Sociologia

Resenha Crítica do livro “Devaneios sobre a atualidade do Capital”

A recente leitura do livro intitulado “Devaneios sobre a atualidade do Capital”, publicado pela Editora CDG e de autoria dos Professores Clóvis de Barros Filho e Gustavo Fernandes Dainezi, [1] motivou a elaboração dessa breve resenha no bojo da qual se pretende apontar alguns vícios e virtudes da obra, propiciando ao futuro leitor, desde logo, uma visão crítica do trabalho.

Um primeiro aspecto muito positivo é a didática com que o tema árido das teorias marxistas é explanado pelos autores, tornando os conceitos bem mais palatáveis numa linguagem que chega à informalidade a fim de alcançar um público não somente erudito, mas também aqueles que pretendem ter noções básicas, mas pertinentes e corretas, sobre as diretrizes principais do pensamento marxista.

Não esperava outra coisa em termos didáticos, tendo em vista já conhecer o Professor Clóvis de Barros Filho por meio de suas aulas gravadas na USP e divulgadas via internet, bem como suas palestras. Quanto ao Professor Gustavo Fernandes Dainezi, ainda não conhecia o trabalho, mas, ao que se constata no livro sob comento, trilha um caminho de abertura e clareza na exposição de ideias tal qual seu coautor.

Outro ponto positivo é a iniciativa de expor, como diz o próprio título, “a atualidade do Capital”, ou melhor, a atualidade do pensamento de Karl Marx e seus sucessores. Isso em dois sentidos: a)Destacando a pertinência de muitos “insights” críticos marxistas (embora este autor não considere a obra de Marx nenhum grande monumento, nem mesmo algo fascinante, mas efetivamente um trabalho cheio de contradições, incoerências, reducionismos e, principalmente, que acabou resultando em violência e totalitarismo injustificáveis); b)Demonstrando claramente que é ilusório o sentimento de alguns liberais quanto ao fim do pensamento marxista, do movimento comunista, do socialismo, da utopia revolucionária.

Embora a obra pretenda imprimir certo tom de imparcialidade, fica nítida sua coloração tipicamente defensora das teses marxistas e sua conformação não somente como um trabalho instrutivo, mas como uma obra de cooptação e convencimento, por vezes defendendo o indefensável e promovendo inversões absolutamente nítidas.

Dessa forma, um dos efeitos que já se constata na capa do livro, é a típica incoerência entre o discurso e a ação que, aliás, marca os efeitos gerados pelo marxismo em termos políticos e, mais que isso, marca como veremos adiante, a própria figura de Karl Marx.

Explico: se é permitido fazer um resumo da ideia central do livro em defesa do marxismo, pode-se afirmar que se erige toda uma crítica ferrenha ao Sistema ou à Ideologia Capitalista, seus truques, explorações, ênfase no lucro e na propriedade privada, publicidade enganosa, simulações etc. Pois bem, várias das críticas são válidas, como já disse acima. No entanto, os autores na própria edição do livro, atuam nos exatos e mais mesquinhos modos capitalistas de ser. Recentemente foi lançado no Brasil o livro intitulado “O Capital no Século XXI”, do economista francês, Thomas Piketty, pela Editora Intrínseca. [2] Esse livro é um sucesso de vendas não só no Brasil como no mundo. E o que fazem os autores sob comento, tão ardorosos defensores do marxismo e críticos das manobras capitalistas pérfidas? Eles, logo a seguir, no embalo de um sucesso de vendas, lançam um livro de título semelhante, abordando temática também semelhante, somente que com um viés mais sociológico e filosófico e com uma divulgação que chama a atenção para a formatação mais simplificada e pedagógica do texto. Se isso não é entrar na exploração da onda de consumo e ainda por cima, apresentando um produto mais palatável aos leitores, seja em termos de linguagem, seja com relação às dimensões (o livro de Piketty tem 669 páginas, o de Barros Filho e Dainezi tem125 páginas), numa típica atuação mercadológica, eu não sei mais o que é. Para completar, a capa do livro é extremamente semelhante, quase uma cópia da capa da obra de Thomas Piketty, podendo até mesmo levar as pessoas ao engano. Para quem tiver alguma dúvida sobre o que estou dizendo, disponibilizo os links para as imagens de ambos os livros:

a)    O de Piketty:   http://www.livrariacultura.com.br/p/o-capital-no-seculo-xxi-42269836

b)    O livro de Barros Filho e Dainezi:  http://www.livrariacultura.com.br/p/devaneios-sobre-a-atualidade-do-capital-42748733

Cheguei mesmo a verificar se os autores da capa não eram os mesmos ou pelo menos a mesma editora. No entanto, são editoras diversas, como já relacionado acima, e também são diversos os autores de cada uma das capas. Além disso, tive o trabalho de verificar se havia alguma menção a autorização para a produção de uma capa assim tão semelhante, mas não o há. Dessa forma, pode-se dizer que não somente um livro onde os autores criticam as artimanhas do mundo capitalista se utiliza de típicas manobras capitalistas para venda de seu produto sem qualquer preocupação ideológica, como ainda praticamente esbarra na violação de direitos autorais, eis que dentre as obras intelectuais protegidas estão as “ilustrações” que são “desenhos, imagens e demais criações não literais que elucidam ou ornamentam obras escritas”. [3] Tanto é fato que o Tribunal de Justiça de São Paulo, em sua 7ª. Câmara Cível, na Apelação Cível 232.180 – 1/1, relator Desembargador Júlio Vidal, reconheceu “utilização indevida de obra de desenho em embalagens de produto comercial”, configurando violação de direitos autorais e impondo indenização ao violador. [4]

Pode ser que as manobras tenham partido da editora e não diretamente dos autores, mas é difícil crer que não tiveram acesso ao livro antes da publicação definitiva, afinal sabe-se muito bem que o processo de edição passa por revisões dos autores, aprovação de capa, escolha etc. No entanto, supondo que os autores não tivessem visto, tendo em conta suas convicções político – ideológicas, deveriam rechaçar a edição assim que a vissem, o que não parece ter ocorrido. Também não é de se crer que estudiosos como Barros Filho e Dainezi não estivem interados da publicação da obra de Piketty e inclusive de sua forma exterior. Ademais, a similaridade das capas seria de uma coincidência cosmológica. Certamente que há em meio a tudo isso também um componente irônico ou mesmo simbólico, indicando a proximidade das obras no que tange à temática da atualidade do pensamento marxista. Mas, isso não afasta toda a jogada de “marketing” ínsita ao caso e que, em última análise, deveria ser a última conduta de quem critica o capitalismo e defende um pensamento revolucionário nos moldes marxistas.

Antes que venham com as previsíveis alegações de utilização de algum argumento “ad hominem”, [5] deixo claro que minha crítica é à incoerência entre um discurso e uma conduta objetiva. Por obviedade, a ação tem sempre um sujeito e é deste inseparável. Fato é que, até por uma questão ética (e não só por coerência), pode-se perfeitamente exigir que as pessoas sejam capazes de viver de acordo com os discursos e teorias que apregoam para os outros.

Prosseguindo, releva adentrar ao conteúdo da obra ora resenhada criticamente. Uma das primeiras afirmações dos autores, diga-se de passagem, totalmente correta e esclarecedora do pensamento marxista, é que este é absolutamente contrário a qualquer forma “idealista de pensar”. Seu método é o do denominado “materialismo histórico” que “se apresenta como uma nova ciência” da história. [6] No seguimento apresentam a influência do pensamento de Feuerbach na formulação das teorias marxistas, especialmente em seu aspecto revolucionário, transformador. Barros Filho e Dainezi chamam a atenção para a Tese XI de Feuerbach segundo a qual “as filosofias até hoje se preocupavam em analisar o mundo, é mais do que hora de se preocupar em transformá-lo”. [7]

Novamente com acerto os autores demonstram que está em Feuerbach a raiz revolucionária e transformadora que marcará todo o pensamento de Karl Marx, levando-o a pugnar por um “mundo novo”, uma organização social, econômica, cultural e política construída sobre as necessárias ruínas da sociedade capitalista destinada à destruição ou desconstrução.

Para Marx essa transformação, com base nas ideias de Feuerbach, se daria mediante uma alteração do papel da ciência. Esta deixaria de ser tão somente descritiva do mundo para convolar-se em transformadora. Nas palavras dos autores:

“Portanto, a perspectiva da interpretação desta tese XI de Feuerbach é muito simples: a ciência não pode desempenhar o papel de reprodutora das relações de dominação dentro de um determinado espaço, e é por isso que a ciência, mais do que mera analista de um espaço, tem que ser transformadora. Ela tem que ser radicalmente transformadora de um espaço porque ele é indesejável, ruim, apequenador, infeliz”.  [8]

Um primeiro aspecto a ser observado e que, aliás, faça-se justiça, é citado pelos autores mais adiante, é que tanto Feuerbach como Marx são bastante ingênuos quanto à natureza da ciência, não se apercebendo que ela também pode ser um instrumento de dominação. Hoje as tecnologias à disposição do Estado são capazes de uma invasão da vida do indivíduo jamais imaginada pelos maiores tiranos da antiguidade. E isso deriva do desenvolvimento científico – tecnológico. Novamente é preciso fazer justiça e esclarecer que, em primeiro lugar seria um anacronismo terrível pretender que Feuerbach e Marx tivessem uma antevisão dos desenvolvimentos científico – tecnológicos dos séculos XX e XXI (Afinal, seriam eles pensadores ou profetas?). Depois, é também necessário, sob pena de anacronismo, acrescer que ambos viveram e produziram num período de efervescência e entusiasmo exacerbado com relação à ciência e suas potencialidades (é bom lembrar que é também no século XIX que emerge o Positivismo cientificista de Augusto Comte e prosélitos, o qual ainda hoje exerce influência nos pensamentos). Seria demais exigir imunidade a essa tendência de seu tempo de Feuerbach e Marx. Outro aspecto, este não abordado em momento algum no livro, é que esse afã de transformação radical de um mundo indesejável, como todo radicalismo, é absurdo ou ao menos leva ao absurdo. É impossível que a totalidade das coisas seja indesejável e cause infelicidade continuamente, merecendo uma reforma inapelável. Aliás, se esse pensamento é levado a sério e a ferro e fogo, então o mundo jamais teria qualquer espécie de estabilização, nada jamais mereceria ser preservado, incluindo a ciência, o marxismo, o socialismo, obras de arte e assim infinitamente. O mundo se tornaria um brinquedo de massinha de moldar nas mãos de uma criança insatisfeita com suas obras.

Barros Filho e Dainezi apresentam uma crítica isenta e escorreita da pretensão de Marx em desenvolver um pensamento concomitantemente materialista e revolucionário. Essa não é uma crítica original dos autores, mas uma reprodução intelectualmente correta e honesta deles quanto a essa problemática apontada por diversos críticos do marxismo. Isso porque o materialismo é inseparável do determinismo. Quando se é guiado por uma noção materialista do mundo e do próprio homem, tudo quanto existe e ocorre é algo inexorável, inevitável e produzido por forças naturais, reações químicas, movimentos etc., não restando qualquer brecha para alterações de percurso e muito menos para qualquer espécie de metafísica. A questão posta a Marx é a seguinte:

“Mas como? Ou eu sou materialista e aceito a inexorabilidade do devir a partir de suas condições materiais dadas, ou eu sou revolucionário e creio na possibilidade  de interceder na cadeia de causalidades redirecionando-as”. [9]

Quando creio que inclusive o homem, a sociedade humana e a história são regidas por um princípio unicamente materialista não creio em “destino” porque este é ligado a uma concepção religiosa ou mística como se pode observar nas obras da Grécia Antiga e sua Mitologia. Não seria, portanto, a concepção grega de “destino” que faria um imaginário Édipo materialista indagar:

“Vale a pena fazer uma coisa que já estava feita quando você ainda não existia? O que somos todos nós, se até a vontade mais secreta de seu sangue já existia antes que você nascesse e tudo já estava dito”? [10]

Esse Édipo materialista não acreditaria em “destino”, mas também não acreditaria em livre – arbítrio, liberdade, alterações de rota. Sua crença cega seria em um determinismo igualmente cego, guiado tão somente por coisas materiais, quantificáveis, matematizáveis, palpáveis. Apenas ocorreria que, de acordo com tal pensamento, de certa forma similar ao “destino”, o determinismo conduziria, por razões exclusivamente materiais, a certos resultados inevitáveis. Daí se falar em “leis da natureza”, as quais não são propriamente “leis” como as conhecemos no sentido jurídico ou moral, ou seja, como pertencentes às categorias do “dever ser”, mas “leis” em um sentido bem diverso, o qual as coloca na categoria do “ser”.

Na verdade o materialista em geral e não somente o histórico, enfrenta um problema de legitimidade que os autores não chegam a aprofundar uma vez que seu objetivo precípuo é a doutrina marxista. No entanto, é de suma importância compreender esse óbice à legitimação de qualquer afirmação, pensamento ou ideia materialista. Acontece que se o mundo e o homem são apenas matéria e se tudo que fazemos é determinado por essa matéria sem nosso controle real, senão imaginário, então tudo resulta de processos químicos, físicos, biológicos, fisiológicos comuns a toda humanidade e a todo o mundo existente. Dessa forma o que eu escrevo não tem significado algum, tal qual não o tem a formação de nuvens pela evaporação de água. Tudo é apenas um processo natural e material. Mas, eu não sou materialista e então posso questionar isso. Já o materialista, a partir de sua própria afirmação, invalida tudo o que tenha dito ou venha a dizer, já que não merece credibilidade alguma, não tem legitimidade para se arvorar em descobridor da teoria que explica tudo. Pelo simples motivo de que não passa, segundo sua própria concepção, de um conglomerado de carne, ossos, sangue, tecidos e reações bioquímicas. Seus pensamentos e ideias são apenas epifenômenos dessas reações. Valem tanto quanto o latido de um cão, o mugido de uma vaca ou o excretar de um cavalo (não sei por que o excremento me parece mais adequado para a comparação). A superação desse óbice imenso somente se daria acaso o interlocutor materialista pudesse comprovar que está fora da regra geral, que é o único humano fora do determinismo materialista, que teve um vislumbre dessa realidade e a transmite qual um visionário ou profeta aos menos afortunados. Mas, isso, para além de não ser de forma alguma verdade, (nem Marx, nem nenhum outro materialista era um ser especial, mas simples seres humanos) ainda consistiria numa negação explícita de toda teoria materialista, pelo simples motivo da existência de alguma esfera imaterial para a qual esse visionário foi conduzido ou se conduziu a fim de explicar (obviamente de fora) a realidade toda material em que estamos inseridos. Uma vez que essa tentativa de explicação fosse usada (e não o foi porque realmente seria o cúmulo do ridículo), seria fundada uma nova religião ou uma nova metafísica oriunda do materialismo, por incrível que pareça. Por isso pode-se tranquilamente afirmar que o pensamento materialista é autofágico.

