Novo CPC por Gisele Leite

Os poderes do juiz na execução

O conceito de tutela jurisdicional executiva[1] observou sumariamente a existência de divergência doutrinária acerca do conceito de execução forçada.

Num conceito mais amplo de execução é possível abranger tanto a execução por sub-rogação ou direta, quanto a execução por coerção ou indireta.

Verificou-se que a condenação funcionalmente existe para possibilitar o acesso do demandante ao processo de execução, sendo que esta função não decorre, necessariamente, de uma exigência do direito material, mas do sistema processual.

Assim considerada, a função desempenhada pela condenação pode ser encampada por outros instrumentos processuais que possibilitem o acesso às vias executivas.

Cogita-se em outros modos de verificação do destino do autor a fim de se lhe possibilitar o acesso à execução. No direito brasileiro isso ocorre por meio de formas sumárias de tutela, que permitem a realização de atos executivos com pouca ou sem qualquer verificação judicial acerca do direito afirmado pelo autor.

Considerando a sentença condenatória em si mesmo considerada, não tutela qualquer direito material, pode-se mesmo afirmar que não existem ações condenatórias, a não ser em hipóteses restritas como a prevista no art. 273 do CPC/73 que fulminou a ideia de que a execução deva ser precedida de cognição exauriente.

Assim, vigoram os princípios de nulla executio sine título e da autonomia entre a cognição e execução. Mas a ordem jurídica prefere limitar a atividade jurisdicional à declaração da existência ao juiz a execução do direito que tiver declarado se assim o pleitear novamente a parte interessada.

Assim a sentença condenatória mostra-se como instrumento limitador da atividade jurisdicional; a depender a jurisdição da provocação da parte, para a realizar os atos executivos.

Mas tal medida fora atenuada no ordenamento jurídico-processual brasileiro, ante a mitigação da própria sentença condenatória.

O juiz em crescentes oportunidades, pode realizar atos cognitivos e executivos na mesma relação jurídico-processual, sendo que tais atos executivos não dependem necessariamente, de cognição exauriente e definitiva.

Afora isto, as medidas executivas que antes eram delimitadas de forma taxativa[2] pela lei processual, já não o são, atualmente, de modo exclusivo.

Em diversas situações, notadamente quanto a execução de obrigações de fazer e não fazer (art. 461 do CPC) o juiz pode determinar os casos em que esta ou aquela medida executiva mereça ser aplicada, sendo que a norma jurídica apenas explícitos padrões genéricos a serem perseguidos.

Constata-se que no ordenamento jurídico ainda informado por ideais do Estado Liberal, que se vai permeando, pouco a pouco, por outros ideais decorrentes do Estado Social ou Estado Constitucional, onde a presença de um juiz atuante é mais perceptível.

Reconhece-se, desta forma, que as ações condenatórias estão perdendo terreno para as ações executivas lato sensu e para as ações mandamentais.

Isso porque a sentença condenatória revelou-se incapaz de eliminar os efeitos da violação jurídica, bem como de impedir que a violação se consuma ou ainda se perpetue.

A sentença condenatória apenas declara a sanção a ser aplicada. Parte da doutrina entende que somente há a verdadeira execução forçada na execução por sub-rogação, isto é, aquela que é inerente a vontade do executado.

Para os processualistas que adotam esta concepção a sentença condenatória, ao correlacionar-se com a execução por sub-rogação, exclui da sua proteção direitos que dependem para sua realização, do cumprimento de um fazer infungível ou de um não-fazer. Em verdade, a sentença condenatória representa apenas um iter para a realização da tutela executiva.

No entanto, a doutrina que distingue de forma absoluta as sentenças condenatórias das executivas lato sensu e das mandamentais. Mas essas sentenças não podem ser ombreadas com as condenatórias. Grosso modo, pode-se afirmar que tais sentenças estariam num grau superior em face da sentença condenatória.

