Processo Civil

Agravo. Ação cautelar inominada. Requerimento de juntada de documentos. Facultatividade. Conhecimento do recurso.

Agravo. Ação cautelar inominada. Requerimento de juntada de documentos. Facultatividade. Conhecimento do recurso.

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

 

EGRÉGIA XXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA

 

                    PROCESSO :  XXX

 

RECURSO:       AGRAVO        

 

AGRAVANTE: XXXXXXXX

 

                    AGRAVADO: XXXXXXX

 

                    RELATORA:  EXMA. DESA. XXXXXXXX

 

PROCURADORA DE JUSTIÇA: XXXXXXXXX

 

 

 

Ilustre Desembargadora Relatora:

 

 

Trata o presente do Agravo de Instrumento interposto por XXXXXXXXX, menor representada por sua mãe, XXXXXXXX, contra a r. Decisão Interlocutória que concedeu, através de audiência de justificação previa, o pedido de liminar nos autos da Ação Cautelar Inominada, ajuizada por XXXXXXXXX, determinando destarte que a aludida menor se abstenha de usar ou alienar o veículo de marca “Corsa Wind”, adquirido durante a realização de um bingo do 2o  Super Festival de Prêmios de Marabá, promovido pela Associação Nacional dos Funcionários da Polícia Federal.

 

 

Em síntese, os autos informam que:

 

1 – XXXXXXXX, menor devidamente representada por sua mãe, XXXXXXXXX, interpôs o recurso de Agravo de Instrumento contra a decisão da MMa. Juíza de Direito da XX Vara Cível de Marabá, Dra. XXXXXXX, que deferiu, após audiência de justificação prévia, o pedido de liminar, nos autos da Ação Cautelar Inominada proposta por XXXXXXXXXXX, determinando que  XXXXXXX se abstenha de usar ou alienar o veículo de marca “Corsa Wind”, adquirido durante a realização de um bingo do 2o  Super Festival de Prêmios de Marabá, promovido pela Associação Nacional dos Funcionários da Polícia Federal. Segundo a Agravante, não procede a alegação do Sr. XXXXXX, no sentido de que o mesmo lhe entregou uma cartela para ser marcada, com a promessa de divisão do prêmio, e que tal cartela teria sido a vencedora. Conforme a Agravante, a cartela premiada foi comprada por sua mãe, e  posteriormente foi passada à sua irmã, XXXXXXX, para ser conferida no sorteio. Alega ainda que o Agravado, por não possuir nenhuma prova que firme a veracidade de sua pretensão, procurou, através de ameaças, extorquir a sua mãe. Fala que não existem elementos probatórios que demonstrem, a favor do Agravado, a existência do fumus boni juris e do periculum in mora. Pede efeito suspensivo ao recurso. Junta documentos.

 

2 – A Exma. Desembargadora Relatora, Dra. XXXXXXX, às fls. 73, indeferiu o pedido de efeito suspensivo ao presente agravo.

 

3 – Às Contra-Razões, o Agravado argumenta que o recurso em tela não deve ser conhecido, em decorrência da não observância do disposto no artigo 526 do Código de Processo Civil, que por sua vez determina que o agravante, no prazo de três dias, deve requerer a juntada, aos autos do processo, de cópia da petição do agravo, do comprovante de interposição, assim como a relação dos documentos que instruíram o recurso. Afirma que está provada no bojo dos autos a existência do fumus boni juris e do periculum in mora a seu favor. Por último, argumenta que a decisão do Juízo a quo não foi cumprida, em razão da deslealdade processual da Agravante, que declarou que teria vendido o veículo em questão antes da audiência de justificação prévia, na qual se omitiu sobre esse fato. Questiona então a realização de tal ato (compra e venda), pois a Agravante não juntou aos autos cópia do documento legal de transferência de veículos emitido pelo CONTRAN. Junta documentos.

