Direito e Tecnologia

Os sete saberes necessários à educação do futuro – Morin

 

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. ed. 11. São Paulo: Editora Cortez

 

Bruno Meotti Figueiredo*

 

Capítulo I

 

    Erro e ilusão parasitam a mente humana desde o aparecimento dos primeiros homens. Existe erro na educação, na teoria da informação, erro de percepção, erro intelectual,do conhecimento, erros mentais.As projeções de nossos desejos ou de nossos medos e as perturbações mentais trazidas por nossas emoções multiplicam as chances de erros.  Poder-se-ia crer na possibilidade de eliminar o risco do erro, abdicando de toda a afetividade. Mas o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da a afetividade.

    Cada mente é dotada de potencial de mentira para si próprio, que é fonte permanente de erros e de ilusões. O egocentrismo, a necessidade de autojustificativa, a tendência  a projetar sobre o outro a causa do mal fazem com que cada minta para si próprio, sem detectar esta mentira da qual,contudo, é o autor.A própria memória é fonte de inúmeros erros. 

          

    Existem, as vezes, falsas lembranças que julgamos ter vivido,assim como recordações recalcadas a tal ponto que acreditamos jamais ter vivido.

 

    Nossos sistemas de idéias (teorias, doutrinas, ideologias)estão não apenas sujeitos ao erro,mas também protegemos erros e ilusões neles inscritos.Isso porque pela teimosia, acabamos resistindo a outras verdades.

 

    A racionalidade é a melhor proteção contra o erro e a ilusão. Mas a racionalidade peca quando se,mistura a racionalização.A racionalização se crê racional porque constitui um sistema lógico perfeito, fundamentado na educação ou na indução, mas fundamenta-se  em bases mutiladas ou falsas e nega-se à contestação de argumentos e à verificação empírica.A verdadeira racionalidade, aberta por natureza, dialoga com o real que lhe resiste.Opera o ir e vir incessante entre a instância lógica e a instância empírica; é o fruto do debate argumentado das idéias, e não apenas a propriedade de um sistemas de idéias. A racionalidade corre risco constante, caso não mantenha vigilante autocrítica quanto a cair na ilusão racionalizadora. Isso significa que a verdadeira racionalidade não é apenas teórica, apenas crítica, mas também autocrítica.

 

    O poder imperativo e proibitivo dos paradigmas, das crenças oficiais, das doutrinas reinantes e das verdades estabelecidas determina os estereótipos cognitivos, as idéias recebidas sem exame, as crenças estúpidas não-contestadas,os absurdos triunfantes, a rejeição de evidências em nome da evidência, e faz reinar em toda partes os conformismos cognitivos e intelectuais.

 

    O impriting cultural marca os humanos desde o nascimento, primeiro com o selo da cultura familiar, da escolar em seguida depois prossegue na

 

universidade ou na vida profissional.A s crenças e as idéias não são somente produtos da mente, são também seres mentais que têm a vida e poder.

 

    Devemos estar cientes que desde o principio da humanidade encontra-se a noção de noosfera- a esfera  das coisas do espírito-.Desde então, vivemos em uma selva de mitos que enriquecem as culturas.Os mitos tomaram forma.consistência e realidade com base nas fantasias formadas por nossos sonhos e nossa imaginação.Não se trata,deforma alguma, de ter como ideal a redução das idéias a meros instrumentos e torná-las  coisas.As idéias existem pelo homem para ele, mas o homem também existe pelas idéias e para elas.Uma teoria ou idéia deve ajudar e orientar estratégias cognitivas que são dirigidas por sujeitos humanos.

 

    Vemos que o principal obstáculo intelectual para o conhecimento se encontra  em nosso meio intelectual de conhecimento. Laine disse que os  fatos eram inflexíveis.O mito e a ideologia destroem e devoram os fatos.Entretanto, são as idéias que nos permitem conceber as carências e os perigos da idéia.Daí resulta este paradoxo incontornável: devemos manter uma luta crucial contra as idéias,mas somente podemos faze-lo coma ajuda da idéias.

