Apelação Cível. Ação Ordinária de Anulação de Escritura Pública de Imóvel. Nulidade do Alvará. Requisitos para a validade do ato jurídico. Prazo de prescrição.
Fernando Machado da Silva Lima*
EGRÉGIA XXXXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA
PROCESSO : N° XXXXXXX
APELAÇÃO CÍVEL
SENTENCIANTE : MMa. JUÍZA DE DIREITO DA XXª VARA CÍVEL DA CAPITAL
SENTENCIADO/APELANTE: XXXXXXXXXXXXX
SENTENCIADO/APELADO: XXXXXXXXXXXXX E OUTROS
RELATORA : EXMA. DESA. XXXXXXXXXXXX
PROCURADORA DE JUSTIÇA: XXXXXXXXXXXXXXXX
Ilustre Desembargadora Relatora :
Tratam os presentes Autos de Ação Ordinária de Anulação de Escritura Pública de Imóvel ajuizada pelos herdeiros de XXXXXXXXXX, e julgada procedente pelo MM. Juízo a quo.
Em síntese, os Autos informam que :
1. XXXXXXXXXXXX, assistido de sua mulher e XXXXXXXXXXXXX, assistida de seu marido, como herdeiros de XXXXXXXXXXXX, propuseram Ação Ordinária de Anulação de Escritura Pública de Imóvel (fls.
2. A Requerida apresentou contestação (fls.
3. Em suas Contra-Razões (fls.72 e 74 – houve erro na numeração do processo), os Requerentes afirmam, inicialmente, que não ocorreu a prescrição, conforme alegado na Contestação, porque embora se tratando de ação sobre direito real, a regra de prescrição aplicável à nulidade do ato jurídico é a do artigo 177 do Código Civil Brasileiro. Quanto ao vício de consentimento, dizem que a procuração usada para requerer o Alvará foi indevidamente aproveitada, porque na época o referido advogado já não era mais procurador do pai dos Requerentes, que ignorava totalmente tal procedimento, haja vista que incluía o imóvel em todas as suas declarações de imposto de renda. Afirmam, ainda, que mesmo que tivesse havido autorização, teria sido necessária a cessão da Escritura de Promessa de Compra e Venda, feita de forma irrevogável e irretratável, com quitação e imissão de posse no ato.
4. Às fls.
5. A Ilustre Promotora de Justiça, em seu Parecer de fls.
6. Indicadas provas, deferidas, designada audiência. Anexados documentos de fls
7. A MM. Juíza a quo prolatou sentença (fls
8. Interposto Recurso de Apelação (fls.
9. Apresentadas Contra-Razões, às fls.
10. Redistribuídos os Autos para a 1ª Câmara Cível Isolada, vieram a esta Procuradoria.
É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:
Trata a presente controvérsia do entendimento do artigo 82 do Código Civil, pelo qual a validade do ato jurídico requer agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei.
Tendo em vista que todo ato negocial pressupõe sempre uma declaração de vontade, a participação do agente somente será válida se ele possuir a capacidade para tanto, e se não ocorrer qualquer vício do consentimento.
O imóvel da XXXXXXXXX, foi objeto de escritura pública de promessa de compra e venda, lavrada no ano de 1.960, com cláusula de irretratabilidade, sendo alienante a Sra. XXXXXXX, e adquirente o Sr. XXXXXXXXXXX. Não foi feita a transcrição no Registro de Imóveis, em nome do adquirente, o que ocorreu somente em 1.977, já em decorrência de Alvará judicial, em nome da Sra. XXXXXXX, ora Apelante.
Pelo que consta dos presentes Autos, ficou constatado que o Sr. XXXXXXXXX desconhecia o negócio realizado pela Requerida, sendo assim nulo o processo pertinente ao Alvará judicial que originou a Escritura Pública lavrada em favor da Sra. XXXXXXXXXXX, porque ficou provada a ocorrência do vício de consentimento e porque houve inobservância da forma prescrita em lei.
Sendo da substância do ato a escritura pública, e tendo sido o imóvel em questão adquirido dessa forma, não poderia ser transferido para terceiros, sem que tivesse sido feita cessão de direitos, pelo que o ato jurídico é nulo, por não revestir a forma prescrita em lei. (Código Civil, artigo 145, III)
A nulidade é absoluta, não podendo assim o ato inquinado por vícios essenciais produzir quaisquer efeitos, por ofender princípios de ordem pública. É como se nunca houvesse existido esse ato, pois a declaração de sua invalidade produz efeito ex tunc.
