Sociedade

Boi Gordo

Boi Gordo

 

 

J. A. Almeida Paiva *

 

 

Os investidores foram surpreendidos, nesta última sexta-feira (11/1), com o fechamento da Matriz das Fazendas Reunidas Boi Bordo na Capital de São Paulo, onde estava concentrada toda sua administração e a brusca mudança do escritório para a cidade de Cuiabá, à Av. Miguel Sutil nº 8.695, 2º andar, fone (65) 314.3000.

 

Em nota divulgada à imprensa a empresa justificou a medida drástica como necessária para reduzir custos e ficar mais próxima de suas Fazendas.

 

Volta a empresa a alegar, como foi noticiado no Jornal “Diário de Cuiabá”, edição do dia 17/01/02, que “a escolha por centralizar as operações em Cuiabá deveu-se ao fato de que, das 111 propriedades da empresa em todo o País, 91 estão em Mato Grosso” e que “a desativação da matriz em São Paulo é uma tentativa de reduzir drasticamente os custos operacionais da empresa, assim como preservar o patrimônio para pagar os credores e levantar a concordata no menor prazo possível”.

 

No nosso modesto entendimento está se pretendendo mais um golpe contra os investidores, na vã tentativa de procurar manter a Concordata das FRBG no Estado de Mato Grosso, prejudicando a quase totalidade dos credores (99,4%).

 

Mas em nada adianta a mudança tresloucada dos inadimplentes devedores, que praticaram mais um ato com forte dose de má-fé e cheiro de fraude.

 

Existe um instituto em direito denominado perpetuatio iurisdicionis.

 

O nosso mestre professor Arruda Alvim esclarece que “o instituto da perpetuatio iurisdictionis se prende à necessidade de estabilidade da competência de foro, em particular, e, assim uma vez determinada e fixada esta, quaisquer modificações de fato ou de direito supervenientes são ininfluentes em sua estabilidade. Aplica-se a regra da perpetuatio iurisdictionis a todos os processos”.(1)

 

O instituto da perpetuatio iurisdictionis está consagrado no art. 87, do CPC, segundo o qual, “determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia.”

 

Se não fosse assim, estaria aberta uma porteira para a fraude e o desrespeito às regras de processo.

 

Ovidio A. Baptista Da Silva doutrinando sobre o princípio da inalterabilidade da instância esclarece que ele “tem seu fundamento na circunstância de que o processo deve, na medida do possível, realizar o direito material como se o resultado final produzido pela atividade jurisdicional do Estado pudesse suprimir o tempo decorrido entre o pedido de tutela processual formulado por quem se diga ofendido em seu direito e a data da respectiva resposta estatal. Em princípio, todos os eventos e circunstâncias subseqüentes ao ajuizamento da demanda são considerados irrelevantes, seja para introduzir modificações no órgão jurisdicional, seja para alterar a demanda ou a situação da coisa ou do direito litigioso” (2).

 

Há três critérios adotados pelo sistema processual e que vêm enunciados nos arts. 87, que fixa a competência com base na formulação da demanda; no art. 42, de acordo com o qual a alienação da coisa ou direito litigioso não altera a legitimidade das partes; e, a do art. 264 que veda a modificação do pedido ou da causa de pedir, após a citação do réu.

 

Se inexistissem tais normas seria muito fácil a parte poder burlar a lei, tanto que VICENTE GRECO FILHO já advertiu que “a regra da perpetuação da jurisdição evita, outrossim, que alterações fraudulentas da situação resultem em deslocamento do foro ou do juízo em princípio competente”.(3)

 

É bastante conhecida em São Paulo a cota da Douta Procuradoria de Justiça contrária à tese de uma empresa que mudara sua sede social para tentar deslocar o foro da falência, de São Paulo para o Rio de Janeiro, quando teve a oportunidade de observar: “Como se vê a mudança de endereço e da sede da agravante ocorreu posteriormente ao ajuizamento do pedido de falência e, assim, não pode vingar a sua pretensão de deslocar o foro para a comarca do Rio de Janeiro, ante o que estatui o art. 87 do CPC”, concluindo: “Por certo, essa transferência de sede social – tal como prevista na aludida alteração contratual, ocorreu inequivocamente, após a citação da sociedade-devedora, com evidência de má-fé e propósito de fraudar credores, sendo, destarte, insuscetível de modificar a competência do Juízo de Direito da Comarca de Ribeirão Preto para processar o pedido de falência, validamente formulado pela agravada.” (4)

 

Em diversos julgados o Tribunal de Justiça de São Paulo já firmou jurisprudência sobre a matéria, tal como no AI 151.607-4, da 6ª Câmara de Direito Privado, quando consagrou: “Competência. Falência. Requerida que procedeu à mudança de sua sede posteriormente ao pedido – Irrelevância – Competência que se determina no momento em que a ação é proposta – Aplicação do artigo 87 do CPC – Exceção desacolhida – Decisão Mantida.” (5)

 