 

    Devemos reconhecer como dignas de fé apenas as idéias que comportem a idéia de que o real resiste à idéia. Esta é uma tarefa indispensável na luta contra a ilusão.

 

    O inesperado surpreende-nos. Deve-se esperar o inesperado. E  quando o inesperado se manifesta,é preciso ser capaz de rever nossas teorias e idéias.

 

    Necessitamos estar permanentemente atentos para evitar idealismo e racionalização. Necessitamos civilizar nossas teorias, ou seja, desenvolver nova geração de teorias abertas, racionais, críticas, reflexivas, autocríticas, aptas a se auto-reformar.

 

    As possibilidades de erros e ilusões são múltiplas permanentes: aquelas oriundas do exterior cultural e social inibem a autonomia da mente e impedem a busca da verdade; aquelas vindas do interior, encerradas, as vezes, no seio de nossos melhores meios de conhecimento, fazem com que as mentes equivoquem de si próprias e sobre si mesmas.O dever principal da educação é de armar cada um para o combate vital para a lucidez, vencendo assim os erros e as ilusões.

 

 

Capítulo II

 

    O conhecimento do mundo como o mundo, é necessidade ao mesmo intelectual e vital. É o problema universal de todo cidadão do novo milênio: como ter acesso às informações sobre o mundo e como ter a possibilidade de articulá-las e organiza-las? Para articular e organizar os conhecimentos e assim reconhecer e conhecer os problemas do mundo, é necessária a reforma do pensamento.

 

    Para que o conhecimento seja pertinente, a educação deverá torná-los evidentes. O conhecimento das informações ou dos dados isolados é insuficiente.     

 

    É preciso situar as informações e os dados em seu contexto para que adquiram sentido. Uma sociedade é mais que um contexto: é o todo organizador de que fazemos parte. A sociedade, como um todo, está presente em cada indivíduo, na sua linguagem, em seu saber, em suas obrigações e em suas normas. Comporta as dimensões histórica, econômicas, sociológicas, religiosa… O conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade. Em conseqüência, a educação deve promover a “inteligência geral” apta referir-se ao complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da concepção global. Quanto mais poderosa é a inteligência geral, maior é a sua faculdade detratar de problemas especiais.

 

    A educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver os problemas essenciais e, de forma correlata, estimular ouso total da inteligência geral. Na missão de promover a inteligência geral dos indivíduos, a educação do futuro deve ao mesmo tempo utilizar os conhecimentos existentes, superar as antinomias decorrentes do progresso nos conhecimentos especializados e identificar a falsa racionalidade. Efetuaram-se progressos gigantescos nos conhecimentos no âmbito das especializações disciplinares, durante o século XX.  

 

    Desse modo, as realidades globais e complexas fragmentaram-se; o humano desloca-se;sua dimensão biológica,inclusive o cérebro, é encerrada nos departamentos de biologia; suas dimensões psíquica, social, religiosa e econômica são ao mesmo tempo relegadas e separadas umas das outras nos departamentos de ciências humanas.A filosofia, que é por natureza a reflexão sobre qualquer problema humano, tornou-se por sua vez, um campo fechado em si mesmo.Nestas condições, as mentes formadas pelas disciplinas perdem suas aptidões naturais para contextualizar os saberes. A hiperespecialização impede tanto a percepção do global quanto do essencial. Impede até mesmo tratar corretamente os problemas particulares, que só podem ser propostos e pensados em seu contexto. Enquanto a cultura geral comportava a incitação à busca da contextualização de qualquer informação ou idéias, a cultura cientifica e técnica disciplinar parcela, desune e compartimenta os saberes, tornando cada vez mais difícil sua contextualização.

 

    Os grandes problemas humanos desaparecem em benefício dos problemas técnicos particulares. A incapacidade de organizar o saber disperso e compartimentado conduz à atrofia da disposição mental natural de contextualizar e de globalizar.

