Direito Ambiental

Política Ambiental Constitucional – Ferreira ver. 2

Otávio Goulart Minatto*

 

5 Política Ambiental Constitucional

5.1 Deveres ambientais

 

5.1.1 Aspectos da regulamentação dos deveres ambientais atribuídos ao Poder Público

 

Introdução

O presente trabalha indica os deveres ambientais atribuídos pela política ambiental constitucional. Expõe todas as facetas reguladas pelo Poder Público. Introduz a noção dos processos ecológicos essenciais e do manejo ecológico, bem como demonstra a política de sua defesa. Discorre sobre a regulamentação do comercio de organismos geneticamente modificados. Posteriormente, enumera os espaços territoriais especialmente protegidos. Apresenta a importância do estudo de impacto prévio, bem como elucida como se dá a gestão de riscos. Adiante, é enunciado como ocorre a política de educação ambiental e qual é a sua importância para a conscientização social e para a evolução da discussão sobre a preservação ambiental. Por fim, esclarece as legislações quanto a proteção da fauna e da flora, expressões estas já contidas na política de defesa dos processos ecológicos essenciais, mas que o legislador preferiu adentrar com legislação específica.

 

a. A proteção dos processos ecológicos essenciais e o manejo ecológico das espécies e dos ecossistemas

Um dos deveres do Poder Público, aferido pela Constituição Federal, é o de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e de prover o manejo ecológico das espécies e dos ecossistemas. A identificação dessas funções, no entanto, só encontra sentido nas definições biológicas do tema, pois o aparato jurídico nada condiz para com isto.

Por ecologia, entende-se o estudo do inter-retro-relacionamento entre os seres vivos, em todos os níveis. O emprego da expressão ecologia, no dispositivo judicial, tem como intenção garantir a relação dos elementos da natureza em conjunto. Sendo assim, processo ecológico essencial, nas palavras de José Afonso da Silva, é: “a manutenção das cadeias alimentares, os ciclos das águas, do carbono, do oxigênio, do hidrogênio, do nitrogênio, dos minerais, a produção humana de alimentos, de energia e de materiais orgânicos, inorgânicos e sintéticos com que fazem vestuários, abrigos e ferramentas”[1].

Relativo ao manejo ecológico das espécies e dos ecossistemas, é função do Poder Público a “gestão planejada” da biodiversidade. Biodiversidade é um conceito que engloba três planos distintos de diversidade: genes, espécies e ecossistemas. A constituição resolveu, no entanto, trabalhar com o plano dos genes a parte. Sendo assim, o manejo ecológico incide apenas nas outras duas esferas.

 

b. A proteção da diversidade e da integridade do patrimônio genético

O plano genético é um subconjunto da expressão biodiversidade. Por suas peculiaridades, o constituinte decidiu tratá-lo separadamente. É dever do Estado preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético brasileiro, bem como fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação de material genético[2].

Em 24 de março de 2005, a legislação sobre o patrimônio genético ganhou força infraconstitucional, com a homologação da Lei n. 11.105. A criação de tal lei surgiu em torno de uma grande discussão, sendo ela moldada para agradar a interesses econômicos, como pela liberação em escala comercial dos organismos geneticamente modificados (OGMs), desrespeitando diversas decisões jurídicas em sentido contrário.

A lei também atribuiu à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNB) o poder de decidir sobre os riscos de atividades e projetos que envolvam OGMs e seus derivados, a necessidade do licenciamento ambiental e a liberação para pesquisa e uso comercial de organismos geneticamente modificados[3]. Tal atribuição, deve-se mencionar, representa uma afronta ao exposto constitucionalmente quanto a participação de sujeitos sociais nos processos decisórios. Ao permitir que o CTNB decida de maneira única sobre as atividades ambientais, a lei exclui a incidência do setor social.

Outra agressão ao ordenamento jurídico é o fato de ser a CTNB a última e definitiva instância para decidir impasses ambientais. Essa disposição fere a legitimidade dos cidadãos e associações para interpor recursos administrativos, como preleciona a Lei n. 9.784, pois exclui tais da manutenção do equilíbrio ambiental. Essa proibição é mais uma vez observada com a instituição do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), que é o único órgão capaz de se manifestar sobre os recursos interpostos sobre assuntos referentes à biossegurança. É também dever do CNBS decidir, em última instância, os processos de uso comercial de OGMs e seus derivados, única parcela a qual o CTBN ainda permitia a participação popular.