Desta forma, não há relação de exclusividade entre a condenação e a execução direta ou por sub-rogação. E nada impede que as sentenças condenatórias sejam sucedidas por medidas coercitivas (vide o art. 644 do CPC).

O critério para saber quais as medidas executivas a serem realizadas (coercitivas ou sub-rogatórias) deve ser resolvido em atenção ao objeto da execução (dar, fazer infungível e, etc.) e não à decisão com base na qual se realiza a execução.

Mesmo nas ações mandamentais – a ordem que é expedida em caráter principal – e funciona como medida coercitiva, razão pela qual a doutrina aponta como elemento distintivo entre sentenças condenatórias e mandamentais apenas no fato de nesta, haver a ordem já na sentença, enquanto naquela não.

Por fim, a noção de que a execução indireta se busca obter o bem devido a participação do executado, mas não chega a excluírem as medidas coercitivas possíveis.

Admitindo-se que a execução tem por fim a aplicação de sanção, o que acarreta a realização de atos executivos independentemente da vontade do executado.

Há de se ter em vista que o conceito de sanção compreende as medidas coercitivas. Bobbio alude à sanção intimidatória como uma modalidade de sanção preventiva. Por essa razão, data vênia do que a defende a doutrina majoritária, acredito que a execução por coerção é modalidade de tutela jurisdicional executiva, nada impedindo que esta modalidade de execução ocorra em decorrência de sentença condenatória.

Não é a modalidade de sentença que permite distinguir a medida executiva que será realizada, mas, sim, o bem devido que se pretende obter com tal atividade jurisdicional.

De acordo com o princípio da tipicidade das medidas executivas, a esfera jurídica do executado somente poderá ser afetada por formas executivas taxativamente estipuladas pela norma jurídica.

Trata-se de princípio que existe para satisfazer a exigência de garantir a intangibilidade da esfera da autonomia do executado, que somente poderá ser infringida pelos mecanismos executivos expressamente previstos em lei.

Com o sincretismo processual, toda e qualquer tutela jurisdicional obtida por meio de interposição de uma única ação. Assim o processo instaurado propicia a obtenção de qualquer tutela jurisdicional. O que muda é o momento em que a tutela é prestada. Assim, em primeiro momento se decide a crise de certeza ou de situação jurídica (processo de conhecimento), após se a parte não cooperar e persistir em inadimplir, é prestada a tutela executiva.

O principal busilis para a efetividade do processo de execução estava na necessidade de citar o executado para pagar ou nomear bens à penhora. Com a reforma processual, restou sem sentido, cogitar em citação do executado. Então passou-se a se intimar o executado.

Apesar das reformas sofridas pelo vigente CPC persiste a autonomia do processo de execução ainda que no cumprimento da sentença. Se bem, há quem defenda que a dita autonomia só persista nas execuções de títulos executivos extrajudiciais.

É corolário do princípio due process of law a cláusula da efetividade do processo. Assim deve o Estado valer-se dos meios existentes para a efetividade e utilidade da execução, mesmo que não haja qualquer outro pedido específico. Afinal o processo deve dar ao exequente aquilo e exatamente aquilo a que teria direito, se o executado tivesse cumprido espontaneamente a sua obrigação (Chiovenda).

Há de se ressaltar que a tutela jurisdicional executiva não pode ser prestada de ofício. Mesmo quando se expresse em forma de fase executivo, sendo necessário o requerimento do credor. É um desdobramento natural e lógico do princípio da inércia da jurisdição. Portanto, os atos executivos estão ao dispor do exequente, assim poderá desistir de alguns atos ou em sua totalidade, conforme lhe convier, sem sujeitar-se à vontade do executado.