 

Não se trata abandonar o  conhecimento das totalidades,nem da análise pela síntese; é preciso conjuga-las.

 

 

Capítulo III

 

    A educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal, centrado na condição humana. Conhecer o humano é, antes de tudo, situa-lo no universo, e não separa-lo dele. Interrogar nossa condição humana implica questionar primeiro nossa posição no mundo.

 

    Uma porção de substancia física organizou-se de maneira termodinâmica sobre a Terra; por meio de imersão marinha, de banhos químicos, de descargas elétricas, adquiriu Vida. A vida é solar: todos os seus elementos foram forjados em um sol e reunidos em um planeta cuspido pelo Sol. Como seres vivos e habitantes desse planeta, dependemos vitalmente e essencialmente da biosfera terrestre; devemos reconhecer nossa identidade terrena física e biológica. 

 

    O humano é um ser a um só tempo plenamente biológico e plenamente cultural, que traz em si a unidade originária. A cultura acumula em si o que é conservado, transmitido, aprendido, e comporta normas e princípios de aquisição. Não há cultura sem cérebro humano (aparelho biológico dotado de competência pra agir, perceber, saber, aprender), mas não há mente, isto é, capacidade de consciência e pensamento, sem cultura. Há, portanto, uma tríade em circuito entre cérebro/mente/cultura. Em que cada um dos termos é necessário ao outro. Existe também a relação triádica individuo/sociedade/espécie. Os indivíduos  são produtos do processo reprodutor da espécie humana,mas este processo deve ser ele próprio realizado por dois indivíduos.As interações entre esses indivíduos produzem a sociedade e como conseqüência o mantimento da espécie.

 

Todo desenvolvimento verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana. Compreender o humano é compreender sua unidade na diversidade,sua diversidade na unidade.

 

Não há sociedade humana, arcaica ou moderna, desprovida de cultura, mas cada cultura é singular. Assim, sempre existe a cultura nas culturas,mas a cultura existe apenas por meio das culturas. As técnicas podem migrar de uma cultura para a outra, como foi o caso da roda, da atrelagem, da bússola, da imprensa.mas existe em cada cultura um capital especifico de crenças, idéias, valores,mitos e, particularmente, aqueles que unem uma comunidade singular a seu ancestrais,suas tradições, seu mortos.

 

      As assimilações de uma cultura a outra são enriquecedoras. Verificam-se também mestiçagens culturais bem-sucedidas, como as que produziram o flamenco, a música da América Latina, o raí. Ao contrario, a desintegração de uma cultura sob o efeito destruidor da dominação técnico-civilizacional é uma perda para toda a humanidade, cuja diversidade cultural constitui um dos mais preciosos tesouros. 

 

    A loucura também é um problema central do homem e não apenas seu dejeto ou sua doença.

 

    A demência não levou a espécie humana à extinção (só a energias nucleares liberadas pela razão científica e o desenvolvimento da racionalidade técnica dependente da biosfera poderão conduzi-la ao desaparecimento). Isso significa que os progressos da complexidade se fazem ao mesmo tempo, apesar, com e por causa da loucura humana. O gênio brota na brecha do incontrolável, justamente onde a loucura ronda. Assim uma das vocações essências da educação do futuro será o exame e o estudo da complexidade humana. 

 

 

Capítulo IV

 

    É preciso que compreendamos tanto a condição humana no mundo como a condição do mundo humano, que, ao longo historia moderna, se tornou condição da era planetária.Na era das telecomunicações, da informação, da internet,estamos submersos na complexidade do mundo,as incontáveis informações sobre o imenso sufocam nossas possibilidades de inteligibilidade.è a complexidade que apresenta problemas.  

 

    O planeta não é um sistema global, mas um turbilhão em movimento, desprovido de centro organizador.

