Direito Civil - Família/Sucessões

Direito de Família – Parte II

CAPÍTULO VII – Das Provas do Casamento.

 

  1. Introdução.

 

Como todo negócio jurídico, o casamento está sujeito a comprovação. A lei estabelece um rigoroso sistema de prova da sua existência, chamado sistema da prova pré-constituída. Regra geral, a prova se faz especificamente pela certidão do registro. Todavia, ela abre exceções ao princípio geral estatuído, para permitir a demonstração da existência de casamento realmente ocorrido, mas que, por alguma razão, não podem ser comprovados pelo meio inicialmente aludido.

 

 

  1. Prova específica: certidão do registro.

 

Art. 1.543. O casamento celebrado no Brasil prova-se pela certidão do registro..

Parágrafo único. Justificada a falta ou perda do registro civil, é admissível qualquer outra espécie de prova.

 

Trata-se do sistema da prova pré-constituída. Mas justificada a falta ou perda do registro civil (ex., incêndio, inundação ou fraude no cartório), admite-se qualquer outra prova.

 

 

  1. Posse do estado de casados: conceitos e elementos.

 

Posse do estado de casados é a situação de duas pessoas que vivem como casadas e assim são consideradas por todos. Tal modus vivendi, em regra, não constitui meio de prova do casamento, a não ser excepcionalmente, em benefício da prole comum (art. 1.545), e nas hipóteses em que ele é impugnado e a prova mostra-se dúbia, funcionando nesse último caso como elemento favorável a sua existência (art. 1.547).

 

Não se trata de conferir o status de casamento a circunstância de mera convivência ou coabitação, ainda que haja filhos, mas de induzir a existência do casamento, que não pode ser provado por certidão do registro em face das aludidas circunstâncias. Apenas serve como prova que tenha sido efetivamente celebrado.

 

Elementos que caracterizam a posse do estado de casados: (a) nomen, indicativo de que a mulher usava o nome do marido; (b) tractatus, de que se tratavam publicamente como marido e mulher; e (c) fama, de que gozavam de reputação de pessoas casadas.

 

Validade como prova do casamento de pessoas falecidas ou que não possam manifestar vontade: o casamento de pessoas, na posse do estado de casadas, em tais hipóteses não pode ser contestado “em prejuízo da prole comum, salvo mediante certidão do Registro Civil que prove que já era casada alguma delas, quando contraiu o casamento impugnado”. Tal situação somente poderá ser alegada pelos filhos e se mortos ambos os cônjuges, pois se um está vivo, deve indicar o local onde se realizou o casamento para a obtenção da certidão.

 

Importância na solução da dúvida entre as provas favoráveis e contrárias à existência do casamento (art. 1.547): a posse do estado de casados também poderá ser alegada em vida dos cônjuges quando o casamento for impugnado, neste caso, se houver dúvida entre as provas favoráveis e contrárias à celebração do casamento. Assim, a alegada posse do estado de casados serve para se provar a existência do casamento, nunca para convalescer vício que o invalida.

 

 

  1. Prova do casamento celebrado no exterior.

 

Prova-se o casamento celebrado no estrangeiro de acordo com a lei do país onde se celebrou. O documento estrangeiro deverá ser autenticado, segundo as leis consulares, para produzir efeitos no Brasil. Mas o cidadão brasileiro que resida no exterior pode optar por se casar pela lei brasileira, perante autoridade consular. Vale lembrar que o prazo de 180 dias para o registro do casamento no Brasil é mera recomendação burocrática.

 

Casamento entre estrangeiros celebrado no exterior: a lei não exige o registro no Brasil desses casamentos, pois, em princípio, os atos e fatos ocorridos em outro país não entram no registro civil. Basta aos cônjuges apresentar a certidão do casamento autenticada pela autoridade consular, para provarem seu estado civil. Porém, pode haver problemas de ordem prática na hipótese de o casal aqui se divorciar, por não ter acesso ao registro civil. No entanto, o STF já decidiu ser admissível a transcrição do registro no Brasil de casamento de estrangeiros, celebrado no exterior.

