Sociedade

Igualdade Social em uma Sociedade Desigual

 

 

 

I- INTRODUÇÃO

 

 

                        No estudo da História do Direito, observa-se que toda cultura tem um aspecto normativo, cabendo-lhe delimitar a existencialidade de padrões, regras e valores que institucionalizam modelos de conduta.

 

                        Nas manifestações mais antigas do Direito, as sanções penais estão profundamente associadas às sanções rituais, nas quais tanto as leis quanto os códigos foram expressões da vontade divina.

 

                        As antigas civilizações contribuíram muito para o amadurecimento do Direito, pois foi através do estudo da história dessas civilizações, que foi possível formular um Direito tendo como principal fundamento a dignidade da pessoa humana.

 

                        Código é uma lei que disciplina integral e isoladamente uma parte substanciosa do direito positivo. As antigas civilizações já disciplinavam a sociedade através de códigos, que tinham por objetivos fundamentais manter a ordem e a paz social combatendo, principalmente, o inimigo do Estado.

 

                        O Código de Hamurabi foi uma codificação de leis sumero-babilônicas, empreendida pelo rei Hamurabi (1728-1688 a.C.) e que vigorou por mais de mil anos entre inúmeros povos da Antiguidade Oriental. Contém 282 disposições sobre os diversos ramos do Direito e está exposto no Museu do Louvre, em Paris.

 

                         O Código Gregoriano foi um código organizado pelo jurisconsulto Gregório, compreendendo o conjunto das Constituições dos imperadores romanos desde Sétimo Severo até Deoclesiano e Maximiliano, dispostas em ordem cronológica.

 

                        O Código de Napoleão foi uma codificação inspirada por Napoleão Bonaparte (1769-1821), que começou a vigorar em 1804, ainda vigente. Sua orientação individualista faz com que esse código seja um importante veículo de desenvolvimento do capitalismo.

 

                        Os primeiros inimigos do Estado foram aqueles que ofendiam o poder soberano de um Estado, ofendiam o rei ou qualquer membro da família real. No período da Inquisição, os inimigos eram os hereges, os feiticeiros, os curandeiros e etc. Quando a burguesia chegou ao poder, torna-se o racismo o novo inimigo, caracterizando o criminoso com um ser inferior, um animal pouco evoluído. Na Revolução Industrial, criou-se uma nova instituição, a polícia, que nasceu para controlar os miseráveis e seus delitos, ou seja, o inimigo da sociedade atual.

 

                       No entanto, o que ocorre é a discriminação que o termo “inimigo do Estado” traz, afastando da pessoa que comete uma infração penal o direito de voltar à sociedade como um cidadão comum, que já pagou sua “dívida” com a justiça. Mesmo aqueles que cometem infrações penais, ainda que sejam graves, deveriam continuar sob a proteção do Estado.

 

                        De um modo geral, ao longo da história, nas sociedades, os dominantes buscavam uma alternativa para o trabalho através da escravidão. As vítimas mais famosas no Brasil foram primeiramente os índios e posteriormente os negros. Por incrível que pareça, até hoje esses elementos sociais são considerados como inimigos do Estado e são sempre discriminados e criminalizados pela sociedade.

 

 

II- CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 

                        O fundamento do Direito está na convivência humana. Para  que ocorra uma convivência harmoniosa em sociedade, o  ordenamento jurídico possui um marco fundamental – a Constituição Federal  – que irradia sua força normativa para todos os setores do Direito. A Constituição Federal fixa os limites e objetivos em relação ao exercício repressivo estatal de modo a estabelecer a abrangência da intervenção punitiva e as modalidades em que se exercitará o jus puniendi do Estado.

 

                        Há uma vasta gama de princípios previstos na Constituição Federal, explícitos e implícitos, que devem nortear a produção legislativa ordinária, operando como garantias diretas e imediatas aos cidadãos, bem como funcionando como critérios de interpretação e integração do texto constitucional.

 

                        O Estado brasileiro tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e o pluralismo político.

 

                        A soberania não precisava ser mencionada porque ela é fundamento do próprio conceito de Estado. A cidadania qualifica os participantes da vida do Estado, com o reconhecimento do indivíduo como pessoa integrada da vida do Estado. A dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atraí o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa são fundamentos de ordem econômica e o pluralismo político possui destaque por constituir uma democracia representativa e participativa.

 

                        O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é sem sombra de dúvidas o apogeu das garantias individuais, sendo expressão máxima da valorização do indivíduo enquanto ser humano, capaz de ver garantidos os seus mais básicos direitos, tais como a proteção à vida, à sua honra, às liberdades privadas e públicas, etc.

 

                        A dignidade da pessoa humana – da natureza humana – precede, portanto, o juízo e valores do legislador e vincula de forma absoluta sua atividade normativa, sendo um braço genérico e abrangente, que deriva direta e imediatamente deste moderno perfil político do Estado brasileiro, a partir do qual partem inúmeros outros princípios afetos à esfera criminal, que nele encontram guarida e orientam o legislador na definição das condutas delituosas e no exercício do jus puniendi.

 

                        Qualquer construção, cujo conteúdo contrarie e afronte a dignidade humana será materialmente inconstitucional, posto que atentatória ao próprio fundamento da existência do Estado.