Já o princípio da patrimonialidade propõe um limite aos atos executivos, não sendo mais possível a prisão civil do depositário infiel [3], mas somente para o inadimplente da pensão alimentícia

O NCPC/2015 é bastante rígido na aceitação pelo juiz da escusa que importe no inadimplemento da prestação alimentícia. Somente a comprovação de fato que gere a impossibilidade absoluta de pagar justificará o inadimplemento. Como, por exemplo, grave enfermidade incapacitante do devedor, quebra ou falência de seus negócios, mora do credor que desaparece sem deixar o seu paradeiro ou recusa deste de apresentar recibo etc.

Se o devedor não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz mandará protestar o título executivo extrajudicial. Assim o Tabelião tornará pública a inadimplência do devedor, resguardando o direito de crédito do credor.

O que certamente engessará a capacidade do devedor de contrair empréstimos, financiamentos e gozar de crediário na praça, uma vez que os órgãos de proteção ao crédito (SPC, Serasa etc) solicitam dos tabelionatos de protesto as relações de pessoas que possuem protestos, lançando-os em seus bancos de dados.

Feito o protesto do devedor, ato contínuo, passa-se à decretação de sua prisão pelo prazo de um a três meses. Essa prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns, por não se tratar de pena criminal.

A jurisprudência do STJ admite em hipóteses excepcionais, nas quais fique cabalmente demonstrada a fragilidade do estado de saúde do devedor de alimentos ou sua idade avançada a possibilidade do cumprimento da prisão civil em regime semiaberto.

Encerrados os três meses de prisão, não paga a dívida, o cumprimento da pena não eximirá o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas. Muito menos terá o condão de cancelar o protesto, que só será levantado pelo pagamento integral da dívida.

O NCPC/2015 não silenciou[4] a respeito da renovação da prisão civil do devedor de alimentos. O STJ, dentro da sistemática do CPC/1973, admite a renovação do decreto de prisão civil, no mesmo feito executivo, desde que observado o prazo máximo fixado na legislação de regência.

Quando o devedor for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho, o credor poderá [5] em sua petição inicial requerer o desconto em folha de pagamento de pessoal da importância da prestação alimentícia.

Note-se que o empregador que não efetuar formalmente os descontos a partir da primeira remuneração posterior do devedor, a contar do protocolo do ofício judicial, demonstrado seu dolo, responderá por crime de desobediência. Não existe a modalidade culposa dessa infração penal.

Quanto ao princípio da disponibilidade é a admitida pelo NCPC a impenhorabilidade relativa sobre salários acima de 50 s.m. E, também quanto a questão da responsabilidade da pessoa jurídica admite nuances[6] como a do uso indevido da mesma pelos sócios ou seus administradores, e também se admite não só a desconsideração da personalidade jurídica[7] como também a desconsideração às avessas. Tão admissível pela doutrina e corroborada pela jurisprudência pátria.

Outro princípio relevante trata-se do resultado ou da menor gravosidade o que propõe uma execução equilibrada. Obviamente diante de haver mais de um meio de idôneo para a satisfação do crédito, tem que haver uma escolha pelas medidas menos gravosas ao executado, mas tomando-se o cuidado para não esvaziar a eficácia da medida coercitiva[8].

O NCPC trouxe novamente a inclusão em nosso ordenamento jurídico da cláusula geral[9] de efetivação da tutela já prevista no CPC de 1973 no art. 461, quinto parágrafo conforme a redação da Lei 8.952/94 quando foi estabelecida uma nova ordem jurídica e social no que tange o cumprimento das sentenças judiciais, conformando-as com os novos valores consagrados na CF/1988, especialmente aqueles referentes ao Estado Democrático de Direito, acesso à justiça e à dignidade da pessoa humana.

Antes prevalecia apenas a indenização em detrimento da entrega da tutela específica. E, pela doutrina liberal, até então, adotada, a lide se resolvia pela via de perdas e danos. Independentemente qual fosse o bem tutelado, fosse a vida, uma coisa ou mercadoria, tudo poderia ser precificado e, portanto, negociável.