 

 

  1. Casamento cuja prova resultar de processo judicial (art. 1.546).

 

Tal dispositivo trata das hipóteses em que, diante das dificuldades encontradas para provar a existência do matrimônio, recorrem os cônjuges ao processo judicial. A ação declaratória se mostra adequada para provar.

 

 

CAPÍTULO VIII – Espécies de Casamento Válido.

 

  1. Casamento válido.

 

Antes de se verificar se o casamento é válido ou inválido, deve-se verificar se ele existe. São espécies de casamento inválido a nulidade e a anulabilidade. São espécies de casamentos válidos o putativo, o nuncupativo, o religioso com efeitos civis, o consular e o por procuração, desde que presentes os elementos essenciais e observados todos os requisitos legais.

 

 

  1. Casamento putativo.

 

CONCEITO:

 

Casamento putativo (do latim putare) é o que, embora anulável ou mesmo nulo, foi contraído de boa-fé por um ou por ambos os cônjuges. Por isso, produz, para o de boa-fé e os filhos, todos os efeitos civis até passar em julgado a sentença anulatória. No caso, boa-fé significa ignorância da existência de impedimentos. Casamento putativo é aquele que as partes e os terceiros reputam ter sido legalmente celebrado.

 

A ignorância da existência de impedimentos decorre de erro, que tanto pode ser de fato como de direito. Muito embora o erro de direito seja inescusável, em geral, pode, todavia, ser invocado para justificar boa-fé.

 

O juiz declara a putatividade ex officio ou a requerimento das partes, e tem natureza declaratória. A sentença anulatória declara putativo o casamento, em relação a ambos os cônjuges, ou a um deles, se somente em relação a este milita a boa-fé. Vale lembrar que uma vez reconhecida a boa-fé, o casamento é putativo.

 

EFEITOS:

 

Os efeitos da putatividade são todos os normalmente produzidos por um casamento válido, para o cônjuge de boa-fé, até a data da sentença que lhe ponha termo (o STF, inclusive, decidiu que há o direito de alimentos sem limitação de tempo). A eficácia dessa decisão manifesta-se ex nunc, sem retroatividade, não afetando os direitos até então adquiridos. Essa situação faz com que o casamento putativo assemelha-se à dissolução do matrimônio pelo divórcio. Os efeitos do casamento cessam para o futuro, sendo considerados produzidos todos os efeitos que se tenham verificado até a data da sentença anulatória. Nesse caso, por exemplo, se morre um dos cônjuges de um casal sem filhos e sem ascendentes vivos antes da sentença anulatória transitar em julgado, o sobrevivo herda, além de receber sua meação, ou concorrerá com eles, se existirem e se o regime de bens permitir.

 

Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.

§ 1o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.

§ 2o Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.

Produzem-se todos os efeitos do regime de bens, operando-se a dissolução da eventual comunhão pelas mesmas regras previstas para a separação judicial. Já sem putatividade por parte de ambos os cônjuges, entende-se jamais ter havido comunhão.

 

Art. 1.564. Quando o casamento for anulado por culpa de um dos cônjuges, este incorrerá:

I – na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente;

II – na obrigação de cumprir as promessas que lhe fez no contrato antenupcial.

O cônjuge de má-fé perde as vantagens econômicas auferidas com o casamento (inclusive uma possível emancipação). Partilham-se, apenas, os bens adquiridos pelo esforço comum, sendo que o inocente terá direto, ainda, à participação no acervo que o culpado trouxe para o casamento.

 

Ao casamento inexistente não se aplicam as regras sobre o casamento putativo, restrita ao nulo e ao anulável.

 

 

  1. Casamento nuncupativo e em caso de moléstia grave.

 

O CC abre duas exceções quanto às formalidades para a validade do casamento:

 

(a) Caso de moléstia grave de um dos nubentes (art. 1.539):

 

Nesse caso pressupõem-se que já estejam satisfeitas as formalidades preliminares do casamento e o oficial do registro civil tenha expedido o certificado de habilitação ao casamento, mas a gravidade do estado de saúde de um dos nubentes o impede de locomover-se e de adiar a cerimônia. Nesse caso, o juiz irá celebrá-lo na casa dele ou onde se encontrar, em companhia do oficial, ainda que à noite, perante duas testemunhas que saibam ler e escrever. Então, só havendo urgência é que o casamento será realizado à noite.