Anteriormente foi destacado o anacronismo de uma condenação rígida do pensamento de autores como Marx em relação ao materialismo, tendo em conta o ambiente em que vivia. Não obstante, é fato que atualmente são incontáveis as correntes de pensamento materialista – determinista – cientificista em voga e que influenciam a sociedade e seus membros. Na realidade essa espécie de concepção autofágica chega hoje a paroxismos tais como fantasmagorias defendidas sem nenhum rubor por microbiologistas como Lynn Margulis e Dorion Sagan que, trancafiados num autismo absorvente e hipnotizador em sua área científica,

“descrevem os microorganismos (micróbios, bactérias etc.) como ‘utilizadores’ do homem que se servem deste último para se espalharem pelo universo. Desse modo, a humanidade, suas obras e suas técnicas (principalmente espaciais) seriam tão somente um meio estratégico, uma espécie de navio tomado de empréstimo por esses agentes corpusculares para colonizar os espaços intersiderais. Nós seríamos, no final das contas,  os instrumentos inconscientes de uma entidade vaga, a biosfera, composta de partículas, as únicas a serem os verdadeiros ‘sujeitos’ do mundo”. [11]

Perceba-se que essas asneiras dignas de um surto psicótico não são alardeadas no distante Século XIX sob os auspícios de um Positivismo com seu fanatismo religioso com relação à ciência e ao materialismo. Não. São afirmações feitas por microbiologistas do Século XXI! E esse pensamento, tal qual o Positivismo comteano, certamente influencia outras áreas como a filosofia, a ética, a sociologia, a economia, a política, a antropologia etc. Nem por isso, todas as pessoas, embora mergulhadas nesse caldo “cultural” (sic) estapafúrdio, a ele se submetem de maneira acrítica.

E isso nem hoje, nem ontem. Apenas dando um exemplo, o literato italiano, Luigi Pirandello, erige sua prosa mais rica em torno de uma crítica ao determinismo materialista que o rodeava em sua época. Sua postura chegou a ser denominada de “anarquismo neoromântico” por alguns, a fim de descrever seu

“ímpeto recorrente de fuga das situações sociais dadas, em geral herdadas; ímpeto que empurra os anti – herois pirandellianos para uma busca incoercível de viver uma existência liberta da convenção dominante, mesmo quando se trata de uma convenção protetora”.  [12]

Os personagens da prosa de Pirandello são atingidos naquilo que ele chama de “punto vivo” e que nada mais é do que um “relance ético no qual o ser ‘escolhe escolher’ em vez de viver à deriva das circunstâncias que o arrastam e o dissipam interiormente”. Isso torna mais que evidente “sua diametral oposição ao férreo determinismo (quer biológico, quer social) que dominava o pensamento evolucionista ou positivista do fim do século XIX”. [13]

Uma passagem de seu romance “O Falecido Mattia Pascal” é muito ilustrativa:

“E o senhor Anselmo prosseguia, demonstrando que para nossa infelicidade nós não somos como a árvore que vive e não sente a si mesma, para quem a terra, o Sol, o ar, a chuva, o vento não parecem ser algo diferente dela: algo amigável ou nocivo. Nós homens, ao contrário, temos o cruel privilégio de nos sentirmos viver, o que resulta em grande ilusão: entendemos como uma realidade fora de nós esse nosso sentimento interior da vida, mutável e variável conforme os tempos, os acasos e o destino”. [14]

Portanto, a ereção de uma tese materialista por Marx (materialismo histórico), se é compreensível, não é justificável nem pode ser convincentemente defendida por quem quer que seja. Muito ao reverso, o só fato da afiliação a uma corrente de pensamento autofágica já deveria ser motivo para o desprezo solene de tudo mais que daí advenha. Afinal, tal qual os contemporâneos cientistas microbiologistas Margulis e Sagan, que tentam, sem êxito, se pendurar em uma abstração como a “biosfera” em substituição aos reais “sujeitos” da história e dos fatos, promovendo uma antropomorfização invertida, eis que essa biosfera e seus microorganismos e partículas ganham atributos até então exclusivamente humanos, senão divinos. Tal qual eles, Marx expõe uma história sem agentes, sem sujeitos reais. Uma história que é movida por abstrações tais como “a burguesia”, “o proletariado”, “a luta de classes”, “a ideologia”, “a infraestrutura“, “a superestrutura” e assim por diante. Não há seres, não há agentes, não há sujeitos reais, há uma incoerência e autofagia em que essas abstrações espiritualizadas são apresentadas como a base de um suposto “materialismo histórico”. No entanto, há aqui muito mais metafísica do que se pode encontrar em concepções que são assumidamente metafísicas, há muito mais idealismo do que nas correntes de pensamento combatidas por Marx. Apenas ocorre que se trata de uma tentativa fragorosamente fracassada de imanentização que acaba recaindo na metafísica e no idealismo de que fugia.

Por isso é correta a manifestação dos autores do livro sob comento quando aduzem:

“Perceba que, se o pensamento não for o motor da história, aquela pergunta que vai nos incomodar ao longo do livro (como transformar o mundo sendo um materialista) começa a fazer sentido. Como é possível propor uma transformação tão radical do mundo se meu pensamento já é o resultado do mundo como ele é? Este é o problema marxista por excelência: o materialista, que diz que as coisas são como são e o pensamento é o que é, tem que admitir que o seu próprio pensamento nada mais seja que o resultado de certas operações da matéria. Ora, se é assim, como você pode supor uma obra filosófica transformadora do mundo se a própria filosofia nada mais é do que o resultado bastardo das relações materiais do mundo”? (grifo nosso). [15]

O que é interessante é que não somente os autores do livro ora resenhado, mas praticamente todos os analistas prosélitos do marxismo, mesmo quando enxergam (como é o caso dos destacados autores) essa incoerência insuperável, seguem defendendo a teorização marxista como algo “fascinante”, como uma espécie de “clarividência”. Por um lado isso é assustador (digo quando estamos tratando de pessoas com um nível intelectual normal ou até acima do normal, como é o caso, já que para deficitários a explicação é patente), mas por outro é natural. Explico: primeiro é fato que compõe a natureza humana uma necessidade premente de racionalização. Diante dos fatos, por mais misteriosos ou absurdos, somente nos satisfazemos mediante uma explicação, afora isso, nosso espírito não descansa. Alguns podem encontrar essa paz em explicações metafísicas, religiosas; outros em um materialismo tosco, mas cujo reducionismo torna tudo tão compreensível, tão sedutor, tão aconchegante, desde que não se pense muito, que se torna praticamente irresistível. Depois, o vislumbre do marxismo como uma espécie de “clarividência” é uma consequência inafastável de sua aceitação, pois, como já dito antes, somente crendo que indivíduos como Marx, Engels, Lênin e Stalin (para não falar em Hugo Chaves, Maduro, Lula, Fidel ou Guevara, afinal esse texto não é propriamente cômico) seriam espécies de profetas ou iluminados que transcenderam excepcionalmente a condição humana, é que se poderia, de alguma forma, dar qualquer crédito a algo por eles dito. Doutra maneira, o que eles disseram ou que qualquer um de nós diz, não passa de relações materiais neurológicas, biológicas, fisiológicas e genéticas que não têm maior significado do que o coaxar de um sapo.

É com base numa concepção freudiana de inconsciente e numa descrição do vazio consumista desejoso (erótico) [16] descrito por autores contemporâneos como Bauman, Lipovetsky, Maffesoli e Baudrillard, que os autores da obra sob comento procuram, em desespero de causa, dar sustento ao materialismo histórico de Marx que, por seu turno apresenta nosso pensamento como oriundo de causas materiais consistentes nos processos de produção de bens materiais na sociedade em que vivemos. Estaríamos então simples e reducionistamente determinados pelas relações de produção e consumo, pelos desejos provocados por uma sociedade capitalista consumista capaz de absorver nosso psiquismo de forma inconsciente. Ou seja, agimos como autômatos que, usando uma linguagem bíblica, “não sabem o que fazem”. Só Marx (e agora seus prosélitos) sabia! [17]

Quando foi dito acima que o só fato de que o marxismo se sustenta em uma teoria autofágica (materialismo) seria o suficiente para um solene desprezo de tudo quanto dele se originasse, isso seria uma proposta válida para o próprio Marx quando iniciava suas elucubrações teóricas. Sabe-se que, por exemplo, um estudioso sério e dotado de excepcional honestidade intelectual, como Eric Voegelin, iniciou uma pesquisa com base em certo referencial teórico e, após escrever nada mais, nada menos que 8 (oito) volumes, simplesmente abandonou o trabalho e iniciou do zero porque considerou que sua impressão inicial fora equivocada. Mas, Marx não fez jamais isso, seguiu com seu trabalho e então não pode mais ser desprezado, tendo em vista a magnitude que assumiu, inobstante seus equívocos e contradições. Acontece que, em meio a muita falha, abstraindo os resultados práticos medonhos oriundos de suas teses nos comunismos reais (e veja que aqueles que defendem que o ideal ainda não chegou estão em contraste com o próprio mestre, já que não há idealismos, mas apenas o real, o material, o que efetivamente existe). Malgrado tudo isso, é preciso reconhecer a utilidade do conhecimento do marxismo e, portanto de livros como o ora comentado, ainda que seja para renegá-lo, pois só podemos dizer que não gostamos de algo que conhecemos, o resto é preconceito sem fundamento. Além disso, a empreitada marxista acaba tendo seus méritos em termos de crítica a uma série de mecanismos de dominação sutil que realmente existem na sociedade, seja ela capitalista, comunista, o que for. Marx acaba colocando em destaque mecanismos sutis, ideológicos de domínio que nem sequer precisam da força para se estabelecer de forma muito intensa. Então, há pontos das teorizações marxistas que são plenamente aproveitáveis e revelam verdades ocultas. Porém, é preciso saber joeirar os equívocos, os enganos, as mentiras e ter sempre em mente a origem autofágica da teorização em si.

Esse exercício de separação entre algumas verdades consistentes expostas pelo marxismo em meio a um mar de contradições e males deve ser meticuloso e cuidadoso, evitando-se sempre o poder de sedução já exposto neste texto, muito comum em pensamentos revolucionários messiânicos e gnósticos que acenam com uma série de boas intenções e com um futuro glorioso.

Acontece que os discursos mais perigosos não são aqueles que são claramente maléficos e no seio do qual somente se encontram mentiras e bobagens evidentes. Os discursos mais perigosos são os que misturam em si verdades e mentiras, bens e males de forma a muitas vezes torná-los indistinguíveis.

Uma passagem do literato brasileiro Osman Lins é elucidativa:

“Uma das piores coisas que conheço, no comércio das ideias, é o pronunciamento de determinado indivíduo, contendo coisas boas e más. Se o que diz é, no conjunto, reconhecidamente bom, só resta acolher, com gratidão, suas palavras; se, ao contrário, alinha uma série de tolices ou absurdos, destrói-se por si mesmo, não gera dúvidas, temos um caso claro e resolvido. Quando, porém, sucede vermos algo onde o bem e o mal (ou a tolice, ou a ignorância, ou a má fé, ou a maldade pura) aparecem de mãos dadas, eis-nos embaraçados, indecisos, sem saber se classificamos o autor como aproveitável ou nocivo. Mas,  em geral, vou – nesse caso –  contra a norma que, havendo dúvidas, inocenta o réu e, no meu foro  íntimo, raramente concedo outra oportunidade ao indivíduo. Pois estou convencido de que, em geral, tal tipo de pessoa, quando diz alguma coisa aproveitável é para disfarçar, para escudar-se, para adquirir o direito de, sossegadamente,  instilar o seu veneno: os seus sofismas, as suas intenções inconfessáveis. Arrepiam-me”. [18]

Assim sendo, e prosseguindo na proposta de análise crítica (positiva e negativa) do trabalho sob comento, pode-se afirmar que quando os autores apresentam a guinada de um modelo capitalista weberiano (A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo), onde o norte era o de acumulação do capital e de austeridade financeira com certa base moralista, para um novo sistema amoral que apregoa o consumo e açula os desejos de forma erótica; o diagnóstico marxista de que tal viragem se dá porque o primeiro modelo já não satisfaz as exigências de crescimento do mercado é perfeito. [19]

Não obstante, em seguida vem a análise dos conceitos de “infraestrutura” (em resumo, processos de produção) e “superestrutura” (em resumo, ideologia em um sentido amplo – arte, educação, ciência, política, filosofia, religião etc.). Corretamente os autores demonstram que no pensamento marxista a superestrutura é determinada pela infraestrutura. [20] Tanto a separação feita, como o determinismo de uma pela outra, está em consonância com a formulação original da teoria calcada sobre o materialismo. Como já visto, o materialismo é inseparável do determinismo. Portanto, seria mesmo impossível que no seio do marxismo se pudesse pensar em ideologia (no sentido amplo de todo material intelectual produzido pela sociedade) como algo autônomo e não originado de alguma “causa material” externa que acaba sendo apontada como a “infraestrutura”, ou seja, os processos de produção, a economia. Encontrada a causa “heterônoma” da conformação da superestrutura, está então fundamentado o materialismo histórico. Ou seja, as ideias que surgem no seio social não surgem por uma atividade do intelecto autônomo, mas por influência da infraestrutura, das relações de produção. A exposição da tese marxista é clara e perfeita pelos autores. O problema está na falta de uma visão crítica dessa separação estanque entre o que Marx entende por infraestrutura e por superestrutura, bem como na negação de uma autonomia para a segunda. A negação dessa autonomia inviabiliza, com sua autofagia de sempre, a própria teoria marxista, a qual nasce não em Marte ou Saturno, mas na sociedade ocidental. Como poderia essa superestrutura filosófica emergir autonomamente se sua causa é infraestrutural e a infraestrutura lhe é contrária? O marxismo seria então o único produto superestrutural autônomo, assim como seus idealizadores seriam os únicos seres humanos ou talvez supra – humanos capazes de emergir do determinismo materialista que domina toda a história? Doutra banda, a falta de uma visão mais ampla da existência de uma intercomunicação entre infraestrutura e superestrutura torna o marxismo extremamente míope. Mesmo acatando sua classificação, é nítido que as relações entre uma suposta infraestrutura e uma suposta superestrutura não são de mão única. As influências são óbvias, tão óbvias que dão sustento para a ereção do marxismo como uma possível superestrutura revolucionária, capaz de subjugar a infraestrutura indesejada de acordo com sua visão de mundo, totalmente autônoma. Ah! Mas, a sociedade reformada seria fruto de uma mudança material no sistema de produção. Acontece que essa mudança somente poderia ser processada por meio de uma ideologia, qual seja, o marxismo, que é anterior a ela por obviedade. Caso contrário, as relações de produção deveriam se alterar por si sós, sem qualquer ação humana para depois então surgirem os aparelhos ideológicos marxistas! A falta dessa crítica óbvia é assustadora.

