Direito Civil

Parecer: Permuta de Bens do Menor

Parecer: Permuta de Bens do Menor

 

 

Sergio Wainstock*

 

 

CONSULTA

 

P.B.A., mãe de A.B.L., nascido em 6 de Abril de 1985, deseja saber como proceder a permuta do imóvel que se encontra em nome de seu filho, A.B.L., situado na Estrada P nº 15, Nilópolis, RJ, por outro de propriedade de S.A.D., situado na rua S, apto. 20, no Município de Muriqui, RJ, considerando que ainda está correndo o inventário de A.L..

 

 

P A R E C E R

 

Consta na escritura de compra e venda relativa a aquisição do imóvel situado na Estrada P nº 15, Nilópolis, RJ, lavrado no 1º Oficio de Notas, livro 21, fls. 7, ato 33, datado de 1 de Junho de 1985, que A.B.L., brasileiro, menor impúbere, representando por seu pai, A.L., adquire o referido imóvel de J.C.S. e sua mulher L.M.C.S.. O imóvel em questão foi registrado no RGI, da Primeira Circunscrição de Nilópolis, livro 2, sob a matrícula nº 6.       

 

Consulta-se sobre a possibilidade de permuta do imóvel de propriedade de A.B.L., menor impúbere, por outro de propriedade de S.A.D., situado no Município de Muriqui, na rua S, apto. 20, atentando-se para fato de que o inventário de A.L. se encontrar, ainda, em andamento.

 

É importante ressaltar, na hipótese, que A.B.L. é menor impúbere e, portanto, não pode, o pai, ou, na sua falta, a mãe, alienar, hipotecar ou gravar de ônus reais os imóveis dos filhos exceto por necessidade ou por evidente necessidade do filho, sempre mediante prévia autorização do Juiz.

 

A matéria é regulada pelo artigo 386 do Código Civil que assim dispõe:

 

“Não podem, porém, alienar, hipotecar, ou gravar de ônus reais, os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, exceto por necessidade, ou evidente utilidade da prole, mediante prévia autorização do juiz.”

 

Como se pode perceber, a lei não cogita a possibilidade de permuta.

 

Nos poderes de administração, pelo titular do pátrio poder, não se inclui o de alienar imóveis, se tal negócio jurídico não entra, pelas circunstâncias, na classe dos atos de administração. A alienação do imóvel pelo titular do pátrio poder, sem autorização do Juiz, é alienação de coisa alheia e, portanto, ineficaz.

 

Até a idade de dezesseis anos o menor não pode, juridicamente, praticar ato algum, ainda, em relação a tais bens pois que a lei o considera absolutamente incapaz e a respeito não corre prescrição. Completados os dezesseis anos poderá o menor alienar os bens desde que com a assistência do titular do pátrio poder.

 

Em suma, os atos e as obrigações contraídas pelo menor de dezesseis anos são nulos. Não podem ser ratificados. Não há prazo prescricional para a propositura da ação de nulidade. Da mesma forma, se não houve autorização judicial, que era indispensável, o ato jurídico é nulo, e, também, não há prazo prescricional. Se houver alienação de bem imóvel do filho, com autorização judicial, sem haver necessidade ou evidente utilidade do filho, ou constituição de direito real sobre o imóvel, com autorização judicial, sem que houvesse necessidade ou evidente utilidade para o filho, então, sim, a ação prescreve em um ano, contado o prazo do dia em que o filho chegar à maioridade.        

 

Por outro lado, as obrigações contraídas por menores, entre dezesseis e vinte anos são anuláveis quando resultem de atos por eles praticados, sem autorização de seus legítimos representantes, ou sem assistência do curador que neles houver, obrigatoriamente, de intervir (art. 154 do Código Civil).

 

Todavia, a título meramente de ilustração, esclarecemos que o menor entre dezesseis e vinte e um anos não pode, para se eximir a uma obrigação, invocar a sua idade, se dolosamente a ocultou, quando inquirido pela outra parte, ou se no ato de se obrigar, espontaneamente, se declarou maior (art. 155 do Código Civil).