 

4 – Às fls. 79, a MMa. Julgadora prestou informações afirmando inicialmente que só tomou conhecimento do presente agravo, através do ofício (n.º 272/99) expedido pela ilustre Desembargadora Relatora, haja vista que a Agravante não cumpriu as formalidades previstas no artigo 526 do Código de Processo Civil. Em seguida, informa que, após a realização de audiência de justificação prévia, convenceu-se da presença do fumus boni juris e do periculum in mora, em favor do Agravado. Fala da atitude de má-fé do advogado da Agravante, que se omitiu, quando da audiência de justificação prévia, em relação ao fato de sua cliente ter vendido o prêmio em discussão. Critica, então, o comportamento do Causídico, que somente fez alusão à operação de compra e venda do veículo no momento em que tomou ciência da decisão que concedeu a liminar hostilizada.

 

 

É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:

 

         Primeiramente, não procede a alegação do Agravado, no sentido de que o presente recurso não deve ser conhecido, em razão da inobservância do disposto no artigo 526 do Código de Processo Civil que, segundo o mesmo, viola o princípio do contraditório e da ampla defesa. Recorremos destarte aos ensinamentos dos professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery que, para essa questão, se encaixam perfeitamente. Senão vejamos:

 

Facultatividade. Embora o texto da norma sugira imperatividade (“requererá”), é faculdade do agravante requerer a juntada, perante o juízo a quo, dos documentos de que fala o texto legal. Como é ônus e não obrigação, caso não providencie a juntada, o agravante terá contra si o fato de que o juízo recorrido não poderá retratar-se, modificando a decisão agravada. Não pode ser apenado pelo não conhecimento do recurso, quando não requerer a juntada dos documentos mencionados no texto comentado. Além de esse requerimento ser faculdade, a lei não prevê expressamente essa pena, de sorte que não é licito ao intérprete criá-la. O argumento de que seria obrigatória para que não haja cerceamento da defesa do agravo não pode ser acolhido, porque a ciência do conteúdo do agravo o recorrido terá quando o tribunal ad quem o intimar para apresentar a contraminuta (CPC 527 III), devendo os documentos do agravo (contrafé) acompanhar o ofício de intimação. A única finalidade dessa providência é, realmente, dar ciência ao juízo a quo da interposição do recurso a fim de que, querendo, possa retratar-se. É ilegal, contra o sistema do Código, não conhecer-se do agravo, porque não houve a comunicação de que trata a norma comentada.

 

Prazo. Não requerida a juntada dos documentos no prazo de três dias, ocorrerá a preclusão, não sendo possível a retratação a pedido do agravante. Tendo ocorrido a preclusão, o juiz somente poderá retratar-se, se e quando for comunicado pelo tribunal, na forma do CPC 527, I. (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery – Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil e Extravagante em Vigor) ( o grifo é nosso)

 

         Dessa forma, o disposto no artigo 526 do CPC estabelece um ônus e não uma obrigação ou um dever, cuja inatividade processual gera conseqüências apenas para o Agravante, ou seja, a preclusão temporal de praticar o ato, reduzindo assim a possibilidade do juiz singular realizar o chamado juízo de retratação. Sua inobservância não pode ser utilizada nas contra-razões do agravado, no sentido de que o juízo ad quem não conheça o referido recurso. A jurisprudência entende da mesma forma:

 

Comunicação ao juízo a quo. Não é obrigação, mas sim ônus do agravante, a comunicação ao juízo de primeiro grau de que o agravo foi interposto, sendo, portanto, facultativa. Caso o agravante não comunique, terá contra si a impossibilidade de o juiz retratar-se, não podendo ser apenado com o não conhecimento do agravo, pena essa não prevista na lei como conseqüência para a não comunicação (TJSP, Câm. Esp., Ag 34838-0/8, rel. Des. Luís de Macedo, v.u., j. 10.4.1997). (o grifo é nosso) 

 