Por outro lado a abordagem sobre a alienação do trabalho como a falta de consciência plena do trabalhador sobre todo o processo produtivo, ficando este restrito a um pequeno segmento dessa atividade, [21] é algo que é cada vez mais atual, considerando os sistemas de produção atomizados, terceirizados e globalizados da contemporaneidade.

Também no seguimento os autores intitulam muito bem um item como “As causas invisíveis” para tratar da chamada “luta de classes” como “motor da história”. Demonstram neste ponto uma boa visão crítica em relação a essa espécie de “revelação” divina dos iniciados do marxismo. Um trecho é interessante sobre a dificuldade de comunicação com esquerdistas militantes, tendo em vista sua postura de superioridade, eis que dotados dessa “revelação” (aqui é onde o fanatismo político se confunde terrivelmente com o religioso):

“Eu não sei se você já conversou com militantes de partidos de esquerda. Pode ser duro. Por que pode ser duro?

Porque o fulano está convencido de que há mistérios na lógica do funcionamento do universo que só ele entende, ou seja, ele trata você como ingênuo permanentemente. Você não entendeu que por trás do aparente tem o verdadeiro. E qual o verdadeiro? A luta de classes”. [22]

Certamente falta um ponto importante na crítica a essa postura esquerdista militante e propriamente marxista. No campo do materialismo histórico e de sua dialética própria – que difere inteiramente, por exemplo, de uma dialética aristotélica ou escolástica – não há espaço para o conceito de “verdade”. “Verdade” seria um conceito tipicamente burguês, um dos instrumentos de dominação criados na superestrutura para a perpetuação da infraestrutura exploradora. Dessa forma, além do problema do determinismo, o materialismo histórico também agrega o problema do relativismo, que é outra ideia autofágica pelo simples fato de que se tudo é relativo, se não há verdade, então essa mesma negação da verdade não é verdadeira! Além disso, paralisa totalmente o seu defensor porque qualquer coisa que venha a afirmar, inclusive o próprio relativismo, não terá valor nenhum. Não há verdades, nada é apodítico e, portanto, também a afirmação supostamente apodítica (incontestável, autoevidente) de que a luta de classes é o motor da história não tem qualquer credibilidade. Mas, o fato de dizer que isso não tenha credibilidade não é o problema, porque isso poderia ser dito sobre qualquer teoria, qualquer ideia por alguém que a ela se opõe. O problema é que a falta de credibilidade da afirmação decorre dos próprios fundamentos do sistema de pensamento marxista, baseado no materialismo, no determinismo e no relativismo! Por isso a palavra “autofagia” é sempre e sempre inevitável. Perceba-se que há um círculo vicioso autofágico entre materialismo, determinismo e relativismo na medida em que se tudo que existe e até os pensamentos humanos são resultados de interações meramente materiais, então tudo está dado, determinado e, consequentemente, nada pode ser valorado ou submetido a uma avaliação moral. Afinal as coisas são o que são e tudo são meras coisas, inclusive o homem que é uma coisa ambulante e falante. Não há como escapar dessa cadeia de autofagia. Não há aqui espaço para a afirmação de Buber de que o homem não é uma coisa, nem um conjunto de coisas, nem uma coisa em meio a outras coisas”. [23]

No bojo da luta de classes também corretamente apresentam os autores como fator principal a batalha pela propriedade. Não qualquer propriedade, mas aquela dos “meios de produção”. Afirma que para Marx não importavam os bens possuídos por um indivíduo como, por exemplo, uma casa, um carro, joias etc., mas sim os instrumentos por meio dos quais a produção capitalista é possível e através dos quais a burguesia, pela detenção exclusivista desses meios, exerce domínio e exploração do proletariado. [24]

Sob o ponto de vista da teoria marxista não há sequer um detalhe a ser criticado. Trata-se de uma descrição perfeita e muito esclarecedora teoricamente falando. Mas, se os autores são pensadores que pretendem fazer pensar e querem realmente formar e informar de maneira ampla, então faltou certamente esclarecer que pode até ser que Marx, em “O Capital”, não estivesse preocupado com os bens materiais das pessoas em geral. No entanto, a forma como os autores apresentam a questão é eivada de um tom tranquilizador fazendo total abstração do marxismo real em que a totalidade da vida das pessoas é objeto de invasão e usurpação. Não são somente os meios de produção que são apropriados, mas o próprio pensar e ser das pessoas, suas roupas, seus bens mais íntimos. Portanto, infelizmente, os autores agem como aquele sujeito que popularmente diz “vem que o leão é manso”, ocultando por omissão toda uma face real e consequencial do tratamento dado à propriedade nas aplicações práticas da teoria. Pode haver a desculpa de sempre para isso no sentido de que já há muitas denúncias dessa espécie. Essa justificativa para a omissão não é válida, primeiro porque a bibliografia marxista que chega a ser panfletária e militante no Brasil é muito mais abundante do que o seu reverso. Além disso, mesmo que fosse ao contrário, a verdade deve ser dita por inteiro, meia – verdade equivale a uma mentira inteira. Considerando, porém, o fato de que o materialismo é muito pouco ou nada preocupado com a verdade, chega a haver ao menos coerência no procedimento, uma coerência espúria, mas não deixa de ser coerência.

A consciência de classe é bem abordada pelos autores que demonstram com clareza que consiste mais em uma “falta de consciência” do que em uma “consciência de classe”, vez que tantos burgueses como proletários, mergulhados na dinâmica dos processos de produção sequer enxergam ou percebem seu antagonismo, muito menos a relação de luta, conflito e dominação que os caracteriza. [25] Neste ponto merece aplauso a exposição dos autores que finalmente vai bem explicitamente ao ponto nevrálgico da inconsistência de todo pensamento materialista e, especificamente do marxismo com seu “materialismo histórico”:

“O mundo segue seu percurso, as pessoas estão trabalhando, está tudo indo mais ou menos bem, e só o materialista histórico consegue enxergar as verdadeiras causas de o mundo ser como ele é. E o que é pior, enxerga um mundo cheio de alienações, escravizações, dominações que nem mesmo quem participa dele consegue enxergar. Não seria um tanto exagerado pedir que você acreditasse nisso?

A essa crítica soma-se uma outra: se tudo é como só poderia ser, se o que vem à cabeça das pessoas é só o que poderia vir, e se somos todos alienados – porque as condições de produção da sociedade capitalista são alienantes – , se tudo é consequência das relações materiais que são o que são, se  a minha aula nada mais é do que um artifício de entretenimento da classe dominante para que ela se sinta menos mal, se tudo é o que é, por que cargas d’água eu tenho que aceitar que o materialismo histórico seja a verdade sobre tudo? Por que não aplicar ao materialismo histórico suas próprias premissas?

Neste caso, seríamos todos obrigados a aceitar que o pensamento de Marx e seus discípulos seria mais um subproduto de uma relação de forças entre classes, uma ideologia entre outras travestida de verdade científica, quando muito uma resistência proletária melhor orquestrada que desabrocha no campo da ciência com a pretensão de explicar o mundo e sua história. Tudo não passaria então de um delírio. Tão delirante quanto qualquer outra afirmação desses alienados que a doutrina tanto denuncia.

Essa crítica é poderosíssima, porque o materialismo não abre nenhuma brecha para que o pensamento possa transcender à matéria, e, se o pensamento não pode transcender à matéria em nenhum momento, dizer que a luta de classes é o motor da história, obviamente, não pode querer significar uma verdade absoluta sobre a história, observada de algum nebuloso posto de investigação situado nas alturas e imune aos interesses do tal mundo da vida”. [26]

Além disso, o materialismo em geral e não somente o histórico necessariamente conduz a um vazio existencial, um desespero insuperável, uma absoluta falta de sentido com base na qual nada, absolutamente nada pode se sustentar, inclusive algum movimento revolucionário ou ideal de justiça e igualdade. Todo aquele que foi louco ou ousado o bastante para encarar esse abismo a que conduz o pensamento materialista e o abraçou de forma coerente e ampla, chegou à conclusão de que a vida não vale a pena ser sequer vivida, não há ideais ou objetivos a serem perseguidos, tudo é indiferença, morrer seria o único remédio, ou melhor, sequer ter nascido. É por essa via que segue, por exemplo, Emil Cioran em uma obra com o sugestivo título “Do Inconveniente de ter nascido”:

“Que tudo seja desprovido de consistência, de fundamento, de justificação, é algo de que estou habitualmente tão convencido que aquele que ousar contradizer-me, mesmo que se trate do homem que mais estimo, me parecerá um charlatão ou um idiota”. [27]

Enfim, o materialismo logra, de forma melancólica, responder à questão considerada por Camus como a única realmente séria e fundamental na filosofia, qual seja, “o suicídio”, “julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida”. [28] E a resposta certamente é não.

Outro aspecto muito bem exposto por Barros Filho e Dainezi é o de que Marx não enxerga na relação entre burgueses e proletários somente conflito. Há, inclusive pela obnubilação ou inconsciência da luta de classes já descrita, relações de certa forma mais cooperativas, onde o capitalista paga pela força de trabalho e o proletário a vende em uma espécie de contrato de compra e venda. Acontece que mesmo nessas circunstâncias em que exsurge uma dependência mútua, a relação não é de igualdade e justiça, mas de dominação do capital sobre o trabalhador. Isso porque a oferta de força de trabalho tende a superar a procura e o tal contrato de compra e venda se perfaz como aquilo que no Direito Civil se chama de “Contrato de Adesão”, ou você aceita as regras contratuais e assina ou então pode ir embora, não há espaço para negociação. Assim sendo, todo poder se encontra enfeixado nas mãos do capitalista e o proletário é obrigado a aceitar as condições de trabalho e pagamento que lhe são oferecidas. [29]

Essa constatação de Marx parece realmente incontestável ao menos em regra. É claro que pode haver períodos de crise de mão de obra capazes de empoderar de certa forma o trabalhador. No entanto, a regra não é essa. Qualquer um que já passou por um processo de entrevista para seleção de emprego sabe do que Marx está falando. E a tendência é que esse poder praticamente absoluto do capital sobre as pessoas na relação de emprego venha a crescer cada vez mais com a automatização, mecanização e informatização que requer cada vez menos a força de trabalho humana, e mesmo esta passa a depender de uma formação e especialização antes inusitadas. Neste aspecto a teoria marxista é realmente mais que atual. Aliás, o que a desatualiza é exatamente o crescimento de seu acerto ao ponto de que no mundo neoliberal globalizado o trabalhador não especializado (como requer o mercado) não é sequer sujeito a exploração, mas a uma exclusão social propriamente dita.

Esta a constatação de Zaffaroni, especificamente quanto às consequências da globalização na região marginal da América Latina:

“El fenómeno tiene a crear en los paises latinoamericanos  una massa excluída que no responde a la dialética explotador/explotado, sino a una no relación entre excluído/ incluído. El explotado contaba, era tenido en cuenta y estaba dentro del sistema, como explotado pero dentro, el excluído no cuenta, está de más, és un descartable que no sirve, sólo molesta. La lógica de este esquema, si no se lo interrumpe, es el genocídio”. [30]

 

A única coisa que ainda sustenta na atualidade alguma isonomia nessa relação são as normas trabalhistas, as quais, aliás, correm algum perigo de abrandamento senão de supressão completa a seguir certos posicionamentos ultraliberais.

 

Mas, nem mesmo esse arcabouço jurídico garantidor dos direitos dos trabalhadores constitui na visão marxista, como ensinam os autores com percuciência, algo de efetivo, mas funciona muito mais como uma cosmetização, um instrumento para que as pessoas continuem alienadas e despercebidas da relação de dominação a que estão submetidas. Tudo não passa de um paliativo a fim de desarticular ou de impedir sequer a articulação do processo revolucionário. [31]

 

O grande óbice a essa parte específica da orientação marxista que, aliás, é aplicável a toda a chamada “superestrutura” onde se encaixa o Direito do Trabalho e o Direito em geral, é que sempre há uma ausência de agentes, a atuação de uma “força invisível”, uma espécie de “teoria da conspiração” em uma história sem sujeitos típica do materialismo que a informa. Além do mais, quando identificados os sujeitos reais e existentes dessa história, se constata que a conquista de Direitos Trabalhistas e outros são produto inclusive de movimentos revolucionários. Essa também é uma lacuna crítica deixada por Barros Filho e Dainezi na obra, embora sua descrição do pensamento marxista sobre o tema seja impecável.