 

(b) Casamento nuncupativo – hipótese de estar um dos nubentes em iminente risco de vida (arts. 1.540 e 1.541):

 

Tal hipótese ocorre quando se permite a dispensa do processo de habilitação e até a presença do celebrante. Assim ocorre, por exemplo, quando o nubente é ferido por arma de fogo, ou sofre grave acidente, em que não há a mínima esperança de salvação, e a duração da vida não poderá ir além de alguns instantes ou horas. Nessas desesperadoras circunstâncias, pode a pessoa desejar a regularização da vida conjugal que mantém com outra, ou pretender se efetive o casamento já programado e decidido, mas ainda não providenciado o encaminhamento. O casamento deverá ser celebrado na presença de seis testemunhas, que com os nubentes não tenham parentesco em linha reta, ou, na colateral, até segundo grau.

 

 

  1. Casamento religioso com efeitos civis.

 

Art. 1.515. O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.

 

O casamento religioso é, no CC, equiparado ao casamento civil. O Código disciplina expressamente que o casamento religioso pode ser de duas espécies (ambas as formas exigem o processo de habilitação, sendo que somente a celebração é feita por autoridade religiosa da religião professada pelos nubentes):

 

(a) Com prévia habilitação (art. 1516, º1º e 2º): obtido o certificado de habilitação, será ele apresentado ao ministro religioso, que o arquivará. Celebrado o casamento, deverá ser promovido o registro, dentro de noventa dias (decadencial) de sua realização, mediante comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa de qualquer interessado. O falecimento de um dos nubentes não constituirá obstáculo ao registro.

 

(b) Com habilitação posterior à celebração religiosa (art. 1.516, §2º): celebrado o casamento religioso, os nubentes requererão o registro, a qualquer tempo, instruindo o pedido com certidão do ato religioso e com os documentos exigidos pelo art. 1.525 do CC. Processada e homologada a habilitação e certificada a inexistência de impedimento, o oficial fará o registro do casamento religioso, lavrando o assento. O registro, então, produzirá efeitos jurídicos a partir da data da realização do ato religioso.

 

 

  1. Casamento consular.

 

Casamento consular é aquele celebrado por brasileiro no estrangeiro, perante autoridade consular brasileira.

 

Art. 1.544. O casamento de brasileiro, celebrado no estrangeiro, perante as respectivas autoridades ou os cônsules brasileiros, deverá ser registrado em cento e oitenta dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou, em sua falta, no 1o Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir.

 

A exigência, portanto, é a mesma na hipótese de casamento de brasileiro, realizado fora do País de acordo com as leis locais.

 

 

  1. Conversão da união estável em casamento.

 

Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.

 

Em vez de recorrer ao Judiciário, mais fácil será simplesmente casar, máxime considerando-se que a referida conversão não produz efeitos pretéritos, valendo apenas a partir da data em que se realizar o ato de seu registro.

 

 

CAPÍTULO IX – Da Inexistência e da Invalidade do Casamento.

 

  1. Casamento inexistente (ausência de pressupostos fáticos).

 

O plano da existência antecede o da validade. Por isso, antes de verificar se o ato jurídico e o casamento são válidos, faz-se mister averiguar se existem. E para que o casamento exista, é necessária a presença dos elementos essenciais ou estruturais (pressupostos fáticos, que não estão no CC): diferença de sexo, consentimento e celebração na forma da lei.

 

Em razão de o ato inexistente constituir um nada no mundo jurídico, não reclama ação própria para combatê-lo. No entanto, se, apesar da falta de um dos requisitos, ignorada pelo celebrante, houve celebração e lavratura do registro, far-se-á necessária a propositura de ação para cancelamento do registro. Admite-se o reconhecimento da inexistência a qualquer tempo, não estando sujeito a prescrição ou decadência.

 

Não se deve confundir:         

 

(a) falta de consentimento (inexistente) com consentimento viciado (anulável).

