Novo CPC

Comentários ao Novo CPC – Art.64 e art. 65

Neste 22º Comentário ao NCPC, já seguindo o texto incorporado ao PL 8.046/10, vamos tratar da incompetência, o que é objeto dos artigos 64 e 65.

 

Seção VI

Da incompetência

Art. 64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como preliminar de contestação, que poderá ser protocolada no juízo do domicílio do réu.

§ 1º A incompetência absoluta deve ser declarada de ofício.

§ 2º Declarada a incompetência, serão os autos remetidos ao juízo competente.

§ 3º Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos das decisões proferidas pelo juízo incompetente, até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente.

Art. 65. Prorrogar-se-á a competência relativa, se o réu não alegar a incompetência em preliminar de contestação.

Parágrafo único. A incompetência relativa poderá ser suscitada pelo Ministério Público nas causas em que atuar como parte ou como interveniente.

 

Inicialmente, há que se elogiar a redação enxuta e mais adequada utilizada.

Por certo, isto também é fruto da elogiosa opção da Comissão de “enxugar” o procedimento, de forma a libertá-lo de expedientes acessórios e frequentemente procrastinatórios.

Nesse sentido, não há mais necessidade de se prever peças distintas para a arguição da incompetência absoluta e relativa, pois o atual incidente de incompetência relativa não mais existirá no Novo CPC. Todas as questões preliminares, próprias ou impróprias, serão deduzidas na peça de defesa.

Desse modo, o art. 64 determina que ambas as formas de incompetência devem ser alegadas na contestação.

Interessante observar que a parte final deste art. 64 dispõe que a contestação “poderá ser protocolada no juízo do domicílio do réu”.

Trata-se de regra que prestigia o Princípio do Acesso à Justiça, na sua vertente “acessibilidade”, como bem descreveu Paulo Cezar Pinheiro Carneiro em sua clássica obra “Acesso à Justiça” (Forense, Rio de Janeiro: 2000). Ocorre que tal comando não é mencionado no capítulo próprio do texto que trata da contestação (arts. 324/330), gerando alguma incerteza.

Pergunto-me se foi esta realmente a intenção da Comissão, e depois, por um lapso, não houve menção a isto no capítulo próprio ou se foi uma idéia surgida inicialmente, mas abandonada posteriormente, sem que se fizesse o corte necessário nesta parte. Possível, ainda, uma outra interpretação, no sentido de que a contestação poderá ser protocolada no domicílio do réu apenas quando for suscitada, em preliminar, a incompetência, relativa ou absoluta.

Confesso que me inclino mais por essa alternativa, mas de qualquer modo, acho interessante que isso venha a ser esclarecido durante o procedimento legislativo na Câmara dos Deputados.

O § 1º determina que a incompetência absoluta deve ser declarada de ofício, deixando claro que se mantém a regra atual acerca da impossibilidade de tal providência quanto à relativa. Contudo o § 3º modifica o comando do atual CPC quanto à preservação das decisões proferidas pelo juízo incompetente.

Atualmente, na incompetência relativa, todos os atos decisórios são mantidos, ao passo que na absoluta, são declarados nulos.

Agora a regra passa a ser uma “presunção de validade” desses atos, que vale até que sobrevenha manifestação do juízo “verdadeiramente” competente.

Confesso que, diante do teor deste dispositivo, como qual concordo, pergunto-me se ainda seria necessária a distinção entre incompetência relativa e absoluta.

Alguns poderão responder que sim, diante da possibilidade de cabimento de ação rescisória na segunda hipótese (art. 485, inciso II do atual CPC).

Ocorre que o art. 919, inciso II do NCPC suprime a incompetência absoluta como causa autorizadora dessa ação autônoma de impugnação.

Acho que seria mais fácil, dentro do espírito de “enxugar”, tratar apenas do incidente de incompetência, o que, por certo, traria como efeito colateral, entre outros, o fim do fenômeno da prorrogação de competência (expressamente mantido pelo art. 65, caput do NCPC).

O § 2º mantém a regra atual segundo a qual, declarada a incompetência, devem os autos ser remetidos ao juízo competente. Como pode ser visto, a incompetência, tanto relativa como absoluta, mantém sua natureza de questão preliminar imprópria, ou seja, pode (incompetência absoluta) e deve (incompetência relativa) ser alegada na contestação, mas o seu acolhimento não importa na extinção do processo, mas tão somente na remessa para outro juízo (exceção feita à incompetência no Juizados Especial Cível, que leva à extinção do feito, na forma do art. 51, inciso III da Lei nº 9.099/95).

Finalmente, é inserido o parágrafo único no art. 65 do NCPC com o objetivo de sanar grande dissenso doutrinário e jurisprudencial que existia com relação à participação do Ministério Público neste incidente.

Fica claro que o M.P. pode suscitar ambas as formas de incompetência, independentemente da modalidade de sua participação no processo (ou como parte e fiscal da lei, ou apenas como fiscal da lei).

Obviamente, intervindo como custos legis, não ofertará contestação e, nesse caso, a incompetência deverá ser suscitada em sua manifestação (cota ou parecer).

Apesar da redação do dispositivo, uma controvérsia certamente surgirá em breve. E se o Promotor não suscita em sua primeira manifestação? Haveria também, aqui, a ocorrência da prorrogação da competência, fazendo-se uma interpretação sistemática com a regra do caput? Arrisco uma resposta afirmativa, eis que o parágrafo único que cuida da participação do M.P. está diretamente ligado ao que está determinado na cabeça do artigo.

Mas poderíamos, ainda, ir mais longe. E se a hipótese é de incompetência relativa, o réu não alega na contestação, e o MP a enfrenta em sua primeira manifestação, assim que tem vista dos autos?

Por questão de coerência, penso que deve o juiz acolher a promoção do MP e determinar a remessa dos autos ao juízo competente, eis que a Comissão de Juristas, ao permitir que o Promotor “custos legis” suscite tal questão, acabou criando hipótese de legitimação concorrente. Assim, a inércia de um legitimado não deve impedir que a providência seja efetivada por outro, a menos que haja exceção no texto legal, o que não me parece ser o caso.

Como citar e referenciar este artigo:
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Comentários ao Novo CPC – Art.64 e art. 65. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/novo-cpc/comentarios-ao-novo-cpc-art64e-art-65/ Acesso em: 19 abr. 2024