 

                        A soberania sobre o território consolida-se a partir da presença do poder público ocupando todos os pontos do país, entretanto a soberania do Estado está ferida porque existem territórios onde o poder público não consegue penetrar, sendo necessário solicitar permissão ao “protetor” do lugar para que os agentes do Estado tenham acesso a certos locais.

 

                        O Estado não protege ninguém e os ricos contratam seguranças particulares, a classe média também contrata seguranças para suas ruas e condomínios e os pobres recebem proteção ou do “dono do morro” ou de milícias (grupo de policiais, bombeiros, ex-policiais, que expulsam os traficantes de comunidades carentes e passam a extorquir a população local).

 

                         O Estado abandonou determinadas áreas e marginalizou suas populações, empurrando-a para os braços do crime organizado.

 

                        Pena de morte? Tortura? Direitos iguais?  Isso na prática existe?

 

                        A justiça privada (dos traficantes, das elites, das milícias, da polícia) é sumária e rápida. Entregar um indivíduo a um grupo rival é sentenciá-lo à morte.

 

                        A tortura é uma herança cultural dos períodos autoritários e é largamente aplicada como meio de punição e imposição de disciplina em presídios e centros de medidas sócio-educativas, além de meio de extorsão econômica contra suspeitos, autores de crimes e presidiários.      

 

                        Como estabelecer em uma sociedade desigual, a igualdade perante a lei? A igualdade que deveria ser igual, acaba sendo um paradoxo, porque de acordo com o jogo do poder, cidadão é aquele que possui poder de consumo, e em razão disso, essa definição gera uma desigualdade numa sociedade capitalista, na qual a justiça se constitui de forma diferenciada para o indivíduo da classe média-alta e o indivíduo da classe menos favorecida.

 

                        É inaceitável um Estado que aplique a uma pessoa um direito diferenciado, afastando os princípios fundamentais da Carta Magna para definir a figura do seu próprio inimigo. Trata-se de um Direito expansionista que se define pela flexibilização de seus limites, o que vem por sua vez atacar os objetivos almejados pela República.

 

                        A Constituição Federal está sendo desrespeitada e o sentido de desconstituição do Estado é caracterizado pela restrição do Estado a determinadas regiões e a justiça privada invadindo a vida de toda uma sociedade,  porque o Estado não protege ninguém.

 

                        De um lado está a garantia que a lei será igual para todos e do outro uma prática autoritária, constituindo assim um paradoxo, pois parte da sociedade é formada pela população pobre, na qual a grande maioria é negra, que são discriminados e em muitos casos são considerados como suspeitos de  crimes pela sociedade. Assim sendo, não é possível acreditar em uma igualdade perante a lei, porque nem todos os indivíduos que compõem a sociedade tem conhecimento de seus direitos sociais e jurídicos.

 

                        Em razão disso, afirma-se que a desigualdade social impede o conceito de igualdade jurídica, porque o pobre já chega condenado por toda a sua história social, ocorrendo uma distribuição desigual dos direitos sociais.

 

 

III- CONCLUSÃO

 

                       A humanidade possui um passado violento, com escravidão, torturas, injustiças e intimidação pelo uso do poder e da força para conquistar países, terras, territórios e controlar o povo. Nesse sentido, essa humanidade reconhece a necessidade de criar mecanismos para uma convivência harmoniosa em sociedade, portanto foram criadas  as leis para regular esse convívio social, pois o fundamento do Direito está na convivência humana.

 

                       Na atualidade  o que garante o Direito é o poder e não a igualdade social, pois o Direito faz parte de todo o aparato estatal, com vista a implementar uma ideologia para a perpetuação das classes dominantes no poder, pois as leis  buscam proteger, em sua maioria, os bens jurídicos de maior importância para a elite, que por conseguinte são mais suscetíveis a ação dos menos favorecidos.

 

                        Atualmente, com o aumento da violência e do clamor social por justiça, ganham cada vez mais importância os temas relacionados ao direito de punir do Estado e a efetividade desse direito. O Estado decide, mediante seu ordenamento jurídico, quem é cidadão e qual é o status que tal condição comporta. A crítica que pode-se fazer é a de que o Direito democrático não pode deixar de tratar o homem como pessoa. O Estado de Direito não pode deixar de considerar a dignidade da pessoa, que é bem jurídico indisponível, sob pena de transmutar-se na figura de um Estado Absolutista. Nenhum ordenamento jurídico pode abdicar de regras e procedimentos que garantam a dignidade da pessoa.

 

                        Deve-se ressaltar que um “Direito” que priva o indivíduo de personalidade, suprimindo seus direitos essenciais, não é, efetivamente um Direito, pois embora tenhamos uma legislação liberal, que preceitua que todos são iguais perante a lei, as práticas jurídicas caminham  em sentido contrário, ou seja, o da desigualdade perante a lei, pois não há direitos fundamentais absolutos.

 

                        É necessário que todos estejam comprometidos com a realidade para que haja uma efetiva transformação social.

 

* Izanete de Mello Nobrega, Aluna do 3º Período do Curso de Direito da Universo São Gonçalo (RJ)

Como citar e referenciar este artigo:
NOBREGA, Izanete de Mello. Igualdade Social em uma Sociedade Desigual. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/igualdade-social-em-uma-sociedade-desigual/ Acesso em: 19 abr. 2024