Filosofia do Direito

Resenha O que é Direito – Lyra Filho

Filipe A. B. Siviero*

 

DIREITO E LEI

 

É necessário dizer que as palavras lei e direito possuem significados diferentes. Tanto que os autores ingleses e americanos falam em Right para Direito e law para lei.

 

Numa análise sociológica, a lei emana do Estado para satisfazer os interesses das classes dominantes. Estas comandam o processo econômico, na qualidade de proprietários dos meios de produção. O Direito é assim tratado como o reflexo dos fatores reais de poder.

 

O Estado tenta nos passar a idéia que não há nada acima do que está codificado (legislado).

 

Não há contradições e todo o poder atende o povo. Nem numa legislação socialista a transformação social está completa, pois carecem de “autenticidade e adequação” jurídica.  Desde já surge a indagação central do livro: o que é o Direito? E para tal questão não há uma resposta. O Direito não é algo acabado e nem mesmo perfeito, porque provém da sociedade que está em constante mutação.

  

 

IDEOLOGIAS JURÍDICAS

 

Inicialmente denota-se o significado da palavra ideologia empregada no texto, como o conjunto de idéias duma pessoa ou grupo, o fundamento de suas opiniões. São reunidas em três categorias: ideologia como crença; ideologia como falsa consciência e ideologia como instituição.

A ideologia como crença não se faz referência especial às crenças religiosas. Há diferença entre crenças e idéias. Ortega considerava idéias como algo que adquirimos com o estudo e senso crítico. Já as crenças representam opiniões pré-fabricadas, que no vêm com o contato com a sociedade. Enfim, nem toda crença é ideologia, mas toda ideologia se manifesta como crença.

 

A ideologia como falsa crença é representada em exemplos como o do racista que prega a superioridade de uma raça em função de outra, do machista que se acha melhor em tudo que a mulher. Desta forma deforma elementos da realidade. Ela cega parte da inteligência, para forjar uma imagem que lhes seja mais favorável.

 

O marxismo propôs a explicação das origens da ideologia relacionada com os interesses e conveniências dos que controlam a vida social. Da ideologia se resulta uma espécie de maniqueísmo, de um lado os bons e dos outros os maus. A formação ideológica oriunda das contradições da estrutura sócio-econômica.

 

Assim as idéias aceitas podem mudar conforme a classe que esteja no poder. Tanto que a burguesia de outrora defensora do direito natural, foi somente alcançar o que pretendia que passou a defender o positivismo jurídico. A história comprova: as idéias guiam massas, distorcem a realidade, tudo para alcançar tais objetivos. Mas segundo Adam Schaff, a verdade é apenas um limite ideal, como uma série matemática, um limite que efetivamente vai recuando cada vez mais à medida que avançamos. E tudo isso  conjuntamente com o poder das leis tornam esse Estado de Direito uma verdadeira mentira, porque legitimam algo usado para a dominação.

 Principais modelos de ideologia jurídica

 

As ideologias situam-se entre o direito natural (jusnaturalismo) e o direito positivo (positivismo) e merecem destaque. Este preconizando a ordem estabelecida e aquele como uma ordem justa. O homem com o ser social, que vive em comunidade, é necessário que exista alguém para dizer o que é lícito ou ilícito. Para o positivista a ordem é a justiça.

 

O jusnaturalismo como uma ideologia mais antiga, acredita que as normas devem provir de algum padrão superior. Ele não cria uma superação do positivismo e sim uma contradição. O Jusnaturalismo afirma que existe um Direito natural, baseado em princípios invariantes, imortais e constantes, que deveria sobrepor-se ao Direito positivo

 

De modo, as normas impõem padrões de conduta, com ameaça de sanções organizadas sendo assim o âmago do Direito positivo. O Direito é um sistema de normas. São destacadas várias espécies de positivismo: positivista legalista (dá a lei completa superioridade); positivismo historicista (mergulha nas normas jurídicas não escritas, dos mores, dos costumes da classe dominante, caso da common law). Cabe ressaltar que o direito aparece então como uma forma de controle social. Assim as regras tais estabelecidas só podem ser alteradas segundo as vontades ditadas por essa classe dominante. Todas as diversas formas de positivismo têm como ponto de partida que a é lei e o Estado.

 

Somente o Estado detém o poder exclusivo de criar leis para manter tal ordem. Este tem o poder de organização além da “neutralidade” afirmada por Kelsen. Outro mimo da ideologia positivista é a segurança jurídica por ela criada.

 

O direito natural também possui espécies: o direito natural cosmológico é o direito como resultado da natureza, no cosmos (universo); o direito natural teleológico (direito que predominou na Idade Média e deduzia a vontade de Deus). Tal direito estruturou a aristocracia feudal. A burguesia contestou tal forma aristocrática e trouxe o jusnaturalismo antropológico, mas só foi alcançar o poder que se bandeou para o lado positivista, a fim de garantir suas conquistas formalmente através da Revolução Francesa.     

 

As ideologias refletem certas características do Direito, embora deformadas. Os positivistas conservam o Direito como a ordem social estabelecida pelas classes dominantes. Já o jusnaturalistas insistem num critério de avaliação de normas: a justiça social.

Só a dialética poderia unificar o discurso da positividade e Justiça, da elaboração de normas e de sua legitimidade, assim o Direito positivo não deve ser apoiado por complementos do Direito Natural.

