Direito Civil

Parecer: Legalização Da Escritura De Imóvel Em Face Do Formal De Partilha

Parecer: Legalização Da Escritura De Imóvel Em Face Do Formal De Partilha

 

 

Sergio Wainstock*

 

 

Legalização da escritura relativo a aquisição do imóvel situado na Av. R. nº 6, apto. 2, em face do formal de partilha de J.P.L..

 

 

EXPOSIÇÃO E CONSULTA

      

J.C. adquiriu o imóvel constituído do apto. 2, situado na Av. R. nº 6, antigo 6, em Copacabana, RJ, das mãos dos herdeiros e sucessores de J.P.L. e de O.B.P.L.

 

Aberto o inventário de J.P.L. – falecido no dia 29 de Março de 1955 – no Juízo de Direito da 2ª Vara de Órfãos e Sucessões, Cartório do 2º Oficio, constata-se a execução de seu testamento.

 

J.P.L. instituiu sua esposa, O.B.P.L., como usufrutuária vitalícia da metade de sua meação, isto é, usufrutuária daqueles de seus bens correspondentes a sua porção disponível; e que, por ocasião de seu falecimento, todos os bens passariam aos seus cinco filhos, em partes iguais e de plena propriedade.

 

No referido testamento consta, dentre os bens relacionados, “o direito e ação sobre o apartamento 2, situado na Av. R. nº 6, antigo 6, prometido comprar pelo “de cujus” a D.P.J., conforme escritura de promessa lavrada no 17º Oficio de Notas, sob o nº XX, às fls. 62, em 12 de Dezembro de 1950″.

 

Existe uma certidão do 5º Oficio do Registro Geral de Imóveis, datada de 25 de Outubro de 1972, em relação ao imóvel em questão, na qual se faz menção de que o direito e ação foi partilhado à O.B.P.L., viúva e aos demais herdeiros, nos termos do formal de partilha extraído dos autos de inventário dos bens deixados por J.P.L.; que tal imóvel foi partilhado na proporção de metade para a primeira – O.B.P.L. – e a metade para os demais herdeiros. Que a metade do imóvel partilhado aos demais herdeiros ficariam gravados com usufruto em favor da O.B.P.L., quando da escritura de venda, conforme verba testamentária transcrita no formal.

 

Ocorre que O.B.P.L., em 31 de Janeiro de 1977, requereu a adjudicação compulsória do imóvel constituído do apartamento 2, situado na Av. R. nº 6, antigo 6, alegando que adquiriu, de D.P.J., o referido imóvel, por escritura lavrada em 12/12/1950, relatando que no inventário só foram partilhados direito e ação porque, por ocasião do falecimento de seu marido, J.P.L., não havia ainda sido resgatada toda a dívida junto ao antigo I.A.P.I.; que tal dívida foi posteriormente liquidada possibilitando a regularização do título aquisitivo. O feito se processou normalmente, no Juízo da 9ª Vara Cível, sendo, a final, passada a carta de adjudicação em favor da requerente, na integralidade da propriedade.

 

O 5º Oficio do RGI se recusou a levar a registro a adjudicação compulsória tendo em vista a não participação dos demais sucessores na lide, no polo ativo, fato este que levou a um questionamento ao Juízo da Vara de Registros Públicos .

 

 

PARECER JURÍDICO

 

A sucessão é um dos modos de aquisição da propriedade, que, pelo efeito morte, transmite aos herdeiros e legatários do sucedido, um leque quase absoluto de créditos e obrigações que se constituem em direitos reais. Como bem observa ORLANDO GOMES, apesar do direito sucessório constituir-se de relações predominantemente patrimoniais, sua autonomia se sustenta para regulação unitária, porque encerra princípios e figuras que se distinguem dos outros ramos do direito civil e reclamam, por isso, disciplina orgânica.

 

Contudo, a sucessão legítima não se dissocia do Direito de Família, com o qual guarda estreita vinculação, não simplesmente porque procura preservar dentro da família a herança, haja vista a ordem de vocação hereditária estabelecida para a sucessão legítima, mas, também, porque quando desfeita a sociedade conjugal pela morte de um dos consortes, como em qualquer outra sociedade, os bens comuns, isto é, pertencentes às duas pessoas que foram casadas, devem ser divididos.