 

    A história humana começou por uma disporá planetária que afetou todos os continentes, em seguida entrou, nos tempos modernos,na era planetária da comunicação entre os diversos fragmentos da diáspora humana. A diáspora da humanidade não produziu nenhuma cisão genética. Mas ela levou à extraordinária diversidade de línguas, culturas, destinos, fontes de inovação e de criação em todos os domínios. Entretanto em  1492, por meio de aventuras, guerras e morte, surge a era planetária que, desde então, leva os cinco continentes à comunicação para o melhor e o pior. 

 

    Enquanto o europeu está neste circuito planetário de conforto, grande número de africanos, asiáticos e sul-americanos acha-se em um circuito planetário de miséria.A mundialização é ao mesmo tempo evidente, subconsciente e onipresente. Pode ser percebida em todos os aspectos da vida social, seja através de marcas, músicas, gírias, alimentação….

 

    A mundialização é sem dúvida unificadora, mas é preciso acrescentar imediatamente que é também conflituosa em sua essência. O mundo, cada vez mais, torna-se uno, mas torna-se ao mesmo tempo, cada vez mais dividido. Dessa maneira, o século XX a um só tempo criou ou dividiu um tecido planetário único; seus fragmentos ficaram isolados, eriçados e intercombatentes.

 

    O século passado foi o da aliança entre duas barbáries: a primeira vem das profundezas dos tempos e traz a guerra, massacre, deportação, fanatismo. A segunda, gélida, anônima, vem do âmago da racionalização, que só conhece o cálculo e ignora o indivíduo, seu corpo, seus sentimentos, sua alma e que multiplica o poderio da morte e da servidão técnico-industriais.

 

    Pode-se igualmente pensar que todas as aspirações que nutriram as grandes esperanças revolucionárias do século passado, mas que foram frustradas, poderão renascer na forma de nova busca de solidariedade e de responsabilidade. Pode-se esperar uma política a serviço do ser humano, inseparável da política de civilização que abriria o caminho para civilizara Terra como casa e jardim comuns  da humanidade.

 

    Podemos igualmente confiar nas possibilidades cerebrais do ser humano ainda em grande parte inexploradas; a mente humana poderia desenvolver aptidões ainda desconhecidas pela inteligência, pela compreensão pela criatividade. Como as possibilidades sociais estão relacionadas com as possibilidades cerebrais, ninguém pode garantir que nossas sociedades tenham esgotado suas possibilidades de aperfeiçoamento e de transformação e que tenhamos chegado ao fim da História. Podemos esperar o progresso nas relações entre humanos, indivíduos, grupos, etnias, nações.

 

    Todos os humanos vivem os mesmos problemas fundamentais de vida e de morte e estão unidos na mesma comunidade de destino planetário. Por isso, é necessário aprender a estar aqui no planeta. Aprender a estar aqui significa: aprender a viver, a dividir, a comunicar, a comungar como humanos do planeta. Devemos nos dedicar não só a dominar, mas a condicionar, melhorar, compreender. Não se deve mais continuar a opor o futuro radiante ao passado de servidão e superstições.

 

    Nesse sentido os estados podem desempenhar um papel decisivo. De toda maneira, a era de fecundidade dos Estados-nações dotados de poder absoluto está encerrada, o que significa que é necessário não os desintegrar, mas respeita-los,integrando-os em conjuntos e fazendo-os respeitar o conjunto do qual fazem parte. A religião deve apelar à sabedoria do viver junto.

 

    O duplo imperativo antropológico impõe-se: salvara unidade humana e salvar a diversidade humana. Civilizar e solidarizar a terra, transformar a espécie humana em verdadeira humanidade torna-se o objetivo fundamental e global de toda educação que aspira não apenas ao progresso,mas à sobrevida da humanidade.

