Novo CPC

Comentários ao Novo CPC – arts. 118 – 123

Neste 36º comentário, vamos enfocar uma das questões mais discutidas acerca do Projeto: os poderes do juiz.

O art. 118, que trata não só dos poderes, mas também dos deveres e responsabilidades, é composto por 9 incisos que reproduzem, em parte, o teor do
atual art. 125 do CPC, bem como consolidam diversos conceitos que vem sendo amadurecidos pela doutrina processual brasileira.

Passemos a um exame individualizado de cada um desses incisos:

I— promover o andamento célere da causa;

A ideia do Princípio da Celeridade enquanto parte integrante do moderno conceito do devido processo legal, é hoje amplamente aceita. A noção de que o
devido processo legal se funda em contraditório, ampla defesa e celeridade na prestação jurisdicional torna essencial a preocupação do magistrado com
os efeitos do tempo no processo.

Candido Dinamarco, nas Jornadas do IBDP (www.direitoprocessual.org.br) em 2010, em
Vitória, já chamava a atenção para a relevância da celeridade, ao lado da instrumentalidade e da efetividade do processo.

II — prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações impertinentes ou meramente protelatórias, aplicando
de oficio as medidas e as sanções previstas em lei;

Mais do que um devido processo legal, o NCPC busca um processo justo. De acordo com a doutrina italiana, justo é o processo que se apresenta em
consonância com as ditas garantias fundamentais (Comoglio, Taruffo e Ferri – Lezioni sul Processo Civile), que por sua vez abrangem as garantias
estruturais e as individuais, como ressalta Leonardo Greco, refletindo a partir do texto dos italianos.

Nessa perspectiva de um processo mais refinado, mais sofisticado enquanto instrumento de relacionamento e solução de controvérsias entre as partes
interessadas, vem a preocupação com os padrões éticos.

Num primeiro momento, o NCPC se dedica a reprimir os atos de má fé processual, o dolo, a improbidade no curso do processo. A partir daí, num segundo
momento, como se percebe pela leitura dos artigos 5º e 8º, o legislador deseja que as partes cooperem e colaborem na busca da melhor solução para
aquele problema.

III — determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem
judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária
;

Embora devesse ser algo lógico, intuitivo e automático, nem sempre, ou, a bem da verdade, na maioria das vezes, as decisões judiciais são solene e
vergonhosamente descumpridas.

À custa de desculpas esfarrapadas ou sob a alegação de fundamentos pouco críveis, muitos, simplesmente, desobedecem a ordem judicial.

Infelizmente, a legislação brasileira não apresenta um instrumento efetivo para coibir tal manifestação de abuso, pois na seara criminal a conduta pode
caracterizar o tipo do art. 330 do Código Penal, que por sua vez é tratado como infração de menor potencial ofensivo e, portanto, fica adstrita aos
limites do JECRIM, ao passo que no âmbito civil o legislador não introduziu em nosso direito a figura do Contempt of Court, a exemplo do
ordenamento norte-americano.

Mesmo nos casos das multas por descumprimento – astreintes – há jurisprudência bem consolidada hoje no sentido de não se permitir um aumento
desproporcional deste valor em relação à obrigação principal, o que acaba, ainda que indiretamente, por estimular os maus litigantes a não cumprir a
determinação judicial.

IV — tentar, prioritariamente e a qualquer tempo, compor amigavelmente as partes, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores
judiciais
;

Esse é um dos pontos chave do Projeto. Incentivar a solução consensual, dando tratamento diferenciado a cada tipo de conflito. Questões patrimoniais,
que envolvem relações “descartáveis” podem ser bem resolvidas com o uso das técnicas de conciliação.

Já os problemas surgidos no curso de relacionamentos estáveis e duradouros, havendo envolvimento emocionar ou psicológico entre as partes, necessitam
de uma outra abordagem, pois, muitas vezes, nem os próprios envolvidos conseguiram, ainda, compreender toda a dimensão do conflito, e muito menos a sua
origem. Nesses casos, a mediação é a única ferramenta capaz de proporcionar a resolução do litígio.

Importante ressaltar que o dispositivo usa o termo “preferencialmente”, dando a entender que em certas situações mais delicadas o magistrado pode
realizar pessoalmente a audiência prévia. Estamos em que tal alternativa deve ser reservada aos casos realmente excepcionais, pois ao participar de tal
ato, o juiz se “contamina emocionalmente”, ainda de forma inconsciente e pode ter reduzida a sua objetividade e neutralidade para o julgamento.

V – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova adequando-os às necessidades do conflito, de modo a conferir
maior efetividade à tutela do bem jurídico;

A redação que consta hoje deste inciso V é uma mitigação do texto que constava do Anteprojeto.

A redação original era a seguinte:
“V – adequar as fases e os atos processuais às especificações do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico,
respeitando sempre o contraditório e a ampla defesa;”.

Como se pode perceber, a ideia inicial de alargar os limites do Princípio da Adequação, chegando as raias da flexibilização procedimental, foi
rechaçada pelo Senado. Na verdade, é a segunda vez que isso ocorre. Já no ano de 2009, quando se examinava o Projeto de Lei n° 5.139/09 (nova Lei da
Ação Civil Pública), a Casa Civil da Presidência da República fez emendas ao texto original da Comissão com o objetivo de reduzir essa parcela de poder
dos magistrados. E, ao final dos trabalhos, como todos sabem, o texto acabou sendo rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos
Deputados (ver detalhes de todo o procedimento legislative neste blog, especialmente nos posts publicados entre outubro de 2009 e fevereiro de 2010).

Ao que parece, o Parlamento entende que a magistratura brasileira ainda não está preparada para exercer esse grau de poder no gerenciamento dos
procedimentos.

VI — determinar o pagamento ou o depósito da multa cominada liminarmente, desde o dia em que se configure o descumprimento de ordem judicial;

Aqui vemos uma louvável tentativa de conferir maior força as decisões judiciais. Esse inciso VI deve ser combinado com o inciso III. Importante, a
nosso ver, que a jurisprudência reveja o entendimento de que a multa não pode ultrapassar o valor da obrigação principal ou que não pode haver grande
diferença entre elas. O objetivo da multa não é propiciar o enriquecimento ilícito mas sim penalizar quem deliberadamente afronta a autoridade da
decisão judicial. Poderíamos pensar, por exemplo, num sistema de repartição do valor da multa, entre o autor da ação e o Estado, como forma de ponderar
os princípios envolvidos.

VII — exercer o poder de policia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais;

Interessante notar que, aqui, o texto já menciona a “segurança interna dos fóruns e tribunais”. Há hoje um quadro próprio em vários Tribunais, que por
anos, formavam sua segurança com empréstimo das policias civil e militar, no caso estadual, e da polícia federal, no caso dos Tribunais Federais e
Nacionais. Embora o CPC não seja o fórum adequado para este discussão e normatização, talvez fosse a hora do CNJ pensar em regulamentar esta atividade,
a fim de tornar a matéria mais transparente.

VIII — determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para ouvi-las sobre os fatos da causa, caso em que não incidirá a pena de
confesso;

Se de um lado é necessário preservar a autoridade do magistrado, garantindo que as pessoas arroladas compareçam ao Juízo, por outro, pensar que alguém
que é conduzido “sob vara” vai, efetivamente trazer elementos valiosos à instrução é no mínimo duvidoso. Melhor seria, a nosso ver, impor uma multa a
essas pessoas, como regra, por não atender a determinação judicial, e determinar a condução coercitiva apenas em casos excepcionais, como a defesa dos
interesses dos menores ou idosos em situação de risco.

IX — determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outras nulidades processuais .

Este dispositivo deve ser combinado com a parte final do art. 10:
“O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às panes oportunidade de se
manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha que decidir de oficio”
.

A ideia, aqui, é aproveitar, ao máximo os atos processuais, evitando que sejam pronunciadas nulidades ou seja o feito extinto, sem resolução de mérito,
desnecessariamente. Importante ressaltar que o processo gera despesas. Mesmo quando o autor é beneficiário da gratuidade de justiça, e se utiliza da
Defensoria Pública ou de algum serviço de advocacia dativa, há custos envolvidos. Hoje alguns Tribunais do país já desenvolvem estudos preliminares a
fim de calcular o custo de cada processo, inclusive e principalmente, nos JEC´s, onde o volume de feitos é imenso e a incidência da gratuidade, por
força de Lei, é um fator preponderante.

Após o exame desses poderes, nos cinco artigos que se seguem, há a repetição de regras já consagradas no nosso ordenamento.

O art. 119 determina que
“o juiz não se exime de decidir alegando lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico, cabendo-lhe, no julgamento, aplicar os princípios
constitucionais, as regras legais e os princípios gerais de direito, e, se for o caso, valer-se da analogia e dos costumes”.

Embora a regra já esteja arraigada em nosso ordenamento, não podemos deixar de observar que ainda se prende a uma lógica positivista e, portanto,
ultrapassada. Em tempos de neoconstitucionalismo e pós-positivismo o núcleo central da atividade hermenêutica está nos princípios constitucionais, o
que já foi amplamente comentado nos comentários anteriores.