       

A representação de menor sob o pátrio poder será feita pelo pai e na falta ou, impedimento deste, pela mãe, não havendo necessidade de que seja exercitada por ambos os genitores.

 

O art. 8º do Código de Processo Civil estabelece que “os incapazes serão representados ou assistidos por seus pais”, de forma generalizada, sem, contudo, estabelecer que, obrigatoriamente, serão representados ou assistidos por ambos os genitores.

 

Assim, disciplina o assunto, sem dúvida, o art. 380 do Código Civil, que estabelece o exercício do pátrio poder e neste implica a representação ou assistência prioritariamente ao pai, só na falta deste ou impedimento, compete tal exercício à mãe.

 

No mesmo diapasão, estabelece o art. 385 do Código Civil no sentido de que a administração dos bens dos filhos compete ao detentor do pátrio poder.

 

O festejado e imortal CLÓVIS BEVILÁCQUA, em anotação ao art. 380 do CC, põe a claro que:

 

“O marido não absorve a personalidade da mulher, a autoridade do pai não faz desaparecer o direito da mãe de velar pelo bem-estar do filho. Apenas o pai como chefe de família tem preeminência e preferência. Se o pai está impedido por enfermidade mental, ausência declarada ou condenação criminal, a mulher o substitui. Se morre o pai, transfere-se à mãe o poder paterno” (CC, Ed. Paulo de Azevedo Ltda., 1954, vol. 2, pág. 280).

 

A jurisprudência de nossos tribunais é no mesmo sentido:

 

O pai e, em sua falta, a mãe são os administradores legais dos bens dos filhos que se achem sob o seu poder; porém, não podem alienar, hipotecar ou gravar de ônus reais os bens imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade, ou evidente utilidade da prole, mediante prévia autorização judicial (CC, arts. 385 e 386). (TJDF – AI 6.070-DF – (Reg. Ac. 86.895) – 5ª T – Rel. Des. José D. Meireles – DJU 11.09.96).

      

Vê-se, como já afirmado, que a mulher ou mãe só em casos especiais, de impedimento ou falta do pai, exercerá a representação ou assistência dos menores, visto que, preferentemente, exerce o pátrio poder o pai com poderes de representação e assistência.

 

De regra, pois, não pode, o pai, ou, na sua falta, a mãe, alienar, hipotecar ou gravar de ônus reais os imóveis dos filhos exceto por necessidade ou por evidente interesse do filho, sempre mediante prévia autorização do Juiz.

 

Na ação de alienação, ou oneração de bens dotais ou de menores, que é a ação de jurisdição voluntária (artigo 1112, III, do Código de Processo Civil), a petição inicial deve ser bem fundamentada, tem que ser citados os interessados e o Ministério Público

 

Assim, não é necessidade do pai – ou da mãe – que deve ser comprovada; mas é necessário que ocorra necessidade do filho ou evidente utilidade para ele. Por exemplo, pode haver necessidade para sustento ou educação do filho, para evitar a deterioração do bem ou por ser a utilidade evidente.

 

A representação de menores deve, obrigatoriamente, ser pelo pai e pela mãe, a teor do art. 8º do Código de Processo Civil, e a avaliação dos bens deverá ser feita por profissional habilitado, com conhecimento técnico e científico, obediente ao art. 145, § 1º, também do Código de Processo Civil.

 

As avaliações judiciais serão feitas pelo avaliador judicial, detentor deste cargo. A exemplo do perito, é também um auxiliar da justiça e com maior razão deve exercer este mister por ser auxiliar oficial, nomeado para tanto.

 

Na hipótese em causa, ao se optar pela permuta ao invés de simples alienação deve haver necessidade de se avaliarem ambos os imóveis.