 

Em linguagem muito clara e didática os autores explicam um conceito básico marxista: a “mais –valia”. Em suas palavras:

 

 

“Dentro da perspectiva do controle do trabalho, existe uma diferença entre o que o trabalhador recebe como pagamento e o resultado final do seu trabalho. Essa diferença é o que permite o lucro do burguês. Ela recebe o simpático nome de mais  – valia”. [32]

 

Sabe-se e compreende-se que o trabalho em comento tem por fim precípuo a apresentação do pensamento marxista e seus conceitos básicos. Mas, considerando uma necessária e exigível correspondência entre seu conteúdo e seu título que menciona “a atualidade do capital” (sic), então não se pode deixar de apontar uma lacuna quando não consta do texto o fato de que a teoria da mais – valia de Marx já foi superada e demonstrada sua artificialidade por economistas da chamada Escola Austríaca, tais como Mises e Böhm – Bawerk. A falácia da redução do valor das mercadorias somente à quantidade de trabalho empregada em sua produção chega a ser não somente desprovida de base na área econômica, como perceptível e risível até mesmo ao mais leigo no assunto. Que atualidade pode existir em um conceito que nunca teve sustentação real? Que nem mesmo um merceeiro acataria devido à sua prática no comércio? [33]

 

Seria preciso dizer que a tentativa marxista de encontrar o trabalho empregado na produção como elemento comum para possibilitar a trocas comerciais, abstraindo todo um universo de fatores de modo a sustentar sua tese é uma tentação a parafrasear o brocardo latino “fiat justitia pereat mundus” (“faça-se a justiça, ainda que o mundo pereça”), dizendo: salve-se a minha teoria, ainda que mundo acabe!

 

Interessante a manifestação de Böhm – Bawerk a respeito do tema:

 

“Mas coisa pior acontece com o passo seguinte dessa cadeia de argumentação. ‘Se abstrairmos do valor de uso das mercadorias, diz Marx textualmente, ‘resta-lhes só mais uma característica, a de serem produtos de trabalho’. Será mesmo? Só mais uma característica? Acaso bens com valor de troca não têm, por exemplo, outra característica comum, qual seja, a de serem raros em relação à sua oferta? Ou de serem objetos de cobiça e de procura? Ou de serem ou propriedade privada ou produtos da natureza? E ninguém diz melhor nem mais claramente do que o próprio Marx que as mercadorias são produtos tanto da natureza quanto do trabalho: Marx afirma que ‘as mercadorias são combinação de dois elementos, matéria – prima e trabalho” e cita Petty num trecho em que este diz que ‘o trabalho é o pai (da riqueza) e a terra é sua mãe’”. [34]

 

Um aspecto da superestrutura muito importante é bem analisado e exposto pelos autores, qual seja, a seletividade midiática. Um jornal, por exemplo, funcionaria não noticiando tudo o que ocorre, o que, ademais, seria impraticável. É feita uma seleção daquilo que é “noticiável” e, segundo o pensamento da esquerda e o pensamento marxista, essa seleção é realizada mediante critérios que seguem o fim de dominação da burguesia sobre o proletariado em mais um capítulo da decantada luta de classes. A imprensa e outros aparelhos midiáticos atuariam como inibidores da formação de uma “consciência de classe”, reforçando a alienação. [35]

 

A seletividade midiática é realmente inescapável e a atuação da mídia como instrumento de propagação de ideologia é algo inegável. Porém, não é apanágio da ideologia capitalista. No Estado Totalitário como ocorreu no Nazismo e como ocorre e ocorreu nos países comunistas de orientação claramente marxista, todo o aparato de propaganda estatal é dominado de forma acachapante por uma propaganda do regime. Uma das melhores descrições desse fenômeno nos Estados Totalitários é feita por Hanna Arendt. [36] Parece que embora o livro comentado trate especificamente da visão marxista sobre a seletividade e dominação midiática, não poderia deixar de mencionar que essa é uma via de dominação que não é exclusiva dos Estados Capitalistas e do modelo consumista.

 

Agora, não deixam de ter plena razão Barros Filho e Dainezi quando citam o fato de que a mídia comumente faz denúncias estrondosas sobre corrupção e desmandos públicos, dando uma impressão (falsa) de que tudo que é público é nocivo. Enquanto isso, o privado aparece comumente como uma espécie de reserva moral e de eficiência, o que nem sempre corresponde à realidade. [37] Aliás, para qualquer um que seja ou tenha sido um dia influenciado por essa impressão midiaticamente divulgada, seria interessante não deixar de lado a comum e muitas vezes imprescindível simbiose entre a corrupção pública e privada. Note-se que essa simbiose torna o público e o privado muitas vezes indistinguíveis e inseparáveis no fenômeno da corrupção.

 

A face ateia do marxismo e a visão da Religião como um dos mais importantes pilares da superestrutura é também muito bem descrita pelos autores em destaque, relacionando o pensamento de Marx com o de Feuerbach, [38] mediante a noção ainda prévia a Nietzsche, de um deus que não é criador e sim criado pelo homem, que o faz à sua semelhança. Contudo, como bem destacam os autores, enquanto Nietzche e outros apontam essa criação de deus pelo homem como uma necessidade psicológica, o marxismo, com seu materialismo histórico, apresenta a religião como produto da infraestrutura, “das necessidades materiais”, em suma dos “processos de produção” que marcam a sociedade capitalista, a fim de perpetuá-los. [39]

 

Novamente vem o problema genético do materialismo, devidamente demonstrado na obra sob comento:

 

“A religião propõe que o mundo é como é porque Deu quis assim. Marx inverte: se a religião é como é, é porque o mundo precisou que fosse assim”. [40]

 

Novamente o determinismo mostra sua face inseparável do materialismo. Mas, o marxista parece não se dar conta que somente enxerga o determinismo em uma mão de direção. No caso ele vale para a religião e suas ideias sobre a criação. Também vale para a conformação da superestrutura religiosa pela infraestrutura mundana. Só não vale para a criação do pensamento marxista!

 

Em uma passagem logo a seguir, onde Barros Filho e Dainezi tentam explicar o pensamento marxista sobre “verdade e falsidade”, resta muito claro como as contradições e até mesmo incoerências que beiram à insanidade permeiam esse pensamento. Note o leitor a confusão (não dos autores; eles fazem o que podem com muita competência, a confusão é do marxismo mesmo, por isso é inescapável e, como diz o brocardo latino aplicável aos autores, “ad impossibilia nem tenetur” – ninguém é obrigado a fazer o impossível):

 

“Se Marx fala em uma consciência falsa, devemos supor que exista uma verdadeira. E se o mundo é falso, deve existir um mundo verdadeiro. O mundo falso é o mundo em que no encontramos. Logo, se o mundo falso é o mundo que é, o mundo verdadeiro é o mundo que não é. Qual é o mundo verdadeiro que patrocinará uma consciência verdadeira?  O mundo não capitalista.

Para que Marx possa falar em verdadeiro ou falso é preciso que haja uma referência indiscutível que dê chancela de veracidade a esse mundo e essa chancela deve ser dada por quem não tenha interesses próprios, ou seja, que esteja fora do nosso mundo, transcenda ao mundo da vida, seja ideal e não materialista, pois”.  [41]

 

Como já dito, imprimir coerência ao pensamento marxista é impossível, mas os autores têm grande êxito na exposição da sua contradição marcante. Afinal, materialismo ou idealismo? Relativismo ou busca de uma Verdade? Imanência ou Transcendência?

 

Certamente, mais que contraditório, o pensamento exposto indica algo doentio a merecer estudos que ainda não foram realizados de modo aprofundado, não nas áreas onde comumente se trata do marxismo, tais como Ciência Política, Teoria do Estado, Direito, Filosofia, Economia, Sociologia etc. Mas, sim na área médica, mais especificamente no campo da Psiquiatria. [42] Observe o leitor que isso não é uma ironia minha. Estou falando com toda a seriedade.

 

Não sou psiquiatra, mas, no mínimo, qualquer leigo pode perceber algum indício de distúrbio de personalidade múltipla, megalomania e também paranoia.

 

Novamente os autores em destaque deixam consignado um excelente exemplo dessa face patológica quando expõem com correção que para Marx um pensador como Nietzsche seria “um filósofo burguês e asqueroso a serviço do capital”. [43] Ora, Nietzsche pode ter alguns pontos de concordância e outros de discordância com Marx, tudo bem, mas como é possível enxergar num iconoclasta como ele um lacaio do capital ou seja do que for. E note o leitor que eu não sou nenhum fã de Nietzsche. Aqui fica nítido um aspecto de vitimismo paranoico que marca o marxismo de sua nascença até hoje. Tudo o que existe aí está com alguma finalidade conspiradora para esmagar a “revolução”, a “consciência de classe” etc.

 

De outro lado, para Nietzsche, agora com toda razão, Marx seria considerado um iludido, um crente em uma verdade transcendente e escapista do mundo da vida. [44]Embora Marx se identifique como materialista, como já visto, realmente acaba caindo num idealismo e isso, para Nietzsche, constitui o que ele chama de “niilismo”. Aqui é importante notar que o “niilismo” em Nietzsche é totalmente diverso do uso corrente do termo a indicar uma falta de sentido, de busca de ideais, de transcendência, do absoluto, da verdade etc. Não, para Nietzsche, é exatamente o reverso. Essas buscas de transcendências é que constituem o “niilismo”, já que significam abandonar a realidade do real, o mundo concreto, a vida existente e presente em prol de um ideal, de um outro mundo. Ou seja, abandonar o real em prol de uma ilusão. O marxismo nada mais seria para Nietzsche do que outro “niilismo”, um niilismo que se pretende materialista, que se pretende realista, que se pretende mundano, imanente, mas que não é, constitui apenas mais um capítulo dos pensamentos utópicos e mágicos.

 

Como bem esclarece Mosé:

“O niilismo nasce com a criação desses valores superiores, que são desvalorizados na modernidade: o que fundamenta o niilismo é, antes de tudo, a negação da vida em nome de uma outra vida, de um outro mundo”. [45]

 

Percebe-se sem sombra de dúvida que o ódio marxista pelo pensamento de Nietzsche se sustenta especialmente nessa objeção do filósofo a qualquer idealismo, em sua noção “sui generis” de “niilismo” que certamente abarca o marxismo. Mas, somente o abarca porque este é contraditório até a demência, como já devidamente exposto. Não fosse assim, um materialista deveria se identificar plenamente com um iconoclasta como Nietzsche e jamais abjurá-lo.

 

Por mais que os autores se esforcem mais adiante em demonstrar que esse vitimismo paranoico pode ser classificado, como faz Lenin, como um “marxismo vulgar”, [46] fato é que o reducionismo da teoria acaba levando a isso.

 

Tanto é fato que mesmo no texto de Barros Filho e Dainezi é encontrável uma inversão visível em que o vitimismo paranoico se manifesta de forma espetacular.

 

Os autores, até então com equilíbrio, criticam e demonstram que uma leitura, por exemplo, da obra “A Moreninha” de Joaquim Manuel da Macedo, como uma espécie de panfleto burguês porque entre o proletário e o burguês a moça fica com este último, é típica de um “marxismo vulgar”, em suma um exagero, um reducionismo que sequer leva em conta outros fatores envolvidos numa relação amorosa. Até aí tudo bem, e há realmente muitas manifestações dessa insanidade e vulgaridade não somente com relação ao pensamento marxista, mas também com relação a outros temas como racismo, feminismo etc. É muito comum ver distorções de fatos a fim de enquadrá-los arbitrariamente em relações de opressão. Entretanto, o pensamento marxista tende a um radicalismo mesmo, isso a partir de seu materialismo e de seu reducionismo econômico. O que ocorre a seguir? Barros Filho e Dainezi passam a falar das telenovelas e de sua pesquisa sob o prisma marxista. Bem, a conclusão é de que “a telenovela é um espaço de alienação que permite a dominação de classe”. Essa dominação não seria feita através de uma propaganda aberta, mas por mensagens sutis em que cada um teria seu lugar na sociedade, em que “o pobre é feliz e o rico sofre, é traidor, canalha, safado, morre etc.”. Daí os autores vêm com a seguinte afirmação: “São pontos ideológicos que você nunca nota, mas que podem ser lidos por um marxista refinado” (grifo nosso). [47]

 

Fosse válida essa divisão entre “marxismo vulgar” e “marxismo refinado” [48] seria impossível que os autores e outros pesquisadores (certamente refinados sob o ângulo do conhecimento e cultura), caíssem numa inversão tão nitidamente vitimista. Ora, em primeiro lugar, sabe-se que a principal emissora produtora de telenovelas no Brasil é composta em sua equipe artística – abrangendo autores, atores, diretores etc. – de pessoas ligadas diretamente ao pensamento esquerdista senão explicitamente marxista. Não há outro lugar onde os valores da sociedade considerada “conservadora” ou, no jargão marxista, “burguesa”, sejam mais escrachados, onde o trabalhador seja apresentado como explorado e o empresário como um inescrupuloso, onde os religiosos sejam apresentados como aliados dos dominantes ou hipócritas ou simplesmente idiotas alienados, onde os revolucionários sejam sempre herois. Aliás, é esse o quadro descrito pelos próprios autores sob comento. Mas, eles interpretam tudo isso ao contrário, como se fosse uma espécie de mensagem que induziria as classes dominadas e pobres ao comodismo, ao fatalismo e, especialmente ao conformismo!

 

Como bem destaca Martins:

“Em um ponto, todavia, tais ideologias, cujo trabalho único é criticar e reunir-se, na busca de uma demonstração de descontentamento pela não – submissão à sua linha filosófica, obteve êxito considerável, ou seja, na influência sobre a mídia e sobre a maioria dos formadores de opinião. A militância de esquerda é insuperável”. [49]

 

De outro lado tudo é justificável na defesa do marxismo e do próprio Karl Marx, ainda que para isso se tenha de ceder bastante no campo da honestidade intelectual (refiro-me a Marx, não aos autores). A seguinte passagem é muito ilustrativa:

 

 

“Quando você lê O Capital , encontra Marx dizendo coisas muito contundentes, como: ‘A infraestrutura determina a superestrutura; não é possível explicar nada sem a economia; a economia é o alfa e o ômega de toda a vida social’.  Você poderia pensar que o próprio Marx está dizendo que a economia explica tudo. Mas é preciso fazer uma interpretação delicada disso. Marx estava posicionando-se contra muitos. Então, ele tinha de radicalizar a sua proposta para poder lutar contra os idealistas que acham que o motor da história é o pensamento, sem perceber que o pensamento não é o motor, mas, sim, o movido, a consequência. Os idealistas acham que a ideia está no nascimento de tudo. Marx, para combater os idealistas, teve que radicalizar a importância da economia, da matéria e da infraestrutura. Mas não era isso que ele queria dizer. O que ele queria dizer é que não podia fazer nenhuma análise sem considerar a infraestrutura. Porém, é claro que a superestrutura não é uma correspondência mecânica da infraestrutura; por exemplo: a burguesia domina o proletariado, mas, em termos de Estado, pode-se ter um regime presidencialista nos Estados Unidos e um regime parlamentarista na Inglaterra. E os dois são manifestações diferentes da mesma dominação de classe. Portanto,  há uma certa autonomia superestrutural em relação à infraestrutura”. [50]

 

Vejam só: Marx diz que tudo é economia do começo ao fim, de cabo a rabo, mas não é isso que ele quer dizer? É necessária uma “interpretação delicada disso” (sic)?