Outra criação da Lei n. 11.105 foi o Sistema de Informações em Biossegurança (SIB), com a função de gerir as informações sobre análise e acompanhamento em geral das atividades que envolvam OGMs. O SIB é, portanto, o instrumento no qual se dará publicidade ao calendário e às atas das reuniões, aos processos em tramitação, às decisões técnicas emitidas, aos votos fundamentados de cada membro, aos registros e autorizações concedidas, bem como aos atos legais, regulamentares e administrativos que alterem, complementem ou produzam efeitos sobre a legislação em vigor[4].

Último tema trabalhado pela Lei de Biossegurança foi a estipulação das penalidades às ações ou omissões que agridam o meio ambiente. Quanto a isto, é importante salientar o caráter de tríplice responsabilização, ou seja, além de responder penal e civilmente sobre os danos, o agressor deve reparar integralmente os danos causados.

 

c. Os espaços territoriais especialmente protegidos

A constituição incumbiu o Poder Público de identificar os espaços territoriais a serem protegidos. Uma vez definidos, esses espaços não podem ser alterados, muito menos supridos, sendo que qualquer modificação feita deve advir da lei. O objetivo dessa proteção é garantir a utilização sustentada dos recursos naturais, preservando as suas características de modo geral. Isso, não deixa de ter relação com conservação dos processos ecológicos e o manejo da diversidade biológico.

Infraconstitucionalmente a Lei n. 4.771/65 já estabelecia a proteção de determinados territórios, muito antes do advento da constituição de 1988, que introduziu a matéria ambiental no texto constitucional. Procurava-se preservar os recursos híbridos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas[5]. Posteriormente, vieram as Leis n. 7.804/89 e 9.985/00, as quais instituíram novas atribuições e formulações. A Lei n. 9.985/00 estabeleceu o conceito de unidade de conservação, como sendo o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção[6].

A Lei n. 9.985/00 ainda subdividiu os espaços de proteção em dois grandes grupos. O primeiro são as Unidades de Proteção Integral, que tem o objetivo de preservar a natureza da maneira mais ampla possível, permitindo apenas o uso indireto dos recursos naturais. Fazem parte desse grupo: a Estação Ecológica, a Reserva Biológica, o Parque Nacional, o Monumento Nacional e o Refúgio da Vida Silvestre. O outro grupo é o das Unidades de Uso Sustentáveis, nas quais a preservação da natureza está relacionada com o uso racional e sustentável dos recursos advindos dela. Integram tal grupo: a Área de Proteção Ambiental, a Área de Relevante Interesse Ecológico, a Floresta Nacional, a Reserva Extrativista, a Reserva de Fauna, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável e a Reserva Particular do Patrimônio Natural. A criação de local dentro de uma dessas categorias dependerá de estudos técnicos e consultas públicas, antes de serem instituídas por lei.

Nem todas as áreas de preservação se encontram nesses dois grupos. Criada pela UNESCO e institucionalizada pela Lei n. 9.985/00 há as Reservas da Biosfera. O objetivo dessa área é criar um modelo de gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais[7]. Também certas áreas que eram protegidas por lei anterior e que foram “negligenciadas” pela Lei n. 9.985/00. Quis o legislador assim fazem para que tais fossem reavaliadas e destinadas à categoria correspondente, após os estudos técnicos necessários.

Por fim, há de ser mencionado que a própria constituição definiu cinco grandes ecossistemas que, por sua importância e dimensão nacional, devem ser objetos da proteção da biodiversidade brasileira, quais sejam: a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, o Pantanal Mato-grossense, a Serra do Mar e a Zona Costeira.

 

d. O estudo prévio de impacto ambiental

O estudo prévio de impacto ambiental (EPIA) é exigido sempre que for requerida a instalação de qualquer obra ou atividade que seja potencialmente causadora de degradação ambiental significativa. Sendo assim, o EPIA, nas palavras de Marchesan, Steingleder e Cappelli, “visa a evitar que um projeto, justificável sob o prisma econômico, ou em relação aos interesses imediatos de seu proponente, se revele posteriormente nefasto para o meio ambiente”[8].

O Decreto n. 88.351/83 concedeu ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) a competência para gerenciar o EPIA nas situações necessárias. O CONAMA, definiu o impacto ambiental, que se pretende evitar com o estudo prévio, como sendo qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e a qualidade dos recursos ambientais[9]. Importante frisar que tal definição é meramente exemplificativa, sendo o EPIA aplicado a qualquer situação que possa causar danos, mesmo que não esteja sendo citada na definição acima.

