Direito Civil

Apelação Cível. Ação de indenização por morte causada em acidente de trânsito. Responsabilidade do transportador. Ônus da prova.

Apelação Cível. Ação de indenização por morte causada em acidente de trânsito. Responsabilidade do transportador. Ônus da prova.

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

 

EGRÉGIA XXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA

PROCESSO : N° XXXX

APELAÇÃO CÍVEL

APELANTE: XXXXXXX

 

APELADO: XXXXXXXXXX

 

RELATORA: EXMA. DESA. XXXXXXXXXX

 

PROCURADORA DE JUSTIÇA : XXXXXXXX

 

 

 

Ilustre Desembargadora Relatora :

 

Tratam os presentes Autos da Apelação Cível interposta por XXXXXXXXX, nos Autos da Ação Ordinária de Indenização por Morte Causada em Acidente de Trânsito.

 

       

 

Em síntese, os Autos informam  que :

 

 

 

1.      A Autora, ora Apelante, ajuizou, em 17.06.96, uma Ação de Indenização por Morte Causada em Acidente de Trânsito (fls. 2 e 3). Disse que seu marido, XXXXXXXXXX, viajava em uma Kombi de linha, de propriedade do Réu, que capotou. Disse que seu marido faleceu, em decorrência do acidente, e que o Réu não pagou qualquer indenização, nem mesmo referente ao seguro obrigatório. Juntou documentos (fls. 4 a 13).

 

2.      Em sua Contestação, de fls. 23-24, o Réu afirma que é pobre, e não tem recursos para pagar a indenização pedida. Diz ainda que foi feito um acordo extra-judicial, para o pagamento de R$80,00. Supõe-se que esse acordo seria para que a Autora desistisse da Ação, mas isso não fica claro, nem mesmo no documento assinado pelas partes. O Réu afirma ainda que gastou tudo que possuía, dando toda a assistência à vítima. Disse que o seguro do veículo não assegurava a vida de terceiros, e que o seguro obrigatório não foi pago, porque não houve perícia. Disse ainda que dirigia prudentemente, que socorreu a vítima e que não teve culpa na sua morte. Apresentou rol de testemunhas. Juntou documentos (fls. 26- 27).

 

3.      Às fls. 28, Termo de Audiência realizada em 21.08.96. O MM. Juiz rejeitou a alegação constante da Inicial, referente ao Acordo Extra-Judicial.

 

4.      Às fls. 29-31, Termo de Audiência realizada em 15.10.96. Ouvida a primeira testemunha, disse que não presenciou o acidente e que quando chegou ao local viu a Kombi, de propriedade do Réu. Disse que o marido da Autora faleceu depois, em conseqüência do acidente. Ouvida a segunda testemunha, disse que o acidente ocorreu no Km. 99 da Rodovia Altamira-Itaituba. Disse que viu a Kombi capotada e que a vítima morreu em conseqüência do acidente. Disse que não sabe informar se o Réu deu assistência à família da vítima. Ouvida a terceira testemunha, disse que viu também a Kombi e que não sabe quem estava dirigindo o veículo. Disse que a Kombi é de propriedade do Réu. Disse que a vítima morreu no hospital em Belém, em conseqüência do acidente. Ouvida a primeira testemunha do Réu, disse que nada sabia. Ouvida a segunda testemunha, disse que também compareceu ao local do acidente. Disse que o Réu prestou assistência à vítima, conseguiu carro para transportá-lo a Altamira e pagou as passagens para Belém, tendo ficado 14 dias com ele. Disse que o Réu tentou prestar auxílio à família do falecido, mas não houve acordo. Disse ainda que não sabe informar se o veículo era de aluguel. Ouvida a terceira testemunha do Réu, disse que não presenciou o acidente, e só passou pelo local no dia seguinte. Disse que a vítima faleceu em Belém, 27 dias depois. Disse que acha que o Réu ajudou a vítima, mas não sabe afirmar se prestou auxílio financeiro à família. Perguntado, respondeu que o Réu fazia o transporte dos colonos, e cobrava por esse transporte, mas não sabe informar se estava cobrando da vítima. O MM. Juiz fixou o prazo comum de cinco dias, para os memoriais.