O art. 120, ao determinar que “o juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”, também se mostra defasado, uma vez que o conceito de
equidade também parte de uma lógica centrada na norma positivada.

A partir do momento que se reconhece as diversas possibilidades e implicações da  hermenêutica principiológica, ou mais ainda, como bem salienta Lenio
Streck no seu genial “Verdade e Consenso” (Saraiva, 4aedição, 2011), toda a complexidade da hermenêutica filosófica e dos pré-conceitos que
influenciam a atividade de interpretação / aplicação da norma.

Art. 121. O juiz decidirá a lide nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige a
iniciativa da parte.

Trata-se de reafirmar o Princípio Dispositivo ou da Demanda, ou ainda da Inércia, ressaltando que há parcelas que podem ser concedidas pelo magistrado
independentemente de terem sido expressamente pedidas (pedidos implícitos, tais como juros legais e prestações vincendas) e, ainda, questões que podem
ser objeto de apreciação judicial independentemente de pedido (questões de ordem pública, como as nulidades absolutas, os pressupostos processuais e as
condições para o regular exercício do direito de ação). Mesmo neste último caso – questões de ordem pública – incide a restrição do referido art. 10,
eis que, como o Novo CPC, o magistrado tem que facultar a manifestação das partes, mesmo nesta hipótese, não lhe sendo mais permitido, como ocorre nos
dias atuais, decidir de plano sem ouvir as partes.

Art. 122. Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado
por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes, aplicando, de oficio, as penalidades da litigância de má-fé.

Este artigo deve ser combinado com o Art. 83, III: “Art. 83. Considera-se litigante de má-fé aquele que: (…) III — usar do processo para conseguir objetivo ilegal;”

Para sancionar tal conduta, o Art. 84 prevê a imposição de multa entre 2 e 10 por cento do valor corrigido da causa, além do pagamento de indenização à
parte contrária pelos prejuízos eventualmente sofridos, bem como dos honorários e de todas as despesas efetuadas.

Art. 123. O juiz responderá por perdas e danos quando:

I — no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

II — recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de oficio ou a requerimento da parte.

Parágrafo único. As hipóteses previstas no inciso II somente serão verificadas depois que a parte requerer ao juiz que determine a providência e o
pedido não for apreciado no prazo de dez dias.

Finalmente, a questão da responsabilização do magistrado. O Projeto opta por manter o mesmo sistema de responsabilização hoje vigente, ou seja, a penas
nos casos de dolo ou fraude, excluindo a culpa. Contudo, tal redação não tem impedido algumas ações indenizatórias ajuizadas contra a pessoa do
magistrado pro força de atos judiciais, tal como tem ocorrido com membros do Ministério Público, que, em alguns casos, respondem pessoalmente, a
despeito da doutrina majoritariamente sustentar que a responsabilização cabe ao Estado.

Quer nos parecer que desde o advento da Reforma do Judiciário, inaugurada com a Emenda Constitucional 45, no ano de 2004, e, posteriormente, com alguns
posicionamentos assumidos pelo CNJ, no sentido de intensificar o poder correicional sobre os magistrados, há hoje um controle mais rígido.

Especificamente, quanto ao texto do inciso II do art. 123, complementado pelo respectivo parágrafo único, é preciso lembrar que tal requerimento não
obsta seja acionada a Corregedoria do Tribunal e nem a Corregedoria Nacional junto ao CNJ.

Contudo, é preciso ter em mente que com o aumento exponencial do número de processos, fruto do alargamento da garantia do acesso à justiça, à vista do
aumento dos poderes e deveres do magistrado, tornam, em alguns juízos, praticamente impossível a tarefa de cumprir todos os prazos.

É de se esperar, que com o funcionamento, a pleno valor, dos filtros e incidentes de uniformização, haja uma grande redução no número de feitos, em até
cinco anos e aí, talvez a observância dos prazos em todos os processos seja algo mais factível.

Não podemos nos esquecer, por fim, do processo eletrônico, que ganha espaço a cada ano na realidade dos Tribunais e que, certamente, contribuirá para
reduzir a demora na prestação jurisdicional.

* Humberto Dalla Bernardina de Pinho, Promotor de Justiça no RJ. Professor Adjunto de Direito Processual Civil na UERJ e na UNESA. Acesse:
http://humbertodalla.blogspot.com

Como citar e referenciar este artigo:
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Comentários ao Novo CPC – arts. 118 – 123. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/novo-cpc/comentarios-ao-novo-cpc-arts-118-123/ Acesso em: 28 mar. 2024