          Quanto ao mérito, o Agravado, na Exordial Cautelar, afirma que, nos dias que antecederam o bingo do Super Festival de Prêmios de Marabá, adquiriu uma cartela para concorrer aos prêmios previstos naquele evento. Entregou então a salientada cartela para a menor XXXXXXXX, que se responsabilizou em marcá-la. A aludida menor, então, foi sorteada com um veículo da marca “Corsa Wind” 0km. No entanto, por não ter verificado o número da cartela que entregou a XXXXXXX, não tem certeza de que foi com esta que a menor adquiriu o referido prêmio. Suspeita então que XXXXXXX tenha sido sorteada utilizando a cartela mencionada, em razão das versões contraditórias apresentadas pela menor, por sua mãe, Sra. XXXXXXXXXX e pelo Sr. XXXXXXXXXXXX.

 

         Pois bem, existe um princípio processual aplicável a todos os tipos de ação, e nisso logicamente se inclui a cautelar,  estabelecendo que o ônus da prova cabe ao autor, em relação aos fatos constitutivos do seu direito. Tal princípio vem previsto no artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil: O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito. Sobre esse princípio, recorre-se mais uma vez aos ensinamentos dos professores Nelson e Rosa Nery:

 

Ônus de provar. A palavra vem do latim, ônus, que significa carga, fardo, peso, gravame. Não existe obrigação que corresponda ao descumprimento do ônus. O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para obtenção do ganho da causa. A produção probatória, no tempo e na forma descrita prescrita em lei, é ônus da condição da parte. (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery – Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil e Extravagante em Vigor). (o grifo é nosso)

 

          Certo então que os fatos controversos e relevantes devem ser provados, pois são, regra geral, objetos da prova, conforme informam os Processualistas mencionados acima: O autor precisa demonstrar em juízo a existência do ato ou fato por ele descrito na inicial como ensejador do seu direito.

 

         Ora, o Agravado, limitou-se apenas a anexar à Exordial, como prova da veracidade de suas alegações, um instrumento particular, manuscrito, no qual informa que a Sra. XXXXXXXXXXXXXXX, comprometeu-se a pagar, a título de acordo, ao Agravado, a importância de R$ 750,00 (setecentos e cinqüenta reais), em razão da doação de R$ 10,00 (dez reais), utilizado para a compra de uma cartela de bingo. Tal instrumento, foi subscrito pelo Sr. XXXXXXXXXXX, ora Agravado, conforme se verifica às fls. 18. Transcreve-se um trecho do acordo:

 

entrando em acordo com o senhor Orlando Souza Feitosa a pagar pelo valor de 10,00 o que ele deu a minha filha de 14 anos para a compra de uma cartela de bingo. (sic) (o grifo é nosso)

 

          A prova documental anexada pelo Agravado não demonstra que o mesmo entregou uma cartela de bingo para que a menor XXXXXXXXX a conferisse no sorteio, muito menos que a cartela sorteada foi a entregue pelo Agravado. Entretanto, tal documento demonstra um ato de liberalidade, realizado pelo Agravado, quando entregou, para a menor XXXXXXX, a importância de R$ 10,00 (dez reais) para a compra de uma cartela de bingo, e que por isso receberia o valor de R$ 750,00 (setecentos e cinqüenta reais).

 

         Mesmo com a petição carente de provas, requereu à MMa. Julgadora, a concessão de uma liminar inaudita altera pars. A nobre Julgadora, consciente de que seria impossível deferir tal pedido, achou melhor realizar uma audiência de justificação prévia. Na aludida audiência, realizou-se o depoimento do Agravado e a oitiva de uma de suas testemunhas, Sr. XXXXXXXXXX, a única que compareceu, sendo que as restantes foram dispensadas. Aliás, tal testemunha poderia ter sido contraditada, face à suspeição, haja vista que existem fortes indícios de possuir interesse no litígio (arts. 414, §1º c/c 405, §3º, IV, do CPC), já que, segundo a mesma, entregou uma cartela para a Agravante conferir. No entanto, subscreveu outrossim um instrumento particular (fls. 61), a título de acordo, no qual se comprometeu  em receber da Sra. XXXXXXXXXX, a importância de R$ 750,00 (setecentos e cinqüenta reais), em decorrência de um empréstimo de R$ 10,00 (dez reais) para a compra de uma cartela de bingo, em nome da menor XXXXXXXX, que foi sorteada.