(b) falta de celebração (inexistente) com a feita por autoridade incompetente (anulável). Mas será inexistente quando o celebrante tiver incompetência absoluta em razão da matéria.

 

Hipóteses que acarretam a inexistência do casamento:

(a) Diversidade de sexos: ainda que de forma indireta, a CF só admite casamento entre pessoas do mesmo sexo. Contudo, parece inegável a possibilidade de o transexual casar-se com pessoa pertencente ao seu anterior sexo.

(b) Falta de consentimento: a coação absoluta insere-se na falta de consentimento.

(c) Ausência de celebração na forma da lei: a Lei dos Registros Públicos regula as formalidades da celebração do casamento; as autoridades competentes para exercer a presidência do ato solene são indicadas nas leis de organização judiciária dos Estados. Mas, no caso de casamento celebrado por autoridade incompetente em razão do lugar ou em função do domicílio dos nubentes, o casamento é considerado anulável.

 

 

  1. Casamento inválido (ausência de pressupostos jurídicos).

 

O casamento inválido pode ser nulo ou anulável, dependendo de inobservância dos requisitos de validade exigidos na lei. Consoante SILVIO RODRIGUES, quando um casamento se realiza com infração de impedimento imposto pela ordem pública, por ameaçar diretamente a estrutura da sociedade, esta reage violentamente fulminando de nulidade o casamento. Nos casos em que a infração se revela mais branda ferindo apenas o interesse de pessoas que a lei quer proteger, o legislador apenas defere a estas uma ação anulatória, para que seja por elas usada, se lhes aprouver. Se o cônjuge, que podia anular o enlace não prejudicial à ordem pública, se mantém inerte, o casamento convalesce e ganha validade, não mais podendo ser infirmado.

 

A doutrina proclama que não se admitem nulidades virtuais em matéria de casamento, sustentando que este somente se invalida nas condições e nos casos definidos em lei.

 

A teoria das nulidades apresenta algumas exceções em matéria de casamento. Assim, embora os atos nulos em geral não produzam efeitos, há uma espécie de casamento, o putativo, que produz todos os efeitos de um casamento válido para o cônjuge de boa-fé. E, embora o juiz deva pronunciar de ofício a nulidade dos atos jurídicos em geral, a nulidade do casamento somente poderá ser declarada em ação ordinária.

 

Nulidade X anulabilidade:

 

Ambas são ações de estado e versam sobre direitos indisponíveis.

O prazo para propositura da ação anulatória é decadencial; a ação declaratória de nulidade é imprescritível.

O casamento anulável pode ser passível de ratificação, o que não ocorre com o casamento nulo.

 

(A) CASAMENTO NULO.

 

A declaração de nulidade proclama, retroativamente, jamais ter existido casamento válido (efeitos ex tunc). Assim, os bens que se haviam comunicado pelo casamento retornam ao antigo dono e não se cumpre o pacto antenupcial. O casamento nulo, entretanto, aproveita aos filhos, ainda que ambos os cônjuges estejam de má-fé, e a paternidade é certa.  Se reconhecida a boa-fé de um ou de ambos os cônjuges, ele será putativo.

Art. 1.563. A sentença que decretar a nulidade do casamento retroagirá à data da sua celebração, sem prejudicar a aquisição de direitos, a título oneroso, por terceiros de boa-fé, nem a resultante de sentença transitada em julgado.

 

Casos de nulidade: são dois casos os que o CC considera nulo o casamento (CC, art. 1.548):

(1) quando contraído por “enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil”: caracteriza-se por graves alterações das faculdades psíquicas, que acarretam a incapacidade absoluta do agente.

(2) quando infringe “impedimento”: os impedimentos são somente os elencados no art. 1.521

 

Pessoas legitimadas a argüir a nulidade: qualquer pessoa maior pode opor os impedimentos cuja violação acarrete a nulidade do casamento, mas a ação declaratória de nulidade é permitida somente a quem tenha legítimo interesse, econômico ou moral, e ao MP, cujo interesse é de cunho social.