 

EMMANUEL KANT diz que as pessoas que vivem em comunidade familiar, onde uma tem influência sobre a outra, adquirem este estado familiar não por contrato, nem por fato arbitrário, mas, sim, por lei; e este vínculo que surge entre o homem e a mulher e do casal com seus filhos, ou a aquisição destes objetos, são todos eles insuscetíveis de alienação, formando direito eminentemente pessoal de cada qual dos seus respectivos possuidores.

 

Talvez numa linguagem menos rebuscada, os direitos familiares podem ser identificados como faz EDUARDO ZANONI em direitos subjetivos familiares e que seriam àquelas faculdades outorgadas às pessoas como meio de proteção de interesses legítimos determinados pelas relações jurídicas familiares, sempre inserto no contexto dos interesses familiares que são seu objeto.

 

Destarte, a atribuição subjetiva de relações jurídicas familiares determinam uma série de caracteres específicos e próprios do estado de família, que são dentre outros, a unidade, oponibilidade, estabilidade, inalienabilidade, intransmissibilidade, irrenunciabilidade, imprescritibilidade, pessoalidade.

 

Simples resta constatar através destes caracteres a pessoalidade do direito de família, incluso quanto ao aspecto da meação, decorrência do regime matrimonial de bens. Primeiro, porque os direitos pessoais familiares são obrigatórios e em sendo irrenunciáveis, já aí diferem por exemplo dos direitos reais, cuja generalidade é justamente renunciável.

 

Também sendo intransmissíveis, como diz ANTUNES VARELA, se encontram visceralmente ligados a certo estatuto pessoal dos sujeitos da relação, característica que não se adapta aos direitos de crédito e nem tampouco aos direitos reais, que se constituem em direitos suscetíveis de livre transmissão. Veja-se por exemplo, que o consorte não pode transmitir a outrem seu direito de meação, sem que extinga o regime com a promoção da dissolução do casamento e correlata partilha.

 

Importante tornar à doutrina de ANTUNES VARELA, quando assevera que a maior parte dos direitos pessoais familiares integram-se no estado civil das pessoas, que define a sua posição dentro da comunidade. Estado é o conjunto de direitos, faculdades, poderes, deveres, estados de sujeição, ônus jurídicos e etc. ou seja, uma posição jurídica complexa e duradoura (enquanto perdurarem as núpcias e não desfeitos seus efeitos), ou, enquanto esta pessoa continuar membro de determinada comunidade conjugal.

 

E complementa VARELA que por este caráter duradouro, também os direitos pessoais distinguem-se da generalidade dos direitos de créditos e dos reais; dado que os direitos de crédito visam satisfazer o interesse do credor, tendo caráter instantâneo e os direitos reais, tendem no geral, a perdurar, mas podem a todo o tempo ser transmitidos ou extintos pelo respectivo titular, ao contrário do direito pessoal matrimonial, onde e. g., o regime só se extingue com a terminação mesma do casamento, persistindo enquanto dura a relação jurídica que lhe dá suporte.

             

No mesmo diapasão FRANCISCO A. M. FERRER quando obtempera que o estado familiar, ou seja a posição que um indivíduo ocupa no grupo familiar é inerente à pessoa, e produz efeitos de ordem pessoal e também conseqüências econômicas e patrimoniais, em relação aos outros membros da família. Essas relações patrimoniais derivam do próprio estado, ao qual, portanto, estão subordinados. Predominam, portanto, as relações pessoais derivadas do estado de família, sobre as relações de caráter patrimonial, que dependem daquelas.

