Novo CPC

Comentários ao Novo CPC – Art.66


Neste
23º Comentário, faremos uma análise do art. 66 do PL 8046/10, que trata do
instituto do conflito de competência.

Interessante
observar que esta é apenas uma previsão genérica quanto ao cabimento deste
incidente. Sua regulamentação específica vem no Livro IV, Título I, Capítulo
IV, que corresponde aos artigos 904 a 912 do Projeto.

Ademais,
os Regimento Internos dos Tribunais podem dispor sobre a matéria, valendo
observar a interessante disposição que consta do art. 912, no sentido de que
serão regulados, também, o processo e julgamento do conflito de atribuições
entre autoridade judiciária e autoridade administrativa, embora não haja no
texto maiores esclarecimentos sobre esta ocorrência.

Neste
momento, não abordaremos as peculiaridades do incidente do conflito de
competência, mas apenas faremos algumas observações sobre a regra geral do art.
66, que tem a seguinte redação:

Art.
66. Há conflito de competência quando:

I –
dois ou mais juízes se declaram competentes;

II –
dois ou mais juízes se consideram incompetentes, atribuindo um ao outro a
competência;

III –
entre dois ou mais juízes surge controvérsia acerca da reunião ou da separação
de processos.

§ 1º O
juiz que não acolher a competência declinada terá, necessariamente, que
suscitar o conflito, salvo se a atribuir a um outro juízo.

§ 2º O
Ministério Público será ouvido, em quinze dias, nos conflitos de competência
suscitados nos processos em que deve atuar.

O
conflito de competência tem natureza de incidente processual. Por tratar de uma
questão fundamental para a regularidade do processo e por colocar em choque a
posição de dois ou mais magistrados, deve, necessariamente, ser resolvido no
Tribunal.

Isso,
partindo-se da premissa de que os dois magistrados pertencem à mesma Corte. Em
alguns casos, o conflito contrapõe juízes vinculados a organismos diversos,
sendo necessária a submissão desse conflito ao STJ ou ao STF, de acordo com as
normas pré-estabelecidas pela Constituição.

Pela
redação do art. 66, há três espécies de conflito: o positivo (inciso I), o
negativo (inciso II) e o híbrido (inciso III). Todos vêm definidos no texto
legal.

Interessante
a redação do inciso II, parte final, quando se vê a expressão “atribuindo
um ao outro a competência”.

A
“reciprocidade” é um dos pressupostos de constituição do incidente.

Em
outras palavras, de nada adiantaria que o juiz A declinasse a competência para
o juiz B, que por sua vez “passasse a bola” para o juiz C. Até então,
não haveria, tecnicamente, um conflito, mas sim uma sucessão de declarações de
incompetência. A partir do momento em que o juiz B também afirma a sua
incompetência, diz o parágrafo 1º, deverá suscitar o conflito.

Embora
essa regra já estivesse implícita, não custa deixar absolutamente claro o
procedimento, até mesmo para evitar a restituição indevida, o que causaria
atraso injustificado no procedimento.

Caso o
juiz não obedeça esse comando, ou seja, devolva os autos ao primeiro
magistrado, me parece ser o caso de reclamação ou impetração de mandado de
segurança, tendo em vista que o ato viola frontalmente o dispositivo legal e
pode causar tumulto processual.

O § 2º
trata da intervenção do Ministério Público. O legislador opta por uma solução
alternativa aqui. Entre não intervir e intervir em todos os incidentes, o texto
legal se guia pela tipo de processo no qual ocorreu o conflito. É a matéria
discutida nesse processo que deverá, ou não, estar prevista numa das hipóteses
do art. 156 do Novo CPC, que prevê o papel do M.P. enquanto fiscal da ordem
jurídica.

Não
obstante, por equívoco de sistematização ou revisão, consta disposição diversa
no artigo 904, parágrafo único do Projeto: “O Ministério Público será
ouvido em todos os conflitos de competência”.

Importante
aproveitar esse momento do procedimento legislativo para exterminar tais
“conflitos” de redação, pois podem dar origem a desnecessárias e
longas disputas doutrinárias e jurisprudenciais.

Uma
forma simples de resolver o impasse seria dar vistas ao MP de todos os
conflitos suscitados, deixando ao alvedrio do Parquet a opção de intervir ou
não, de acordo com a relevância da matéria suscitada nos autos ou com a
qualidade das partes envolvidas (incapazes, por exemplo).

Me
parece importante a intimação, na medida em que a competência é um dos
pressupostos processuais e, como tal, capaz de gerar graves consequencias para
a relação jurídica em casos de nulidade.

Outro
ponto dissonante diz respeito ao prazo. Pelo art. 66 § 2º, o MP será ouvido em
15 dias. Pelo art. 909 este prazo é de 5 dias.

Temos
que, com a informatização e crescente padronização das decisões, observada a
força dos precedentes no novo CPC, o prazo deve ser mesmo reduzido, até mesmo
como forma de evitar mais atrasos no procedimento em razão do incidente
suscitado.

Por
fim, embora não haja determinação expressa no art. 66, importante ressaltar que
o M.P. pode também suscitar o conflito quando for parte da demanda. Isto está
previsto no art. 904, caput.

Contudo,
a redação do art. 904, parágrafo único, deixa dúvidas ao referir que o M.P.
“terá qualidade de parte naqueles que suscitar”. Pergunto-me: o
Promotor intervindo como fiscal da lei, pode suscitar o conflito diante da
inércia das partes? Tenho para mim que sim, na medida em que ele pode arguir a
incompetência, como vimos no art. 65, parágrafo único. Nesse caso, teríamos uma
situação um tanto estranha, na medida em que no processo principal o Parquet
seria apenas fiscal da ordem jurídica, ao passo que no incidente, figuraria no
pólo ativo (suscitante). Seria uma forma de legitimidade híbrida, pois na
grande maioria dos casos em que atua como fiscal da lei, o Promotor não ostenta
legitimidade para ajuizar a demanda. Soa estranho não poder ajuizar a demanda
mas poder suscitar incidentes. Enfim, acho que é a interpretação que melhor se
coaduna ao espírito do texto e ao atual estágio da evolução institucional do
M.P..

*Humberto
Dalla Bernardina de Pinho, Promotor de Justiça no RJ. Professor Adjunto de
Direito Processual Civil na UERJ e na UNESA. Acesse:
http://humbertodalla.blogspot.com

Como citar e referenciar este artigo:
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Comentários ao Novo CPC – Art.66. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/novo-cpc/comentarios-ao-novo-cpc-art66/ Acesso em: 20 abr. 2024