Art. 1.549. A decretação de nulidade de casamento […] pode ser promovida mediante ação direta, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público.

 

Ação declaratória de nulidade: tal sentença tem efeitos ex tunc.

 

(B) CASAMENTO ANULÁVEL.

 

Na maioria dos casos há um consentimento defeituoso, uma manifestação volitiva imperfeita, seja por se tratar de pessoa que se casou inspirada no erro, seja por se tratar de quem, pela sua imaturidade ou defeito mental, não podia consentir desassistido de seu representante.

 

O casamento anulável produz todos os efeitos enquanto não anulado por decisão judicial transitava em julgado. Até então tem validade resolúvel, que se tornará definitiva se decorrer o prazo decadencial sem que tenha sido ajuizada ação anulatória. Porém, a sentença que anula o casamento tem efeitos retrooperantes, fazendo com que os cônjuges retornem à condição anterior, como se jamais o tivessem contraído (produz efeitos iguais à decretação de nulidade, desfazendo a sociedade conjugal como se nunca houvesse existido, salvo no caso de putatividade).

 

Há, contudo, uma corrente que sustenta ser ex nunc os efeitos da sentença anulatória.

 

Dolo: o dolo, em si, isto é, quando não leva a erro essencial, embora vício do consentimento, não conduz à anulabilidade do matrimônio, diversamente do que acontece com os negócios jurídicos em geral. Não seria difícil alegar um dos cônjuges que fora induzido ao casamento pelas manobras fraudulentas, as maquinações, os artifícios do outro, porque o próprio respeito recíproco, a cerimônia, o recato, o desejo de ser agradável, escondem defeitos, que depois se revelam. E dar a essas atitudes morais o valor de dolo nos contratos comuns seria enfraquecer excessivamente a estabilidade do matrimonio e das famílias.

 

 

Hipóteses do artigo 1.550:

 

Art. 1.550. É anulável o casamento:

 

(A) (I) de quem não completou a idade mínima para casar (menor de 16 anos): ação pode ser proposta pelo próprio menor, representantes, ou seus ascendentes, no prazo de 180 dias, contado da data da celebração para os representantes legais ou ascendentes, e, para o menor, da data em que atingir a referida idade mínima. No caso de a ação anulatória for ajuizada pelos representantes legais ou pelos ascendentes do menor (art. 1.552, II e III), poderá este confirmar seu casamento ao perfazer a idade mínima, com efeito retroativo, desde que ainda não tenha transitado em julgado a sentença anulatória, e com autorização de seus representantes, se necessária, ou com suprimento judicial. Deve-se levar em conta o art. 1.551, segundo o qual não se anulará, por motivo de idade, o casamento de que resultou gravidez.

 

(B) (II) do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal (entre 16 e 18 anos): nesse caso a ação anulatória pode ser proposta em 180 dias, por iniciativa do próprio incapaz, ao deixar de sê-lo, das pessoas que tinham o direito de consentir, ou seja, seus representantes legais, desde que não tenham assistido ao ato (valor de consentimento tácito), ou de seus herdeiros necessários. O prazo “será contado do dia em que cessou a incapacidade, no primeiro caso; a partir do casamento, no segundo; e, no terceiro, da morte do incapaz (nesse caso, não terão direito os herdeiros se o desenlace se der após o nubente tornar-se capaz)” (art. 1.555, §1º).

 

(C) (III) por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558:

 

(c.1.) Erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge (1.556 e 1.557):

 

Consoante o artigo 1.556, o “casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro”. Por sua vez, o artigo 1.557 especifica as hipóteses de erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:

 

O prazo para propositura de ação anulatória é de 3 anos, sendo que somente o cônjuge que incidiu em erro pode demandar a anulação do casamento; mas a coabitação, havendo ciência do vício, valida o ato, ressalvadas as hipóteses dos incisos II e IV, que se referem à ignorância de defeito físico irremediável, moléstia grave e doença mental grave anteriores ao casamento (art. 1.559).

