Diário de Estagiário

Querendo florear?

 

 

Sempre sou o primeiro a levantar a bandeira de que se deve escrever bem, corretamente e, o entenda necessário, um floreio até vai. Agora, se não sabe o que está fazendo, não faça!

 

Algumas palavras não podem ser empregadas com certos sentidos, mesmo que, em tese sejam sinônimos.

 

Para o exemplo prático, temos uma parte de uma contestação de ação ordinária de reintegração de ressarcimento de danos, onde a mãe é ativada por uma escola que teve uma televisão quebrada pelos atos imprudentes da filha da primeira:

 

“… não se está colocando em discussão a educação que a mãe dava à menina, mas de fato ela não repreendeu a filha quando o fato se deu na escola porque possuía pena da garota.”

 

Nosso problema? O verbo possuir. A não ser que a mãe tenha também bico e cacareje de vez em quando para combinar com as penas que ela possui, a palavra foi utilizada pessimamente.

 

 

 

Mesmo que “ter” seja sinônimo de “possuir”, eu não posso sempre usar um quando tenho o outro, mesmo porque, ninguém “tem” pena de outrém, e não porque somos malvados, mas porque estamos falando de um sentimento, portanto, sentimos pena!

 

“Ter” pena é um sentido figurado, um pouco estranho se pararmos para pensar, e se substituirmos a palavra empregada conotativamente há grandes chances de que a oração inteira vá por água abaixo.

 

O outro exemplo é de uma passagem de um processo de desconstituição de poder familiar, no qual o representante do Ministério Público tem como fundamento o desleixo com que a mãe tratava o filho:

 

“… Gabriel estava sendo negligenciado em seus cuidados básicos e, constantemente, era encontrado passando fome, sujo, sem fldas e assado.”

 

Além daquele “constantemente” estar desnecessariamente entre vírgulas, nosso problema ficou no “assado”. Neste momento estou pensando na criança fincada em um espeto com alguém o girando em cima de uma fogueira.

 

 

 

Ele não estava assado, ele tinha assaduras! Melhor ainda, o garoto apresentava assaduras pelo corpo. Ok, pra quem o imaginou em uma apresentação, mostrando as assaduras e discorrendo sobre elas, que tal dizer que assaduras se faziam presentes no corpo do menor? Essa última ficou um pouco demais para o contexto da oração apresentada, é verdade, mas tudo isso pra dizer, também, que algumas palavras não podem ser usadas com sentido figurado.

 

Pode me chamar de chato se quiser, mas que seja conotativamente, porque de amassado eu não tenho nada.

Como citar e referenciar este artigo:
BELLI, Marcel. Querendo florear?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/diario-de-estagiario/querendo-florear/ Acesso em: 19 abr. 2024