 

 A justificativa para Marx dizer o que não queria dizer – o que configura normalmente insanidade, incapacidade de expressão normal ou desonestidade intelectual – é dada pelo fato de que ele tinha de enfrentar uma numerosa e poderosa resistência dos idealistas. Perceba o leitor que os autores e não só eles, todos os prosélitos de Marx e do marxismo, afirmam claramente que este é um “cientista” e que suas teorias são “científicas”. Mas, espere um pouco: então um verdadeiro e honesto “cientista”, ao deparar-se com fortes refutações às suas teorias ou hipóteses não as demonstra dialeticamente (no sentido grego e escolástico), mas sim por meio de uma falsa radicalização, de mentiras descaradas, de teatralização, de subterfúgios e hipérboles? Ademais, afirma-se que Marx “lutava” contra o idealismo. Ora, então Marx era um “cientista” ou um “ativista militante” que concordava placidamente em falsear a ciência em nome de uma “causa”?

 

 Marx queria então somente dizer que nada pode ser estudado sem levar em consideração as questões econômicas e a relação entre o que ele denomina de infraestrutura e superestrutura. É isso então? Pois, por que não disse isso com honestidade? Porque tinha uma causa? Ora, se a causa era defensável cientificamente, se ele nela acreditava sob o prisma científico, sob o prisma da verdade, então por que simplesmente não disse claramente, inclusive evitando a autofagia de seu pensamento?

 

Ademais, mesmo que quisesse dizer isso, ou seja, que toda e qualquer análise só pode ser feita, levando em conta o prisma econômico, ainda assim estaria sendo reducionista, generalizante, radical e irrealista (no fim das contas idealista). Isso porque há sim muitas coisas que não têm qualquer ligação com economia, finanças, processo de produção, luta de classes etc. Coisas que inclusive vão contra, remam em sentido inverso a tudo isso.

 

O exemplo final dado pelos autores para demonstrar que a superestrutura não teria no marxismo uma correspondência chapada com a infraestrutura é incrível. Os autores dizem que a exploração entre burguesia e proletariado pode estar presente em diferentes formas de governo (Presidencialista, Monarquista, Parlamentarista etc.). Ora, mas isso é não diferenciar essência de acidente. É consequência desse desprezo por categorias importantes no pensamento filosófico que remontam da Grécia Antiga e passam por autores como Tomás de Aquino que enseja essa cegueira. Na verdade a essência não muda em momento algum: infraestrutura determinando superestrutura, somente mudando o formato (acidente).

 

Contudo, é importante destacar que realmente a superestrutura não poderia ter uma correspondência exata, mecânica com a infraestrutura, apesar do esforço marxista neste sentido. Até mesmo tendo em conta a base em que se estrutura o pensamento marxista, a conclusão seria da impossibilidade de correspondência exata. Isso porque se estamos no campo do materialismo cientificista devemos nos valer das regras para a pesquisa, observação e organização de dados na área científica, o que nos leva necessariamente a concluir que um fenômeno nunca encontra uma causa totalmente independente e invariável, sem levar em consideração a interação dessa causa, por exemplo, com as características do objeto sobre o qual ela atua. Dando um exemplo bem simples: se aplico calor sobre um corpo, seu aquecimento não dependerá somente dessa aplicação e da variação do calor aplicado, mas também de características intrínsecas, pré – existentes do material submetido. Ou seja, aplicando a mesma quantidade de calor a fim de aquecer uma barra metálica, esta se aquecerá em tempos e intensidades diversas a depender do material que a compõe.

 

O problema é que embora os autores da obra sob comento tentem, como fazem todos os prosélitos do marxismo, ajustar as palavras de Marx, a fim de que aparentem menos contradições e absurdidades, a verdade é que a própria distinção entre infraestrutura e superestrutura é dificultosa, havendo muitas coisas que têm toda condição de transitar de um conceito ao outro com grande facilidade. E Barros Filho e Dainezi não se furtam de indicar algumas dessas dificuldades distintivas como, por exemplo, no caso da linguagem, da educação, da ciência etc. [51]

 

Os conceitos de infraestrutura e superestrutura são problemáticos, sua relação de causalidade é problemática especialmente quando radicalizada, mas uma coisa deve ser dita. Há nesse “insight” de Marx algo de verdadeiro. Não se pode negar que é possível de algum modo fazer essa divisão (com suas dificuldades sim) entre infra e superestrutura nas sociedades e, mais importante, que a infraestrutura, a economia, as relações de produção, influenciam quase sempre e de modo muito relevante o pensamento e a conduta das pessoas e das instituições. Ora, isso é inegável. O problema é que se trata apenas e tão somente de uma parcela, de uma faceta da verdade que envolve as complexas relações humanas, a política, a vida em sociedade, enfim o mundo da vida. Sequer é possível hierarquizar objetivamente os elementos que integram essa complexidade, dando maior relevância, ou pior, tornando por si só decisivo qualquer um desses elementos, inclusive a economia. Qualquer pessoa sabe disso por sua própria experiência de vida, não precisando superar o senso comum. E isso não por alguma “alienação” ou “inconsciência”, mas porque se trata de algo que é autoevidente. Qualquer um sabe que suas atitudes, pensamentos e decisões não são teleguiadas tão somente pela economia ou, no palavreado marxista, pela infraestrutura. Como já visto, a suposta “argumentação” de que você esteja enganado, esteja inconsciente, é totalmente insustentável, mesmo porque tornaria uma pretensa teoria “científica” irrefutável. Bastaria sempre dizer isso: você vê um gato ali, mas não é um gato é um elefante. Você vê um gato porque está inconsciente de sua classe. E o que você poderia argumentar contra isso? Nada. Isso é uma espécie de dogma religioso que não admite contestação válida, não uma teoria científica. Se você está inconsciente, tudo o que diga ou alegue não tem valor de contestação. É nada mais nada menos que o “efeito silenciador” do discurso marxista, como diria Fiss. [52] O marxista teria de explicar por que só ele vê o elefante se ele é um humano como os outros; por que todos estão errados e só ele é o certo; por que ele não é o insano? Ademais teria de comprovar sua teoria para além da simples alegação dogmática, já que não estamos num campo de fé, isso, aliás, segundo a própria definição do marxista como materialista e científico. Portanto, não se trata simplesmente de perceber que a superestrutura tem relativa independência em relação à infraestrutura e colmatar essa brecha na teoria marxista. Trata-se de muito mais, de notar que a economia, a infraestrutura, as relações de produção não são o único e nem mesmo o preponderante elemento das relações sociais e políticas, muito menos da conformação das personalidades. O problema do marxismo não é sua exclusividade. Não somente na área das ciências humanas, mas nas ciências em geral, é muito comum que apareça de tempos em tempos alguém ou algum grupo que pensa ilusoriamente haver descoberto uma explicação para o todo através de um elemento isolado ou ao menos muito preponderante na determinação da conformação do mundo da vida. São exemplos atuais também ligados ao materialismo os delírios de uma genética explicativa de todos os fenômenos individuais e sociais ou de uma neurologia de igual alcance. Antes já foram os hormônios, as glândulas etc. Esses delirantes não percebem jamais a complexidade dos fenômenos que pretendem explicar. Também não percebem que uma explicação do “todo” dependeria de que o seu autor estivesse observando desde fora desse “todo”, o que já invalidaria a própria existência de um “todo” e traria o problema de outro “todo” externo ao explicado. Assim essas supostas explicações, para além de absurdas, inclusive sob um ponto de vista lógico, levam a uma reprodução dos problemas “ad infinitum” e não à sua resolução.

 

 Outra verdade que pode ser encontrada no pensamento marxista é a de que efetivamente as melhores formas de dominação não são aquelas produzidas pela brutalidade da força. A força é cansativa e se desgasta com o tempo como meio de dominação. Entretanto, realmente “todo e qualquer tipo de dominação será tanto mais eficaz quanto melhor se camuflar”. [53] Não há dúvida sobre isso e também não há dúvida de que as estratégias de um Capitalismo selvagem são muito sutis e, por isso mesmo, extremamente eficazes, tanto para cooptar os pensamentos como para criar consumidores desvairados. O ponto cego está em não deixar entrever que também o marxismo e seu filho prodigioso, o comunismo, embora apregoem inicialmente a dominação pela força de uma revolução violenta e sangrenta, têm total consciência e fim declarado em perpetuar seu domínio por meio da ideologia “pedagogicamente” imposta durante a fase da chamada “ditadura do proletariado”. A ideologia marxista – comunista seria planejadamente enfiada goela abaixo de todos, concordem ou não, por meio de um adestramento, de uma disciplina que passaria a integrar aos poucos as personalidades. Mas, isso seria apresentado não como uma dominação inescrupulosa, como uma espécie de lavagem cerebral, de alteração da própria natureza humana do homem em sua individualidade e identidade. Seria passado como uma “educação”, uma “ação filantrópica” para o bem comum e individual, para o bem do próprio dominado! Essa vontade de poder exsurge como natural, já que, como afirma Santos, “o objetivo último da teoria crítica é, ela própria, transformar-se num novo senso comum emancipatório”. [54] Na realidade, toda orientação marxista – comunista se baseia, nessa segunda fase, digamos, “pedagógica” (falando de forma obviamente eufemística), em uma técnica de “dissonância cognitiva” que tem por fim provocar “uma contradição entre dois elementos do psiquismo do indivíduo” de forma que “nossos atos possam modificar nossas opiniões”. Acontece que se somos levados a agir de certa forma contrária à nossa natureza, a repetição dessa conduta passa a exigir do psiquismo individual uma racionalização e esta vem a ser a busca de uma justificação e incorporação daquela conduta à nossa personalidade. Nada mais do que pura lavagem cerebral. [55]

 

Perceba-se que autores como Foucault e Goffman, aos quais se pode tranquilamente atribuir alguma influência marxista ou pelo menos fortemente esquerdista, são grandes denunciadores das formas mais sutis e detalhistas de controle do homem pelo homem, inclusive surgindo, no caso do segundo, a definição daquilo que chama de “instituições totais”. [56]

 

Parece que neste ponto claramente se vislumbra a aplicação prática, não denunciada pelos autores no livro sob comento, da máxima de Wladimir Lenin em discurso de incentivo à revolução:

 

“Acuse os adversários do que você faz, chame-os do que você é”!

 

No seguimento outro ponto relevante do pensamento marxista e que também contribui de certa maneira para uma visão crítica é sua abordagem da “ideologia”. Os autores destacam a nítida distinção que Marx faz entre o saber científico e a ideologia. A ciência estuda o “ser”, enquanto a ideologia projeta um mundo que “deveria ser” segundo o entendimento do ideólogo. [57] O problema é que Marx denuncia somente a “ideologia burguesa” e erige em seu lugar não um pretenso conhecimento científico, mas outra ideologia. Há aqui uma nítida falta de autocrítica, embora o pensador Marx realmente contribua, com esse conceito de ideologia, para que se possa ter uma visão crítica a respeito de ideias e ideais não sustentados na verdade, na realidade,  mas somente em certo voluntarismo ou ilusão. Certamente pelo fato de que no marxismo e, especificamente no campo da ideologia, os conceitos de verdade e falsidade não se aplicam, o problema não estaria em haver uma ideologia, mas sim na espécie de ideologia. Não obstante, quer parecer a mim que a crítica à ideologia deve ser plena, não tendo cabimento conceder valor ou defender algo apartado da realidade. Mesmo alguma necessária alteração do quadro da realidade existente deve se fazer com base no real e não em ideologias. Contudo, também se deve levar em conta que para Marx haveria uma realidade encoberta pela ideologia burguesa, a qual precisaria ser posta a descoberto a fim de que o proletariado fizesse a revolução e construísse a sociedade ideal. De novo o problema recorrente: crítica da ideologia e ereção de uma nova ideologia no lugar da denunciada; crítica ao idealismo e defesa de outro idealismo oculto sob o nome (simples nome) de “materialismo histórico”.

 

Os autores são muito claros e didáticos na exposição do conceito marxista crítico de ideologia:

 

“Então, a ideologia é recheada de desejos, quimeras, projeções, delírios, nostalgias, mitos e muito mais. Ela não é uma proposta de análise científica do mundo. Pelo contrário. É uma proposta de tudo. Essa é a primeira perspectiva da ideologia: uma reflexão sobre o dever ser do mundo”. [58]

 

A raiz da contradição entre certa crítica à ideologia e, concomitantemente, sua apresentação na forma marxista pode ser esclarecida e o é com maestria por Barros Filho e Dainezi, tendo em vista a tensão entre os aspectos intelectivo e prático ou de ação da ideologia. No aspecto intelectivo, a ideologia expõe o “dever ser” do mundo. No aspecto prático, que se refere à ação e, portanto, àquilo que é, ela é uma espécie de motor, de inspiração para uma atuação que vai mudar o mundo. [59]

 

Eis o cerne do pensamento utópico que marca o marxismo. Nada mais, nada menos que um messianismo imanentizado ou laicizado. O Paraíso Terrestre projetado para um futuro utópico, justificando todo o pensamento e a ação na atualidade, mesmo que sejam estes cruéis e até sanguinários. Afinal, tudo é feito em nome de uma excelente causa.

 

O que não se percebe é que “as ideologias são o subproduto das visões messiânicas ou utópicas, e algo assim como sua expressão vulgar”. [60] E isso vale tanto para o marxismo, como para o capitalismo ou qualquer outra orientação que venha a se apresentar como redentora da humanidade.

 

O perigo do pensamento utópico é exatamente este, ou seja, seu poder de sedução com o aceno de um mundo novo e melhor. Como bem destaca Cioran:

 

“Quando estamos cansados dos valores tradicionais, nos orientamos necessariamente para a ideologia que os nega. E é por sua força de negação que ela seduz, bem mais que por suas fórmulas positivas”. [61]

 

A desconstrução e a destruição vêm sempre primeiro e são elas os atrativos, mesmo não havendo ao certo um rumo futuro, uma determinação prévia do que será efetivamente construído. E essas ideias parciais são as mais capazes de fisgar os espíritos semi – letrados e os iletrados, enfim a mediocridade que marca a grande massa humana; aqueles que conseguem eventualmente ter uma visão de crítica da realidade, mas não chegam a ser capazes de formular propostas construtivas. Então o caminho é somente o da destruição.