 

Nessa modalidade de vício de consentimento o agente engana-se sozinho. Mas deve-se salientar que não é qualquer erro que torna anulável o negócio jurídico ou o casamento. Para tanto, deve ser substancial, ou seja, deve ser causa determinante (se conhecia a realidade, o casamento não seria celebrado). A essencialidade do erro deve ser vista também do ponto de vista razoável, sensato.

 

Requisitos para o erro essencial:         

(a) existência e essencialidade do “defeito” anterior ao casamento;      

b) desconhecimento anterior;   

(c) descoberta torna impossível a vida em comum.

 

(1) Erro sobre a identidade do outro cônjuge, sua honra e boa fama (I):

Identidade: pode ter por objeto a (a) identidade física (casamento ocorre com pessoa diversa, por substituição ignorada pelo outro cônjuge), e a (b) civil, mais comum, na qual o erro recai sobre o conjunto de atributos ou qualidades com que a pessoa se apresenta no meio social. O erro sobre a identidade civil se manifesta como causa de anulação do casamento quando alguém descobre, em seu consorte, após a boda, algum atributo inesperado e inadmitido. Alguma qualidade repulsiva, capaz de, ante seus olhos, transformar-lhe a personalidade, fazê-lo pessoa diferente daquela querida (exs.: mulher que descobre ter marido toxicômano; homem que casa com mulher, pensando esta estar grávida dele, mas não está; mulher lésbica confessa; falta dos “deveres conjugais”; etc.). (A professora Renata Raupp acrescenta o erro quanto a identidade sexual e o quanto a identidade psicológica – pessoa fumante, p.ex.).

Honra e boa fama: trata-se das qualidades morais do indivíduo. Honrada é a pessoa digna, que pauta a sua vida pelos ditames da moral; boa fama é o conceito e a estima social de que a pessoa goza, por proceder corretamente (exs.: esposa prostituta; marido homossexual; etc.).

(2) Ignorância de crime ultrajante (II): deve-se lembrar que o crime. anterior ao casamento, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal. O dispositivo em análise não exige prévia condenação criminal, pois a existência e autoria do crime podem ser provadas na própria ação anulatória. Mas se o réu é absolvido, já não poderá o cônjuge invocar o erro.

(3) Ignorância de defeito físico irremediável ou de moléstia grave (III):

Defeito físico irremediável: é o que impede a realização dos fins matrimoniais, apresentando-se, em geral, como deformação dos órgãos genitais (exs.: o sexo dúbio, o hermafroditismo, o infantilismo, o vaginismo, a impotência coeundi etc.). O casamento pode ser anulável mesmo que o defeito não impeça a relação sexual, mas imponha sacrifícios à sua realização ou repulsa a uma das partes (exs.: cicatriz grande, falta de seios, etc.). Vale lembrar que a esterilidade não é causa de anulabilidade.

* Moléstia grave e transmissível por contágio ou herança (genética): tal moléstia deve por em risco a saúde do cônjuge ou sua descendência (exs.: tuberculose, lepra, sífilis, AIDS etc.).

(4) Ignorância de doença mental grave (IV): é a doença que se revela grave, suscetível de retirar do paciente o autocontrole de seus atos, a visão da realidade, e torne a vida em comum insuportável ao cônjuge enganado (exs.: esquizofrenia, oligofrenia, paranóia, epilepsia). A prof.ª Renata Raupp lembra que, como no CC/1916 havia quatro dispositivos, o legislador não quis deixar só três, acrescendo este.

 

(c.2.) Vício de vontade determinado pela coação (1.558):

Art. 1.558. É anulável o casamento em virtude de coação, quando o consentimento de um ou de ambos os cônjuges houver sido captado mediante fundado temor de mal considerável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou de seus familiares.

 

No caso do dispositivo retrotranscrito, trata-se de coação moral ou relativa, que constitui vício de consentimento. Já a coação física ou absoluta torna inexistente o casamento. O temor reverencial, entretanto, não vicia o consentimento quando desacompanhado de ameaças ou violências (ex.: ameaças de castigo do pai à filha).

 

A ação só pode ser promovida pelo próprio coato, no prazo de 4 anos a contar da celebração (CC, arts. 1.559 e 1.560, IV). Vale lembrar que a prova da coabitação é muito subjetiva, sendo que a própria coabitação pode ter sido obtida mediante coação.