 

 

SOCIOLOGIA E DIREITO

 

Não se refere à sociologia burguesa de Comte, mas à sociologia histórica de Marx e Engels. A sociologia é a disciplina mediadora da ordem e dos fatos sociais. “As abordagens histórica e sociológica são complementares. (…) toda História realmente científica é História social; e toda sociologia realmente científica é Sociologia Histórica”. (p.71)

 

O Direito para a sociologia então, nada mais é que a integração do fenômeno jurídico na vida social. Podemos falar em Sociologia do Direito e em Sociologia Jurídica. Enquanto aquela retrata e estuda a base social de um direito específico esta examina o Direito em geral como elemento do processo sociológico em qualquer estrutura. As duas formas realizam um intercâmbio. A sociologia do direito no estudo de casos particulares de casos sociológicos e a sociologia jurídica versando sobre um aspecto jurídico na vida social. De forma geral servem como intérpretes das ideologias presentes.

 

O pensamento sociológico define duas correntes: a da “estabilidade, harmonia e consenso” e a da “mudança, conflito e coação”.  

A primeira explica a raiz social dos positivismos jurídicos. Basicamente, o espaço social, composto por relações estáveis de grupos social tendendo à harmonia, produz costumes que levarão as normas sociais consensuais e legítimas; estas normas dão origem ao Estado que efetua o controle social, aceitando somente as mudanças dentro das regras que ele mesmo cria. Mas isso somente traz a legitimação das instituições que positivam tais ordenamentos. Assim acredita-se que qualquer tipo de mudança social é limitada e controlada. O direito positivo torna-se o intocável. Tudo isso faz com que contribua-se para o domínio burguês. É um modelo conservador.

 Segundo o modelo sociológico da mudança o espaço social é ocupado por uma série de grupos em conflito, o que torna o padrão da norma impossível porque esses grupos tendem a engendrar a supremacia dos seus valores. Isso torna precária a legitimidade da norma. O Estado, neste contexto, é ambíguo, agindo, num sistema indefinido, de forma repressiva exercendo o controle social dominante. É o modelo do pequeno burguês. Haveria um Direito além do modelo estatal (organização social), haveria o direito expresso nas contra-instituições.

 

A DIALÉTICA SOCIAL DE DIREITO

 

Existe uma sociedade internacional e também nela uma dialética. Sua infra-estrutura sócio-econômica baseia-se nas áreas de influência. A sociedade internacional estava dividida entre capitalistas, socialistas e não-alinhados. Havia uma coexistência pacífica. Esta infra-estrutura internacional, ao contrário das nacionais, é heterogênea, pois cada país possui o seu modo de produção específico. Já nas sociedades nacionais aparecem o domínio classista e as divisões de grupos (sejam eles étnicos, religiosos, sexuais).

 

A luta de classes movimenta a dialética social. As sociedades são compostas por forças centrífugas, que buscam a mudança (dispersão), e forças centrípetas, responsáveis pela manutenção (coesão). Desta forma as lutas entre as classes sociais provocam a existência destas forças.  Desta forma o autor propõe um modelo dialético que explica o comportamento da sociedade englobando a existência de forças contrárias.

 

A base (infra-estrutura) está sob o domínio da burguesia, dos detentores dos meios de produção. A partir de então, eles dominam os meios de comunicação, invocando princípios ideológicos que refletem na superestrutura, no Direito com rótulo de cultura, para atender os anseios dessa mesma classe. No mais, utiliza-se de um sistema de representação que legitimam o que fazem ou deixam de fazer. Não há mudança, porque essa base burguesa que comanda as regras do jogo. A massa é passiva de controle.

 

Essa luta para impedir tal círculo vicioso tem raiz internacional. O direito entre nações tende a ficar preso ao sistema de forças dominantes, porque se sabe que há exploração em razão de outros, mas mudar quem manda não depende dos oprimidos. Pois, em cada nação dos milhares de oprimidos, há também aqueles que se sujeitam as regras dos dominadores, o que dispersa o espírito de revolução. Mesmo numa sociedade socialista não são suprimidas as classes. Quando se fala em Direito e Antidireito não se referem a duas entidades abstratas, mas sim ao processo dialético.

 

Paralelamente a essa organização social, surge também uma sociedade desorganizada (exercendo uma atividade anômica, os espoliados e oprimidos criam as suas próprias instituições, mores, costumes e normas) assim as normas da cultura dominante não imperam efetivamente, criando-se a partir de então um sistema ilegítimo, tal como o poder paralelo das favelas.   O que tudo isso pode acarretar? A reforma ou a revolução.

 

Desde o estudo do homem como um ser social até a passagem pelos contratualistas e depois por Marx uma coisa fica claro em comum dentre tais pensadores: a liberdade é essência do homem. A partir de então buscou-se sempre um direito que atendesse aos interesses cada vez maiores para manter tais liberdades. Esquece-se de que nem todos são iguais e para acalentar as massas foi criada uma igualdade formal, baseada num papel.

 

LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. Editora Brasiliense: São Paulo, 1982.

 

* Acadêmico de Direito da UFSC

 

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Como citar e referenciar este artigo:
SIVIERO, Filipe A. B.. Resenha O que é Direito – Lyra Filho. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resenhas/filosofiadoreito/resenhaoqueedto/ Acesso em: 19 abr. 2024