 

Destaca-se, a propósito, a afirmação de EDUARDO DOS SANTOS que vê e com razão inconteste, que o estado de família é pessoal, por evidente que as relações patrimoniais nascidas do entrelaçamento nupcial, reservam para si esta mesma pessoalidade, mesmo porque, no direito positivo brasileiro está consagrada a clássica distinção entre direitos reais e pessoais, isto é, direitos sobre as coisas e direitos contra as pessoas, o que ao seu modo sucede na extinção do regime conjugal pelo evento morte, onde o cônjuge sobrevivente, embora reclame um universo de bens que compõem sua pretensa meação, tem o poder de exigir não a coisa em si (meação), como direito erga omnes, se terceiros lhe tomam inadvertidamente sua meação.

 

Vale aduzir que, embora sobre bens materiais identificáveis componha-se sua meação, tem a meeira o poder de exigir de determinadas pessoas (herdeiros a quem sua meação teria sido indevidamente transmitida), a prestação que por está ato ineficaz estas lhe devem. Não deve ser deslembrado também – tão só para facilidade de raciocínio – que os direitos reais, embora não taxativamente enumerados no art. 674 do Código Civil, acolhem raras outras modalidades, basicamente dispostas em leis posteriores à edição do Diploma Substantivo Civil Brasileiro, mas todas, cuidam de não contrariar princípios de ordem pública, e estes são o sustento do direito de família.

 

Meação é, a rigor, a metade de qualquer coisa ou patrimônio. No direito de família, a metade dos bens comuns. No direito de sucessões, a metade disponível é a metade dos bens que alguém pode deixar .

 

Diz o Código Civil, art. 1771: “No inventário serão descritos com individualização e clareza todos os bens da herança, assim como os alheios nela encontrados” Os bens têm de ser descritos, com clareza e individualização, tendo de ser mencionados todos os elementos componentes, tendo de se por ao vivo qual a titularidade (propriedade, usufruto, uso, habitação, posse imediata, posse mediata, etc) que tocava ao de cujo ou que , com a sua morte, se extinguiu. Quanto a descrição de bens alheios, que também há de ser feita com clareza e individualização, tem-se de aludir à pessoa ou às pessoas que se sabe serem proprietárias, ou terem direitos reais, limitados ou não, posse, etc.

 

A descrição dos bens comuns ao falecido e ao cônjuge sobrevivente já é descrição de bens parcialmente alheio. Os bens alheios tem de ser descritos, porém não incluídos no inventário. Se o testador descreveu os bens alheios que estavam ou estariam sob sua guarda, ou em sua posse, ou por ser titular de algum direito real, para saber se é eficaz o que disse, tem, o juiz, bem assim o inventariante e o testamenteiro, de atender aos princípios jurídicos (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Tomo LX, pag. 220/1, 3ª edição, Editora Borsoi, 1973)

 

PAULO DOURADO DE GUSMÃO define a meação, como sendo a metade dos bens do casal que corresponde a cada cônjuge, dependendo do regime de bens adotado e no regime da comunhão universal se instaura o estado de indivisão, passando cada cônjuge a ter direito à metade do patrimônio comum, só devendo ser cogitado o termo meação com a dissolução do casamento e a correlata partilha dos bens.

 

Assim, como bem expõe YUSSEF SAID CAHALI até que se proceda a partilha, os ex-cônjuges permanecem como meeiros, não podendo ser olvidado que suas relações conjugais patrimoniais são de caráter pessoal e por isto mesmo de cunho imperativo, não comportando a renúncia que é nula quando realizada contra a ordem ou interesse público, ou em prejuízo de terceiro, de maneira que não cabe nem sua ratificação posterior, como bem lembra J. I. CANO MARTÍNEZ DE VELASCO.

 

A meação não é herança e, dependendo do regime de bens que regula o casamento, pode ser até excluída da partilha, porque dita porção já pertence ao cônjuge sobrevivente, sendo a meação um instituto integrante do Direito de Família.

 

Fácil, destarte, concluir como fez CARLOS MAXIMILIANO, de que cabe ao consorte supérstite, por direito próprio, não como herança, a metade do acervo dos dois esposos, se assim permitir o regime de bens.