 

Como se vê claramente no marxismo, seu messianismo imanentista propõe “refazer o Éden com os meios da queda” [62] (revolução, violência, força, dominação, doutrinação impositiva etc.). As experiências do chamado por alguns, “marxismo real”, em contraponto a um suposto “marxismo ideal” que ainda não chegou (tal qual o Messias em retorno ou a Terra Prometida), demonstram que isso nunca funciona bem e só resulta em “Infernos Terrestres” com genocídios, destruições e outras calamidades. De construtivo nada, a não ser uma casta de ditadores privilegiados com o povo calcado sob os pés. Por isso é verdade que “nos últimos séculos, acreditar num mundo melhor se transformou na pior prisão para o pensamento e para a alma. No limite, uma falha de caráter”. [63]

 

Um pelagianismo [64] laicizado é a marca indelével de todo pensamento utópico e, obviamente, do marxista. Todorov faz uma extensa exposição desse traço típico das utopias modernas [65] e a questão não passa incólume por Cioran:

 

“Não que os autores de utopias tenham se inspirado diretamente nela; mas não se negará que existe no pensamento moderno, hostil ao agostinismo e ao jansenismo, toda uma corrente pelagiana – a idolatria do progresso e as ideologias revolucionárias seriam sua conclusão – segundo a qual formaríamos uma massa de eleitos virtuais, emancipados do pecado original, passíveis de ser moldados, predestinados ao bem, suscetíveis a todas as perfeições”. [66]

 

Observe-se como toda essa construção leva a uma projeção sempre para o futuro, sempre para frente numa marcha incontida que, no presente justifica qualquer ato ou pensamento. O que parece mal é apenas um caminho para o bem. A própria discussão interna ou externa é impedida por aquilo que Arendt chama de “técnica de afirmações proféticas”, pois que “do ponto de vista demagógico, a melhor maneira de evitar a discussão é tornar o argumento independente de verificação no presente e afirmar que só o futuro lhe revelará os méritos”. [67] O pior é que esses homens ideologizados por essas manifestações pelagianas laicizadas acreditam geralmente em suas “profecias”:

 

 “O que une esses homens é uma firme crença na onipotência humana. O seu cinismo moral e a sua crença de que tudo é permitido repousam na sólida convicção de que tudo é possível”. [68]

 

Contudo, os autores se apressam a deixar explícito que não haveria uma “ideologia proletária” em contraponto à “ideologia burguesa”:

 

“Existe uma ideologia burguesa. Neste caso, o que você poderia dizer? Que, se existe uma ideologia burguesa, existe também uma ideologia proletária, um pensamento proletário. Um pensamento sobre como o mundo proletário deveria ser. Justamente, não existe. Não sei se você já se tocou, mas não existe”. [69]

 

Eles estão certos e, aliás, este é um dos pontos básicos do próprio pensamento marxista que estão expondo. Haveria uma “ideologia burguesa” à qual nada se opõe, então precisa surgir um heroi salvador do proletariado e o brindar com uma ideologia pronta de presente. Quem é esse heroi? Karl Marx! E como alguns heróis, a exemplo do Batman que tem seu Robin, Marx vem com Friedrich Engels. Essa mistura é interessante porque Marx nunca foi proletário, nunca foi nem sequer muito de trabalhar. Sabe-se que nem mesmo à própria família mantinha e agia com alguma responsabilidade (Mas, isso de família e responsabilidade são valores burgueses desprezíveis, não é?). Marx vivia à custa de Engels que, por seu turno, era nada mais, nada menos que um filho de um rico capitalista, o que hoje chamaríamos de “playboy”, possivelmente um “playboy” meio “nerd engajado”, mas um “playboy” que vivia e sustentava amigos como Marx à custa do nojento capital do papai. Então, realmente o proletariado nunca teve e nunca vai ter uma ideologia própria, já que a sua suposta ideologia é produto da imaginação fértil (só pode ser imaginação porque nem Marx nem Engels jamais souberam o que é trabalhar duro, ter de trabalhar para viver ou ser realmente oprimido ou explorado) de dois indivíduos que nada têm a ver com os trabalhadores. Novamente deixo consignado que não estou fazendo uso de argumentos “ad hominem”, mas apenas e tão somente expondo a realidade do fato de que nada que tenha sido dito ou escrito por esses autores (Marx e Engels) pode ter alguma ligação real com o proletariado.

 

Torna-se cômica a alusão ao nosso Lula como alguém absolutamente alheio ao marxismo, feita pelos autores. Eles expõem as afirmações demagógicas do dito político quanto a haver aumento o poder aquisitivo das classes mais pobres, como sendo algo que se apropria da “ideologia burguesa” e a expande para o proletariado. Dessa forma, Lula seria um colaborador superestrutural a serviço da infraestrutura capitalista burguesa. Chegam a afirmar: “E é por isso que eu dou risada quando alguém aproxima o Lula do marxismo”. [70]

 

Infelizmente aqui é necessário fazer uma crítica mais dura porque ou se está diante de cegueira e surdez ou de deliberado fingimento. Não é necessário que ninguém diga que Lula é adepto do marxismo, ele já o fez e faz atualmente com maior desinibição. Não vamos nem falar do Foro de São Paulo e dos projetos Latino Americanos de expansão de governos marcadamente influenciados pelo marxismo que contam com o total e irrestrito apoio de Lula e de muitos outros (isso foi negado por anos, ou seja, a própria existência do foro, mas atualmente é algo admitido sem nenhum constrangimento). Se há contradições na atuação de Lula e de outros marxistas práticos em relação à teoria que amam de paixão, isso não é algo que somente possa ser atribuído ao brasileiro. Já vimos como o “marxismo ideal” é bastante diferente do “marxismo real”. Além do mais, o que promete o marxismo ou a proposta comunista senão o acesso das classes menos privilegiadas aos bens materiais? Ah, promete também matar na revolução a outra classe supostamente antagônica. Exatamente. Aliás, como bem aduz Johnson, “no existe una diferencia moral básica entre la guerra de clases y la guerra de razas, entre destruir una clase y destruir una raza. De esta manera nació la práctica moderna  del genocídio”. [71] Quer dizer que a única diferença entre o projeto marxista original e as falácias lulistas é o meio adotado (o que, como se disse não é apanágio do brasileiro) e a falta de um toque de ressentimento misturado com inveja que se deleita com a pura e simples destruição física do outro, mesmo que isso não lhe renda nenhuma vantagem ou até lhe cause certos prejuízos.

 

Pondé fala bem sobre esse tema do ressentimento tão caro a marxistas e outros prosélitos da vitimização e da autocomiseração:

 

“De todas as formas de negação da falta que nos define, talvez a mais ridícula sejam as políticas do ressentimento. Estas se caracterizam por afirmar que tudo que nos molesta tem causa política e negam nosso direito ‘político’ à plenitude. (…). São políticas do ressentimento toda forma de política que afirma termos direito à felicidade (e não à sua  procura, como diz sabiamente a constituição dos Estados Unidos). Se não sou feliz, se não sou capaz de reduzir minha pobreza e sofrimento, a culpa é seguramente de alguém que não sou eu. (…). Nada cresce onde há ressentimento transformado em direito”. [72]

 

E se vamos falar em incompatibilidades entre a conduta pessoal e a teoria marxista, então, como já visto, Marx e Engels seriam exemplos espetaculares. Também o seriam os autores do livro sob comento, como já se demonstrou logo no início desse texto, podendo-se perfeitamente acrescer os valores nada proletários que cobram por suas palestras em empresas por todo o país. Como já dito, a contradição, a autonegação, a mentira, a incoerência e a autofagia são inerentes ao marxismo.

 

No entanto, dirão mais adiante em seu livro os autores que a ideologia burguesa não é algo premeditado, mas também marcada pela inconsciência de classe. O burguês surge então como também um dominado pela própria ideologia sem o saber. [73] Aqui retorna o problema negligenciado de que o materialismo histórico formata uma história sem agentes, apresenta como motor de tudo um ente invisível, abstrato e nem mesmo esse ente tem consciência de sua ação. Como pode ser isso? Mas, Marx tinha essa consciência porque era possivelmente um ser superior, deve ser isso. Também têm essa consciência os marxistas que seguiram, inclusive os autores sob comento. O estranho é que mesmo com essa consciência tão ampla e esse conhecimento tão vasto, continuam agindo sob as rédeas da “ideologia burguesa”, surgida sabe-se lá de onde, por obra de quem!

 

Tudo o que fazemos e pensamos tem causas misteriosas (uma espécie de esoterismo) somente desveladas pelos iniciados marxistas graças ao mestre enviado à Terra no século XIX. Graças ao iluminado Karl Marx e sua sombra financiadora da qual se abstrai a origem burguesa infame, Engels, é possível ter uma visão de “cientista” que descobre tudo o que estava oculto, as verdadeiras causas sob as aparências enganosas. Finalmente nossos olhos são abertos e “fiat lux”:

 

“A verdadeira causa da sua conduta não é o seu pensamento, mas tanto o seu pensamento quanto a sua conduta têm outra verdadeira causa que você, que não é cientista, não tem como encontrar” (grifo nosso). [74]

 

Não resisti grifar a parte: “que você, que não é cientista”, tendo em vista o quão risível é tal passagem. Ali fica claro que o marxista se sente superior, e mais, se sente assim devido à qualidade “científica” de seus descobrimentos aos quais eu ou o leitor não teríamos jamais acesso sem a sua iluminação.

 

Mas, tem mais:

“O materialismo histórico traça uma fronteira entre a percepção ingênua das coisas e a percepção científica das coisas. (…) Pierre Bourdieu (…) fala o tempo inteiro do olhar ingênuo sobre o mundo, que é o olhar ideologizado do mundo, a perspectiva inocente que todos têm quando vivem em sociedade. E, em contrapartida a esse olhar ingênuo, há um olhar de quem vê a coisa de fora e identifica as verdadeiras causas de tudo ser como é” (grifo nosso). [75]

 

De novo é irresistível não grifar a megalomania de Marx e de outros marxistas como, por exemplo, o citado Bourdieu. Eles claramente se colocam para além do mundo, para além dos demais seres humanos, num posto avançado donde têm uma visão global de toda a verdade oculta aos reles proletários e burgueses em que dividem arbitrariamente a sociedade. Onde será que fica geograficamente esse posto? Em Cuba, na China, na Coreia do Norte ou na Rússia? Acho que em nenhum lugar “geográfico” (“Géo” – terra), já que para tal superioridade seria necessário, como já dito e repetido, uma transcendência do mundo, possivelmente do próprio universo. E o mais incrível é que todo esse pessoal, embora não alardeie por aí, porque certamente não seria coerente com seu materialismo, tem o dom da “bilocação”, uma vez que são encontráveis na Terra e estão, ao mesmo tempo, nesses universos paralelos.

 

No entanto, o mais ridículo de tudo isso é o fato de que essas explicações esotéricas para o desvelamento do real oculto sob as aparências vem justamente calcado numa base que se supõe materialista e científica.

 

O mínimo que se pode esperar de algo que tenha a pretensão de cientificidade é pesquisa adequada e refutabilidade. Até o momento tive a generosidade de chamar o marxismo de “teoria” e seguirei fazendo isso por mera comodidade. Mas, a verdade é que não se trata de uma “teoria” ou “hipótese” científica, mas de um “dogma”.

 

No seio de seu reducionismo é natural que o marxismo não tenha recordação de que os saberes podem ser de várias espécies com suas características específicas. Basicamente pode-se dividir os saberes em: filosófico, científico, lógica matemática e religioso. O saber filosófico precisa admitir a discussão racional, a dialética no sentido aristotélico – tomista. A lógica matemática depende de suas demonstrações. A ciência somente admite a formulação de teorias e hipóteses passíveis de refutação e submetidas constantemente à discussão. Finalmente, somente o saber religioso é caracterizado pelo dogmatismo que não admite refutação. No saber religioso há aceitação, acatamento, fé, crença tão somente, independente de discussões, refutações ou demonstrações. [76] É por isso que, por exemplo, a existência de Deus não pode ser provada ou negada cientificamente. Qualquer um que intente isso não compreende a fronteira dos saberes que podem sim se intercomunicar, mas que têm também suas características próprias inconfundíveis.

 

Ninguém melhor do que Popper para esclarecer a necessidade de refutabilidade ou falseabilidade dos enunciados científicos para que assim possam ser considerados:

 

“O critério de demarcação inerente à Lógica Indutiva – isto é, o dogma positivista do significado – equivale ao requisito de que todos os enunciados da ciência  empírica (ou todos os enunciados ‘significativos’) devem ser suscetíveis de serem, afinal, julgados com respeito à sua  verdade e falsidade; diremos que eles devem ser ‘conclusivamente julgáveis’. Isso quer dizer que sua forma deve ser tal que se torne logicamente possível verifica-los e falsifica-los. Schlick diz: “…um enunciado genuíno deve ser passível de verificação conclusiva”; Waismann é ainda mais claro: ‘Se não houver meio possível de determinar se um enunciado é verdadeiro, esse enunciado não terá significado algum, pois o significado de um enunciado confunde-se  com o método de sua verificação”. [77]

 

Nem mesmo é tanto a questão de antevisão de um “Paraíso Terrestre” ou o objetivo de mudar o mundo que fazem com que o marxismo não possa ter pretensões científicas. Na realidade, a ciência tem mesmo um objetivo de alterar o mundo, ela faz isso constantemente, seria um grande equívoco pretender negar isso. Ela muda o mundo para o bem e para o mal (v.g. avanços médicos, bomba atômica, internet, informática, mecanização do trabalho, industrialização etc.). Mesmo quando ocorre de ser para o mal, não deixa de ser ciência.