 

         No depoimento do Agravado e do Sr. XXXXXXXXX, que possuem em comum o fato de ambos terem realizado acordo com a Sra. XXXXXXXXXX, o primeiro a título de doação, e outro de empréstimo, no valor de R$10,00 (dez reais) para a compra de uma cartela de bingo, afirmam que realizaram o aludido acordo em razão de não possuírem nenhuma prova contra a Agravante, acreditando, ingenuamente, que com tal documento veriam sua duvidosa pretensão acolhida. Transcreve-se destarte trecho dos depoimentos:

 

XXXXXXXXXX – Que se achando lesado de seus direitos procurou um advogado; Que devido não possuir nenhuma prova foi orientado por seu advogado a retornar com a mãe da requerida e pegar documento da proposta que havia feito anteriormente…(sic)

 

XXXXXXXXX – Que os dez reais referido no acordo firmado com a dona XXXXXXXXX foi consignado para efeito de entrar na justiça, porque precisava de documentos para essa providência, mas na verdade não emprestou dinheiro a ela…

 

Que aceitou a proposta de receber R$ 750,00 reais, devido a confusão que foi criada em se não saber qual a cartela que foi a premiada a dele e a do XXXXXX….. (sic) ( o grifo é nosso)

 

         Dessa forma, mesmo com a audiência de justificação prévia, não ficaram comprovados os fatos afirmados pelo Agravado, motivo pelo qual sua pretensão não pode ser acolhida. Tanto é assim, que em suas Contra-Razões, o Agravado limitou-se, quase que exclusivamente a fazer referência a questões processuais, visto que em relação ao mérito, seus argumentos, assim como sua intenção probatória, são precários.

 

         Diante de tudo que foi dito, a título de concessão de liminar em ação cautelar, objeto deste agravo, percebe-se que não existem elementos que justifiquem o deferimento de tal medida a favor do Agravado, haja vista não ter ficado demonstrada a existência do fumus boni juris e, conseqüentemente, do periculum in mora, elementos específicos da cautelar. Em suma, o Agravado foi desidioso na defesa do direito que acredita fazer parte de sua esfera patrimonial, ou seja, cinqüenta por cento do valor do prêmio.

 

         Por último, transcreve-se o ensinamento do professor Luis Orione Neto, em  sua brilhante obra, intitulada Liminares no Processo Civil:

 

A lei ao admitir as providências cautelares, exige a verificação de certos requisitos, a fim de que o réu não fique inteiramente à mercê das veleidades e caprichos do autor, ou por outras palavras, a fim de que haja segurança de que as cautelares pedidas pelo autor são realmente justificadas e não constituem uma violência inútil ou desnecessária. É dever do juiz, antes de decretar a providência, certificar-se de que concorrem os requisitos ou as condições prescritas pela lei. E, para a concessão das medidas cautelares, seja ela nominada ou inominada, é mister, imprescindível mesmo, a demonstração do fumus boni juris e do periculum in mora. (Luiz Orione Neto – Liminares no Processo Civil e Legislação Processual Civil Extravagante) ( o grifo é nosso)

 

Por todo o exposto,  esta  Procuradoria de Justiça opina pelo conhecimento do Agravo e pelo seu provimento, para que seja reformada a respeitável decisão hostilizada.

 

 

 

                   É o parecer.

 

                      Belém,   de fevereiro  de 2000

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Agravo. Ação cautelar inominada. Requerimento de juntada de documentos. Facultatividade. Conhecimento do recurso.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/processo-civil-estudodecaso/agravo-acao-cautelar-inominada-requerimento-de-juntada-de-documentos-facultatividade-conhecimento-do-recurso/ Acesso em: 28 mar. 2024