Sociedade

Virtude versus punição

O senso comum tende a interpretar atos de corrupção como um desvio grave de caráter do seu autor. Tal desvio seria causado pela não consideração da moral e ética necessárias ao cumprimento do dever público. Esse tipo de conceituação leva, implicitamente, à exigência de certa virtude – como em Maquiavel – no exercício de qualquer cargo público (executivo ou de staff). Aqui procurarei mostrar que esse é um equívoco conceitual e, além disso, “proponho” uma alternativa mais objetiva para tratar o problema.

 

Esse princípio é, ao menos, ingênuo na medida em que confunde impulsos inferiores com os impulsos superiores que o ser humano possa vir a ter. Aqueles são representados pelo retorno egoísta que um indíviduo adquire com determinada ação. Já estes relacionam algum ato inesperado de bondade, moral e compaixão que o ser humano também pode vir a ter. Espera-se, portanto, que o “homem público” (em todo o organograma) seja um indivíduo com impulsos superiores a todo o tempo. O que a prática discorda veementemente.

 

Não há, antes que se diga o contrário, nada contra a moral e a ética. Estas são premissas e como tais não cabe discussão. Entretanto, quando um sistema social pede implicitamente que o indivíduo seja extremamente moral e eticamente responsável pelos seus atos, existem pessoas que naturalmente não terão tal comportamento. O dilema, portanto, é que ao tratar de questões relacionadas a ganho privado, como a corrupção, é preciso recorrer a outros fatores diferentes da moral e da ética para inibir tais ações.

 

Em outras palavras, e para simplificar a discussão, é preciso aumentar o custo de se corromper, visando assim criar incentivos negativos para que as pessoas não cometam atos de corrupção. Na medida em que estabelecendo punições e, o mais importante, submetendo os infratores a tais punições, cria-se um sistema social muito mais protegido contra atos dessa natureza.

 

A questão é básica mesmo: o debate atual gira em torno de considerar moral e ética na relação da pessoa com o Estado, sem entender que o mais importante é gerar incentivos negativos para que atos de corrupção não ocorram. Assim, se o ser humano tiver moral e ética é louvável, se não tiver e cometer uma ação danosa, pagará por isso. Nesse sentido, e no Brasil especificamente, houve avanços importantes nos últimos anos. O principal deles, e que coroa todos os demais, foi a lei de responsabilidade fiscal, que impõe severas penas para os administradores públicos que se utilizam do orçamento do Estado em benefício próprio.

 

Tal iniciativa é admirável tendo em vista o déficit institucional (marco regulatório e poder de execução) que temos atualmente. Mas, por outro lado, é preciso evoluir muito mais no sentido de controlar cada centavo de dinheiro público que é gasto. Nesse sentido sou plenamente a favor da “criação” de uma espécie de “quarto poder”, que teria como função justamente a aplicação de tal idéia: funcionaria como uma auditoria financeira de cada centavo de dinheiro público.

 

A criação veio entre aspas porque tal mecanismo de auditoria já funciona no país sob o nome de Ministério Público. Foi, à época da carta magna de 1988, uma inovação institucional brasileira que parecia ser de grande utilidade – e, em alguns casos, realmente tem sido – para o combate à corrupção. Entretanto, o MP carece de pessoal qualificado para exercer seus poderes plenamente. Uma sugestão é a reunião, conjuntamente com o MP, da Tribunal de Contas da União (ligado ao Congresso Nacional) e da Controladoria Geral da União (ligado ao Poder Executivo) em uma única instituição, independente e com plenos poderes.

 

Cabe uma outra ressalva importante: o processo de auditoria deve ser ativo e não passivo. É preciso criar um rito administrativo que aprove uma conta ex-ante dela ser efetuada. O atual mecanismo, de aprovação ex-post, é um contra-senso, na medida em que torna bem mais custoso (e difícil) o processo de combate à corrupção. Ainda sobre isso, tal rito administrativo deve ser inteiramente automatizado (envolvendo sistemas de aprovação on-line de despesas), impedindo assim que incorra em mais burocracia estatal – algo inadmissível para um país que queira ser capitalista.

 

Para terminar reafirmo que não há nada contra impulsos superiores, mas esperá-los a todo o tempo de pessoas que lidam dia após dia com dinheiro público é algo ingênuo em demasia para ser levado em consideração. Assim, é preciso reforçar as atuais instituições, criando mecanismos de auditoria financeira que controlem objetivamente o orçamento público. Além disso, tais mecanismos precisam ser automatizados, buscando uma eficiência tanto de recursos quanto de tempo, o que é salutar nos dias atuais.

website do autor: http://www.vitorwilher.com

Como citar e referenciar este artigo:
WILHER, Vítor. Virtude versus punição. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/virtudeversuspunicao/ Acesso em: 29 mar. 2024