 

O problema é que o marxismo se acha no que Peluso identifica como uma “posição epistemológica” de “razão dogmática”:

 

“Essa epistemologia – e o princípio otimista que ela encerra – pode justificar como racionais certas utopias e teorias violentas. O que isso significa é que essa epistemologia implica a racionalidade de teorias utópicas que podem parecer excelentes para contemplar o mundo, mas que são impossíveis de serem mantidas como formas de transformá-lo. Ela implica ainda a racionalidade  de teorias violentas, isto é, teorias que contêm a conclusão de que se alguém se recusa a aceitar a verdade, então deve ser corrigido em sua natureza perversa”. [78]

 

Qualquer coisa que tenha pretensão de se autodenominar “científica” ou ligar-se de alguma forma à “ciência” não pode ser guiada por uma  “razão dogmática”, mas sim por uma “razão crítica”:

 

 

“Por outro lado, existe uma epistemologia baseada no conceito de ‘razão crítica’. Essa epistemologia identifica como racionais certas teorias críticas e realistas. Isto é,  teorias que são testadas para se descobrir se elas são apropriadas para transformar a realidade, e que são construídas de forma a que nunca venham a perder seu caráter conjectural”. [79]

 

Em outro trabalho Popper retoma a questão da refutação como ingrediente indispensável a uma teoria científica:

 

“Pero precisamente porque nuestra finalidade es estabelecer la verdade de las teorias, debemos experimentarlas lo más severamente que podamos; esto es, debemos intentar encontrar sus fallos, debemos intentar refutarlas. Sólo si no podemos refutarlas a pesar de nuestros mejores esfuerzos, podemos decir que han superado bien severos experimentos”. [80]

 

É imprescindível lembrar que Popper, nessa mesma obra acima citada, ao lado de outros autores, como, por exemplo, C. Menger, aponta para uma unidade do método científico que engloba as ciência naturais e sociais. Isso sem descuidar das nuances de cada uma delas. Claro que existem diferenças, mas o método básico é o “hipotético – dedutivo”, no seio do qual são levantadas “hipóteses”, já que nunca se tem uma certeza absoluta sobre nenhuma proposição científica a ser experimentada. E essas hipóteses devem reter sempre esse caráter de tentativa e erro, permanecendo abertas aos experimentos e refutações. [81]

 

Mas, será que o marxismo, ao fazer referência a um “materialismo histórico” como seu referencial teórico, não poderia então se sustentar como ciência numa visão antagônica à popperiana, que seria a apresentada por Thomas Kuhn?

 

Efetivamente Kuhn usa um vocabulário e tem uma exposição que poderia, em tese, se aproximar bem mais do pensamento marxista. Fala em “Revolução Científica”, em “Paradigmas”, em uma “Ciência Normal” dominante que somente é derrubada pelo confronto com outra construção paradigmática etc. Para ele a ciência são determinados modelos ou paradigmas que mudam com o tempo e definem os procedimentos científicos. Ele vê então na ciência, não uma busca da verdade propriamente, mas um choque, uma luta de modelos ou paradigmas que somente são superados por uma revolução intelectual.

 

 Em suas palavras:

“A ciência normal, atividade na qual a maioria dos cientistas emprega inevitavelmente quase todo seu tempo, é baseada no pressuposto de que a comunidade científica sabe como é o mundo. Grande parte do sucesso do empreendimento deriva da disposição da comunidade para defender esse pressuposto – com custos consideráveis, se necessário. Por exemplo,  a ciência normal frequentemente suprime novidades fundamentais, porque  estas subvertem necessariamente seus compromissos básicos”. [82]

 

E mais adiante:

 

 “A competição entre segmentos da comunidade científica é o único processo histórico que realmente resulta na rejeição de uma teoria ou na adoção de outra”. [83]

 

Tudo isso pode nos remeter aos conceitos de “ideologia burguesa” e sua “luta de classes” no seio do pensamento marxista. Mas, o traslado é artificial e equivocado. Nem Popper nem Kuhn, embora adotando perspectivas diversas sobre a gênese e caracteres do conhecimento científico, abrem mão, em momento algum, de um método adequado e muito menos admitem a entrada na ciência de uma “racionalidade dogmática”.

 

 Portanto, quando os postulados do marxismo são colocados como um conhecimento de iniciados, uma descoberta de iluminados que não é percebida por mais ninguém, a não ser que creiam em suas afirmações sem pestanejar porque todos nós estamos hipnotizados pela “inconsciência de classe”, pela falta de conhecimento quanto ao verdadeiro “motor da história” que seria a “luta de classes”. Quando devemos acatar tudo isso porque qualquer refutação é apontada como produto de nossa inconsciência e ignorância da verdade oculta desvelada por sábios, estamos claramente no campo do dogmatismo e o marxismo poderia ser tranquilamente uma vertente religiosa, mística à qual nada teríamos a objetar enquanto exercício da liberdade de culto. No entanto, quando tem pretensões “científicas” a situação é realmente ridícula.

 

Ademais, quando o marxismo aponta a chamada “ideologia burguesa” como dominadora e a necessidade da apresentação ao proletariado de uma “ideologia proletária” reversa, aí é que qualquer pretensão à cientificidade é natimorta.  E veja que o “infanticídio” do marxismo é cometido por ele mesmo em sua constante e insuperável autofagia. Porque é o próprio marxismo que nos lega uma visão crítica da ideologia, separando-a nitidamente da ciência (no que, aliás, acerta retumbantemente). Ora, como pode ser que uma “teoria” supostamente ou pretensamente “científica” poderia postular a criação de uma “ideologia proletária”. Mas, essa ideologia seria passageira, pois com o advento da sociedade comunista perfeita não haveria mais espaço para ela, que somente seria necessária na “sociedade de classes” e para a vitória do proletariado na “luta de classes”. Isso pouco importa, “ciência” e “ideologia” são incompatíveis, como nos ensina o próprio Marx corretamente. E essa incompatibilidade não é passível de uma suspensão para fins político – sociais. Mesmo porque esses fins seriam resultado conclusivo de uma “teoria” pretensamente científica. Como poderia a ciência precisar de uma muleta ideológica para se sustentar e se impor ao mundo da vida? Só uma pseudociência precisaria disso.

 

Nem mesmo na seara econômica o marxismo logra demonstrar cientificidade. Não bastasse a derrocada econômica de todos os sistemas que nele se basearam, já se aponta há tempos o nítido método defeituoso utilizado por Marx, fulcrado tão somente numa intelecção:

 

“Alguém que busque uma verdadeira fundamentação da tese em questão poderá encontra-la através de dois caminhos naturais: o empírico e o psicológico. O primeiro caminho nos leva a simplesmente examinar as condições de troca entre mercadorias, procurando ver se nelas se espelha uma harmonia empírica entre valor de troca e gasto de trabalho. O outro – com uma mistura de indução e dedução muito usada em nossa ciência – nos leva a analisar os motivos psicológicos que norteiam as pessoas nas trocas e na determinação de preços, ou em sua participação na produção. Da natureza dessas condições de troca poderíamos tirar conclusões sobre o comportamento típico das pessoas. Assim, descobriríamos, também,  uma relação entre preços regularmente pedidos e aceitos, de um lado, e a quantidade de trabalho necessária para produzir mercadorias de outro. Mas, Marx não adotou nenhum desses dois métodos naturais de investigação. É muito interessante  constatar, em seu terceiro volume, que ele próprio sabia muito bem que nem a comprovação dos fatos nem a análise dos impulsos psicológicos que agem na ‘concorrência’ teriam bom resultado para a comprovação de sua tese. Marx opta por um terceiro caminho de comprovação, aliás, um caminho bastante singular para esse tipo de assunto: a prova puramente lógica, uma dedução dialética tirada da essência da troca” (grifo nosso). [84]

 

Como se vê, mesmo no aspecto da economia, a teorização marxista está a anos – luz de um conceito moderno de ciência. Não passa de esforço de razão pura, similar aos chamados “Filósofos da Natureza” pré – socráticos, ou seja, uma noção de ciência que remonta a muitos séculos antes até mesmo do Positivismo comteano do século XIX. Nada contra o esforço hercúleo dos gregos em desvendar a natureza e em seguida o homem, tendo como ferramenta somente o intelecto (eram suas condições instrumentais na época em que viviam). Tudo contra alguém que muito tempo mais tarde e dotado de novos instrumentais e conceitos quer forçar um pensamento dogmático, no máximo filosófico (embora nem isso porque não admite o debate), a ser reconhecido como científico.

 

Aduz com acerto Scruton que o marxismo constitui

 

 

“uma doutrina que, enquanto exige status científico, recusa-se a comparecer diante da corte da evidência científica. Tal doutrina, eles dizem é ‘ideologia’, e a moderna literatura está repleta de teorias de ideologia – teorias que se esforçam em explicar o desejo humano por crenças que sejam ao mesmo tempo científicas e inquestionáveis”.  [85]

 

Possivelmente daí todo o encanto, fascínio e sedução exercidos pelo marxismo ao longo do tempo, inobstante suas terríveis contradições internas e ainda mais terríveis consequências práticas.

 

Será que ao menos no campo da História o pensamento marxista tem algum substrato?

 

A resposta negativa se impõe, pois que é marcado por uma ideologia (no sentido marxista crítico acertado), por uma ilusão de linearidade e progresso, totalmente superada. Aqui ainda podemos condescender que Marx vivia num tempo em que essa concepção da história era marcante e em que a crença no progresso era praticamente incontestável. De qualquer forma, para um “gênio” que se considera capaz de transcender a tudo e a todos e ver aquilo que ninguém vê, seria de se esperar um pouco mais de capacidade crítica.

 

Sabe-se que a história não tem um desenvolvimento linear para frente. O tempo histórico avança sim, mas os fatos, as concepções vão e vêm num movimento muitas vezes caótico e imprevisível. Além do mais, não são possíveis divisões estanques de fases históricas, o que somente tem validade didática e para facilitar uma sistematização.

 

Todorov ressalta que “como todos os messianismos, o comunismo defenderá a ideia de que a história possui uma direção preestabelecida e imutável; ele encontrará nisso a legitimação de sua ação”. A aproximação da revelação da Providência Divina nas religiões é nítida, com a única diferença que não bastará a leitura de textos sagrados para inteirar-se da direção do futuro. As leis da história deverão, segundo o marxismo, ser estabelecidas de “maneira científica”. [86]

 

Já foi amplamente demonstrado como essa missão de estabelecer um traçado da história de forma científica é impossível pelos critérios marxistas. Aliás, é impossível por qualquer critério porque essa marcha gloriosa para o futuro progressista simplesmente não existe, não existe uma reta com marcação de anos e eras, nem mesmo um círculo ou qualquer outra aproximação geométrica que possa representar a dinâmica da História.

 

Sobre o tema é oportuna a manifestação de Guillebaud:

 

“A História, até a científica, jamais avança com a majestade de um rio. Ela também serpeia e por vezes torce. Ela gagueja ou se dobra, como acordeão. Ela tem astúcias, dizia Hegel. Por conseguinte, ela enrola em seus turbilhões o novo e o velho, misturados. Em outras palavras, ela pode abrigar em seus recantos ou saliências pedaços de passado postos novamente em estado de movimento” (grifo no original). [87]

 

No seguimento Barros Filho e Dainezi passam a analisar o papel de entidade opressora exercido pelo Estado, segundo a concepção marxista. No bojo dessa concepção qualquer coisa que advenha do Estado, embora traga aparência de tender à Justiça, à Segurança, à Paz Social etc., não passa de um mascaramento de sua natureza opressiva de dominação de uma classe sobre outra (no caso da burguesia sobre o proletariado). Os autores então propõem uma questão interessante:

 

“E, se o grupo dominante fosse outro, deixaria de haver Estado? ‘A burguesia é asquerosa, então vamos dar o poder aos outros”! E o que iria acontecer? Um mundo sem dominação”?  [88]

 

No último item do livro esclarecem os autores que Marx estabelece em “O Capital” que o Estado tem uma “dupla função”, a saber: “uma função técnico – administrativa e outra de dominação política”. Dentro do pensamento marxista, Barros Filho e Dainezi concluem com precisão que, na verdade as duas funções se reduzem a uma apenas, qual seja, a de dominação política, eis que a função técnico – administrativa seria tão somente instrumental em relação à dominação, mais que isso, serviria tão somente para coloca-la em ação e para “camuflá-la”. [89]

 

Realmente, não somente a exposição de Karl Marx, como a de Barros Filho e Dainezi não merece reparos e pode perfeitamente ser aplicada a todos os Estados, sejam eles de orientação marxista, capitalista etc. A política é, em última análise, exercício de poder. Afirma Horowitz que “a política é a guerra conduzida por outros meios”. [90] Por seu turno diz Lenin que “em conflitos políticos, o objetivo não é refutar os argumentos de seu oponente, mas extirpá-lo da face da Terra”. [91]

 

Então agora os autores procuram demonstrar qual a solução marxista para o Estado opressor. Inicialmente fazem uma distinção bem clara e exata do pensamento marxista em relação ao anarquismo. Enquanto para o segundo o Estado deveria ser eliminado sumariamente a perspectiva marxista é diversa. Inicialmente o Estado se conformaria como uma “ditadura do proletariado” que com o tempo lograria ir diluindo o Estado e tornando-o obsoleto até seu total desaparecimento. Esse desaparecimento do Estado se daria concomitantemente ao desaparecimento das classes sociais. Enquanto houver lutas de classes o Estado será necessário como aparato de força para impor os desejos da classe dominante, nesse caso, do proletariado. O problema, mencionado pelos autores, é que essa transição de uma “ditadura do proletariado” para uma espécie de “democracia absoluta e irrestrita” onde a igualdade será perfeita, não tem prazo determinado. [92] Ademais, o que se viu na história real e não nos contos proféticos marxistas foi o surgimento de uma classe dirigente sem proletário nenhum que se perpetuou no poder numa ditadura (na melhor das hipóteses), mas mais comumente em um regime mais que ditatorial, totalitário.