 

Logo, jamais poderá ser objeto de sucessão um direito pessoal do cônjuge sobrevivente, como ocorre com sua meação, de plano descartada da universalidade hereditária, e, se, por isso, excluídas as situações pessoais do âmbito das sucessões, tal direito deve ser focado no plano do direito familiar, vale dizer, na órbita dos direitos pessoais decorrentes das relações de família.

 

Acerca desta matéria assevera PONTES DE MIRANDA serem personalíssimos os direitos e deveres nascidos das relações de direito de família, refletindo-se de tal modo no processo, de sorte a não permitir que qualquer ato processual signifique a perda ou renúncia destes direitos, salvo excepcional permissão de lei, devidamente homologada pelo juiz.

 

Aduz mais, PONTES DE MIRANDA, quando questiona sobre os regimes matrimoniais, referindo-os como craveiras de direito real criadas pela lei, ou vontade dos cônjuges segundo a lei, está justamente a afirmar que as relações patrimoniais dentre cônjuges, não perdem sua classificação de direito pessoal, mesmo porque, o direito de família trata das relações entre as pessoas, derivadas de seu vínculo conjugal ou de seu parentesco, com sua característica principal de conter normas de ordem pública, cuja função primordial é limitar a autonomia privada. Assim, as disposições que determinam o regime patrimonial visam o interesse ligado à função dos fins familiares e buscam impedir a sua própria desnaturalização.

            

Na seara de direitos indisponíveis o silêncio como manifestação de vontade não produz qualquer efeito, pois como acrescenta ANTONIO CHAVES, a simples omissão ou mesmo a noção inexata sobre certas disposições não pode ser considerada como causa geral produtora de efeitos jurídicos, até mesmo porque, não existe regra de direito que atribua ao silêncio, alcance igual ao da declaração expressa, tácita, ou explícita da vontade, e com redobrada razão, quando esta omissão teria que importar em renúncia à própria meação.

 

Com o propósito de expungir qualquer resquício de dúvida a despeito da sua irrenunciabilidade, qual seja, vedando declaração de vontade em contrário à sua edição, ainda que fosse admitida sua renúncia, com certeza que esta expressão de vontade exigiria uma forma, esta entendida como aquele conjunto de solenidades que devem ser observados para que a declaração de vontade tenha eficácia, segunda magistral lição de CLÓVIS BEVILÁCQUA.

 

Neste estágio, já é irrefutável concluir que a involuntária exclusão da propriedade, do direito e ação ou da meação do consorte sobrevivente configura ato totalmente nulo, pois transmite sem título e figura de juízo bens de terceiro, ou em outros termos, direitos estranhos à relação jurídica homologada no processo de inventário ou arrolamento, privando o verdadeiro proprietário do seu direito, ao mesmo tempo em que são beneficiados titulares de direito aparente.

 

Lógico se afigura que a pretensão do interessado de possibilitar de dentro da partilha o exercício de seu direito é imprescritível. É como arremata PONTES DE MIRANDA, serem imprescritíveis as pretensões de direito de família, sempre que tenham por fim restabelecer, ou estabelecer para o futuro situação que corresponda a relações jurídicas de família, “e. g.´´, a pretensão para dividir a coisa comum. E, prossegue, a pretensão à extinção da comunhão é imprescritível por parte do cônjuge meeiro.

 

Os efeitos das declarações, dos negócios jurídicos, determinam-se pelo conteúdo da vontade, que se declarou. É tornar visível, patente, o que se quis e do que se quis se irradiam efeitos

 

No caso, o testamento é um negócio jurídico consistente na manifestação de vontade que entra no mundo jurídico e pode produzir resultados jurídicos, isto é, resultados juridicamente reconhecidos do querer do declarante.

                    

O testamento é ato jurídico. Mais precisamente, negócio jurídico unilateral e, como tal, sujeito aos princípios gerais. O testamento pode ser nulo ou anulável e sua validade requer agente capaz, objeto lícito e forma prescrita em lei ou não defesa em lei (art. 82 do CC).

 

Assim, é nulo o testamento se feito por pessoa incapaz de testar; se for ilícito ou impossível seu objeto; se não revestir a forma prescrita em lei ou preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade. Todas as impossibilidades ferem de modo absoluto as disposições (impossibilidade cognoscitiva, lógica, moral e jurídica).