Ocorre que, à semelhança da proteção constitucional dos direitos adquiridos, destinada a garantir a segurança jurídica, trata-se aqui, preliminarmente, de uma hipótese de prescrição, ou seja, da extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular, durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso, visando o legislador evitar a indefinida perpetuação das incertezas, que resultaria da inexistência de prazos prescricionais ou decadenciais.
O Patrono da ora Apelante alegou a prescrição, em sua Contestação, às fls. 43 e 44, nos dois enquadramentos, o da prescrição ordinária ( Código Civil, art. 177) e o da prescrição especial (art. 178, § 9º, V).
O Patrono dos Apelados, em suas Contra-Razões, disse apenas, às fls. 72, que
a prescrição argüida pela Ré não se operou em relação aos Autores como alegado na Contestação. Trata-se de ação sobre direito real, porém o que se busca é a nulidade do ato jurídico, cuja regra de prescrição deve ser a do art. 177 do Código Civil Brasileiro.
O que será que o Doutor Advogado queria dizer com isso? Que a prescrição somente ocorreria com vinte anos? Mas ele mesmo afirmou que se trata de ação sobre direito real…
A Ilustre representante do Ministério Público, examinando o tema, às fls. 85, afirmou apenas que, sendo o ato nulo de pleno direito,
esta prescrição não respeita a vulnerabilidade do ato nulo e, portanto, sendo nulo o ato, o mesmo prescreve em vinte anos.
A Mma. Julgadora, às fls. 149, repetiu essa frase, em nosso entendimento completamente equivocada, achando também que a prescrição não chegou ao seu termo.
Esta Procuradoria entende ser evidente que a prescrição ocorreu em quatro anos, nos termos do artigo 178, § 9º, V, do Código Civil, contados da data da lavratura da Escritura de Compra e Venda, no Cartório XXXXXXXX, isto é, do dia 14.01.77, porque se trata de Ação destinada a anular contrato de compra e venda de imóvel, obtido mediante erro dolo, simulação ou fraude.
A prescrição extingue não apenas a ação, mas também o direito, de modo que após o decurso do prazo fixado pelo legislador para a duração da possibilidade de que seja o ato realizado com eficácia jurídica, se o titular do direito se manteve inerte, a lei o declara extinto, e conseqüentemente tranca a ação judicial de que poderia ele se ter valido tempestivamente para exercê-lo.
Apesar de qualquer objeção inspirada em considerações éticas ou lógicas, a verdade é que os Autores, ora Apelados, foram fulminados pela prescrição. E é claro que não podem eles, juridicamente, alegar desconhecimento, porque a Escritura foi lavrada por documento público e assim, sua inércia torna presumível o desinteresse, conforme o brocardo latino: dormientibus non succurrit jus.
De qualquer forma, rigorosa como possa parecer a conclusão, é a segurança do comércio jurídico que exige, no dizer de Orlando Gomes, a aplicação do instituto da prescrição, para consolidar pelo decurso do tempo as situações jurídicas que, ao contrário, permaneceriam indefinidamente incertas e sujeitas a dúvidas e controvérsias.
Apenas ad argumentandum, mesmo que concordássemos com a aplicação do art. 177 (prescrição genérica), seria impossível dizer, como na R. decisão ora recorrida, que a prescrição somente ocorreria em vinte anos, porque se trata de ação de natureza real, que prescreve em dez anos, entre presentes, assim entendidos os que residem no mesmo município, presumindo, evidentemente, o legislador, que esse prazo prescricional de dez anos seria suficiente para que essas pessoas, que aqui residem, tomassem conhecimento da ocorrência de lesão ao seu direito.
Trata-se, evidentemente, de fictio juris, indispensável porém, conforme já dito, para a manutenção da segurança jurídica.
Ex positis, esta Procuradoria de Justiça entende que deve ser reformada in totum a respeitável Sentença a quo, para que seja declarada extinta a Ação Ordinária de Anulação de Escritura e Cessão de Direito de Compra e Venda em que é alienante XXXXXXXX e adquirente XXXXXXXXXXXX.
É o parecer.
Belém, outubro de 1999
Procuradora de Justiça
* Professor de Direito Constitucional da Unama
Home page: www.profpito.com
Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.