 

(D) (IV) do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento: haverá causa de anulabilidade se houver apenas redução da capacidade, como no caso dos fracos da mente e fronteiriços, como os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil (abrange os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos e os excepcionais sem completo desenvolvimento mental – art.s 4º, II e III, e 1.767, III e IV, do CC). Entretanto, se a incapacidade for duradoura, a hipótese será de casamento nulo. O prazo para tal anulação é de 180 dias, e tem como titular o próprio incapaz e representantes.

 

(E) (V) realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges: hipótese em que o outorgado, estando de boa-fé, utiliza um mandato já anteriormente revogado sem seu conhecimento. O parágrafo único proclama que se equipara à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada (p. único tem raríssima aplicação). O prazo para anulação, conforme o artigo 1.560, é de 180 dias, a partir da data em que o mandante tiver conhecimento da celebração; mas no caso do parágrafo único, o prazo começa a partir do pronunciamento judicial de invalidade do mandato.

 

(F) (VI) por incompetência da autoridade celebrante: a lei não distingue se se trata de incompetência em razão do lugar ou da matéria, mas predomina na doutrina a opinião de que somente acarreta anulabilidade a incompetência em razão do lugar ou em razão da pessoa (quando o celebrante preside a cerimônia nupcial fora do território de sua circuncisão ou o casamento é celebrado perante juiz que não seja o do local da residência dos noivos). Se o presidente não é autoridade competente em razão da matéria o casamento é inexistente (salvo exceção prevista no art. 1.554, que considera subsistente o casamento celebrado por pessoa que, embora não possua a competência exigida na lei, exerce publicamente as funções de juiz de casamentos, aplicando, assim, a hipóteses da teoria da aparência). É anulável de dois anos a contar da data da celebração.

 

 

CAPÍTULO X – Da Eficácia Jurídica do Casamento.

 

  1. Efeitos jurídicos do casamento.

 

Os efeitos produzidos pelo casamento são numerosos e complexos. A união conjugal não é só relação jurídica, mas, antes de tudo, relação moral.

 

O casamento irradia os seus múltiplos efeitos e conseqüências no ambiente social e especialmente nas relações pessoais e econômicas dos cônjuges, e entre estes e seus filhos, como atos de direito de família puros, gerando direitos e deveres que são disciplinados por normas jurídicas.

 

(a) Efeitos sociais:

O principal efeito é a constituição da família legítima ou matrimonial, que é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado. Insere ainda no contexto social o planejamento familiar, hoje assegurado constitucionalmente ao casal.

Art. 1.565. § 2o O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas.

 

(b) Efeitos pessoais:

O principal efeito pessoal do casamento consiste no estabelecimento de uma comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges (art. 1.511). O art. 1.565 dispõe que por meio do casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.

 

Do casamento advém uma situação jurídica relevante para os cônjuges, que adquirem um status especial, o estado de casados, que se vem somar às qualificações pelas quais se identificam no seio da sociedade e do qual decorrem inúmeras conseqüências.

 

Sobrenome: o cônjuge, ao se casar, pode permanecer com o seu nome de solteiro; mas, se quiser adotar os apelidos do consorte, não poderá suprimir o seu próprio sobrenome. Essa interpretação se mostra mais apropriada em face do princípio da estabilidade do nome, que só deve ser alterado em casos excepcionais. Deve-se lembrar que é difícil tirar o sobrenome do outro cônjuge depois (salvo se não causar prejuízo). A expressão “acrescer” não significa que o sobrenome deva ser acrescido no final, pois, no caso de ambos os consortes acrescerem, o sobrenome ficará diferente (Ex.: João da Silva Sauro e Maria Sauro da Silva).

Art. 1.565. § 1o Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.

 

Plena igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges: não há mais deveres próprios do marido e da mulher, assumindo ambos condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.

Art. 1.567. A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. Parágrafo único. Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em consideração aqueles interesses.