 

O artigo 386 do Código Civil tratando dos menores sob pátrio poder exige a prévia autorização do juiz , como já nos referimos, mas não aludiu a venda em hasta pública. A exigência da hasta pública só se admite que o menor está sob tutela (art. 429 do Código Civil).

 

A jurisprudência é neste sentido:

 

A exigência de hasta pública para venda de bens de menor incide quando este se encontra sob “tutela” (art. 422 e 429 do Código Civil). Quando o menor está sob o pátrio poder a alienação de seus bens é condicionada apenas à prévia autorização do juiz (art. 386 do Código Civil). Não há que se cogitar de conluio dos administradores do espólio nem mesmo de terem sido os bens vendidos por preço vil, o que não ficou comprovado nos autos. Embora não tenha havido hasta pública, procedeu-se a uma efetiva tomada de preços, posto que as rés ofereceram melhores propostas do que empresas anteriormente consultadas. (TJDF – AC 40.102 – DF – (Reg. Ac. 92.314) – 2ª C – Rel. Des. Campos Amaral – DJU 12.03.97).

 

Em suma. Não é relevante o fato de o pai do menor já ter falecido e que o inventário ainda estar em andamento porque o menor pode, legalmente, ser representado por sua mãe, P.B.A..

 

Também se conclui que é imperativo a autorização prévia do Juiz, em ação que deverá ser processada de conformidade com os artigos 1103 e seguintes do Código de Processo Civil, sob o fundamento da necessidade ou por evidente interesse do menor. E que se deve promover a avaliação judicial do bem – ou dos bens, no caso de permuta – por perito nomeado pelo Juiz.

 

A questão que poderá surgir, na hipótese, é quanto ao acolhimento ou a admissibilidade da permuta dos imóveis tendo em vista que o artigo 386 do Código Civil somente faz referência aos casos de alienação, hipoteca, gravar de ônus reais ou contrair, em nome dos menores, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração.

 

À respeito, impõe-se algumas ligeiras considerações.

 

O Direito não se reduz às normas formalizadas. Ao contrário, conjugam-se com as não formalizadas, resultantes das relações intersubjetivas. A norma jurídica, na realidade, é padrão, referência, sugestão, esquema de trabalho, mero compromisso histórico. Eventualmente, em se tornando antiquada, superada, deixando de satisfazer a realização do justo, é evidente que deve ceder o passo para não comprometer o espaço.

 

E como compromisso ou esquema histórico, o Direito não é absoluto. Cessa sua eficácia absoluta no instante em que a norma evidenciar inadequação, constituir obstáculo para realizar o valor eleito.

 

Na verdade, a lei deixa de ser em tese no momento em que incide. No momento em que ocorrem os fatos na mesma descritos, e que, por isto mesmo, nasce a possibilidade de sua aplicação. Não é o ato de aplicar a lei, mas a ocorrência de seu suporte fático que faz com que a lei possa ser considerada já no plano concreto.

 

Em assim sendo, o discurso judiciário não deve ser mera projeção do trabalho legislativo. O Juiz não é autômato aplicador de labor posto por outrem. Ao revés, o Magistrado, antes de tudo, porque diante de dois fenômenos – lei e fato social – deve ser, consequentemente, o crítico da lei e do fato social.

 

Isto posto, acreditamos que não deve, o Juiz, em nosso modesto entendimento, olvidar que a norma jurídica não se reduz a um mero esquema lógico-formal. Há, na hipótese, uma realidade social, que é a matéria, o conteúdo a ser considerado, considerando-se que a autorização da permuta não trará prejuízos ao menor mas, muito ao contrário, preservará o seu patrimônio o que não ocorreria, certamente, numa mera alienação do bem, consoante autoriza o artigo 386 do Código Civil .

 

Este é o nosso parecer.

 

 

* Consultor Jurídico

 

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Como citar e referenciar este artigo:
WAINSTOCK, Sergio. Parecer: Permuta de Bens do Menor. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/obrigacoes/parecer-permuta-de-bens-do-menor/ Acesso em: 29 mar. 2024