 

5.      Às fls. 33- 34, Memorial do Réu. Disse que a Autora sabe que deu uma carona para a vítima e que depois prestou toda a assistência, e que teve que vender a Kombi para pagar esses compromissos. Disse que a Autora sabe que ele é pobre e sustenta uma família numerosa. Disse que as testemunhas da Autora nada disseram de substancial, e que mentiram e a própria Autora mentiu, na Inicial, porque seu filho, que parou de estudar, já é casado, assim como o outro. Pede a improcedência da ação.

 

6.      Às fls. 35- 36, Memorial da Autora. Disse que ficou comprovado o acidente que causou a morte de seu marido, e que o único responsável é o Réu, que não se preocupou em amparar a Autora e seus dois filhos menores. Disse que o Réu não provou as despesas que disse ter feito, com a hospitalização da vítima. Disse que o transporte em Kombis é proibido por lei, por falta de segurança. Disse que o Réu tem a responsabilidade civil e a obrigação de indenizar. Pede a condenação do Suplicado na quantia de R$50.000,00.

 

7.      A Mma. Juíza a quo, Dra. XXXXXXXXXXX, sentenciou (fls. 38- 40). Relatou o processo. Disse que o ônus da prova incumbe à Autora, que deve provar o dano, a culpa e o nexo causal. Disse que não houve perícia no local do acidente. Disse que as testemunhas não presenciaram o acidente, logo, não provaram o nexo causal. Disse que não pode haver a presunção da culpa. Disse que, assim, as provas são frágeis e não provam o nexo causal. Julgou improcedente a ação.

 

8.      A Autora apelou contra essa decisão (fls. 41- 45). Disse que o Réu tinha como atividade o transporte ilegal de passageiros. Disse que o Réu se negou a tomar as providências para que os seguros fizessem as indenizações. Disse que a Ilustre Magistrada a quo não atentou para o documento de fls. 5- 6 , que comprova a fratura e o traumatismo raquimedular, que causou a morte da vítima. Disse que o próprio Apelado reconheceu sua culpabilidade. Disse que o Apelado deveria ter providenciado a vistoria. Citou jurisprudência e doutrina.

 

9.      O Réu apresentou Contra-Razões (fls. 47 a 49). Disse que não foi provada a culpa do Réu. Disse que o Apelado não tem condições de pagar nada a ninguém. Pede a manutenção da sentença.

 

10. Distribuído o Processo, vieram os Autos a esta Procuradoria, para exame e parecer.

 

 

É o Relatório. Esta Procuradoria de Justiça passa a informar:

 

Primeiramente, não ficou comprovado no bojo dos autos, qual o tipo de transporte que a vítima Francisco Rodrigues de Almeida utilizou, ou seja, se foi a título gratuito ou oneroso. Tal distinção é importante para se determinar a natureza da responsabilidade. Caso tenha havido uma contraprestação em razão do serviço, a responsabilidade será contratual (art. 1059 do CC), caso contrário será extracontratual ou aquiliana (art.159, Idem). A dúvida surge quando a Apelante alega em sua petição inicial que a vítima viajava em uma Kombi de linha, o que dá a entender que realizou um contrato denominado pela doutrina como transporte de pessoa com o Apelado, sendo que o aludido contrato possui a característica de ser não-solene, ou seja, informal, que não depende de instrumento escrito, como no caso dos transportes urbanos. No entanto, a testemunha XXXXXXXXXXXX, informa que a vítima lhe disse que precisava ir no que chamou de 90 e que para isso pegou uma carona com o réu, ou seja, que o transporte foi gratuito.

 

Essa distinção será de suma importância para estabelecer o ônus da prova, já que, no transporte oneroso/contratual existirá a chamada inversão do ônus da prova, em razão da presunção de culpa em desfavor do transportador, que deverá comprovar a ausência da responsabilidade, através da demonstração do caso fortuito, da força maior, ou culpa exclusiva da vítima. Já no transporte gratuito,  o autor é quem deverá demonstrar a existência dos elementos caracterizadores da responsabilidade aquiliana, proveniente de um ato ilícito ( por culpa ou dolo), quais sejam, a conduta comissiva ou omissiva, o dano, o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado, e a culpa, aqui empregada no sentido lato sensu. Em relação à inversão do ônus da prova na responsabilidade contratual do transportador, ensina a professora Maria Helena Diniz:

 

Por isso haverá para o transportador uma presunção de responsabilidade; se ocorrer um acidente cuja causa não fique esclarecida, ele responderá por isso, devendo provar que o fato se deu por força maior ou caso fortuito ou culpa da vítima. O simples fato da inadimplência contratual provaria a culpa do transportador, que só se eximirá do dever de ressarcir o dano se conseguir aduzir a seu favor a escusativa do caso fortuito, da força maior ou da culpa do lesado.