Mas a direção da família caberá exclusivamente a um dos cônjuges, caso:

 Art. 1.570. Se qualquer dos cônjuges estiver em lugar remoto ou não sabido, encarcerado por mais de cento e oitenta dias, interditado judicialmente ou privado, episodicamente, de consciência, em virtude de enfermidade ou de acidente, o outro exercerá com exclusividade a direção da família, cabendo-lhe a administração dos bens.

 

(c) Efeitos patrimoniais:

Tratam-se de conseqüências e vínculos econômicos, consubstanciados no regime de bens, nas doações recíprocas, na obrigação de sustento de um ao outro e da prole, no usufruto dos bens dos filhos durante o poder familiar, no direito sucessório etc.

 

O regime de bens é, em princípio, irrevogável, só podendo ser alterado nas condições mencionadas (mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges).

 

Com o intuito de preservar o patrimônio da entidade familiar, o novo diploma regula a instituição do bem de família nos arts. 1.711 a 1.722. Visando ainda proteger o patrimônio comum e de cada cônjuge, especifica os atos que não podem ser praticados por um dos cônjuges sem a anuência do outro (art. 1.647). E, além de assegurar ao cônjuge sobrevivo os direitos sucessórios, o novel diploma inova ao incluí-lo como herdeiro necessário. O CC/2002 assegura, também, ao cônjuge supérstite, qualquer que seja o regime de bens e sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação, desde que o imóvel seja destinado à residência da família e o único daquela natureza a inventariar.

 

 

  1. Deveres recíprocos dos cônjuges.

 

A infração a cada um desses deveres constitui causa para a separação judicial, ou seja, podem acarretar culpa numa separação litigiosa.

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:

I – fidelidade recíproca: decorrência do caráter monogâmico do casamento, a infração configura o adultério. A denominada “infidelidade virtual” pode caracterizar infidelidade, desde que interfira na vida comum.

II – vida em comum, no domicílio conjugal: trata-se da intimidade dos nubentes como casal, e não da convivência sob o mesmo teto. O art. 1.569 proclama que o domicílio do casal será escolhido por ambos os cônjuges, mas um e outro podem ausentar-se para atender a encargos públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares relevantes. Por isso, só a ausência do lar conjugal durante um ano constitui, sem essas finalidades, caracteriza o abandono voluntário (art. 1.573).

III – mútua assistência: tal dever obriga os cônjuges a se auxiliarem reciprocamente, em todos os níveis (tanto moral quanto matrimonial e espiritual).

IV – sustento, guarda e educação dos filhos (comuns): o sustento e a educação constituem deveres de ambos os cônjuges; a guarda é, ao mesmo tempo, dever e direito dos pais.

V – respeito e consideração mútuos: incluem-se aí, além da consideração social compatível com o ambiente e com a educação dos cônjuges, o dever, negativo, de não expor um ao outro a vexames e descrédito.

 

 

 

  1. Direitos e deveres de cada cônjuge.

 

O CC/1916 regulava os direitos e deveres do marido e da mulher em capítulos distintos, porque havia algumas diferenças. Em virtude, porém, da isonomia estabelecida pelo art. 226, §5º, da CF, o novo CC disciplinou somente os direitos de ambos os cônjuges.

Art. 1.567. A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. Parágrafo único. Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em consideração aqueles interesses.

Art. 1.568. Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial.

 

 

  1. O exercício de atividade empresária pelos cônjuges.

 

Consoante o art. 966 do CC, considera-se empresário quem exerce profissionalmente profissão econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. O art. 977 estatui:

Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória.

 

A proibição da contratação de sociedade no regime da comunhão universal de bens deve-se ao fato de que os bens de ambos os consortes já lhes pertencem em comum e, por tal razão, a sociedade seria uma espécie de ficção. No que tange ao regime de separação obrigatória, a vedação ocorre por disposição legal, nos casos em que sobre o casamento possam ser levantadas dúvidas ou questionamentos acerca do cumprimento das formalidades ou pela avançada idade de qualquer dos cônjuges.

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
ANÔNIMO,. Direito de Família – Parte II. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/doutrina/familia/dtodefamiliaptii/ Acesso em: 28 mar. 2024