No mesmo sentido, entendendo que a alteração contratual após a propositura da ação, com o objetivo de alterar a sede social da empresa tem evidência de má-fé e propósito de fraudar credores, insuscetível, portanto de modificar a competência é a decisão unânime do TJSP no AI nº 123.778-4. (6)

 

A competência para processar-se a Concordata e ou Falência das FRBG foi fixada no dia 15/10/2001, quando foi requerida sua Concordata Preventiva, que o TJMT deverá, esperamos, reconhecer que é em São Paulo, onde a empresa funcionava com seu principal estabelecimento, “entendendo-se por principal estabelecimento, não necessariamente aquele indicado como sede, nos estatutos ou no contrato social, mas a verdadeira sede administrativa, em que está situada a direção da empresa, de onde parte o comando de seus negócios” (7)

 

No mesmo sentido também já se manifestou o STJ a 09-09-1991: “Concordata Preventiva. Foro competente. Processa-se a CONCORDATA no local do estabelecimento principal, entendendo-se como tal onde se acha a sede administrativa da empresa, isto é, o comando dos negócios.” (8)

 

Pontes de Miranda é conclusivo ao afirmar que após a edição do CPC/73, isto é, “hoje, o princípio é de perpetuatio da jurisdição pela propositura” (9) da ação; é neste momento que se fixa a competência e a partir do qual não pode mais haver alteração que afete esta competência.

 

Desde o direito romano, ensina Celso Agrícola Barbi, “existe a regra de que a competência para determinada causa, uma vez fixada, não mais se modificará” (10) e nem “será alterada por modificações posteriores no estado de fato ou de direito. Modificação no estado de fato será, por exemplo, a mudança do domicílio do réu, que fora determinante da fixação da competência…..” (11)

 

É interessante consignar uma observação de Hélio Tornaghi quando observa que o processo não deve ser instrumento de dano para as partes, isto é, não lhes deve causar nenhum prejuízo.” (12)

 

Em sua Arte Poética, BOILEAU afirmou que “Avant donc que d´écrire, aprenez à penser” (13); realmente, antes de aprender a escrever é preciso aprender a pensar e a lei foi feita para ser interpretada, com equilíbrio e equidade, pois direito é acima de tudo bom senso, e sem este não haverá JUSTIÇA.

 

Logo, é irrelevante para o deslinde da fixação da competência para processar-se a Concordata Preventiva, o fato das FRBG terem no curso da discussão sobre competência de Foro, no Mandado de Segurança nº 2.607, que impetramos junto ao Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, terem alterado sua sede administrativa de São Paulo para Cuiabá.

 

Os ilustres desembargadores do TJ-MT julgarão o Mandado de Segurança nº 2.607, à luz das provas produzidas no processo, tendo em uma das mãos a lei e na outra os argumentos jurídicos, com a mente voltada para a situação fática e jurídica existente no dia15-10-2001, sem levar em consideração alterações posteriores na sede da concordatária, sob pena de prejudicar as partes inocentes, que na vexata quæstio são os mais de 30.000 investidores que tiveram um prejuízo superior a 1,3 bilhão de reais, equivalente a oito (8) vezes os prejuízos causados pelo famoso caso LALAU.

 

Uma vantagem concreta: a atual alteração e mudança da sede das FRBG veio provar que a sede administrativa da empresa realmente sempre foi em São PAULO-SP, para onde pretendemos trazer a Concordata que se processa na longínqua Comodoro-MT.

 

Notas de Rodapé

 

1 Manual deDireito Processual Civil, vol. 1, ed. RT 1977, nº 115, pág. 186/187

 

2 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1, ed. RT 2000, pág. 400/4001

 

3 Direito Processual Civil Brasileiro, 1º vol., 4ª Ed, Saraiva, 1987, nº 33, pág.214

 

4 JTJ-LEX, vol. 235, pág. 95, AI nº 151.607-4, Sexta Câmara de Direito Privado TJSP.

 

5 JTJ-LEX, vol. 235, pág. 93, AI nº 151.607-4, Rel. Des. MOHAMED AMARO, VU, julgado a 31-08-2000.

 

6 JTJ-LEX, vol.227, pág. 172, AI nº 123.778-4, 6ª C.Dir. Priv. UJSP, julgado a 07-10-1999

 

7 STJ, CC366/PR (198900087053) 2ª Seção, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, j. 11-10-1989, VU, DJ de 27-11-1989, pág. 17561 JBCC vol. 154, pág. 210.

 

8 STJ, CC 1779/PR (199100027294), 2ª Seção, Rel. Ministro NILSON NAVES, julgado a 14-08-1991, publicado no DJ de 09-09-1991, pág. 12170

 

9 Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo II, ed. Forense, pág. 165

 

10 Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, tomo II, ed. Forense, pág. 390.

 

11 Idem.

 

12 Comentários ao Código de Processo Civil, ed. RT, 1974, vol. I, pág. 297.

 

13 BOILEAU, Arte Poética, VERSOS 150, 153 E 154.

 

 

* Advogado e Professor. Website: http://www.almeidapaiva.adv.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
, J. A. Almeida Paiva. Boi Gordo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/boi-gordo/ Acesso em: 28 mar. 2024