 

Se houver morte, deverá pagar o sepultamento da vítima e uma indenização àqueles a quem o óbito do passageiro privou de alimentos, auxílio ou educação (Dec. N. 2.681/12, arts. 21 e 22) (Curso de Direito Civil Brasileiro – Maria Helena Diniz – 7º Volume – Responsabilidade Civil)

 

          A jurisprudência entende da mesma maneira, senão vejamos:

 

Somente o caso fortuito, a força maior e a culpa exclusiva da vítima excluem a responsabilidade civil do transportador a título oneroso. (TAMG – 2ª C. Ap. Rel. Gudesteu Biber – j. 22.4.83 – RT 591/237)

 

 Tratando-se do transporte de passageiro, no contrato está ínsita a cláusula de incolumidade, pela qual o transportador se responsabiliza de levar são e salvo o passageiro ao seu destino. A empresa só se exonera da obrigação de reparar, provando caso fortuito ou força maior, ou culpa do viajante. (RT 491/63)

 

A responsabilidade do transportador, tal qual um depositário, é sempre presumida, amparada pela teoria da culpa sem prova, que tem seu nascedouro na infração das regras preestabelecidas da obrigação em si – responsabilidade, essa que se origina não da culpa aquiliana, mas sim do contrato firmado e não cumprido. A ocorrência das eximentes de tal responsabilidade (caso fortuito ou força maior) somente pode ser reconhecida quando realmente ocorram a imprevisibilidade e a irresistibilidade do evento, eliminando totalmente a relação de causalidade entre o dano e o desempenho do contrato (1º TA CIVIL SP – 3ª C – Rel. Toledo Silva  j. 11.5.87 – RT 620/118) ( o grifo é nosso)

 

         A Apelante, então, deveria comprovar a alegação, contida na inicial, de que seu marido realizou um contrato de transporte com o Apelado, para que assim tivesse a seu favor a salientada presunção, o que não ocorreu. Ao contrário, consta dos autos prova (testemunhal) que demonstra que a vítima foi transportada gratuitamente, e que, por força disso, não há, no litígio em tela, exceção ao princípio inserido no artigo 333, inciso I do Código de Processo Civil, que reza: O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

 

         Sobre esse princípio, recorre-se aos ensinamentos dos professores Nelson e Rosa Nery:

 

Ônus de provar. A palavra vem do latim, ônus, que significa carga, fardo, peso, gravame. Não existe obrigação que corresponda ao descumprimento do ônus. O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para obtenção do ganho da causa. A produção probatória, no tempo e na forma  prescrita em lei, é ônus da condição da parte. (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery – Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil e Extravagante em Vigor). (o grifo é nosso)

 

Dessa forma, ao se fazer uma análise dos presentes autos, percebe-se que a Sra. XXXXXX não comprovou a culpa do Apelado, seja através de prova testemunhal, seja através de prova pericial, esta de grande importância para os casos que envolvam acidentes automobilísticos. Não ficou destarte demonstrada a prática de um ato ilícito por parte do Sr. Clemente dos Santos, que pudesse gerar para o mesmo a obrigação de indenizar os danos materiais causados por tal conduta. Por último, transcreve-se jurisprudência que estabelece ao autor, o ônus probandi da culpa para fins de indenização, em decorrência da prática de ato ilícito:

 

Ausência ou insuficiência de provas. Improcede ação de indenização fundada em responsabilidade por ato ilícito na falta de prova da culpa, que constitui um dos pressupostos do dever de indenizar (TARJ – 4ª C – Ap. – Rel. Raul Quental – j. 10.2.81 – RT 565/214)

 

Esta Procuradoria de Justiça se manifesta, considerando o exame de todos os elementos da Presente, pela improcedência do pedido da Apelante, por entender que a mesma não possui o VIRTUS PROBANDI, necessário para demonstrá-lo.

 

 

É O PARECER.

 

                   Belém,  de fevereiro de 2000.

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Apelação Cível. Ação de indenização por morte causada em acidente de trânsito. Responsabilidade do transportador. Ônus da prova.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/obrigacoes/apelacao-civel-acao-de-indenizacao-por-morte-causada-em-acidente-de-transito-responsabilidade-do-transportador-onus-da-prova/ Acesso em: 29 mar. 2024