 

 Algo medonho ocorre quando se vai explicar a finalidade “educacional” da “ditadura do proletariado”, exemplificando com a chamada “Revolução Cultural Chinesa”. Nessa perspectiva, como já abordado anteriormente, de maneira velada e oculta se projeta uma verdadeira lavagem cerebral a fórceps, chamando isso de “processo educacional ou pedagógico”. O que é assustador e até abjeto é a apresentação de um carrasco como Mao Tsé – Tung como um “heroi” (sic) que teria erigido uma revolução cultural por “vias educacionais” (sic). [93] Isso deveria ruborizar qualquer pessoa com um mínimo de consciência! No entanto, nem sempre isso ocorre. É que, como diz Pavese (aliás, um escritor italiano ligado ao Partido Comunista):

 

“Existe un arte en cuya virtude podemos hacer que las cosas ocurran de modo que, en nuestra consciencia , el pecado que cometamos sea virtuoso”. [94]

 

Sugiro para quem queira saber sobre a verdadeira “Revolução Cultural” e seus supostos “meios educacionais”, a leitura da autobiografia de Ting – Xing Ye. Ali o leitor verá como se “educa” (sic) mediante prisão, fuzilamento, espancamento, penúria, humilhação, assassinato, fome, sede, ameaças a familiares, desagregação familiar, doutrinação dogmática, tortura, polarização social, preconceito entre outras coisas nauseantes. [95]

 

Mais à frente os autores bem descrevem o que Marx chama de “regiões ideológicas”, que nada mais são do que segmentos especializados de produção ideológica tais como o Direito, a Internet, as Artes, a Religião, a Publicidade, a Moda etc. Na perspectiva marxista, com bem descrevem Barros Filho e Dainezi, cada uma dessas regiões exerce uma parte do processo de dominação da superestrutura a fim de manter a infraestrutura. E essas “regiões ideológicas” são intercomunicantes e se auxiliam mutuamente numa espécie de rede de dominação. [96] Perfeita é a ligação entre essa concepção de Karl Marx e a “Teoria dos Campos” de Pierre Bourdieu, que já havia sido aventada anteriormente na obra. Há realmente muitos pontos de contato. [97]  Bourdieu divide a sociedade em “campos” dentro dos quais há determinadas “regras de um jogo” específico, bem como ganhos e perdas diferenciados (“troféus”). Quando estamos dentro de um desses “campos” quase inevitavelmente adquirimos trejeitos, conceitos, condutas ligadas a eles a que o autor dá o nome de “habitus”. Os “campos sociais”, porém, não são totalmente isolados ou herméticos, eles se comunicam e se influenciam mutuamente. [98]  Tudo isso se aproxima muito da concepção de “regiões ideológicas” de Marx, o que não é de causar susto, vez que Boudieu tem forte influência marxista. O que importa neste ponto final é que efetivamente tanto a concepção das “regiões ideológicas” de Marx, como a “Teoria dos Campos” de Pierre Bourdieu são constatações que podem ser comprovadas empiricamente. Todos nós que, por exemplo, trabalhamos ou atuamos nesta naquela área, sabemos da realidade da existência de trejeitos, objetivos e até mesmo de uma linguagem muitas vezes inacessível ao leigo, ou seja, àquele que pertence a outro “campo” ou “região ideológica” (citemos o exemplo da área jurídica ou da medicina).

 

Finalizando, pode-se dizer que a leitura do livro “Devaneios sobre a atualidade do Capital”, de autoria de Clóvis de Barros Filho e de Gustavo Fernandes Dainezi, feitas as devidas ponderações em relação a algumas lacunas provocadas por certo grau de proselitismo, é bastante proveitosa no que tange à efetiva compreensão do pensamento de Karl Marx. E esse conhecimento e compreensão são importantes tanto para quem acate a teoria ou o dogma, a fim de defendê-lo, como para quem pretenda contrapor-se ou, o que é o ideal, perceber suas virtudes e vícios com equilíbrio.

 

REFERÊNCIAS

 

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Autor:

Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós – graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós – graduação da Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado da Unisal.



[1] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Devaneios sobre a atualidade do Capital. Porto Alegre: CDG, 2014, “passim”.

[2] PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Trad. Monica Baumgarten de Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014, “passim”.

[3] COSTA NETTO, José Carlos. Direito Autoral no Brasil. São Paulo: FTC, 1998, p. 88.

[4] Op. Cit., p. 202.

[5] Trata-se da argumentação fundada em puros ataques pessoais, a qual, obviamente, não é válida numa discussão honesta em geral. A não ser em casos nos quais o tema discutido tenha relação direta com a conduta pessoal de uma das partes. Por exemplo, não se vai acusar um Promotor de Justiça de utilizar argumentos “ad hominem” quando aponta a prática reiterada constante nos autos de condutas criminosas pelo indivíduo em julgamento. Esse é apenas um exemplo casuístico em que o argumento “ad hominem” é legítimo.

[6] BARROS FILHO, Clóvis, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p. 10.

[7] Op. Cit., p. 12 – 13.

[8] Op. Cit., p. 14.

[9] Op. Cit., p. 14.

[10] PAVESE, Cesare. Diálogos com Leucó. Trad. Nilson Moulin. São Paulo: Cosac & Naify, 2001, p. 88 – 89.

[11] GUILLEBAUD, Jean – Claude. O Princípio de Humanidade. Trad. Ivo Storniolo. Aparecida: Ideias & Letras, 2008, p. 211.

[12] PIRANDELLO, Luigi. Um, Nenhum e Cem Mil. Trad. Maurício Santana Dias. São Paulo: Cosac Naify, 2010, p. 10. Da apresentação de Alfredo Bosi.

[13] Op. Cit., p. 13. Também da Apresentação de Alfredo Bosi.

[14] PIRANDELLO, Luigi. O Falecido Mattia Pascal. Trad. Rômulo Antonio Giovelli e Francisco Degani. São Paulo: Abril, 2010, p. 187.

[15] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p. 18.

[16] Aqui obviamente o termo “erótico” é utilizado em seu sentido platônico de desejo, de insatisfação permanente e não com referência a uma conotação exclusivamente ou mesmo predominantemente sexual.

[17] Op. Cit., p. 21 – 22.

[18] LINS, Osman. Problemas Inculturais Brasileiros. São Paulo: Summus, 1977, p. 161.

[19] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p. 23 – 24. Vargas Llosa destaca em sua obra crítica essa decadência ou “crise do capitalismo” proporcionada pelo desaparecimento de uma base moral preconizada, por exemplo, pelo pensamento de Max Weber, rumando para uma banalização consumista. LLOSA, Mario Vargas. A Civilização do Espetáculo. Trad. Ivone Benedetti. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013, p. 165.

[20] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p. 27 – 28.

[21] Op. Cit., p. 31 – 32.

[22] Op. Cit., p. 34 – 35.

[23] BUBER, Martin. Eu e Tu. Trad. Newton Aquiles Von Zuben. 2ª. ed. São Paulo: Moraes, 1977, p. 9. No original: “O homem não é uma coisa entre coisas ou formado por coisas”.

[24] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p.38.

[25] Op. Cit., p. 39.

[26] Op. Cit., p. 40 – 41.

[27] CIORAN, Emil M. Do Inconveniente de ter nascido. Trad. Manuel de Freitas. Lisboa: Letra Livre, 2010, p. 10.

[28] CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Trad. Ari Roitman e Paulina Watch 2ª. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 17.

[29] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p. 48.

[30] ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Globalización y Sistema Penal en América Latina: De la seguridad nacional a la urbana. Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 20, out./dez., 1997, p. 22.

[31] BARROS FILHO, Clóvis, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p. 49 – 50.

[32] Op. Cit., p. 50.

[33] BÖHM – BAWERK, Eugen Von. A Teoria da Exploração do socialismo – comunismo. Trad. Lya Luft. 2ª. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, p. 91 – 93.

[34] Op. Cit., p. 107.

[35] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p. 51 – 52.

[36] Cf. ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, “passim’.

[37] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p. 52.

[38] FEUERBACH, Ludwig. A Essência do Cristianismo. Trad. José da Silva Brandão. Petrópolis: Vozes, 2009, “passim”.

[39] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p.58 – 59.

[40] Op. Cit., p. 59.

[41] Op. Cit., p. 60.

[42] Um dos poucos estudos a respeito não aborda especificamente a teoria, mas as práticas reais de regimes totalitários que resultaram das ideias marxistas, com seus agentes insanos. De qualquer forma é esclarecedora: Cf. LOBACZEWSKI, Andrew. Ponerologia: Psicopatas no poder. Trad. Adelice Godoy. Campinas: Vide Editorial, 2014, “passim’.

[43] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p. 60.

[44] Op. Cit., p. 60.

[45] MOSÉ, Viviane. Nietzsche e a grande política da linguagem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 40.

[46] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p. 69.

[47] Op. Cit., p. 69.

[48] Questiono a validade não sob o prisma de um conhecimento mais superficial e outro mais profundo da teoria; nesse campo indiscutivelmente isso existe. Aliás, não só no que tange ao marxismo, mas a qualquer teoria. Questiono a validade dessa assertiva quanto ao suposto efeito de um refinamento marxista como antídoto para o processo de vitimização paranoica e reducionismo economicista classista inerente à teoria em si.

[49] MARTINS, Ives Gandra. A queda dos mitos econômicos. São Paulo: Thomson, 2004, p. 39.

[50] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes, p. 70.

[51] Op. Cit., p. 70 – 76.

[52] FISS, Owen M. A ironia da liberdade de expressão. Trad. Gustavo Binenbojm e Caio Mário da Silva Pereira Neto. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 33 – 65. Todo discurso que impõe ao oponente uma condição que invalida tudo o que ele diz “ab initio” é um discurso com “efeito silenciador”, o que viola a liberdade de expressão e também qualquer pretensão à validade de uma prevalência do discurso opressor, silenciador.

[53] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p. 78.

[54] SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência.  6ª. ed. São Paulo: Cortez, 2007, p. 17.

[55] Cf. BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo. Trad. Alexandre Müller Ribeiro. Campinas: CEDET, 2013, p. 23.

[56] Cf. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Trad. Raquel Ramalhete. 14ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1996, “passim”. IDEM. Microfísica do Poder. Trad. Roberto Machado. 14ª. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999, “passim”. GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. Trad. Dante Moreira Leite. 6ª. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999, “passim”.

[57] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p. 87.

[58] Op. Cit., p. 88.

[59] Op. Cit., p. 88.

[60] CIORAN, Emil M. História e Utopia. Trad. José Thomaz Brum. Rio de Janeiro: Rocco, 2011, p.102.

[61] Op. Cit., p. 104.

[62] Op. Cit., p. 113.

[63] PONDÉ, Luiz Felipe. Contra um mundo melhor. São Paulo: Leya, 2010, p. 23.

[64] Pelágio propunha que o “pecado original” não existia e, por isso, era possível obter neste mundo a perfeição humana. Contra sua ideia veio Santo Agostinho que, no campo teológico, ganhou o debate. Não obstante essa tese de um homem bom por natureza, o mito do bom selvagem, vai ressurgir várias vezes na história, agora sob uma forma leiga.

[65] TODOROV, Tzvetan. Os inimigos íntimos da Democracia. Trad. Joana Angélica D’Ávila Melo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 21 – 38.

[66] CIORAN, Emil M. Op. Cit., p. 116 – 117.

[67] ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 395.

[68] Op. Cit., p. 437.

[69] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p. 89.

[70] Op. Cit., p. 90.

[71] JOHNSON, Paul. Tiempos Modernos.  Trad. José María Aznar. Madrid: Homolegens, 2007, p. 88.

[72] PONDÉ, Luiz Felipe. A era dos ressentimento. São Paulo: Leya, 2014, p. 129 – 130.

[73] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p. 93.

[74] Op. Cit., p. 96.

[75] Op. Cit., p. 97.

[76] Antes que me acusem de “Fideísmo” (enfeixar e reduzir o pensamento religioso somente ao aspecto da fé ou crença), deixo claro minha ciência a respeito do esforço empreendido por filósofos e teólogos, especialmente da Igreja Católica, tais como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino para aliar fé e razão. Não obstante, mesmo nesses casos, há, na seara religiosa, sempre um campo reservado ao dogma ou à revelação que não admite exploração pela razão humana. Reina então uma postura “apofática”, ou seja, de humildade perante o desconhecido incognoscível.

[77] POPPER, Karl. A Lógica da Pesquisa Científica. Trad. Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. 9ª. ed. São Paulo: Cultrix, 2001, p. 41.

[78] PELUSO, Luis Alberto. Sobre a distinção entre filosofia e ciência no mundo grego. In: MORAIS, Regis de. Filosofia, Educação e Sociedade: ensaios filosóficos. Campinas: Papirus, 1989, p. 111 – 112.

[79] Op. Cit., p. 112.

[80] POPPER, Karl. La Miseria del Historicismo. Trad. Pedro Schwartz. Madrid: Alianza1961, p. 149.

[81] Op. Cit., p. 145 – 146.

[82] KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1998, p. 24.

[83] Op. Cit., pç. 27.

[84] BÖHM – BAWERK, Eugen von. A Teoria da Exploração do Socialismo – Comunismo. Trad. Lya Luft. 2ª. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, p. 101.

[85] SCRUTON, Roger. Pensadores da Nova Esquerda. Trad. Felipe Garrafiel Pimentel. São Paulo: É Realizações, 2014, p. 21.

[86] TODOROV, Tzvetan. Os inimigos íntimos da Democracia. Trad. Joana Angélica D’Ávila Melo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 49.

[87] GUILLEBAUD, Jean – Claude. O Princípio de Humanidade. Trad. Ivo Storniolo. Aparecida: Ideias & Letras, 2008, p. 232.

[88] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p. 110 – 111.

[89] Op. Cit., p. 113.

[90] HOROWITZ, David. A Arte da Guerra Política. Trad. Luciano Ayan. Disponível em www.lucianoayan.com , acesso em 1º. 03.2014, p. 41.

[91] Apud, Op. Cit., p. 24.

[92] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p.114.

[93] Op. Cit., p. 115.

[94] PAVESE, Cesare. El Oficio de Vivir – Diario. Trad. Luis Justo. Buenos Aires: Siglo Veinte, 1965, p. 60.

[95] YE, Ting – Xing. Meu nome é Número 4. Uma história real da Revolução Cultural Chinesa. Trad. Alexandre Martins. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2008, “passim”.

[96] BARROS FILHO, Clóvis de, DAINEZI, Gustavo Fernandes. Op. Cit., p.121 – 122.

[97] Op. Cit., p. 100 – 109.

[98] Cf. BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Trad. Jeni Vaitsman. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 89 – 94.

Como citar e referenciar este artigo:
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Resenha Crítica do livro “Devaneios sobre a atualidade do Capital”. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/resenhas/sociologia-resenhas/resenha-critica-do-livro-devaneios-sobre-a-atualidade-do-capital/ Acesso em: 28 mar. 2024