Conclui-se que os poderes do juiz na tutela executiva visam enfim conciliar e atender ao interesse do exequente da forma menos gravosa ao executado e, propiciando um processo justo e capaz de garantir com sobriedade o acesso à justiça.



[1] Para melhor compreensão da função executiva no processo civil é verificar as crises jurídicas e a atividade jurisdicional. Marcelo Abelha divide os conflitos de interesses, a que denomina de crises jurídicas, em três categorias, a saber: a crise de certeza ( que ocorre quando há conflito de interesses entre as partes que precisam valer-se do Poder Judiciário para obter o provimento acerca da existência ou não da relação jurídica ou ocorrência ou não de fato juridicamente relevante); crise de situação jurídica (aquela em que as partes em conflito necessitam obter um pronunciamento judicial para que se crie ou constitua uma nova situação jurídica, modificando a situação anterior); a crise de cooperação, adimplemento ou descumprimento (que significa a necessidade de se obter do Judiciário o cumprimento de uma norma, uma decisão ou da relação jurídica inadimplida). Verifica-se que a chamada crise de cooperação é a que mais interessa quando estudarmos a tutela jurisdicional executiva. E, que segundo Cássio Scarpinella Bueno deve ser compreendida como sendo os efeitos externos ao processo, isto é, a realização concreta e sensível, de uma específica classe de tutela jurisdicional.

[2] Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.

[3] Mas a Súmula Vinculante 25 do STF prevê expressamente: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”. Assim não existem controvérsias sobre a legitimidade constitucional da prisão civil do devedor de alimentos, mas o mesmo não se dá em relação à prisão civil do depositário infiel. E, conforme prevê o art. 7º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, que dispõe: “Ninguém deve ser detido por dívidas”.

[4] Art. 528, sétimo parágrafo do NCPC: O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.

[5] Art. 529. Quando o executado for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa ou empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento da importância da prestação alimentícia.   § 1o Ao proferir a decisão, o juiz oficiará à autoridade, à empresa ou ao empregador, determinando, sob pena de crime de desobediência, o desconto a partir da primeira remuneração posterior do executado, a contar do protocolo do ofício.  § 2o O ofício conterá o nome e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do exequente e do executado, a importância a ser descontada mensalmente, o tempo de sua duração e a conta na qual deve ser feito o depósito.  § 3o Sem prejuízo do pagamento dos alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos.

[6] Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:  I – assegurar às partes igualdade de tratamento;  II – velar pela duração razoável do processo;  III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias;  IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

[7] Art. 133 . O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.  § 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.  § 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.  Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.  § 1o A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.  § 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.  § 3o A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.  § 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.  Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.  Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.  Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.  Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

[8] A lição de Luiz Guilherme Marinoni explica que o juiz não pode ficar subordinado somente ao que está expressamente previsto em lei. Se a tarefa do juiz está subordinada à estreita previsão de meio executivo, a legislação processual poderia negar0lhe as ferramentas necessárias para o cumprimento do seu dever e para o respeito ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Não é outra senão essa a razão de o legislador processual, no art. 461 § 5º do Código de Processo Civil, lançar mão de uma cláusula geral executiva, na qual estabelece um rol exemplificativo das medidas executivas que podem ser adotadas pelo juiz, outorgando-lhe poder para, à luz do caso concreto, utilizar-se da providência que entender necessária à efetivação da sua decisão judicial.

[9] As regras dos artigos 84 do CDC e 461 e 461-A do CPC são respostas do legislador à ideia de que tal direito fundamental exige que o juiz concentre poder para determinar a medida executiva necessária para dar efetividade à tutela jurisdicional, inclusive antecipatória. Tais regras, como já dito, instituem a possibilidade de o juiz determinar a medida executiva adequada ao caso concreto e, inclusive, variar o montante da multa necessário ao convencimento do demandado.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Os poderes do juiz na execução. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/novo-cpc-por-gisele-leite/os-poderes-do-juiz-na-execucao/ Acesso em: 20 abr. 2024