 

Podem alegar tais nulidades qualquer interessado ou o Ministério Público quando lhe couber intervir (art. 146 do CC)

             

O testador ao iniciar a sua declaração unilateral de vontade precisa que vai dispor do que é seu, sem confusão possível com a metade que é da mulher (art. 1.721 do CC).

 

O art. 1.670 do Código Civil diz que o erro na designação da pessoa do herdeiro ou do legatário, ou da coisa legada anula a disposição, salvo se, pelo contexto do testamento, por outros documentos ou por fatos inequívocos, se puder identificar a pessoa ou coisa, a que o testador queria referir-se. O art. 1.678 do Código Civil, por outro lado, dispõe que é nulo o legado de coisa alheia.

 

Várias vezes ocorre dispor o falecido que fiquem em usufruto as legítimas . Como decidir ? Considerar nula, não escrita a cláusula em favor das legítimas ou quotas necessárias (art. 1.721 do CC) Ao considerar para fato de o testador ter escrito uma cláusula impossível deveremos dá-la como não escrita, supervácua, aplicando-se-lhe às cláusulas em geral o que o Código Civil dispôs quanto às condições.

 

A exigência da determinação do sujeito constitui princípio do direito testamentário, por necessidade prática. Da mesma forma a determinação do objeto. Diz o art. 1.670 do Código Civil que o erro na designação da pessoa do herdeiro, do legatário, ou da coisa legada anula a disposição, salvo se pelo contexto do testamento, por outros documentos ou por fatos inequívocos, se puder identificar a pessoa ou coisa a que o testador queria referir-se.

 

A disposição testamentária é ineficaz, porque se pode dispor de bens que não lhe pertencem .

 

Neste sentido é a interpretação de nossos tribunais:

 

SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA – Partilha. Emenda. Correção. Art. 1.028, do CPC. Ainda depois de passar em julgado a sentença homologatória da partilha, pode ser feita sua emenda, nos próprios autos do inventário, convindo as partes, havido erro de fato na descrição dos bens, de acordo com o art. 1.028, do CPC. E, pela mesma norma, pode o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, corrigir-lhe as inexatidões materiais. (TJDF – AI 7.252 – DF – (Reg. Ac. 92.117) – 3ª T – Rel. Des. Mário Machado – DJU 05.03.97).

 

Por isso mesmo, reiteramos que cabe a qualquer interessado, bem como ao MP, quando lhe couber intervir, para que seja pronunciada judicialmente a nulidade deste tipo de ato, nas hipóteses previstas no art. 145 do CC.

 

A ação que investe contra o ato nulo é denominada ação de nulidade, que se distingue da ação de anulação por ter esta como objeto o ato anulável. O ato nulo não produz efeito nenhum; não pode ser ratificado nem suprido judicialmente, e sua nulidade pode ser declarada até mesmo “ex officio´´ pelo juiz. O ato anulável, enquanto isso, surte efeitos até o momento em que é invalidado por sentença sendo ratificável, e não pode ser invalidado sem argüição da parte interessada.

 

Não diverge destas afirmações JOÃO ALBERTO LEIVAS JOB, quando faz a seguinte observação: Difere a ação de anulação da ação de nulidade: enquanto à primeira corresponde o ato anulável, à segunda corresponde o ato nulo. A ação de nulidade visa a que se declare sem efeitos o ato jurídico em que um ou mais componentes essenciais para sua validade não o constituam, mostrando-o nulo de pleno direito.

 

Desde um ponto de vista teórico, a ação de nulidade é imprescritível. Nem por outro ângulo seria possível chegar à conclusão diversa, haja vista que permanente o estado de comunhão entre cônjuge sobrevivente e inventariado, sempre pode ser proposta a ação de divisão, ou extinção da comunhão e se assim não for entendido, como inegável direito pessoal, sobre ele incide então, a disposição contida no art. 177 do CCB, a estabelecer que as ações pessoais prescrevem em vinte anos, concluindo SÍLVIO DE SALVO VENOSA que as ações pessoais buscam o cumprimento de obrigação e, não tendo outro prazo fixado na lei, prescrevem em vinte anos.