O EPIA é realizado por profissionais legalmente habilitados. Sua realização observa algumas diretrizes gerais, como: identificar as alternativas do projeto; avaliar a sistemática dos impactos ambientais que poderão ser gerados; definir a potencial área atingida; dentre outras. Os custos do EPIA são todos bancados pela empresa ou pessoa jurídica que deseja receber o licenciamento.

Concluído o EPIA, será formulado um relatório de impacto ambiental (RIMA), no qual constarão todas as conclusões do estudo. O RIMA é utilizado pelo administrador público como base para sua decisão final. Em regra, o que foi apontado no estudo é seguido. Caso o administrador assim não o faça, terá que expor os motivos para tal procedimento.

O RIMA deve ser acessível para a população em geral, que é interessada na preservação do meio ambiente. Após a entrega do RIMA, qualquer interessado, até a população, em conjunto, poderá solicitar num prazo de 45 dias a realização de uma audiência pública. Sendo solicitada, ela se torna obrigatória, sob pena de nulidade de todo o licenciamento ambiental.

Há certa discussão sobre quando existe risco de dano considerável e quando esse dano não é de proporção tão grande. Nessa zona de aproximação entre os dois conceitos, o Poder Público tem discricionariedade para decidir sobre o assunto.

A Lei n. 11.105/05 versa que o EPIA só será realizado, nos casos envolvendo OGMs, quando a CTNB assim decidir que for necessário. Com isso, a lei acaba subordinando a ação pública à decisão de um grupo de pessoas. O que se deve ser observado é que qualquer atividade que envolva modificação genética apresenta risco para o ambiente. Não é difícil de imaginar que um ser vivo colocado em ambiente que não lhe pertence pode causar danos no ecossistema de maneira irreversível. Não são poucos os casos que mostram que a migração de uma espécie de um local para outro, feita pelo homem, pode resultar na constituição de uma verdadeira praga. Sendo assim a discricionariedade da CTNB para decidir quando é necessário o EPIA para assuntos envolvendo OGMs não existe, é inconstitucional. O EPIA será realizado em todos os casos.

 

e. A gestão dos riscos

É atribuição do Poder Público controlar também a produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que possam representar risco à vida, ou à qualidade do meio ambiente. A sociedade de risco é um termo moderno, que surgiu no momento em que as grandes indústrias deixaram de lado a preocupação ambiental, primando pelos lucros. Ou seja, a sociedade aceitou viver sob o risco de degradação ambiental permanente para que o desenvolvimento fosse maior. Com a retomada da consciência ambiental, exigi-se que o Estado tome todas as medidas cabíveis para evitar ou, no mínimo, minimizar is riscos de danos potenciais. A gestão dos riscos associa-se, logo, com a avaliação das atividades potencialmente causadoras de degradações ambientais.

Um grande exemplo do controle feito pelo Estado sobre a comercialização de substância causadora de danos ambientais é a legislação quanto ao uso dos agrotóxicos. A Lei n. 7.802/89 exigiu que toda comercialização de tais produtos só poderia ser feita se fosse previamente registrada em órgão federal. O registro só é concedido após serem feitos os devidos estudos sobre o impacto ambiental. Só se permitirá a venda de certo agrotóxico se a ação tóxica sobre o ser humano ou sobre o ambiente foi igual ou inferior a produtos do mesmo gênero já devidamente registrados. Vê-se aqui a tentativa de apenas minimizar o risco, sendo a eliminação algo inalcançável nos padrões atuais. Caso o registro tenha sido feito e, posteriormente, alguma organização internacional, da qual o Brasil faça parte, apresentar estudo indicando novos riscos de um produto, é facultado ao órgão federal registrador cancelar ou manter o registro concedido.

A Lei n. 7.802/89 possibilita a determinadas organizações, como partidos políticos e entidades de defesa dos interesses difusos, requerer o cancelamento ou a impugnação do registro de um agrotóxico. Para isso, a organização deve oferecer, ao órgão federal, laudos de, no mínimo, dois profissionais habilitados e relatórios de estudos realizados em laboratório indicando os riscos consideráveis de determinado produto. O órgão federal pronuncia-se, então, sobre o deferimento ou não do pedido do requerente.

