo, até mesmo como mercadoria de valor econômico, e saber aplicá-lo de forma eficaz e diferenciada, sabendo, também, administrar o espaço-tempo de construção e manifestação de qualificação tácita. Mostrar-se capaz de solucionar problemas ou preveni-los também significa qualificação.

E a insistência em se mostrar o melhor trabalhador e se adaptar o mais rápido possível aos novos meios de trabalho, pode causar estresse e outro males a saúde, já que tudo isso extrapola a capacidade de se manter o homem de pé como uma máquina.

“Por fim cabe realçar que, com o potencial disponibilizado pelas novas tecnologias de informação e comunicação, tanto as instituições formais de ensino quanto os trabalhadores deverão estar alerta às atividades e funções de intermediação. Todas as atividades e funções que são passíveis de terem os seus conhecimentos e procedimentos objetivados nos softwares já estão ou serão submetidas ao processo de ‘desintermediação’, cujo resultado prático é a eliminação de postos de trabalho. Portanto a escola transmissora de informações/conhecimentos já não é mais coetânea ao espaço-tempo que vivemos. E os trabalhadores que pretendem continuar projetando um presente e um futuro trabalho numa mesma profissão, numa mesma empresa, estão apostando num futuro que se encontra em algum lugar no passado.” (p.241 e 242).

* Acadêmica de Direito na UFSC e integrante de grupo de pesquisa sobre governo eletrônico.

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Como citar e referenciar este artigo:
RODRIGUES, Juliana Pereira. Da Chave de Fenda ao Laptop – Bianchetto. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/direito-e-tecnologia-resumos/da-chave-de-fenda-ao-laptop-bianchetto/ Acesso em: 26 abr. 2024