 

O termo inicial é contado desde o momento em que a ação pode ser proposta, cometendo na espécie, a contagem da data da abertura da sucessão, qual seja, a contar do decesso do de cujus.

 

Em resumo, forçoso, portanto, concluir que as relações jurídicas familiares se integram no âmago dos direitos pessoais, sendo imprescritível a pretensão judicial à meação do cônjuge supérstite, se preterida ou indevidamente repassada a terceiros nos autos do inventário ou arrolamento do cônjuge pré-morto e se prescritível fosse, como direito pessoal que é, incorreria na regra do art. 177 do CCB, com o decurso de vinte anos, contados da data da abertura da sucessão, como causa geradora que foi, da extinção natural do regime de bens.

 

No mesmo lapso prescricional incidem todos aqueles bens esquecidos ou sonegados da primitiva partilha, onde, ao contrário da hipótese anterior, houver divisão judicial do patrimônio conjugal e dela teriam sido omitidos, ou excluídos, certos bens comuns.

 

A sentença pode ser de mérito ou homologatória. A sentença de mérito sempre será prolatada em processo contencioso, enquanto a sentença homologatória poderá ser proferida em processo de jurisdição contenciosa ou de jurisdição voluntária.

 

A sentença de mérito ou homologatória, transitada em julgado, em processo de jurisdição contenciosa, para perder os seus efeitos, a parte deverá intentar a ação rescisória. Agora, tratando-se de processo de jurisdição voluntária, a ação a ser proposta deverá ser a de nulidade ou anulatória (Adcoas 1987; ALEXANDRE DE PAULA, CPC Anotado, v. 2, p. 1.887).

 

Em suma, o ato judicial homologatório e o contrato homologado poderão ser rescindidos, nulificados ou anulados.

             

A ação de nulidade ou anulatória é aquela que tira os efeitos pretendidos no ato judicial ou no ato de particulares. As ações de nulidade e anulatória são previstas pelo art. 486 do CPC.

 

Dispõe o art. 486 que os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil. Apesar de expressar rescindidos, termo inadequado, a ação cabível, em caso de homologação ou qualquer outro ato judicial, em procedimento de jurisdição voluntária, será, sempre, a ação de nulidade ou a ação anulatória.

 

No mesmo sentido do art. 486, o § único do art. 800 do CPC/39, já revogado, dispunha que os atos judiciais que não dependerem de sentença, ou em que esta for simplesmente homologatória, poderão ser rescindidos como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil.

 

Assim, em suma, tanto os atos praticados pelo juiz, bem como, qualquer contrato, poderão ser atingidos pela ação de nulidade ou anulatória. Nada impede a cumulação dos pedidos na ação de nulidade ou anulatória. Mas, buscando-se a desconstituição da decisão judicial, com esta, certamente, deverá ser manifestada a nulidade do ato que ela se fundou.

 

A ação de anulação, por ser pessoal, prescreverá em vinte anos. Não importa se o ato impugnado seja judicial ou particular. O ato judicial, como a homologação da partilha ou a adjudicação dos bens a um único herdeiro ou legatário, durante um prazo de vinte anos poderá ser desconstituído por meio da ação de nulidade.

 

Em consequência, os atos jurídicos poderão ser considerados sem efeitos por outra decisão judicial do mesmo juízo. Isso ocorrerá, conforme os arts. 145 e 147 do CC, quando: a) o ato praticado por pessoa relativa ou absolutamente incapaz; b) o seu objeto for ilícito ou impossível; c) for omitida a forma prescrita em lei ou faltar qualquer solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; d) a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito; e) ocorrer vício resultante de erro, dolo, coação, simulação, ou fraude.

 

Em resumo, para a propositura da ação anulatória ou de nulidade, como condições específicas, será necessário: a) sentença homologatória ou adjudicatória; b) trânsito em julgado; c) a existência de ato nulo ou anulável; d) não ter ocorrido a prescrição; e) o procedimento ser de jurisdição voluntária.