Além do registro do produto, a Lei n. 7.802 exige que qualquer empresa comerciante, ou prestadora de serviços, de agrotóxicos, deve fazer registro da empresa que trabalha com este produto. Este registro será cadastrado no Sistema de Informações sobre agrotóxicos (SIA). Criado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o SAI tem como função: permitir a interação eletrônica entre os órgãos federais envolvidos no registro de agrotóxicos, seus componentes e afins; disponibilizar informações sobre andamento de processos relacionados com agrotóxicos, seus componentes e afins, nos órgãos federais competentes; permitir a interação eletrônica com os produtores, manipuladores, importadores, distribuidores e comerciantes de agrotóxicos, seus componentes e afins; assim como manter cadastro e disponibilizar informações sobre áreas autorizadas para a pesquisa e a experimentação de agrotóxicos, seus componentes e afins[10].

 

f. A Política Nacional de Educação Ambiental

A educação ambiental deve ser promovida pelo Estado. É preciso criar nas pessoas a consciência da necessidade de preservar o meio ambiente. Fazer com que as pessoas entendam o porquê das políticas de contenção de riscos é um passo muito importante para que a esfera pública participe ativamente da preservação do meio ambiente, bem como o utilize de forma sustentável e racional.

A Lei n. 4.771/65 já mencionava a importância da educação florestal. Porém, foi a Lei n. 9.795/99 que traçou as formas da educação, entendendo-a como processo no qual o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente[11].  O princípio em enfoque é o de uma educação democrática e participativa, com respeito ao pluralismo de idéias e à diversidade cultural. Sendo assim, o objetivo da educação é o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, garantir a democratização das informações ambientais e incentivar a participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação ambiental[12].

A Lei n. 9.795/99 definiu também que a educação não deve ser feita apenas da maneira formal, ou seja, em instituições de ensino público ou privado, mas também de maneira informal, como todas as instituições que tem por função informar o público. Por isso, a responsabilidade de educar não se restringe ao Poder Público e às instituições educadoras, mas também aos meios de comunicação de massa, às empresas, às organizações públicas e privadas, etc.

A coordenação da Política Nacional de Educação Ambiental é de responsabilidade do Órgão Gestor, criado pelo Decreto n. 4.281/02, e formado pelo Ministério do Meio Ambiente e da Educação. O Órgão Gestor é responsável por: avaliar e intermediar programas e projetos na área de educação ambiental; apoiar o processo de implementação e avaliação da Política Nacional de Educação Ambiental em todos os níveis; sistematizar e divulgar as diretrizes nacionais definidas, garantindo o processo participativo; estimular e promover parcerias entre instituições públicas e privadas, objetivando o desenvolvimento de práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre questões ambientais; e levantar, sistematizar e divulgar as fontes de financiamento disponíveis no país e no exterior para a realização de programas e projetos de educação ambiental[13].

 

g. A proteção da fauna e da flora

A Constituição confere ao Poder Público a incumbência de proteger a fauna e a flora, impedindo qualquer atividade que coloque em risco sua função ecológica, provoque a extinção de espécies ou submeta animais à crueldade[14]. Fauna e flora são conceitos que já estavam contidos na expressão processos ecológicos essenciais, contudo, quis o legislador definir a proteção destes separadamente, proibindo qualquer atividade que possa interferir no equilíbrio ambiental.

A preservação de cada espécie, em sua individualidade, é essencial para a conservação do todo, pois cada uma representa uma parte da grande cadeia ecológica. O transtorno em qualquer ponto representa um abalo na estrutura em geral. Daí a necessidade de se preservar toda a fauna e flora, como cada uma em específico. Como ressalta Érika Bechara: “se a harmonia de um ecossistema repousa na interação de todas as espécies, cada qual cumprindo uma função ecológica própria, e se nenhuma espécie pode ser considerada inútil, é natural que a ausência de um elemento só que seja nesse ciclo natural deixará vazio irreparável, pois que dificilmente esse vácuo será preenchido pela espécie ‘vizinha’, por mais que semelhante”[15].

Ponto a ser discutido quando se fala em preservação da fauna é a proibição da crueldade em testes com animais. Deve-se entender que a constituição adotou um entendimento pautado no antropocentrismo alargado. Isto significa que não é qualquer ato que será repreendido. Aqueles os quais a manutenção dos direitos fundamentais da pessoa humana depende subexistirão, pois a necessidade humana se encontra acima da animal.