 

 

Capítulo V

 

    “Os deuses criam-nos muitas surpresas: o esperado não se cumpre, a ao inesperado um deus abre o caminho.” Ainda não incorporamos a mensagem de Ourípedes, que é a de estarmos prontos para o inesperado. Os séculos precedentes sempre acreditaram em um futuro, fosse ele repetitivo ou progressivo. O século XX descobriu a perda do futuro, ou seja, sua imprevisibilidade. Grande conquista da inteligência seria poder enfim se libertar da ilusão de prever o destino humano. Quem teria pensado, na primavera de 1914, que um atentado cometido em Sarajevo desencadearia a guerra mundial que duraria quatro anos e que faria milhões de vítimas?

 

    A história mão constitui, portanto, uma evolução linear. Conhece turbulências, bifurcações, desvios, fases imóveis, êxtases, períodos de latência seguidos de virulências, como o cristianismo, que ficou incubado dois séculos antes de submergir o Império Romano; processos epidêmicos extremamente rápidos, como a difusão do Islamismo. Mas mesmo assim não prevê o  futuro.

 

    É preciso aprender a enfrentar a incerteza, já que vivemos em uma época de mudanças em que os valores são ambivalentes, em que tudo é ligado. A educação do futuro deve ser voltar para as incertezas ligadas ao conhecimento.

 

    As idéias e teorias não refletem, mas traduzem a realidade, que podem traduzir de maneira errônea. Nossa realidade não é outra senão nossa idéia da realidade. Por isso, importa compreender a incerteza do real, saber que há algo possível ainda invisível no real. O conhecimento é a navegação em um oceano de incertezas, entre arquipélagos de certezas. A grande incerteza a enfrentar decorre do que chamamos de ecologia da ação, que compreende três princípios. O princípio da incerteza provém da dupla necessidade do risco e da precaução. Temos o principio da incerteza do fim e dos meios. Com os meios e os fins interagem uns sobre os outros, é quase inevitável que meios sórdidos a serviço de fins nobres pervertam estes e terminem por substituí-los. Toda ação escapa à vontade de seu autor quando entra no jogo das interações do meio em que intervém. A ação não corre apenas pó risco de fracasso, mas de desvio ou de perversão de seu sentido original. Pode-se, com certeza, considerar ou calcular os efeitos em curto prazo de uma ação, mas seus efeitos em longo prazo são imprevisíveis.

 

    Há efetivamente dois pra enfrentar a incerteza da ação. O primeiro é totalmente consciente da aposta contida na decisão, o segundo recorre à estratégia. A estratégia deve prevalecer sobre o programa. A estratégia, ao contrario do programa, elabora um cenário de ação que examina as certezas e as incertezas da situação, as probabilidades, as improbabilidades. Deve,  em um momento, privilegiar a prudência, em outro, a audácia, se possível, as duas ao mesmo tempo. A estratégia pode e deve muitas vezes estabelecer compromissos. O pensamento deve, então, armar-se e aguerrir-se para enfrentar a incerteza.

 

 

Capítulo VI

 

    A comunicação triunfa, o planeta é atravessado por redes, fax, telefones celulares, modems, Internet. Entretanto, a incompreensão permanece geral. Sem dúvida, há importantes e múltiplos progressos da compreensão, mas o avanço da incompreensão perece ainda maiôs.

    Educar para compreender a matemática é uma coisa; educar para a compreensão humana é outra. A comunicação não garante a compreensão.    

 

    Compreender significa intelectualmente apreender em conjunto, com-phendere, abraçar junto.

 

    Os obstáculos exteriores à compreensão intelectual ou objetiva são múltiplos.

 

    Existe o ruído que parasita a transmissão da informação, cria o mal-entendido ou não-entendido. Existe a polissemia de uma noção que, enunciada em um sentido, é entendida de outra forma. Existe a ignorância dos ritos e costumes do outro. Existe a incompreensão dos imperativos éticos próprios a uma cultura. Existe frequentemente a impossibilidade e enfim a impossibilidade de compreensão de uma estrutura mental em relação a outra.

 

    Além disso, lembramos-nos de que a possessão por uma idéia, uma fé, que dá a convicção absoluta de sua verdade, aniquila qualquer possibilidade de compreensão de outra idéia, de outra fé, de outra pessoa.