 

A competência para conhecer da nulidade ou da anulação do ato judicial, ou mesmo, praticado por particular será do juiz que decidiu a causa. Portanto, a ação será processada no mesmo juízo que conheceu e julgou a causa principal.

 

Na ação de nulidade de ato judicial, quanto a legitimidade ativa, para propor a ação, ela poderá ser intentada: a) pela parte no processo em que se proferiu a decisão nula; b) pelo interessado, como herdeiro ou legatário; c) pelo representante do MP (art. 145, CC). Agora, na ação de anulação do ato judicial, somente quem for parte no processo em que se prolatou a sentença anulável ou tiver legítimo interesse, como ocorre com o herdeiro, o legatário, o credor, o adquirente de algum direito etc. (art. 152, CC).

 

A petição inicial será dirigida ao juiz que prolatou a sentença, constando, em conformidade com o art. 282 do CPC: a) a qualificação das partes; b) os fatos e fundamentos do pedido; c) o número dos autos que foi proferida a decisão nula ou anulável; d) o pedido desconstitutivo; e) o valor da causa, o qual será o valor da ação que se pretende invalidar; f) a indicação das provas que se pretende produzir; g) o requerimento da citação do réu; h) a instrução da exordial, a qual deverá ser feita com a procuração, cópia da decisão a ser anulada ou considerada nula.

 

 

CONCLUSÃO

 

No inventário deverão ser descritos com individualização e clareza todos os bens da herança, assim como os alheios nela encontrados. Os bens têm de ser descritos, com clareza e individualização, tendo de ser mencionados todos os elementos componentes, tendo de se por ao vivo qual a titularidade (propriedade, usufruto, uso, habitação, posse imediata, posse mediata, etc) que tocava ao de cujo ou que, com a sua morte, se extinguiu. Quanto a descrição de bens alheios, que também há de ser feita com clareza e individualização, tem-se de aludir à pessoa ou às pessoas que se sabe serem proprietárias, ou terem direitos reais, limitados ou não, posse, etc.

 

A descrição dos bens comuns ao falecido e ao cônjuge sobrevivente já é descrição de bens parcialmente alheio. A descrição de bens do cônjuge é descrição de bens alheios, mas, tal é necessário para o fim da extinção da comunhão, nos casos de casamento sob o regime de comunhão universal de bens. Porém, não obstante, não devem ser incluídos no inventário, muito menos na partilha

 

Se o testador descreveu os bens alheios que estavam ou estariam sob sua guarda, ou em sua posse, ou por ser titular de algum direito real, para saber se é eficaz o que disse, tem, o juiz, bem assim, o inventariante e o testamenteiro, de atender aos princípios jurídicos.

 

O erro na designação da pessoa ou da coisa anula a disposição, salvo se pelo contexto do testamento, por outros documentos ou por fatos inequívocos, se puder identificar a pessoa ou coisa a que o testador queria referir-se (art. 1.670 do Código Civil). No entanto, considerando que se pode dispor de bens (ou de coisas) que não lhe pertencem, a disposição testamentária neste ponto é ineficaz, sem qualquer valor.

 

Isto é, configura ato totalmente nulo, pois transmite, sem título e figura de juízo, bens de terceiro, ou em outros termos, direitos estranhos à aquela relação jurídica, privando o verdadeiro proprietário do seu direito, ao mesmo tempo em que são beneficiados titulares de direito aparente.

 

Certamente, a decisão da ação de nulidade que se propõe vai gerar efeitos sobre a decisão de outros processos.

 

Em assim sendo, pensando ter atendido a situação sob consulta, assim respondo e opino.

 

 

* Consultor Jurídico

 

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Como citar e referenciar este artigo:
WAINSTOCK, Sergio. Parecer: Legalização Da Escritura De Imóvel Em Face Do Formal De Partilha. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/obrigacoes/parecer-legalizacao-da-escritura-de-imovel-em-face-do-formal-de-partilha/ Acesso em: 18 abr. 2024