Quanto à regulação infraconstitucional, não há ainda nenhuma política de proteção à fauna definida por lei. O que há é apenas regulamentações parciais sobre o tema. Pode-se citar a Lei n. 5.197/67, conhecida como Lei de Proteção à Fauna, a qual estabelece que os animais de qualquer espécie, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como os seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha[16]. Contudo esse dispositivo apresenta várias lacunas como, por exemplo, permitir a caça amadora, de controle e para fim científico[17], proibindo apenas o exercício da caça profissional[18]. Outra disposição importante da Lei de Proteção à Fauna é a proibição da introdução de qualquer espécie no país sem que aja estudo do impacto prévio, juntamente com parecer técnico, para que seja expedida licença na forma da lei[19]. Observa-se, aqui, a preocupação com a harmonia ambiental, tentando-se evitar que a introdução de uma espécie estranha cause conseqüências irreversíveis, pondo em risco todo o ecossistema.

Quanto à flora, é preciso citar a Lei n. 4.771/65, que instituiu o Código Florestal brasileiro. Importante relatar que tal código estabeleceu a diferença entre flora e floresta, definindo a segunda como espécie do gênero que é a primeira. Flora é uma conceito muito mais amplo, composto por “todas as formas de vegetação úteis à terra que revestem, o que inclui as florestas, cerrados, caatingas, brejos e mesmo as forrageiras nativas que cobrem os nossos campos naturais”[20].Posta esta diferenciação determina que as florestas existentes no território nacional constituam bens de interesse comum a todos os habitantes do país[21] e elege algumas áreas a serem protegidas com o propósito de preservar o solo, os recursos híbridos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade e o fluxo da fauna e da flora[22].

 

Conclusão

A leitura do trabalho nos permite avaliar como a questão ambiental está sendo tratada no Brasil. Apesar de ser amplamente trabalhada, há ainda diversas lacunas a serem preenchidas. A falta de uma regulamentação infraconstitucional para a política de proteção à fauna é um exemplo disto. Outro problema observado é como o executivo e o legislativo consegue passar por cima dos estudos ambientais e determinar ações que vão de encontro ao objetivo de preservar a natureza. A legislação quanto ao comércio de organismos geneticamente modificados é prova de que o interesse comercial ainda é levado mais em conta do que o interesse difuso da natureza. A sociedade de risco ainda impera nos dias de hoje. Mudar essa visão antropocêntrica da relação homem-natureza é uma necessidade. Somente a partir do momento no qual pusermos o interesse difuso da natureza em destaque é que poderemos trabalhar na construção de uma utilização razoável e sustentável dos recursos naturais.

 

*Acadêmico de Direito na UFSC.

 

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[1] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. p. 90.

[2] Constituição da República, art. 225, § 1º, incisos I e II.

[3] Lei n. 11.105/05, arts. 10, 14, incs. VIII, XII XVI, § 3º.

[4] Lei n. 11.105/05 arts. 16, inc. IV e XIX; Decreto n. 5591/05, arts. 24, 58 e 59.

[5] Lei n. 4.771/65 art. 1º, § 2º, inc. II.

[6] Lei n. 9.985/00 art. 1º, caput.

[7] Lei n. 9.985/00 art. 41, caput.

[8] MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEINGLEDER, Annelise Monteiro; Cappelli, Sílvia. Direito Ambiental. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2004.

[9] Resolução n. 001/86 do CONAMA, art. 1º.

[10] Decreto n. 4.074/02, art. 94, incs. I, II, III e VI e § 1º.

[11] Lei n. 9.795/99, art. 1º.

[12] Lei n. 9.795/99, art. 5º, incs. I, II e IV.

[13] Decreto n. 4.281/02, arts. 2º e 3º, incs. I, III, IV, V e IX.

[14] Constituição Federal, art. 225, § 1º, inc. VIII.

[15] BECHARA, Érika. A proteção da fauna sob a ótica constitucional. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 54.

[16] Lei n. 5.197/67, art. 1º.

[17] Lei n. 5.197/67, art. 6º, alínea a; art. 3º, § 2º e art. 14, respectivamente.

[18] Lei n. 5.197/67, art. 2º.

[19] Lei n. 5.197/67, art. 4º.

[20] SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. p. 161.

[21] Lei n. 4.771/65, art. 1º.

[22] Lei n. 4.771/65, arts. 2º e 3º.

Como citar e referenciar este artigo:
MINATTO, Otávio. Política Ambiental Constitucional – Ferreira ver. 2. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/direito-ambiental/polamconst/ Acesso em: 29 mar. 2024