 

    Não são somente as vias econômicas, jurídicas, sociais, culturais que facilitarão as vias da compreensão; é preciso também recorrer a vias intelectuais e éticas, que poderão desenvolver a dupla compreensão, intelectual e humana. Se descobrimos que somos todos seres falíveis, frágeis, insuficientes, carentes, então podemos descobrir que todos necessitamos de mútua compreensão.

 

    Devemos relacionar a  ética da compreensão entre as pessoas com a ética da  era planetária, que pede a mundialização da compreensão. A única verdadeira mundialização que estaria a serviço do gênero humano é a da compreensão, da solidariedade intelectual e moral da humanidade.

 

    A compreensão entre sociedades supõe sociedades democráticas abertas, o que significa que o caminho da Compreensão entre as culturas, povos e nações passa pela generalização das sociedades democráticas abertas.

 

    A compreensão é ao mesmo tempo meio e fim da comunicação humana. O planeta necessita, em todos os sentidos, de compreensões mútuas. Dada a importância da educação para a compreensão, em todos os níveis educativos e em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão necessita da reforma planetária das mentalidades; esta deve ser a tarefa da educação do futuro.

 

 

Capítulo VII

 

    As interações entre indivíduos produzem a sociedade e esta retroage sobre os indivíduos. A cultura, no sentido genérico, emerge destas interações, reúne-as e lhes confere valor.

 

    A democracia fundamenta-se no controle da máquina do poder pelos controlados, e desse modo, reduz a servidão. Na democracia o individuo é cidadão, pessoa jurídica e responsável; por um lado exprime seus desejos e interesses, por outro, é responsável e solidário com sua cidade.

 

    A democracia, evidentemente, necessita do consenso da maioria dos cidadãos e do respeito às regras democráticas. A democracia necessita ao mesmo tempo de conflitos de idéias e de opiniões, que lhe conferem sua vitalidade e produtividade. A democracia constitui, portanto, um sistema político complexo, no sentido de que vive de pluralidades, concorrências e antagonismo, permanecendo como comunidade. A política fragmentada perde a compreensão da vida, dos sofrimentos, dos desamparos, das solidões, das necessidades não-quantificáveis. Tudo isso contribui para a gigantesca regressão democrática, com os cidadãos apartados dos problemas fundamentais da cidade.

 

    As democracias do século XXI serão cada vez mais confrontadas ao gigantesco problema decorrente do desenvolvimento da enorme máquina em que ciência, técnica e burocracia estão intimamente associadas. O fosso que cresce entre a tecnociência, hiperespecializada, e os cidadãos cria a dualidade entre os que conhecem- cujo conhecimento é de resto parcelado, incapaz de textualizar e globalizar- e os ignorantes, isto é, o conjunto dos cidadãos.

 

    A Humanidade deixou de constituir uma noção apenas biológica e deve ser,  ao mesmo tempo, plenamente reconhecida em sua inclusão indissociável na biosfera; a humanidade deixou de constituir uma noção somente ideal, tornou-se uma comunidade de destino, e somente a consciência desta comunidade pode conduzi-la a uma comunidade de vida; a humanidade é, daqui em diante, sobretudo, uma noção ética: é o que deve ser realizado por todos e em cada um.

 

    Não possuímos as chaves que abririam as portas de um futuro melhor. Não conhecemos o caminho traçado. Podemos, porém, explicitar nossas finalidades: a busca da hominização na humanização, pelo acesso à cidadania terrena.

 

* Acadêmico de Direito da UFSC e integrante do Grupo de Pesquisa de Governo Eletrônico da UFSC.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
FIGUEIREDO, Bruno Meotti. Os sete saberes necessários à educação do futuro – Morin. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/direito-e-tecnologia-resumos/os-sete-saberes-necessarios-a-educacao-do-futuro-morin/ Acesso em: 20 abr. 2024